terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Extraído de Dankmar e Cunhã/ "A Bandeira de Piratininga".


           O

     O Elo Perdido VIX.  ..Docs 14     .


                                                                                          

                            A última...

                  Bandeira de Piratininga.
  A historia de um Paulista...
"Último Bandeirante ainda vivo”..                  
                    “Uma história de Vida” 
     ....E a bandeira Piratininga....
.
Tudo começou assim...
               
 Ano de 1948
                

                     São José do Rio Pardo, Estado de São Paulo, ali morava a família de minha mãe Aracy Dias Porto, Meu pai havia falecido a 13 anos atrás, e assim meu avô a 7 ano e minha mãe a 3 anos, todos se foram restava eu e meus irmão Rolf e irmã Aracy que foi morar na casa de parentes e eu e Rolf continuamos a trabalhar e a  morar em pensão, trabalhei na Coccito Irmãos, Na Matarazzo, e numa fabrica de letreiros   Luminosos  gás neon. Mas meu coração estava longe dali eu só pensava  no Mato Grosso, embora não o conhecesse ainda, mas era para lá que eu deveria ir. E assim tomado desta ideia comecei a juntar uns troquinhos e resolvi partir sem avisar a ninguém.
      Eu tomei conhecimento que havia uma linha de trem entre São Paulo e Anápolis no Estado de Goiás, dali para Mato Grosso  seria de carona. Embarquei rumo ao meu destino, mas a minha fada madrinha trabalhou por mim e quando já estávamos com algumas horas de viajem decidi visitar os outros vagões e acabei saindo em cima de um que tinha apenas umas 15 pessoas e muita tralha, era uma Bandeira expedicionária que ia para Mato Grosso, me entrosei com a rapaziada,  pois eram na maioria de minha idade 19 anos,  e passei a viajar junto com esta turma, mas o chefe deles notando minha presença veio a mim perguntando:
      --Meu jovem, para aonde você vai?
      --Eu quero ir para o Mato Grosso.
      --O que busca  ali?
      --Tudo... conhecer os índios o seus moradores, enfim conhecer o sertão todo.
      --Estas  indo sozinho?
      --Sim meus pais faleceram e eu resolvi sair de São Paulo.
   --Pois então eu lhe convido a fazer oficialmente parte desta Bandeira, você tomará conhecimento da nossa finalidade entre seus colegas - e falando alto para todos ouvirem- Temos um novo companheiro de viajem. E voltando-se para mim perguntou:
 --Você tem alguma profissão?
    --Eu trabalhei vida toda em uma oficina mecânica de meu avô, entendo de motores, e da parte elétrica e enrolamentos de bobinas para motores, eletricidade em geral, , enfim tudo que for anexado a mecânica.
       --Ótimo  desde já estas nomeado para ser o encarregado da parte das armas e motores. Aceita
                    --Aceito... Dai para frente minha vida mudou radicalmente.           
                     Ingressando na Bandeira Piratininga 16 de junho de 1948.
                Era um grupo de  jovens paulistas  comandados  pelo rígido sertanista e jornalista Willy Aurelli.
                  Durante o trajeto fizemos uma profunda amizade e ele acabou me convidando para fazer parte oficialmente da equipe. E me fez  assinar um monte de papéis. Seu destino era São Felix do Araguaia no Estado de Mato Grosso, cuja missão seria encontrar e manter um contato pacifico com os arredios índios Xavantes, era  este o meu sonho o que faria era  gravar em minha memória todos os detalhes daquele mundo que eram terras de ninguém, Finalmente chegamos em Anápolis - GO, fim da linha do trem, o difícil da viagem começava ali  e,  fui escolhido para  ir a Goiânia, capital do Estado, e arranjar junto ao DERGO (Departamento de Estrada de Rodagens do Estado de Goiás) dois caminhões para levar a carga da Bandeira de Anápolis a Leopoldina na margem do Rio Araguaia.
                Com dois Oficio em mãos, não tive dificuldade, naquela época a Bandeira Piratininga era muito famosa e conhecida, fui muito bem recebido e atendido pelo Governo do Estado de Goiás e logo voltava a Anápolis com dois caminhões.
                Os carregamos e seguimos viajem ao começo da aventura passamos por Goiânia a nova Capital que surgia depois por Goiás Velho a antiga capital do Estado de Goiás.
                 De lá rumo ao tão esperado rio Araguaia, que em sua margem ainda no Estado de Goiás, cravejava a pequena e linda cidade de...Vila Santa Leopoldina do Araguaia. Hoje Aruanã. GO.


Ás margens do rio Araguaia na divisa com Mato Grosso. a beleza exuberante do marco do pioneirismo.

Santa Leopoldina do Araguaia - Hoje  Aruanã.

     “Leopoldina”... A esmeralda do rio Araguaia.
                Ali, ás margens do rio Araguaia, na divisa de Goiás com Mato Grosso sob a sombra de um frondoso pé de Tamboril bem na barranca do rio eu olhava fascinado o tremular das águas, e, em seu porto a velha vila guardava ciumentos restos de três embarcações a vapor. Uma caldeira de ferro maior e duas menores que pertenceram aos barcos: Araguaia, Mineiro e Colombo que, teimosamente pareciam querer resistir ao tempo, como a lembrar: “Viemos de Cuiabá para o Araguaia em dezessete carros de bois para conduzirmos Couto Magalhães na sua pioneira tentativa de priorizar a hidrovia no rio Araguaia”. Fechei os olhos e fiquei a sonhar relembrando como tudo poderia ter acontecido, cheguei a ver aquelas embarcações todas novas e inteiras resfolegando fumaça em suas chaminés, elas faziam parte da Empresa de Navegação a Vapor do Rio Araguaia. Era por volta de 1890, à chamada Hidrovia Araguaia - Tocantins, que fora criada para fins de navegação comercial e sua criação remontavam as últimas décadas de XVIII. Cem anos depois se criou à referida empresa, que somadas a ela foi implantada uma estrada de ferro que, partindo de Nazaré dos Patos ou Tucuruí, às margens do rio Tocantins, terminasse no ponto denominado Praia da Rainha ou em suas proximidades, as margens do mesmo rio (trecho que margeava a Cachoeira de Santa Izabel). Dali uma linha de navegação a vapor de Belém ao ponto denominado Praia da Rainha, de linhas de navegação a vapor nos rios Araguaia e das Mortes em suas seções navegáveis devendo estender-se aos afluentes desse rio bem como ao do Tocantins. A Estrada de Ferro Tocantins e as linhas de navegações citadas foram criadas no pressuposto de que seriam autossustentáveis e levariam certo progresso às regiões por elas servidas porem, naquele tempo, a pequena densidade demográfica e o subdesenvolvimento das regiões abrangidas, levou essas iniciativas ao fracasso. No baixo Araguaia e Tocantins, a navegação teve um relativo desenvolvimento, devido às plantações de cacau, café e castanha do Pará que existiam na região. Mesmo assim com o declínio das atividades um numeroso contingente populacional procedente dos castanhais localizados nas áreas de Marabá e Tucuruí ainda permaneceu no Vale do Baixo Tocantins e Médio Araguaia, vivendo da agricultura de subsistência, de uma limitada atividade pecuária, da pesca artesanal e da Castanha do Pará.                                       
                Dos restos dos barcos a vapor, só sobraram às caldeiras de ferro das embarcações e algumas peças e 120 anos após ainda teimam em sobreviver. Hoje elas fazem parte de um belíssimo jardim a beira rio na cidade da antiga Santa Leopoldina do Araguaia, depois Leopoldina e hoje Aruanã no Estado de Goiás, onde se perpetuarão. 

Na sequencia dos acontecimentos...
  
              Sentia tudo novo para mim, havia chegado de São Paulo no dia anterior como membro da Bandeira, acordara cedo naquele dia. No rio a movimentação já era grande, uns desciam para banhar, outros para lavarem os rostos ou escovar dentes e alguns só para ficarem olhando os barcos. . A mercadorias da Bandeira já estavam sendo baldeados para dentro de dois barcos ancorados, a nossa turma e alguns índios Carajás ajudavam. Estava embevecido, olhava os pássaros revoando, os peixes a riscarem as águas, os botos arfando sobre a superfície e mais um pouco abaixo, acerca de quatro mil metros, o roncarem das águas no travessão de pedra parecia gritar uma advertência para que os homens não maculassem o que rio abaixo escondia. Do outro lado, já no Estado de Mato Grosso, uma vegetação espessa como uma barreira verde parecia esconder em seu seio misteriosos perigos de uma fascinante violência, eu me perguntava “O que haveria por traz daquele muro verde?” Certamente um mundo deserto e sem mínguem.
                Muitas coisas passavam pela minha cabeça. O meu pensamento ia bem mais alem, e lá por traz, rumo ao pôr do sol, aonde chegaria? E o que eu acharia? Certamente muitas serras, matas, mistérios, lendas e índios? Era um mundo sem dono, eram realmente...

               “Terras de ninguém”.

                Parei de pensar quando escutei um bater ritmado de um remo no “beiço” de uma canoa acompanhada por um cantar sofrido e monologo, mas bonito, era um índio Carajá que chegava ao porto. Desci o barranco e fui para a beira d’água encontrar-me com ele que logo aportava bem perto de mim, e descendo puxou a “ubá” mais para fora da água e com um largo sorriso me cumprimentou:
                 --Olá Tori.
                 --Oi.
                 --Você mora aqui?
                 --Não – respondi - Cheguei ontem de São Paulo e onde você mora?
                 --Djaram  mora lá na Aldeia Carajás da barra do rio Tapirapés, é muito longe, cinco dias de viajem de barco motor.
                 --Nos vamos descer para São Felix do Araguaia, eu estou junto com a Bandeira Piratininga, naqueles dois barcos ali que estão carregando - falei mostrando-os.
                 --Huumm o piloto daquele motor é o Kurichira é um índio Carajás meio doido cuidado com ele.
                  --Como assim? – perguntei.
             --Ele estava no morro de São Félix há muito anos quando os índios Kurussas (Xavante), bateram na cabeça dele com corroté (porrete) e ele, mesmo com a cabeça quebrada caiu na água do rio e nadou até a Aldeia que fica uma légua abaixo lá os outros índios o tiraram da água, mas nunca ficou bom de todo.
                 --Obrigado pela informação, mas vou chegando até lá para ajudar carregar os barcos, nos vamos descer hoje ou amanhã cedo não sei ao certo - agradeci e sai, não sabia eu, aquele momento, que aquele índio de nome Savarú se tornaria um dos meus grandes amigos.
                Todo nosso pessoal estava se aprontando para embarcar, mas antes iríamos almoçar como sempre o subchefe Darci falava mais que todo mundo e distribuía ordens:
                 --Você, Nito, Aurélio, Kleber, Dankmar, Clóvis e – apontando para outros dois disse – vocês também vão no outro Barco.
                 --Espere Darci, interrompeu Willy o Dankmar vai neste barco, ele é bom mecânico e posso precisar dele.
                 --Tudo acertado? Vamos comer e partiremos às 11.30 horas em ponto - OK?
                 --Tudo bem - foi á resposta geral.
                Foi uma correria atrás dos pertences que os zelosos companheiros largaram pelas casas, ás 11.30 em ponto partimos, nosso barco saiu na frente entre acenos e adeus, empurramos os barcos para o meio do rio, a verdade é que o pessoal estava gostando da pequena vila e de seu povo.
                A esmeralda do Araguaia foi ficando para trás isto nos dava um pouco de tristeza, mas eu tinha um trabalho a fazer, comecei as minhas anotações e rascunhos, suspirei ao pensar na imensidade de meu trabalho como também era apenas um expert em topografia, afinal era a minha oportunidade de fazer algo grande, como...

“A grande viajem”.
 
                 O começo da primeira aventura...
                A viagem com destino a São Félix do Araguaia, 120 léguas, ou 720 quilômetros rio abaixo, teve inicio. Em tempo de estiagem as praias alardeavam uma alvura sem mácula e estavam em toda a sua plenitude, o rio caracolava por entre elas parecendo querer encurtar o caminho, nosso barco, tal um dançarino habilidoso conduzido pela mão do piloto ia contornando os bancos de areia. Pássaros de todas as cores povoavam as margens e fiscalizavam as águas. Nossos barcos um tinha um motor de popa Archimedes de 12 HP a gasolina, no outro um motor de centro Penta de 10 HP. O segundo barco que era o maior estava mais carregado e o nosso grupo estava dividido no barco menor iam a Chefia da Bandeira e também a Dona Jacy mulher do comandante Willy e eu ia sentado o tempo todo na proa olhando as maravilhas e tomando no rosto a brisa suave, no piloto o índio Kurichira todo tranqüilo.
                Logo após a saída, ali por volta do meio dia, alguns quilômetros abaixo o travessão de pedra começava a roncar mais alto logo estávamos em cima dele, o piloto habilidosamente jogou o barco no canal central entre duas grandes pedras em meio um turbilhão de borbulhas, quando menos pensávamos já tínhamos passado e o rio voltava a sua calma. Novas paisagens foram aparecendo naquela tarde cheia de sol, passamos por uma fazenda chamada Dumbasinho, e ao anoitecer avistamos a vila de Cocalinho na margem de Mato Grosso, neste dia dormimos na praia em meio ao rio. Fizemos um rodízio do plantão, mas aquela calma do anoitecer, a brisa suave, as estrelas cintilantes como nunca as havia visto antes, o riscar dos peixes sobre as águas e o canto dos pássaros noturnos me fizeram ver outro mundo que eu não conhecia, mas lá no fundo do coração batia uma saudade de casa, adormeci ali mesmo na cama de areia que havia feito.             
                   Alguns companheiros se dedicaram a pescar.
                No outro dia, mal a luz do sol começara aparecer já estávamos de pé, tomamos nosso café com bolachas e embarcamos rio abaixo, e logo a seguir passamos por um povoado, fizemos uma pequena parada junto aos moradores, negros remanescentes dos quilombos, fugidos da escravidão, e os vi bem de perto, eram bem pretos com cabelos em caracol e barbicha, outros tinham fisionomia e traços de homens pré-históricos certamente seus tipos eram transcendentais e suas características antropométricas não se identificavam a nenhuma outra que eu conhecia. O local era na margem esquerda do rio, isto é do lado do Mato Grosso e se chamava Travessão Riuna, logo a seguir passamos pela barreira Anhanguera onde morava o Henrique alemão, mais abaixo avistamos umas moradas do lado de Goiás que se chamava Piedade onde morava outro alemão de nome Alfredo e sua família, na mesma margem uns quilômetros abaixo despontaram o povoado de São José dos Bandeirantes, neste segundo dia dormimos em uma enorme praia bem no meio do rio. Foi outra noite maravilhosa, mas um inesperado susto quase me fez correr, já eram lá pelas tantas da madruga e eu como sempre havia feito a minha cama na areia meio retirado do acampamento, sempre fui muito solitário, de repente comecei a escutar pisada rangerem na areia, eram muitas, e viam no meu rumo, levantei a cabeça bem de vagar, mas não conseguia ver nada e as pisadas iam chegando mais perto e mais forte súbito senti que estavam quase em cima de mim ai me sentei e dei um grito, foi pior, o grito delas foi bem maior, eram umas oito ou mais capivaras que vinham pela praia rumo ao rio e como a noite estava escura elas também não me enxergaram e nem havia me sentido, sei que vinham na minha direção todos se espantaram e quase fui atropelado na disparada doida para se jogar na água, numa noite silenciosa como aquela foi um barulho infernal que acordou todo o acampamento, mas depois do susto passado foi só risada, mas eu quase me assombrei. Fui dormir mais perto do fogo. (anos mais tarde, junto com meu irmão Rolf o mesmo fato tornou a se repetir, em outra praia).
                Ao clarear do dia, pudemos ver os rastros das capivaras, eram muitas, grandes e pequenas. 
                Zarpamos deixando gravada a primeira aventura. Naquele terceiro dia de viajem passamos por Luiz Alves, uma pequena vila no Estado de Goiás.
                Logo depois Willy, lá na proa do nosso barco junto comigo me chamou a atenção dizendo:
                --Dankmar daqui a pouco você vai conhecer a maior Ilha fluvial do mundo a Ilha do Bananal, ela começa bem naquela curva aonde se forma o braço menor do Araguaia que é o rio Javaé, a nossa direita, muita poucos brasileiros tiveram até hoje este privilégio.
                Logo aparecia a curva e avistamos a forquilha do rio se separando, do lado esquerdo o Araguaia do lado direito o Javaé. Formavam uma ilha com 600 quilômetros de comprimento por 110 quilômetros em média de largura, um verdadeiro estado, metade da ponta sul era o Parque Nacional a outra metade da ponta norte uma reserva indígena dos Carajás.
                 Na praia, um casal de Cervos, nos olhava passivamente como a não se importar com a nossa presença, centenas de patos selvagens banhavam entre os marrecões e os colhereiros com suas penas rosadas, gaivotas alardeavam com seus gritos e mergulhavam nas águas ricas de peixe, daí para baixo o rio se estreitava um pouco e suas águas corriam mais e começava uma sanha devoradora de assoreamento, as águas batiam contra as barreiras e faziam rolar grandes arbustos para dentro do rio, praias inteiras estavam sendo carregadas, mudando de lugar para abrir um canal mais fundo para o rio. Não era uma constante, mas, começavam aparecer, preocupado comecei estudar aquele fenômeno e cada vez que parávamos analisava a cor da água e seu componente, fazia gráficos, media profundidade do canal com uma vara e fui anotando tudo, quanto mais descíamos o rio mais mudanças apareciam.                                                                   
                Fizemos uma parada na Barreira de São Pedro na ilha do Bananal, fazenda esta de criação de gado de propriedade de Ubaldino Rios, residente na cidade de Goiás Velho, antiga capital do Estado de Goiás. A barreira alta e firme pouco sofria com a força da água foi quando cheguei à seguinte conclusão: “Imaginei uma pequena mina em uma colina na nascente deste rio. Por todo ano, varias vezes, a chuva caia em forma de pingos sobre um declive, uns captados pelas raízes, outros formando pequenas poças, alguns penetrando por fendas no leito rochoso e se juntando a pequenas aglomerações formando um tênue filete de água em busca de uma forma de vida maior e alguns se evaporando, começa ai o ciclo inicial da vida do Planeta Terra. Nós sobrevivemos em razão deste simples toque divino. Esta nascente brotada naquela colina gera o filete de água que em algum ponto mais abaixo se junta a outras nascentes alimentando um riacho que desce em direção ao seu destino. Mesmo no período das secas estas minas dificilmente perecem e juntando-se a outros riachos já como rio continua seus caminhos em direção ao fundo do vale carregando água drenada de centenas de quilômetros quadrados de terra e finalmente, num abraço apertado, dão forma a uma bacia hidrográfica e juntos empurram e carregam 660 milhões de toneladas de fragmentos para os oceanos por ano, e ali estava ela, bem a minha frente e não podemos deixar de lembrar que muito mais que isto é o montante de terra retirado pelos rios e que são carregados por tempos a lugares indeterminados e novamente despejados sobre a terra formando os chamados deposito aluviais, e isto tudo aqui por baixo de nosso barco, passei a observar que a água só tem poder de sucção e de empurrar, mas, ela, por si só não pode talhar, para este trabalho ela depende principalmente dos fragmentos de rocha, assim como a mão usa o lima para moldar um ferro o rio usa a areia e as pedras para cavar seus canais, notei que enquanto pedaços de rocha e areia estão fazendo escavações à água empurra, golpeia e suga o produto deste trabalho para o fundo do canal ou para os lados. Assim ela dissolve os minerais da rocha e a lama e este rio não é exceção desta regra. A natureza tende a fazer com que os rios endireitem seus canais tomando uma linha reta por tal motivo estamos vendo a águas golpeando com violência, escavando por baixo solapando os barrancos, derrubando arvores e abrindo novos caminhos e ao mesmo tempo formando lindas praias, é o seu trabalho, “mas, continuarei minhas pesquisas oportunamente por enquanto voltemos á nossa viajem, a coisa aqui na Fazenda São Pedro de repente melhorou muito quando passamos a conhecer seus moradores”.
Plantando o futuro...
                       A semente começou a germinar a partir daquele dia em que a conheci...
                    Aleixo Paciente da Silva era o gerente da Fazenda e tinha sua esposa Joaninha Paciente da Silva, e quatro filhas de nomes Geronima, Maria, Raimunda (Mundica), Noemi e um filho ausente de nome Mariano. E ao lado da casa, mais abaixo uma pequena aldeia de índios Carajás, nada mais do que duas ou três casas, o cacique era um índio que tinha o nome “Cachoeira”. Pensei que havíamos chegado ao paraíso e não fui só eu, todos pensavam assim, fomos bem recebidos compramos umas rapaduras, conversamos muito com as meninas depois nos despedimos e seguimos viajem. Sinceramente senti que deixava ali alguém muito importante para mim e foi mesmo, pois, cinco anos depois, a 14 de março de 1953 eu me casava com a jovem Maria Paciente, foi o primeiro casamento civil de São Félix do Araguaia, mas isto será contado mais adiante do Caracol e mais para o oeste quase rumo sul a Serra do Magalhães, naquele dia almoçamos a bordo, chegamos exatamente às 16.00 horas da tarde.
                Uma verdadeira multidão já nos aguardava no porto, alias, eram muitos os lugares para encostar barcos, foguetes estralavam por todos os lados e tiros eram disparad  Neste terceiro dia dormimos na praia do rebojinho, o barulho infernal das águas contra as pedras e a barreira, dava um tom de inquietude, e os peixes pareciam estar em guerra uns a cata de outros e a movimentação do redemoinho facilitava a caçadas dos peixes mais lentos, a pescaria só não foi boa porque quase todo o peixe de superfície sempre tem muitos espinhos e as “cachorras” predominavam. No outro dia partimos cedo era nossa meta chegarmos a São Félix, passamos por Barreira de Pedra e pela barra do rio das Mortes com o Araguaia e logo depois da grande curva avistamos a pequena vila, ao fundo, muito longe no horizonte no lado de Mato Grosso, vislumbrava-se a Serra os às dezenas, de todos os tipos de arma, fora uma recepção e tanto.
                Nosso barco bem manobrado aportou bem perto de outro barco da região notei que o nome era muito peculiar “Frei Chico” era um barco grande porem com um só motor de centro que era uma maquina estupenda, grande e de um só cilindro, era um motor “Bolinder” a que chamavam de cabeça quente, pois para ele funcionar era preciso esquentá-la a maçarico, a seguir um enorme tubo de ar comprimido dava inicio a movimentação era impossível acionar a sua partida a mão, só o volante devia pesar quase mil quilos, também para movimentá-lo tanto fazia por óleo Diesel, óleo de jacaré ou óleo de peixe era a mesma coisa, foi o primeiro motor a funcionar, naquele tempo (1948) com o hoje tão prolatado biodiesel, sei disto porque inicialmente o observei por dois dias, mas quando o Tônico Bosaipo, seu proprietário o funcionava, a cidade toda tremia.
                     A recepção da Bandeira Piratininga em São Felix do Araguaia.
                     Enquanto isso...
                   Willy fora levado para a casa de Severiano Neves o piauiense que fundou aquela vila que veio a se chamar São Felix do Araguaia, pois tinham muito que conversar, afora os problemas existia o lapso de tempo de ausência, mas uma pequena multidão os acompanhou. Realmente o Chefe era muito querido por aqueles sertanejos e uma vez instalados, tomaram um cafezinho que a esposa de Severiano a Dona Edilia havia feito e iniciou-se uma longa conversação e, eu também estava lá, sempre entrosado ali presente notei o semblante abatido e senti que Willy internamente remoía lembrando a distancia de quatro anos que volvia sobre o mesmo roteiro e pisava novamente a terra  que tantas lagrimas soubera. Logo adiante o tumulo de seu irmão e os farrapos de recordações dolorosas.
                   Acolhida amiga.
*Recordações afluindo, Azafama alegre dos primeiros momentos de desembarque. Lugar apropriado para instalação de um bom acampamento. Sombra e água fresca (porto da manga).
Foi logo depois que veio ter conhecimento das graves novidades. Os Xavantes estavam depredando tudo, vindo das brenhas, aterrorizando os moradores, muitos dos quais já tinham debandado à margem oposta do rio, pondo a largura da imensa via fluvial de permeio aos índios agressores. Os remanescentes viviam dentro da incomensurável angustia da eterna ameaça. Os retirantes da localidade de Caracol, lá estavam seminus por terem perdido tudo quanto possuíam, olhos ansiosos e interrogadores rolando as órbitas escancaradas.
Com essa delicadeza comovedora própria dos sertanejos, nada me foi dito logo ao desembarcar. Todos se desdobraram em gentilezas e auxílios. Foi ao tomar o café na residência de Severiano que a coisa me foi narrada e sem rebuços me foi dito ser eu, naquele momento, o salvador enviado por Deus, graças às preces que diariamente eram feitas!
Aos poucos, vindos de muitas direções, caboclos rijos foram penetrando na vasta dependência, acocorando-se ao longo das paredes. Rostos endurecidos pelas intempéries, sulcados pelos ventos e pela chuva, feições esculpidas toscamente, mascarando corações generosos e almas nobilíssimas, Mãos nodosas como cepos, rodando pelas abas largas,  os vastos chapéus de carnaúba ou de feltro desbotado. Pés descalços, artelhos esparramados, trazendo ao calcanhar a espora  enorme, tilintante. Facões nas cinturas estreitas, às vezes acionados para o esfarelamento de fumo em corda. Em breve lá estavam Zé Lagoa, espécie de patriarca da vila Lagoa, que lhe herdara o cognome; João Irineu, Piassaba, João Vermelho, Pedro Brito,  Zé da Rocha,  João da Luz, Anicetro Oliveira, Juvenal, Raimundo, Zé Ferreira, Anselmo Alves,. Homens de peso na comunidade. Pequena multidão ficara do lado de fora, espremendo as cabeças pela angusta janelinha ou metendo os corpos juntinhos e estivados em pé, na soleira da porta.
--O primeiro surto de Xavante deu-se vai para um ano – começou Severiano – Apareceram de súbito e depredaram as roças. Nada aconteceu com o pessoal a não ser um grande susto. A maioria deles estava por estas bandas e foram poucos que viram a bugrada. Solicitamos imediatamente auxilio do Posto de Aproximação do rio das Mortes, mandando um “próprio” para narrar o sucedido Mas de lá nada veio a não ser uma vaga promessa. Ficamos esperando pelos resultados. Mas nada mais houve tornamos a colocar o animo em paz. Eis que faz justamente uma semana, os índios, e desta vez em numero enorme, tornaram surgir, assaltando e carregando tudo! João Irineu aqui esta e poderá narrar os pormenores do que lhe coube.
João Irineu, caboclo de força descomunal, todo eriçado de pelos negros, valente como ele só,  mas de uma bondade infinita, cospe no chão,  enfia o todo de cigarro atrás da orelha e narra:
--Foi de manhãzinha, sol ainda piscano de sono... Abri a porta e dei de cara com uns oitenta Xavantes, metidos pra lá  da cerca. Ao meu aparecer gritaram qualquer coisa. Levei um sustão dos grandes... Gritei prus fiios que acudiram  e pra muié que tava fervendo a água prô café. “Xavante minha xente! Cuidado com eles. Nisso a bugrada pulou a cerca e veio prú meu lado, agitando flechas  em sinal de amizade. Me cercaram. Empurraram  um arco e uma porção de flechas em minha mão e foram entrando de roldão, casa adentro. Foi um rôr de pestes! Começaram catando tudo: facões, machados,   ferramentas, bilhas de água,  panelas, redes,  roupas! Gritavam possessos. Segurei minha  carabina. Tava que nem xabia o qui fazé.  Empurrei minha muié pru quarto e tranquei a porta. Já um índio safado tinha suspendido a saia dela....Tou aqui...tou morto! Pensei! Os meninos estavam oiando sem nada dizé Os índios deram com as sementes de arroz e foram tirando tudo. Depois tentaram entrar no quarto. Ai eu falei “entra não seu cara de mamão que aqui tu não tira nada! Tú vai tira é bala disto aqui. E bati a mão no cano da bicha. Um deles meteu na boca da arma um graveto e sorriu prô meu lado cumu pra dize: “atira não cristão! Nóis num qué brigá”.
--Não demonstraram atitude agressiva?
--Sinhô não! Tavam alegre inté essa peste dos quinto! Quando foram simbora mi deixaram só com a camisa do corpo. Foi intô que larguei a roça e vim com muié e fiios prá esta banda. Lá  tão os meus porcos,  minhas galinhas, meu gado, tudo largado sem água...
--Que susto heim?
--Fartão de susto sinhô sim... Mas eu achei que o xavante tá feito  qui nem criança.   Tira  da xente aquilo que ele pensa que a xente fais com facilidade assim cumu ele fais a flecha e arco... Pois que deu em troca de um mundão de porcaria.Há quem solte alguma risada. João Irineu retira da orelha o tôco apagado e acende-o com a binga. Entra na conversa Zé Lagoa, piscando seu único olho bom. Tipo escarrado de velho sertanejo. Linda cabeça para um pintor impressionista que desejasse fixar na tela fisionomia tão insólita.
--Tava eu mais minha xente no rancho lá da roça quando chegaram os pelados.  Um mundão de índio! A  muierada inté assusto,  dispois ficou assanhada qui nem égua no cio...Tavam os bugres tudo de côco  a mostra. Olhei  prus côco do capitão e vi que tavam longo,, .Pensei “u home tá cum medo! Tá de côco corrido!”.  E tava mesmo puis qui tava cum os ôio aqui e acolá, virando a cabeça prús lado. A muierada começou a rir baixinho e falar nas oreia delas. Eu tava cum meu ôio são nos côco do índio... Quando vi que ficava pequeno intô dixe cumigo: O cabra safado perdeu o medo. Te aguenta Zé Lagoa!”.
--E aguentou?
--Senão! Fiquei picando fumo maginando coisa,. Os índios furo oiando pás muié. Falava: “pfi-on” “pfi-on” Que qué dize Muié... muié....Um deles quix  agarrá a potranquinha la da casa e intô eu falei: “óia qui seu macaco! Te fais de bexta que te arrebento a fachada da cara!”  o índio parece que compreendeu e largou de banca  o gostosão.. Ai eu deixei que tirassem tudo. Levaram foices, levaram pás, levaram machados, levaram tudo Deixaram a xente  cum vida,   que é bastante i agora tamo sem ferramenta sem podê trabaia, cum as roças pur lá, prás banda dos bugres.
--Vamos da um jeito  seu Zé Lagoa...
--Xeito? Pois sim... O único xeito é arrebenta cum ele todos! Aqui tá a Romana do Raimundão.  Que fale a muié e mecê me dirá si tou ou não cum razão!
Dona Romana (valha o nome) é uma senhora já entrada no meio do século. Grosso bócio afeia-a ainda mais. Só tem dois dentes, enormes, pedidos na imensidão das gengivas escuras.  É um pouco dura de ouvidos e fala como se tivesse um acesso de asma. Traz os cabelos revoltosos represados num lenço sujo e brilhá-lhes o olhar intensamente.
--Tava mexendo no panelão preparando a cumida pro Raimundo, quando senti uma pancadinha nas costas...Uai...pensei comigo  - O Raimundo num é dado a carícia...Oiei e quaxi cai de xusto! Lá tava um brutão de índio cum o cabelo vermeio de fogo, oiando pra eu! Logo adispois foram entrando mais bugre, oiando e falando. Logo começaram carregando tudo. Eu tava zonza e gritei pelo Raimundo ”me acuda marido que bugrada tá me matando!”.
--Tava não sinhá Romana- intervém um dos ouvintes.
--Quaxe! Tava lá tava no papo de xavante!
--Xavante num qué muié veia...
--Gracidinho... Deixa cunta aqui ao capitão ou num deixa?
--Deixamos.
--Pois... Adispois de carrega tudo, o tar de índio de cabelo de fogo agarra meu panelão “Não sinhô” fui logo gritando “Deixa meu panelão seu bandido”. Garrei na alça e puxei do meu lado. Ele agarrou e puxou. Intô meti os dentes na mão do bruto.
--Cade dente siá Romana – interrompe outro.
--Dente? Cá tão os dois, que valem pur trinta! Ferrei o dente n mão do pelado. Ele me deu um safanão e arrancou o panelão. Levantei e vuei em riba dele! “Larga a panela seu marvado! Peste do inferno, larga meu panelão qui num tenho outro! Cumu vou fazé comida pru Raimundo? Larga? Mas o home num largou e vieram outros e mais outros e levaram o panelão! Dispois me mostraram a estrada e falaram “motô... motô”. vaisimbora...vaisimbora! e eu fuisimbora
--Mercê perdeu o panelão, mas sarvou as virtudes “siá’ Romana”!
Uma gargalhada explode. A mulher arfa de indignação. Olha para os presentes e cospe com raiva.
--Ocêis sum pió que xavante!
Cessa i riso e a Romana aproveita para embarafustar rumo a cozinha onde mulheres apinham-se junto ao fogão. Agora é o Aniceto quem fala:
--To aleijado da mão esquerda, cumu vosmicê tá veno... Tou cum oito fiio e a muié pejada. Axim mesmo tava trabaiando na roça que é linda. Vieram os xavantes. Me carregaram tudo de marvadez. Inté a roupa do corpo de nois tudo. Ficamo pelado cumo quando nascemo! Ficamos tudo com a vergonha de fora! Dispois carregaram com o fiio mais veio  e eu falei comigo: ”Lá vai o meu filho! Minha Nossa Senhora me acuda!”.  Metemo o pé na estrada e aqui o Severiano arranjou roupa pra nois.
--E o filho?
--Vortou graças a Deus. Lá tá ele e pode fala!
Olho em direção a um rapagão espigado e forte. Sorri e desnuda linda dentadura.
--Passou um mau bocado então?
--Ora sí passei. Os xavantes me levaram prás bandas de lá, maginei que tava frito!
Andei muito e dispois me fizeram sentá.  Um deles arrancou as pestanas e a sobrancelha. Doe muito, mas aguentei firme! Num vo sorta nem um pio, falei comigo!  Os xavantes gostaram. Falaram muito e dispois me mostraram o caminho de vorta e disseram: “motô...motô” e eu...meti o moto na estrada.
Lá então esses homens que vivem a vida minuto a minuto, na luta eterna contra todos os elementos adversos, abanando as mãos em férias, pela perda das ferramentas. Com as quais fecundavam a terra que lhes davam o sustento.
--I agora mercê é capais de dizé o que vamos fazé sem os ferros?
--Assim de momento nada posso dizer.  Pretendo, porem, apelar as altas autoridades. De mais a mais enviarei despachos ao Serviço de Proteção aos Índios para que sejam tomadas as necessárias providencias.
--Confiamos no senhor – disse-me Severiano.
Com isso atirou a pesada carga de uma incumbência jamais sonhada, sobre as minhas costas.
(AURELI/GUNTHER-1948)
                 ****
                   Saímos juntos daquela parafernália de problemas, e agora o que fazer? Eu ia monologando quando Willy se voltando me disse:
                   --Leve os barcos para acamparem no Porto da Manga e peça ao Darcy para vir até mim.
A primeira etapa fora bastante dura e complicada, mas certamente nosso comandante acharia uma solução plausível, agora era ter paciência e aguardar os acontecimentos.
                   Já estávamos na cidade há quatro dias e o comandante Willy já havia nos apresentado a quase todos os moradores, passei a conhecê-los, na primeira casa o Zé Martins, depois seu irmão Leócadio, Lupercio, Maria Dias, Severiano Souza Neves que era o chefe fundador da vila, seu genro Ateneu, Sindô, Bento de Abreu Luz, Tertuliano, Piaçaba, João Vermelho, João da Luz, Anicetro Oliveira, Juvenal, Pedro Brito, Raimundo, Zé Rocha, Zé Ferreira, Anselmo Alves, Tertuliano e muitos outros eram mais ou menos treze casas a beira rio e umas seis casas na beira da lagoa. Onde residiam o Zé Lagoa, José Martins, Amâncio de Melo e outros.
                 Resolveu o comandante nos dar uma folga, por equipe de 10 dias cada, e aproveitei para ser o primeiro e me engajar na aventura daquele barco que mais parecia uma arca de Noé. O Chefe autorizou desde que no dia marcado eu me apresentasse, ou seja, 02 de julho.
               Quando o motor funcionava a cidade toda parecia tremer tal um terremoto... Tuuuummm. Compassivamente, mas continuadamente, fiquei apaixonado pelo barco eu teria que fazer uma viagem nele, e para isto fui me entrosando com o Tônico.
                Já estávamos na cidade há quatro dias e o comandante Willy já havia nos apresentado a quase todos os moradores, e passei a conhecê-los, na primeira casa o Zé Martins, depois seu irmão Leó, depois o Lupercio, Maria Dias, Severiano Souza Neves que era o chefe fundador da vila, seu genro Ateneu, Sindô, Bento de Abreu Luz, Tertuliano, João Irineu, Piassaba, João Vermelho, Pedro Brito, Zé da Rocha, João da Luz, Anicetro, Juvenal, Raimundo, Zé  Ferreira, Anselmo Alves, Amâncio de Melo, Zé Lagoa e seus filhos e muitos outros eram mais ou menos treze casas a beira rio e umas seis casas na beira da lagoa.
                          
          Tempestade se aproximando de São Felix














       

Bandeira de Piratininga...
          E os índios Xavantes.

                 Enquanto isto, em São Felix do Araguaia, o Comandante Willy Aurelli e os membros da Bandeira se preparavam para realizarem a missão a que vieram...
                Programava-se uma viagem pelos sertões para entrar em contato com os arredios índios Xavantes, era esta a verdadeira missão da Bandeira Piratininga.
                   Os sertanejos, Severiano,  Ateneu Luz, Amâncio de Melo e José Lagoa, se incumbiram de arrumar os animais para a viagem e também o interprete.
                 Eles mesmos seriam os guias. No dia seguinte, á tardinha, os animais dormiram fechados em um piquete.
                 Reunimos no acampamento para traçarmos o roteiro de nossa viajem, era ainda cedo da tarde, mas estávamos todos apreensivos.
                 --Partiremos amanhã, o mais cedo possível, todos devem levar estritamente o necessário, não esqueçam os cantis, vinte tiros para cada um, e a tralha de acampamento nas cargas das duas mulas, corneteiro toque alvorada às cinco horas. O Dankmar será o coordenador, procurem com ele os seus apetrechos. Plantões na escala. Boa noite.
                    Tínhamos um corneteiro, e por incrível que seja ele tinha uma corneta velha e barulhenta e como tocava mal, mas o caso dele não era ser um artista, fazia barulho porque gostava. 
                   Parece que nem cheguei a dormir logo a dita corneta estava no ar, nos reunimos todos e de cabresto na mão e fomos para o pequeno pasto pegar os animais. Foi uma confusão dos diabos, ninguém conseguia pegar ninguém, Severiano teve que intervir senão a revolução começaria ali mesmo. Trouxeram-me um cavalo castanho, bem descarnado e manso.
                   --Este cavalo tem um andar muito bom é marchador.
                   --Obrigado João Irineu.
                   --Vamos arriá-lo.
             Levei o animal até onde estavam os arreios, escolhi um bom que tinha suador (tipo de almofada entre o arreio e o lombo do animal) e a curva do arreio era alta e não iria ferir o lombo do  cavalo, arranjei um peitoral e um pelego de lã de carneiro surrado mas macio, amarrei  minha tralha na garupa bem forrada e depois fui ajudar os outros.
                 Já eram quase oito horas da manhã quando estávamos prontos     pa     ra            partir. O Willy a frente, a guisa de um herói tirado dos filmes  americanos levantando a mão Gritou:
                   Todos em fila indiana, Em Frente...
                 Até que eu gostei, mas fiquei lá pelos últimos lugares, éramos uns 22 cavaleiros. A partida até que foi bonita teve corneta e aplausos dos ribeirinhos. Saímos em fila indiana, na frente iam o Severiano e o Chefe, emparelhados e logo atrás o interprete, e o resto do pessoal, éramos 22 pessoas ao todo. Eu fiquei quase no fundo da fila, era melhor para se observar os acontecimentos, junto comigo estava o Ateneu, João Irineu, o húngaro Harpad que se juntara a nos, o Manoelzinho filho do Zé Lagoa  e o João Irineu vinha por último tocando as duas mulas com as cargas. 
                Criado no sertão de São Paulo em cidade pequena e fazendas eu tinha bom costume de andar a cavalo, mas as maiorias dos meus companheiros ainda não estavam acostumados e, poucas horas depois eu já os via atravessados em cima de suas celas poupando os fundilhos. Ao meio dia paramos para comer. Foi um alivio, afrouxamos as selas e fomos dar de beber aos animais, estávamos bem na beira do rio Xavantinho, comemos alguma coisa a sombra das arvores, enchemos os cantis e prosseguimos a nossa cavalgada. Foi mais dois dias ziguezagueando pelo sertão, sempre com a mata do rio a vista. Eram umas duas horas da tarde quando um dos guias mandou parar e foram observar as touceiras de piaçabas que estavam com as folhas cortadas e havia muitos rastros pelo chão.
                --Estamos perto da aldeia olhem onde tiraram as palhas para cobrir as casas  os rastros estão frescos no chão, daqui para diante vamos calados e a pé puxando nossos animais.
                 --Tudo bem, agora vamos todos apear dos animais, fiquem calados e siga-me, ninguém faça coisa alguma sem minha ordem – comandou Willy.
                Bem a nossa frente ainda junto ao rio Xavantinho, dentro de uma clareira limpa do cerrado, estava à aldeia Xavante. Eram umas trinta casas feitas de varas e cobertas de palha. Até então não haviam notado nossa aproximação. No interior da aldeia só estavam às mulheres, meninos e os velhos, uns quatro cachorros muito magros e umas araras gritalhonas. O interprete mais dois homens junto com Willy entraram na aldeia e os tentavam acalmá-los falando em Xavante, pouco adiantou, foi uma corredeira maluca, mulheres arrastavam as crianças pelos braços gritando as velhas e os velhos gesticulavam, mas corriam, e, em pouco tempo estávamos sozinhos dentro da aldeia. Os guerreiros estavam fora, mas não por muito tempo, em menos de meia hora estávamos praticamente cercados dentro do limpo da aldeia. Os guerreiros começaram a chegar todos pintados de vermelho e arco e flechas outros com borduna na mão e batiam o pé ameaçando nos atacar, nos estávamos preparados com um monte de fuzis velhos e descalibrados para resistir se fosse preciso, bem?, eu acho que estávamos, bastava atirar em qualquer rumo certamente acertaríamos em alguma coisa em que não fôssemos em nós mesmos.  Mas o interprete e Willy desatando as bruacas das mulas tirou lá de dentro, panelas luminosas, facões, machados, rapaduras, enfim um monte de coisa e colocaram no chão ao alcance dos índios e se afastaram o interprete explicou para o chefe deles que estávamos ali em missão de paz e que éramos amigos e havíamos trazido presentes para dar e trocar. Logo foram se aproximando dos presentes no chão, os pegavam e os examinavam e pediam mais. O nosso interprete se aproximará e junto com Willy e Severiano, já começavam a se entender. Pouco depois estávamos todos descontraídos e trocávamos canivetes por flechas, ou outros enfeites que começaram a aparecer e os índios davam a impressão que estavam entendendo tudo e em pouco tempo já queriam até nossas roupas, mas não os deixamos tocar em nossas armas, ficamos lá dentro por mais de uma hora quando a corneta tocou nos assombramos e os índios também e Willy gritou para o corneteiro.
                 --Tocar retirada imbecil - Pare com isto.
              --O Senhor mandou tocar retirada? (o corneteiro havia dado o toque de atacar que ninguém conhecia tanto fazia tocar qualquer coisa o que queríamos era sair dali)
               --Mas agora já chega todos montados e em retirada, saiam em filas duplas e se ajuntem lá fora no varjão.
              Com esta confusão nos retiramos e os índios nos acompanharam um bom pedaço, nossa viajem havia deixado um saldo positivo, o contato fora pacifico e os índios prometeram ir ao nosso acampamento e realmente foram.
                Após cinco dias e meio, ao todo, de viagem chegávamos de volta a São Félix do Araguaia, parecíamos remanescentes de uma guerra civil, todos mutilados mais por baixo do que por cima, mas valeu à pena.  Poucos dias depois aproximadamente setenta  índios vieram passaram cinco dias em perfeita harmonia entre os bandeirantes e os moradores de São Felix do Araguaia.
                Doze dias após o retorno da missão, os índios visitantes já tinham retornado a sua aldeia o que a Bandeira se propusera a fazer estava realizado e consolidado, ato seguinte seria retornar para São Paulo, O que foi feito e a Bandeira se despediu dos sertões, pois havia sido a sua ultima e saudosa expedição.
                
Willy Aureli - Comandante da Expedição
                            

EU FIQUEI...

               Voltaram quase todos uns tristes e outros alegres, eu mesmo estava morrendo de saudades daquela morena trigueira lá da barreira de São Pedro na Ilha do Bananal motivo pelo qual eu não voltei, pois havia plantado meu coração naquelas paragens, Barreira de São Pedro, pois aquela morena estava lá e ela havia mexido comigo. Passei o resto do ano viajando entre Mato Verde e Barreira de São Pedro e finalmente resolvi dar um pulo em São Paulo encontrar com meu irmão Rolf e minha mana Aracy, levei uns cinco chifres de Veado Cervo, umas peles de onças e Jaguatirica  e óleo da banha de tartaruga e óleo de jacaré ( cada jacaré grande.de 4.30 mts em diante da 20 litros de óleo usado para renovar a pele,  a restaurando  a pele livrando-a e outros) para vender e fui bem sucedido
                Foi um período cheio de dificuldades, mas muito emocionante depois de passar uns dias com meus irmãos já estava pronto para voltar ao sertão e seria para ficar por lá, levava vários presentes para minha “noiva e seus parentes” e lá se fui eu rumo a Mato Grosso e ainda com uns bons troquinhos no bolso..

                 Meu irmão Rolf só poderia vir comigo no final do ano, assim voltei sozinho e até a cidade de Goiás não foi muito difícil, mas daí para frente estava quase impossível prosseguir viagem, pois era mês de fevereiro de 1949 e era um período com muita chuva.
               Hospedei-mo Hotel Carrascosa que era o prédio de um antigo presídio agora transformado em hotel.
                A estrada para Leopoldina estava totalmente alagada e, veiculo algum passaria pelo trecho conhecido como “os currais”.
                  O único jeito de chegar a Leopoldina seria ir a pé, afinal eram apenas oitenta quilômetros de lama e água e um rio para atravessar, ainda bem que tinha uma ponte conhecida como “ponte do Ferreira”.
                Foram três dias e duas noites de uma longa, calma e solitária caminhada, na saída peguei uma carona até a vila de Itapirapuã, depois foi no pé e numa morada perto da ponte do Ferreirinha, ofereceram-me uma farta janta e canto para repousar. Passei pelas águas de São João onde brotava uma água quente que cheirava a enxofre e tornava o chão muito liso e escorregadio mesmo assim tomei um salutar banho. Cheguei a Leopoldina ao escurecer do terceiro dia, estava cansado e com fome. Hospedei-me na pensão da dona Chiquinha, uma mulher muito gentil e bonita, jantei bem e dormi melhor.
                    No outro dia  fui até a barranca do rio e encostei-me ao velho e saudoso pé de Tamboril.  
O porto estava cheio de barcos, desci e fui perambular entre eles foi quando um senhor bem forte e moreno que ajeitava a carga em um pequeno barco me perguntou:
                 --Procurando alguma coisa?
                 --Sim, um jeito de descer o rio.
                 --Até aonde?
                 --São Felix ou Luciara.
                 --Eu vou para lá, você sabe funcionar o motor?
                 --Acho que sim    
             --Se quiser ir conosco terá ir tomando conta do motor de popa e não se incomode com a pilotagem, afinal o rio está cheio e vamos levando um índio Carajás que te mostrará o caminho.
                   --Eu topo, quando saímos: perguntei.
                   --Depois do almoço,
                 O nome dele era Raimundo Ferreira o Raimundão  nortista de Pernambuco e comerciante ambulante, aproveitei a manhã para conhecer o motor de popa que era um motor de quatro tempos marca Archimedes de doze cavalos com dois pistões laterais e uma hélice para 50 % peso e 50% velocidade, logo aprendi a lidar com a máquina afinal tinha nascido e me criado dentro de uma oficina mecânica e motores para mim não eram surpresa. Fiquei conhecendo uma quarta pessoa que também ia naquela viagem seu nome era um jovem chamado Mariano, nos éramos, ao todo, o dono do barco, o Carajá de nome Kutiri eu e o Mariano, como o barco deveria parar em todo vilarejo ou porto a viagem iria demorar alguns dias, talvez oito.
                   Às duas horas da tarde, todos embarcados, o barco bem carregado, o Carajá empurrou 
a proa para fora e deu sinal e eu funcionei o motor virando aproa rio abaixo observando o índio que mostrava sempre o rumo a seguir para evitar os lugares perigosos, logo aprendi o que era o canal mais fundo, passamos pelo travessão de pedra, seis léguas abaixo por uma fazenda beira rio chamada Dumbasinho, depois passamos pelo quilombo do Travessão Riuna e já escurecendo aportamos em uma praia em frente à vila de Cocalinho que ficava a margem do rio do lado de Mato Grosso. Amarramos o barco em duas zinga de madeiras, ascendemos uma fogueira, passamos um café e assamos uns peixes que o Mariano e o índio pescaram. Dormimos bem e de manhã acostamos ao porto da Vila e o patrão foi vender mercadorias. Ele já tinha uns fregueses cuja família era muito conhecida como “Dico Naiva ou Naves”

Assassinato cruel.
                 Naquela manhã um fato inédito e terrível havia acontecido naquele lugarejo, certo individuo chamado Beneditão matou um homem com cinco tiros e sentou-se em cima do cadáver com uma faca peixeira na mão e continuou furando o corpo da vitima quando ele se mexia e assim ficou por varias horas e o sol /já estava quente.
              Fiquei sabendo que finalmente o assassino cansou-se de ficar sentado em cima da vitima, levantou-se e foi encher a cara de pinga e que fora detido quando um único soldado militar daquela vila que assistia impassível o andamento do crime se aproximou e o algemou levando-o preso para uma pequena cela.
                 Fiquei conhecendo a família Naves que tinha um grande comercio de mercadorias em geral e o pessoal do Benedito Sardinha e ainda a Professora dona Tonica.                            
                 O que sempre me causava certa estranheza era ver o meu então patrão que de vez enquanto se mostrava violento.
            Na parte da tarde prosseguimos viagem passando pela casa do Alfredo Alemão, depois avistamos São José dos Bandeirantes que também ficava do lado de Goiás, era uma boa vila onde passamos a noite e o dia seguinte até ao meio dia.
                  Seguimos viagem até a Vila Luiz Alves onde fiquei conhecendo um simples cidadão que se chamava Major, gente muito boa e educada, já era o terceiro dia quando avistamos o braço do rio Araguaia o rio Javaé em cuja forquilha começava a Ilha do Bananal. Dormimos em uma praia junto à volta grande, no quarto dia pela manhã chegaríamos a Barreira de São Pedro.
          

Bifurcação do rio Araguaia e Javaé - Ilha do Bananal

                  Durante a viagem eu vinha conversando com Mariano:
                 --Você vai ficar no São Pedro?
                 --Sim vou morar e trabalhar lá, por quê?
                 --Bem, é só você não se engraçar por uma morena que mora lá.
                 --Quem é ela?
                --Maria, seu nome é Maria.
                 --É, vamos ver o que acontece.
                 Logo depois da pequena curva avistamos a Barreira de São Pedro, manobramos e aportamos no único porto existente.
               Quando desembarcamos e  subimos o   barranco;  do rio, as   moças, todas elas, abriram os braços e vieram correndo a nos encontrar gritando:
             --Ele chegou...Ele chegou - vieram correndo no meu rumo e eu fiquei extasiado e me preparei para recebê-las, mas passaram direto por mim e foram abraçar o Mariano, foi ai que percebi tudo, o meu companheiro de viagem era irmão delas. Ainda bem que controlei minha língua durante a viagem.
                Passei  um   dia  bem alegre, foi   o  começo de uma grande amizade com aquela família, que dura até hoje,
               Dormimos naquela fazenda que era de Ubaldino Rios um fazendeiro que morava na cidade de Goiás Velho, o Aleixo era o vaqueiro e gerente que cuidava de aproximadamente quinhentas cabeças de gado bovino, a maioria da raça Nelore e tinha de entremeios muitas “Curraleiras” que eram vacas originadas da raça Holandesa e já adaptadas ao nosso clima eram muito boas de leite e de uma excelente carne, e gostavam de dormir dentro do curral, daí a origem do nome curraleiras, mas eram muito mansas, mas teimosas e ardilosas como todo estrangeiro.
                Prometi voltar em breve e voltei mesmo, assim que chegamos a São Felix do Araguaia, pela segunda vez, fui bem recebido, já tinha muitos amigos exclusive o Severiano Neves e toda sua família.
                Em menos de um  mês   eu  já  tinha arrumado um motor Penta de 4 HP e uma canoa grande que podia carregar até dois mil quilos. O motor era lento, mas econômico e era apropriado para peso. Comecei a arranjar uns poucos fretes e corridas entre São Felix e Luciara ou Santa Isabel na Ilha do Bananal.
            Voltei por muitas vezes durante os quatro anos que se seguiram para aquela fazenda e a amizade se transformou em compromisso, pedi a mão da moça em casamento. Restava aguardar o dia o qual seria feito pelo Senhor Aleixo pai da moça.

“O Limpo Grande”.
                   Limpo grande é uma grande campina que fica ao oeste de São Felix do Araguaia e se estende até as margens do rio Xavantinho, durante o verão o capim brota verde e se torna uma área preferida pelo gado e por animais, e ali se encontrava uma “tropa” de Severiano Neves, eram cerca de dez éguas, quatro crias, dois cavalos e um burro dezessete animais ao todo.
                   Severiano me pediu que eu fosse até o limpo grande e trazer a tropa dele para mudar de pasto, pois tinha noticias que os índios Xavantes e os Beiços e Pau, isoladamente e as escondidas, andavam pela região e poderiam flechar seus animais como vinham fazendo com outros, não sem ante me alertar do perigo.
                   --Os animais estão por perto se você for buscá-los saia ao amanhecer do dia e estará de volta cedo da tarde, mas cuidado se ver rastros dos índios ou fogo nos varjões, volte mesmo sem os animais.
                   --Fique tranqüilo, eu já conheço bem a região, e não vou me arriscar.
               Quando o dia amanheceu    eu   já   estava   a   caminho o meu cavalo tinha o nome de “pensamento” por que era muito ligeiro e arisco e na cinta o meu revolver calibre 38 de seis tiros marca “TA Smith Wesson” de mira especial, o único defeito dele era ser cromado e brilhava muito, eu sempre gostei de armas escuras ou pretas. Horas depois eu estava já chegando a meu destino e pude ver ao longe uma leve fumaça de queimada e isto alertou meus sentidos, resolvi me apressar, pois os índios não estavam tão longe assim. Galopando sai a procurar a tropa e a avistei bem longe no limpo do varjão e no rumo da fumaça. Quando me aproximei, depois de rodeá-los, fiquei sem destino a tomar, pois a fumaça crescia em circulo e nos estávamos no meio do fogaréu. Eu sabia que não podia sair pelo funil, isto é, os índios botam fogo em circulo deixando um funil de escape, assim todas as caças pressionadas pelo fogo tendem a querer escapar pelo funil que é a única saída sem fogo, mas é lá que os índios estão de tocaia aguardando para flechar os fugitivos ou sobreviventes, eles usam arcos grandes e flechas compridas próprias para uso em área limpas e cerrados, pois são obrigados a disparar em longas distâncias e não seria por ali que eu iria passar, tomei a resolução de enfrentar o circulo de fogo, tentaria achar um local onde o capim fosse mais baixo e o fogo menor. Assim fustiguei a tropa rumo ao retorno para casa e as incentivei a galoparem, eu teria que aproveitar esta corrida enquanto os poldros ainda não estivessem cansados. Logo chegamos à orla de fogo, por sorte achamos uma passagem onde as chamas eram mais baixas, mas os animais cavalares têm mais medo de fogo do que o gado eu gritava e os imprensava contra o muro ardente, nesta agonia o meu cavalo deu um pequeno salto e passou para o outro lado, e correu como se as estivesse abandonando e deu certo, pois animais o imitando também vazaram a cortina de fogo e passaram para o outro lado, mas uma das éguas, segura pelo medo do seu potrinho não quis passar e eu tive que enfiar o cavalo de volta e quase empurrar a égua para cima das chamas que começavam a crescer por acharem pasto mais alto por sorte nesta empurra daqui e dali o filhote criou coragem e atravessou mesmo devagar, mas não se queimou muito apenas chamuscou o cabelo da barriga e a mãe sem duvida alguma deu um salto e se postou lá fora agora só restava eu, mas não tive dificuldade o "pensamento" deu um salto que quase me tirou da sela e partimos a galope rumo a nossa casa. Os animais melhor dos que os homens, conhecem o caminho de volta.
                 Coloquei os animais num pasto fechado e fui a pé dar contas da minha odisseia. Nunca mais me esqueci deste episódio, afinal era um sertão bravio.
                                      *
Anos de 1953. 
               A família Gunther.
         Foi o primeiro casamento civil realizado em São Felix do Araguaia. MT
      Aos  14  de  março de 1953, me casei com a jovem Maria Paciente da Silva  foi o “primeiro” ato oficial de um casamento civil registrado no cartório do Registro Civil tendo sido escrivão Guilherme Pereira Luz que lavrou registro no livro numero 01 ás folhas 08 tudo de seu próprio punho numa caligrafia invejável. A maioria dos moradores se fez presente e todos assinaram como testemunha no livro. Lembro-me de: Cesária, Edilia, Nega, Aracy, Severiano, Zé Martins, Sindô, Ateneu, Bento, Maria Dias, Lupercio, Leocádio, Tertuliano e Zé Lagoa e vários outros. A 23 de dezembro de 1953 nasceu na Fazenda São Pedro na ilha do Bananal o nosso primeiro filho Aleixo; A 21 de abril de 1955 nasceu a primeira filha mulher de nome Ruth em Luciara; A 06 de agosto de 1957 nasceu meu filho Paulo em Luciara; A 20 de julho de 1958 nasceu minha filha Miriam em São Felix do Araguaia; a 27 de setembro de 1959 nasceu em Luciara a minha filha Enilda; A 06 de novembro de 1961 nasceu em Brasília o meu filho Daniel; meu sétimo filho Joel nasceu a 22 de fevereiro de 1965 e Maria Aracy nasceu a 23 de julho de 1968................
                                     
Família Gunther
                                                                              §
.Tempos de aventuras...
                 Naquela manhã de 1954, abordo do barco “Brigadeiro Aboin” ia três homens, Leonardo Vilas Boas, Enzo Francisco Pisano e Dankmar.
                 O rio Araguaia estava muito seco, era por ai, mês de setembro, e, aquele barco de calado fundo começava a raspar seu casco na areia. No leme do barco eu fazia de tudo para não encalhar, bem a minha frente um enorme banco de areia anunciava cuidados, bati na campainha pedindo para reduzir a marcha do motor, mas os gritos de um e outro, não deixavam se ouvir nada, nem escutaram a campainha bater nem viam o enorme banco de areia se aproximando. Os dois companheiros discutiam calorosamente, Enzo descendente de italianos, tanto gesticulava como gritava, Leonardo já rouco e muito enfezado parecia estar em outras terras, mas eu não me incomodava com isso, já estava bem acostumado isto se repetia quase todos os dias, os dois eram
grandes amigos, comentam por ai que foram eles que fundaram a Fundação Brasil Central. (FBC).
                 --Discutiam sobre qualquer coisa, tinha que haver motivação para beberem uma caipirinha feita da boa Ypióca, e desta feita era sobre suas atuações quando da abertura da estrada rumo Roncador - Xingu eles estavam na altura de Vale dos Sonhos ao passarem por uma vala, Enzo ia à frente abrindo a picada e Leonardo mais atrás rematando o serviço foi quando Leonardo com um golpe cortou uma grande volta de um cipó que balançou, atravessou a grota, e foi pegar bem na nuca do italiano que caiu estatelado e sem fôlego.
--Você aquela vez quase me mata.
--Você é muito mole italiano burro. Retrucou Leonardo depois de uma bebericada.
--Estou te falando para largar mão desta idéia de comprar terras, isto aqui vai virar um tumultuou só com tanto picareta se dizendo dono de terras - inflamava Enzo.
--Mas se nós comprarmos não tem picareta bom para tomar, precisamos garantir nosso futuro e não vai ser com este barco e o emprego da FBC, que vamos conseguir sobreviver.
--Você vai arranjar é uma terra com sete palmos de fundura.
--Não seja idiota italiano burro.
--Burro é a tua avó. - E dizendo isto Enzo pulou para dentro do rio.
                   Para sorte dele estávamos junto do banco de areia e estava raso.
--Entre logo cretino.
--Não entro, podem ir embora e me larguem aqui.
                   Diminui o motor e fiquei segurando o barco bem encostado nele.
--Deixe-o aqui, e vamos embora.
--Esta ficando doido Enzo? Vamos entre logo se não vamos encalhar e ai sim é que vamos passar um bocado de dia preso na areia e fazendo muita força.
--Só entro se ele me pedir desculpa.
--Está bem italiano você ganhou, desculpe e entre logo – disse Leonardo estendendo a mão para o companheiro.
                   Mas o barco havia se afastado um pouco e Enzo teve que caminhar uns cinco metros para poder entrar, nisto um grito violento do italiano nos pôs em polvorosa. Leonardo ia pular na água, mas Enzo o impediu.  
--Não entre, espere – Enzo estava branco feito um papel.
--O que foi?
                   --Pisei numa concha (galho) de espinhos - dizendo isto se encostou ao barco vimos que ele estava para desmaiar, nos o puxamos para dentro enquanto o barco descia desgovernado nas águas, o colocamos em cima da mesa do centro e quando vi o pé direito do mesmo todo cravado de espinhos de tucum, alguns deles estavam apontando pelo lado de cima no pé junto aos dedos, Leonardo deu um bom gole de Ypioca para o enfermo e pegando um alicate jogou pinga nos lugares mais expostos e começou a arrancar espinhos com a ponta do alicate, no começo cada espinho arrancado era um berro depois foi se acostumando, acredito que o pé ficou dormente, já no piloto apontei o barco para  uma praia  alta e encalhei só a proa. O barco se prendeu e fui ajudar na extração dos espinhos que ficou mais dolorosa quando os que estavam de fora se acabaram começamos a esgravatar a pele procurando outros. Tiramos aproximadamente uns setenta espinhos grandes. Ele havia pisado em cima de uma palha de Tucum que estavam no fundo do rio, só não fez mais estragos porque deve Ter pisado na ponta aonde os espinhos são mais curtos, os do meio chegam a ter cinco a oito centímetros de comprimento. Começamos a viajar e pouco depois estávamos chegando á barreira do Pacifico que fica um pouco abaixo do Furo das Pedras. O italiano estava dormindo em uma rede e totalmente bêbado.
--Vamos parar no Pacifico por uns instantes – pediu Leonardo.
--Já vamos encostar, vá lá para a proa. - pelo comando abaixei a aceleração do Caterpillar e o coloquei em ponto morto, tínhamos impulso suficiente para encostarmos-me ao porto.
--Está amarrado, vamos descer um pouco.
                    Subimos a ladeira do porto até onde estava a pequena casa do velho Pacifico e sua mulher, ele nos recebeu.
--Leonardo, Dankmar venham entrem a mulher esta doente e acamada.
--Vamos lá ver o que ela tem - disse Leonardo e eu comecei a ficar com medo, será que ele vai querer receitar a doente?
--Como vai a senhora dona.
--Vou mal seu Leonardo, estou com dor no corpo todo, acho que é reumatismo.
--O que a senhora esta tomando?
--Me ensinaram que raspasse a caninana e pusesse na pinga que era muito bom, eu fiz, mas parece que piorei.
--Mas é lógico, pinga só pura nada de mistura, mas eu vou lhe dar umas pílulas que tenho lá no barco tome uma de manhã outra ao meio dia e outra à noite durante uma semana e estará curada.
--Obrigado seu Leonardo, mas será que é só reumatismo?
--Você esta com a “arca caída” mande benzer, e não pegue em coisas pesadas.
                   Depois de medicar a velha nos despedimos e eu fui com Leonardo para a casa dele em Furo de Pedra depois iríamos para Mato Verde, mas quando estávamos contornando a praia da curva grande, abaixo da vila, passamos pelo barco Frei Chico que ia lavando o passeio de tão carregado.
                   Eu invejava Leonardo em quase tudo, era dinâmico, trabalhador, muito inteligente afável e bom amigo, só não o invejava em uma coisa, na mulher que tinha. Sua esposa, ou melhor, sua mulher podia estar rindo a vontade, lá do porto quando chegávamos escutávamos suas risadas, mas quando Leonardo entrava em casa era outra coisa a mulher brigava demais, era muito nervosa, mas os filhos que ele tinha com ela que eram a Marisa, Marina e Álvaro, prendiam o velho amigo.
                   A minha esposa também se chamava Maria, Maria Paciente, filha de sertanejo, eu a conheci na barreira de São Pedro na ilha do Bananal, talvez um pouco impetuosa, e de idade nova. Dias felizes, ao menos para mim se passaram. Enzo ficava mais no barco do que na casa em breve viajaríamos rumo a São Félix do Araguaia e ali cada um tomaria seu destino, eu deveria subir o rio das Mortes até Xavantina para ir buscar, de barco, um caminhão, Leonardo pretendia ir também, pois estávamos os três a serviço da Fundação Brasil Central. Enzo ainda ficaria na sede da FBC em Santa Isabel do Morro.

Era o paraíso no planeta terra...
Anos de 1955...1957..
 Segunda viajem...
                   Era o mês de maio, naquela manhã de sol em que um leve vento de verão açoitava o meu rosto eu estava atravessando o rio Araguaia em uma pequena canoa, saíra de Mato Verde, na divisa de Mato Grosso, buscando uma pequena enseada. No porto no outro lado do rio na ilha do Bananal, onde havia deixado um animal, melhor dizendo uma burra que ali ficara a minha espera para seguir viagem onde meus companheiros Mariano Paciente e Rafael me esperavam ás margens do Lago do Mamão, no interior da ilha, eu deveria levar suprimentos para nossa estadia de caçada s. E isto eu ia levando.                                                           
                     Durante a travessia fiquei a pensar como aquilo tudo começara...            
 “Foi ali naquela casinha junto ao porto da cidade de Mato Verde morava a minha sogra Joaninha Paciente, hoje falecida”. O café que tomávamos com bolo "Mané pelado“ vinha a calhar .enquanto eu conversava com seu filho e meu cunhado Mariano Paciente as ideias foram surgindo...
                  --Nos devíamos só caçar jacaré, em vez de pensar em matar onça. Foi uma temporada especial, matamos 46 jacarés de primeira e retornamos a Luciara
                         No ano seguinte resolvi começar as caçadas mais cedo.
decidi explorar os lagos: Das Três Bocas que ficava junto do Riozinho com o rio Imoty e o rio Jaburu, Lago do Coqueiro Solitário que era no varjão e afastado das Três Bocas e o Lago dos 47 afastados do Riozinho em três mil metros.
  

                                  No dia seguinte, ajeitamos as coisas dentro das canoas e seguimos viagem rio acima rumo às três bocas na canoa grande, Rafael ia ao piloto e eu ia á frente usando a zinga ou o remo levando dois cachorros e parte maior da tralha, na outra canoa pequena ia o Paulista, mais dois cachorros e alguma tralha, sentados no piloto remavam e alternavam com a zinga nos lugares mais rasos, íamos ganhando espaço.
Arpão usado na caça a jacarés e pirarucus
                Já havíamos passado da cachoeirinha e não vimos os índios, deviam estar fora caçando, e enfrentamos um longo trecho raso, tivemos que descer das canoas e empurrá-las, num certo momento senti qualquer coisa me roçando o calcanhar de meu pé dentro da água rasa, eram umas dez piranhas vermelhas ou “chipitas” ainda pequenas que nadando quase de lado pela falta de água tentavam morder meu pé, me virei e com a vara da zinga as espantei com varias pancadas fortes e elas que fugiram, prossegui viagem arrastando a canoa por mais uns cem metros logo a água foi ficando mais funda e eu entrei na canoa e fui para a proa impulsionar com a zinga. Havíamos andado quase uns trezentos metros quando eu vi uma cobra Sucuri emparelhada com a canoa nadando no mesmo sentido, a vara do arpão que esta sempre encastoada e pronta estava bem à mão e apanhando-a joguei contra a cobra, mas o arpão não entrava, tentei umas poucas vezes, mas não adiantava e teimosamente a cobra acompanhava a canoa naquela água transparente, algumas vezes ela punha a cabeça para fora da água e ameaçava atacar a canoa, ela estava enraivecida e eu comecei a me assustar foi ai que me veio à idéia, atirar nela com o rifle 22 e assim o fiz, agachei e apanhei o rifle o manobrei colocando a bala na agulha e esperei, quando ela subiu atirei na cabeça, fora um tiro mortal. Paramos a canoa, pulamos na água que devia ter não mais do que meio metro de fundura e a arrastamos para a praia. Ela tinha aproximadamente uns quatro a cinco metros, não era grande, mas estava gorda. Tentamos tirar o couro, mas não foi fácil, mesmo morta ela se encolhia e não deixava racharmos o bucho com a faca. Finalmente depois de a estaquearmos na ponta do rabo e no pescoço com as duas varas enfiadas na areia consegui cortar o couro da barriga e para minha surpresa contamos exatamente cento e cinquenta filhotes de um palmo de tamanho, vivos a se contorcerem na areia quente, antes que eu mandasse Paulista depois que os contou os joga-se dentro da água do rio e eles sumiram todos, era esta a razão de sua agressão.
                  Desta feita não visitamos o Lago do Mamão
                Chegamos ás quatro horas da tarde na boca de lago solto e dali um esgoto que leva ao lago dos quarenta e sete, e nos arranchamos em uma bela praia. Estávamos enfadados, pois já era o terceiro dia de penúria. Usando o arco e a flecha eu fisguei dois belíssimos Tucunarés, jantamos bem e dormimos cedo.                
                Algo me fazia desconfiar, estava tudo muito quieto para o meu gosto, seria a presença dos cachorros?
                Acordamos com o cantar de dois Jacurutus, se fosse ao lado do Mato Grosso eu iria suspeitar da presença de índios Xavantes, o sol já havia saído, era por ai seis horas da manhã. Fizemos café, eu havia levado um vidro com 200 pílulas de adoçante d            Era o mês de maio, naquela manhã de sol em que um leve vento de verão açoitava o meu rosto eu estava atravessando o rio Araguaia em uma pequena canoa, saíra de Mato Verde, na divisa de Mato Grosso, buscando uma pequena enseada. No porto no outro lado do rio na ilha do Bananal, onde havia deixado um animal, melhor dizendo uma burra que ali ficara a minha espera para seguir viagem onde meus companheiros Mariano Paciente e Rafael me esperavam ás margens do Lago do Mamão, no interior da ilha, eu deveria levar suprimentos para nossa estadia de caçada s. E isto eu ia levando.                                                           
                     Durante a travessia fiquei a pensar como aquilo tudo começara...            
 “Foi ali naquela casinha junto ao porto da cidade de Mato Verde morava a minha sogra Joaninha Paciente, hoje falecida”. O café que tomávamos com bolo "Mané pelado“ vinha a calhar .enquanto eu conversava com seu filho e meu cunhado Mariano Paciente as ideias foram surgindo...
                  --Nos devíamos só caçar jacaré, em vez de pensar em matar onça. Foi uma temporada especial, matamos 46 jacarés de primeira e retornamos a Luciara.
                   
A Casa de Joaninha Paciente junto ao Rio Araguaia em Luciara.
                                       
Nesta segunda viajem Mariano não poderia ir, assim, chamei o “Paulista” Osvaldo Guimarães para companheiro e o Rafael, como sempre para cozinheiro e braçal, só que esta . Rafael comentou que a Viajem iria ser difícil, pois teríamos que seguir até a margem do Riozinho com um ou dois animais de carga e lá arranjaríamos uma canoa para nossa caçada, já sabíamos que o Mundico Sabino nos emprestaria uma canoa, mas era pequena, mas esperávamos arranjar outra canoa maior com os índios Javaés que estavam perambulando pelo interior da ilha. Assim aconteceu.
                Preparamos a nossa viagem cautelosamente para não faltar nada, inclusive um bom pedaço de lona plástica, isto porque setembro e outubro já eram meses de chuvas.
                Marcamos o dia da saída, seria no mês de junho de... 1956, a única diferença é que eu iria passar o aniversário de minha esposa dia 27 de agosto de 1956 no mato e ainda por cima estava grávida, no dia 06 de agosto de 1957 no mesmo mês, nasceu meu terceiro filho que levou o nome de Paulo, estava com boa saúde, não empataria a nossa viagem afinal à vida era assim mesmo e ela compreendia muito bem.
                No dia 22 de agosto atravessamos o rio onde Mundico Sabino enviou um peão de sua fazenda com duas mulas de carga para nos levar até as margens do rio Jaburu. Nos fomos a pé. Neste dia posamos de novo na fazenda do Oleriano na margem do ribeirão 23, madrugamos, pois teríamos que atravessar o ribeirão 24 e a macega estava muito alta o que dificultaria o nosso avanço.
                Chegamos no dia 23 antes do anoitecer ás margens do lendário rio, nos arranchamos, no porto uma canoa estava a nossa espera com dois remos dentro. Quatro cachorros nos acompanhavam, o menor se chamava “Batom” era o cachorro de vigiar a casa, ele não quis ficar, tive que levá-lo, o segundo chamava-se “Pretinho”, era um pra nada, o terceiro se chamava “Javali”, era bom caçador e acuador de onça, o quarto era uma cachorra mestiça metida mais a policial e se chamava “Veneza”, muito obediente e valente. Estavam todos cansados e dormiam a solta pelo novo acampamento. Neste dia apenas descansamos
                No dia seguinte, o peão voltou com os animais e nos fomos até a “cachoeirinha’ ·onde possivelmente, arranjaríamos uma canoa maior com os índios Javaés”.
                 A cachoeirinha ficava apenas algumas horas no remo e logo escutamos o barulho das águas, quando fomos aproximando ouvimos também vozes de índios, eram apenas quatro deles, aproximei-me calmamente e encostei a canoa junto das outras.
                 --Taterianbo (Bom dia).
                 --Tateri – foi á resposta curta.
                 --Mombani caí? - (Como se chama?) perguntei ao índio mais velho.
                 --Raul, nome de tori – respondeu rindo – e continuou -Vocês vem de onde?  (num belo e bonito português).
                 --Nos estamos aqui para mariscar jacaré.
                 --Hum, nos só mariscar peixe e ariranha.
                 --Eu queria era alugar uma canoa sua destas maiores, a nossa, aquela ali, é muito pequena e perigosa.
                 --Tá bom, empresta canoa àquela grande - mostrou a ubá  - quando ocê volta deixa canoa na casa de Oleriano.
                 --Quanto vai custar?
                 --Nada meu amigo, ocê Dequimá?
                 --Sim, eu sou Dankmar.
                 --Todo Javaé conhece ocê e Carajás também, fala bom do amigo.
                 --Vou precisar de pelo menos um remo.
                --Está bem, eu arranja remo, mas ocê demora mais e um dia vão até o “Canoanon”  visita nossa aldeia, eu arranja mué bonita para ocê.
                   --Muito obrigado Raul, mas eu tenho que voltar.
                 Ficamos mais umas duas horas por ali e comemos um peixe assado e iniciamos a viagem de subida nas canoas, eu vinha na grande e vi como era pesada, mas fazer o que?  Não havia outro jeito, o fundo da canoa era muito grosso, mas não tinha nenhuma rachadura.
                 Pousamos pela segunda noite no mesmo lugar.
                 No dia seguinte, ajeitamos as coisas dentro das canoas e seguimos viagem rio acima rumo às três bocas na canoa grande, Rafael ia ao piloto e eu ia á frente usando a zinga ou o remo levando dois cachorros e parte maior da tralha, na outra canoa pequena ia o Paulista, mais dois cachorros e alguma tralha, sentados no piloto remavam e alternavam com a zinga nos lugares mais rasos, íamos ganhando espaço.
                Já havíamos passado da cachoeirinha e não vimos os índios, deviam estar fora caçando, e enfrentamos um longo trecho raso, tivemos que descer das canoas e empurrá-las, num certo momento senti qualquer coisa me roçando o calcanhar de meu pé dentro da água rasa, eram umas dez piranhas vermelhas ou “chipitas” ainda pequenas que nadando quase de lado pela falta de água tentavam morder meu pé, me virei e com a vara da zinga as espantei com varias pancadas fortes e elas que fugiram, prossegui viagem arrastando a canoa por mais uns cem metros logo a água foi ficando mais funda e eu entrei na canoa e fui para a proa impulsionar com a zinga. Havíamos andado quase uns trezentos metros quando eu vi uma cobra Sucuri emparelhada com a canoa nadando no mesmo sentido, a vara do arpão que esta sempre encastoada e pronta estava bem à mão e apanhando-a joguei contra a cobra, mas o arpão não entrava, tentei umas poucas vezes, mas não adiantava e teimosamente a cobra acompanhava a canoa naquela água transparente, algumas vezes ela punha a cabeça para fora da água e ameaçava atacar a canoa, ela estava enraivecida e eu comecei a me assustar foi ai que me veio à idéia, atirar nela com o rifle 22 e assim o fiz, agachei e apanhei o rifle o manobrei colocando a bala na agulha e esperei, quando ela subiu atirei na cabeça, fora um tiro mortal. Paramos a canoa, pulamos na água que devia ter não mais do que meio metro de fundura e a arrastamos para a praia. Ela tinha aproximadamente uns quatro a cinco metros, não era grande, mas estava gorda. Tentamos tirar o couro, mas não foi fácil, mesmo morta ela se encolhia e não deixava racharmos o bucho com a faca. Finalmente depois de a estaquearmos na ponta do rabo e no pescoço com as duas varas enfiadas na areia consegui cortar o couro da barriga e para minha surpresa contamos exatamente cento e cinquenta filhotes de um palmo de tamanho, vivos a se contorcerem na areia quente, antes que eu mandasse Paulista depois que os contou os joga-se dentro da água do rio e eles sumiram todos, era esta a razão de sua agressão.
                  Desta feita não visitamos o Lago do Mamão
                Chegamos ás quatro horas da tarde na boca de lago solto e dali um esgoto que leva ao lago dos quarenta e sete, e nos arranchamos em uma bela praia. Estávamos enfadados, pois já era o terceiro dia de penúria. Usando o arco e a flecha eu fisguei dois belíssimos Tucunarés, jantamos bem e dormimos cedo.                
                Algo me fazia desconfiar, estava tudo muito quieto para o meu gosto, seria a p ietético, e assim carregávamos menos coisas, apagamos o fogo e rumamos para as três bocas.  Chegamos cinco horas depois.
                Ali se encontravam o Rio Imoty com o Riozinho e a terceira embocadura era o lago chamado Três Bocas, era uma beleza de lugar, o silêncio, somente o cantar dos pássaros nas arvores, o riscar dos peixes sobre o espelho límpido e sem macula das águas, tenho certeza que possivelmente alguma onça, pintada, preta, vermelha ou canguçu nos olhavam e nos espreitavam intrigadas, talvez pensando: “O que eles querem aqui? O que vieram fazer?".
                Encostamos a canoa em uma clareira limpa na mata bem a beira rio e com muita sombra.
                 --Aqui parece um bom lugar - comentei.
                 --Vamos arranchar aqui mesmo é melhor ficarmos mais afastados das bocas - advertiu Paulista.
                Poucas horas depois estávamos com um belíssimo acampamento montado. Esperávamos ter que passar ali pelo menos 30 dias. A tarde chegara com o barulho dos pássaros e o bater forte das asas dos patos selvagens que pousavam por todo lados. Repetimos as operações iniciais como preparar as arpoeiras, lanternas, linhas armas, machado, facão etc.
                A noite caíra escuro feito breu, de barulho somente as rabanadas de um ou outro jacaré ou peixe, e o grumexe dos cachorros que estavam meio escabreados com o ambiente hostil, de quando em vez rosnavam, mas não latiam.
                 --Rafael te cuida fica perto da fogueira – recomendei.
                Paulista era um grande piloto e exímio arpoador, mas eu teria que ir á frente, pois tinha mais pratica naquela luta entre homem e fera.
                 --Paulista? Tudo pronto?
                 --Tudo.
                 --Você pilota a canoa e eu arpoo.
                 --Como queira.
                E a historia se repetia a guisa da primeira viagem ao Lago do Mamão, tudo aconteceria de novo, mas eu não conseguia me acostumar, sempre no inicio as pernas tremiam muito, empurramos a canoa para dentro da água e fui para a proa e me coloquei em pé e com a lanterna de dois elementos (Rayovac), segurei a arpoeira na altura dos ombros, dei sinal com um leve balançar do corpo que era um sinal para avançarmos e foquei a lanterna, quase me assombro mais parecia uma arvore de Natal de tantos reflexos que eu via, mas pela altura dos olhos da água e da distância entre os dois olhos, percebi que tinha muito jacaré de segunda e terceira, isto queria dizer que os jacarés grandes seriam poucos uma vez que a miuçalha estava solta, teríamos que achar primeiro os grandes e assim que localizei um dei sinal com a arpoeira, porque o piloto não tem a menor noção do que esta acontecendo, e lá se fomos, bem devagar, o remo entrava e saia da água sutilmente sem fazer um menor ruído fomos passando entre vários jacarés de segunda até que me aproximei do grandalhão, tomamos uma cautelosa chegada e ele nem se deu conta, mas quando o arpão se encravou no couro e carne do pescoço ai sim foi um Deus nos acuda, o primeirão deu uma rabanada que nos encharcou dos pés a cabeça e balançou a canoa, mas aquela embarcação era segura muito grande firme e pesada, mas mesmo assim minhas pernas ainda estão tremendo, foi um barulho lago afora que mais parecia uma revolução e que todo mundo estava contra nos, o jacaré correra um pouco e  entrou numa moita de mururé  (planta que dá na superfície das águas) até se enganchar,  eu corri a lanterna ao nosso redor e pude contar mais de vinte jacarés de todos os tamanhos bem perto nos olhando agressivamente e de rebate as piranhas estavam de plantão junto a  nossa canoa.  Deixe a coisa acalmar um pouco, foi quando o Paulista muito calmamente falou:
                 --Vamos encostar a canoa em um pé de Saram e vamos puxar este porcaria para fora e matá-lo logo e depois vamos continuar sem escolher vamos pegar os que estiverem na frente.
                 --Certo.
                 Eu fui soltando a corda da arpoeira e nos agarramos em Saram (arvore de beira de lago), puxamos o jacaré, mas não deu resultado e assim comecei a recolher a corda e lá se fomos para junto da moita de mururé, eu começava a me esquentar e já estava zangado, passei a mão no facão fui cortando as plantas junto da corda e puxando a canoa até entrar bem dentro, foi eu senti o encastoo da corda (parte de amarrar que fica junto do arpão), e esfriei ao sentir o couro do animal logo nas pontas dos dedos, mas eu não sabia para qual lado estaria à cabeça então tive que cutucar a fera com o facão para ela se mexer do lugar, num movimento tremendo que chegou a levantar a canoa, o jacaré passou por debaixo dela e voltou para o espelho do lago e nos fomos juntos, claro que eu havia dado corda.
                Agora estávamos em igualdade de condições, recolhendo a corda aguardava com o rifle ao lado quando a cabeça começou a despontar bem junto da canoa e chegou a encostar, fui puxando a corda para aparecer bem a cabeça fora da água, era de assombrar o tamanho da mesma que ficou mais alta que o beiço da canoa, estava quase olhando para dentro, entre eu e a fera não tinha mais do que um metro de distancia, mas ele permaneceu quieto e assim segurei a lanterna na boca e com a mão esquerda mantinha a corda esticada e com a direita encostei o rifle calibre 22 na nuca e disparei. Nem me lembrava mais dos outros jacarés e das audaciosas piranhas que nos acompanhavam roendo o fundo da canoa e do remo. A primeira fase estava cumprida, mas seria necessário usar a machadinha para seccionar a espinha dorsal junto à cabeça o que eu fiz com dois golpes seguidos, agora sim estava morto, o arrastamos junto da canoa até a margem, furei o couro com minha faca junto ao corte na nuca e passando o arame o amarramos num forte pé de Saram, cansado pedi para voltarmos ao acampamento.
                 --Paulista nós vamos voltar ao acampamento.
                 --É bom e eu quero tomar um café.
                 Encostamos a canoa e eu saí um pouco aliviado, afinal terminara tudo bem embora estivéssemos dentro de uma boa canoa não seriamos páreo para o resto da família daquele tremendo animal se quisessem nos atacar.
                 --Agora é a sua vez Paulista eu vou pilotar.
                 --É bom mesmo, esta canoa é muito pesada, mas eu vou arpoar o primeiro que aparecer.
                 --Tudo bem vai lá.
                Neste resto de noite correu tudo bem, caçamos mais quatro jacarés grandes.
                Fui dormir de madrugada, passei boa parte da noite pensando em minha família e nos riscos que corríamos com as  piranhas prontas para nos devorar em segundos ao menor deslize, onças na espreita pronta para atacar, sucuris, cobras venenosas, apenas dois seres humanos em meio a uma centena de jacarés de todos os tamanhos será que valia a pena correr aquele risco todo, logo no começo da vida? Ou era uma loucura?!.
                Nos não tínhamos uma junta de bois para puxar aqueles enormes animais para fora da água para tirar o couro e assim o jeito eram tirar o couro bem na beira da água quase junto com as piranhas que durante a noite haviam adentrado para dentro do corte feito na nuca e devoraram boa parte da carne do pescoço e muitas morreram presas sem poder voltar, depois tirávamos o rabo para tirar a gordura que em um jacaré grande chega dar vinte litros, e seguidamente arrastávamos o resto da carniça para mais longe possível do acampamento.                           
                Assim se passaram os dias, os couros começaram a aparecer e iam se amontoando e a gente se acostumando ao perigo, mas o nosso estoque de alimentação estava no fim, trinta dias haviam se passado desde que saíra de casa, e tínhamos que mudar acampamento para o lago do “Coqueiro Só“, mas só quando eu regressasse - Assim decidi.
                 --Paulista e Rafael, eu vou a Mato Verde buscar suprimentos, não saiam do acampamento e nem inventem de caçarem sozinhos, dentro de dez dias estarei de volta, vou descer na canoa pequena até o Oleriano de lá eu pego um animal e vou a Mato Verde, assim volto mais depressa e continuaremos a nossa caçada, vou levar todos os couros que puder e já deixo guardado com o velho, vou levar só o meu revolver a carabina 44 e a 22 ficam aqui no acampamento.
                 --Quando você vai - perguntou Rafael
                 --Amanhã cedo, hoje eu vou explorar o outro lado rumo leste eu já vi ao longe uma mata fechada e pode ser um lago grande, vou lá verificar.
                 --Leve os cachorros contigo, tem muita onça rondando por aqui por causa das carniças dos jacarés, todas as noites elas rondam o acampamento, já ouvimos muito barulho delas e parece que estão se acostumando com a gente e isto pode ser perigoso – comentou sabiamente o Paulista.
                 --É, eu já reparei que elas estão pegando as carniças bem aqui perto e arrastando para dentro do capão, vou levar os cachorros e a minha carabina 22.
                 --Tome cuidado.
                Entrei na canoa grande, chamei os cachorros que logo estavam todos dentro, não deixei o Batom entrar, ele era muito pequeno e muito gordo alem de cabeludo, logo cansaria embora fosse muito cedo do dia, vagarosamente rumei para o outro lado
                 Quando escutei:
                 --Volte Batom.
                 O cachorrinho entrou na água e vinha nadando atrás da canoa que se encostava ao barranco do outro lado do rio, fiquei de pé e pude ver centenas de piranhas todas no espelho da água quietinhas com o rabo para baixo e a cabeça para cima, como se tivessem querendo tomar sol da manhã e o cachorrinho nadando entre elas que se afastavam a sua passagem, nunca mais verei algo assim novamente, a natureza é realmente sábia, até as piranhas tem suas horas de paz. O Batom saiu ileso do outro lado eu quase agradeci as piranhas, dali seguimos rumo ao rio Javaé, com o sol nascente em meu rosto. Não havia andado mil metros quando os cachorros que sempre andam na frente encontraram um veado Cervo e correram atrás dele até sumir o latido, não adiantou eu gritar para eles largarem, fiquei sozinho por um bom pedaço, mas quando eu estava atravessando um capinzal alto, seguindo por uma trilha batida deixada por gado ou anta, escutei pisando bem atrás de mim, pensei “os cachorros estão chegando” e continuei a caminhar, mas logo desconfiei, pois os cachorros quando chegam eles vão logo atropelando e passando a frente e estes não queriam passar, desconfiado me virei com o rifle pronto e dei de cara com uma enorme onça Suçuarana (Vermelha) a menos de dez metros atrás de mim me seguindo no trilheiro, ela estava pronta para saltar sobre mim, mas quando a fitei nos olhos e ela firmou a vista em mim eu levantei o rifle para atirar, num piscar de olhos, e em menos de dois segundos ela deu um pulo para o lado direito e sumiu dentro do capinzal, não cheguei a atirar e nem fui atrás. A minha natureza sempre me mantinha frio e insensível quando enfrentava o perigo em especial as muitas onças e jacarés que passaram pelo meu caminho e ao que parece as feras respeitavam esta atitude. Esperei mais um pouco calado e atento, ouvi-os acuando alguma coisa, mas muito longe quase no rumo do acampamento, mas nem os cachorros e nem mais a onça davam sinal de vida, fui em frente rumo ao capão que se aproximava, logo que entrei num varjão de capim baixo e limpo foi quando ouvi um tiro longe, pouco depois os cachorros chegaram Tomei uma decisão, queimar o capim para ficar mais fácil de andar e assim o fiz, fui para junto da mata do lago e aguardei o fogo avançar rumo oeste para onde o vento de verão o empurrava, quando fui chegando ao capão rodeando uma moita topei de cara com uma onça que estava sentada e se levantando de um pulo correu para dentro da mata quando dois cachorros chegaram e correram atrás dela, entraram no capão e sumiram latindo ao longe, resolvi contornar o capão pelo outro lado, mas quando ia passando junto de numa moita de tucum, o cachorro “Pretinho” acuava violentamente alguma coisa escondida na moita, me abaixei lentamente e vi a onça Canguçu deitada sobre as mãos abanando o pedaço de rabo (era toco) e olhando fixamente para mim a menos de três metros, se enfrentar a morte for assim eu estava preparado, pois não senti o menor receio e nem tremor calmamente sem deixar de fixar os olhos dela levantei o rifle e mirei bem na testa e apertei o gatilho, morreu sem se mexer do lugar, não senti nem prazer e nem remorso, eu estava frio e parecia que não tinha feito nada de mais, quando vi que estava morta a arrastei para fora da moita de espinhos. Pensei em dar mais um tiro, mas não havia necessidade, descansei um pouco e joguei a bicha nas costas e voltei ao acampamento, quase não aguentei o peso. Quando cheguei ao acampamento o Paulista foi falando:
                 --O que aconteceu? Eu escutei os cachorros acuando lá do outro lado e fui ver o que estava acontecendo e não é que eles haviam acuado uma Suçuarana e ela subiu num pé de murici baixinho e eu larguei fogo nela, já tirei o couro, e você onde estava?
                 --Matando esta aqui – respondi tirando a Canguçu de dentro da canoa - é... Eu vi a tua onça ela andava atrás de mim botando tocaia para me pegar, eu só dou um tiro e é bem na testa.
                --É hoje parece que foi o dia das onças, e eu só atiro dentro do olho que é para não estragar o couro – respondi ironicamente. Já faz tempo que elas vêm perturbando a gente
                 --E o lago, tem jacaré?
                 --É pequeno o espelho e é muito sujo, pode ser bom, mas é difícil e perigoso, não tem lugar firme para encostar a canoa, só muito lama.
                 --Deixa para lá, já temos muito lugar para mariscar, vou tirar o couro  desta canguçu e esticar.
                 Dei uma boa merendada e fui descansar um pouco. Dormi até a boca da noite. Nesta noite eu não trabalhei, pois teria que viajar cedo no outro dia.
                Acordei com o barulho da passarada, a noite foi calma, não houve aquela apreensão com o barulho e briga das onças disputando as carniças acredito que elas sentiram os cheiros das duas onças mortas. Tomei um cafezinho, tornei a recomendar que não fossem caçar especialmente sozinhos e tudo mais necessário.
                 --Quero que não esqueça remédio para dor de cabeça. – pediu Rafael.
                 --Para mim eu quero uma garrafa de pinga, uma lata de leite moça e dois pacotes de fumo. – pediu Paulista
                 --Já estão na lista, você quer fazer “Um leite de onça” (Cachaça misturada com leite Moça) Paulista?
                 --Adivinhou. Pode ir tranqüilo, ninguém vai mexer com nada até você chegar.
                Arrumei os couros e quando surgiu o primeiro clarão do dia acordei o pessoal e embarcamos quase todos os couros, tomei um café e acenei partindo.
                Rio abaixo era bem mais rápida a viagem, mas mesmo assim eu ia bastante pesado e teria que descarregar a canoa para poder passar a cachoeirinha, e cheguei ao Oleriano já quase escuro da noite, dormi entre aquela boa família, contamos casos e ao amanhecer do dia já estava com o animal arreado e pronto para partir, não sem antes agasalhar a courama no paiol.
                Pouco depois das quatro horas da tarde eu já estava atravessando o Araguaia e pensando como estariam todos, mas a patroa e as crianças estavam bem.  .
                Fiquei cinco dias visitando os amigos, e dando uma força para minha sogra Joaninha, pois meu sogro viajava muito e assim as mulheres sempre ficavam sozinhas, comecei a me preocupar com meu estilo de vida, seria a última caçada prolongada que eu faria, e foi mesmo.
                Quando inteirava os doze dias eu chegava de volta ao acampamento com um suprimento para mais trinta dias, fui logo notando algo muito estranho, Paulista estava muito calado e o Rafael também, mas logo descobri o motivo, um couro de onça preta esticado de novo bem no fundo do acampamento eu fui até perto para examiná-las e contei seis buracos de bala, logo gritei:
                 --Isto aqui é um couro de onça ou uma peneira?
                 --Calma Dankmar eu vou te contar tudo.
                 --Pois conte logo – sentei-me junto ao fogo e peguei uma caneca para tomar café esperando a explicação do Paulista.
                 --Há três dias esta onça amanheceu o dia esturrando em volta do acampamento e os cachorros a pressentiram e correram para o mato a acuaram ai não teve jeito tive que ir lá matá-la senão ela matava os cachorros.
                 --E foi preciso dar tanto tiro assim, vamos lá rapaz conte esta historia direito, venha cá Rafael me conte você?
                 --Patrão foi quase assim só que foi o Paulista que resolveu ir caçar e saiu sozinho, não levou nenhum cachorro, não sei por que carga da água ele resolveu subir numa arvore e com a cabaça começou a esturrar chamando onça e não é que veio uma onça preta e parou bem embaixo do pau que ele estava, ai não teve jeito ou ele atirava ou a onça subia lá e o pegava, ele estava muito baixo, atirou e o tiro pegou bem mal e a onça que correu, ele atirou de novo, não sei se ele acertou, mas com o barulho dos tiros os cachorros correram e foram para lá e ai o pau quebrou a onça ferida corria traz dos cachorros os cachorros corriam atrás da onça, ai não teve jeito o Paulista desceu da arvore e foi até onde estava à briga, era melhor enfrentar a onça do que enfrentar o senhor quando voltasse, foi chegando perto e deu outros dois tiros na onça que correu para cima dele ai ele correu, virou um corisco, mas se enganchou em um cipó e a carabina caiu da mão dele e se agarrou no cipoal e subiu bem para o alto, e ai os cachorros fecharam em cima da onça bem embaixo do Paulista, que me gritou, mas eu não escutei, era muito barulho junto, só sei que a onça tornou a correr e os cachorros depois de um tempo voltaram e ai o Paulista teve coragem desceu do cipoal e foi procurar a carabina que demorou a encontrar, pois é caiu longe, foi muita coragem ele descer da arvore só de facão na mão ai ele veio aqui pro rancho e depois de umas quatro horas resolvemos os dois voltar lá para ver o que aconteceu, mas logo os cachorros a encontraram, ela esta morta, ai nos amarramos numa vara e a trouxemos para cá, o resto é aquilo ali – terminou mostrando o couro.
                 --Viu no que dá não escutar meus conselhos?
                 --É, passei um bocado apertado, mas a bicha morreu.
                 --Paulista, com uma carabina 44 tem que atirar seguro, é preciso ter calma.
                 --Você já está acostumado a matar onça, mas eu não, esta é a primeira.
                  --Ainda bem que teve um final feliz, e os jacarés? Ainda há algum por aqui?
                 --Só jacaré pequeno e os jacaretinga que começaram a aparecer.
                 --Não é bom sinal, vamos mudar para o lago do Pé de Coco Só
                 --Já estamos em fim de setembro, bem perto de outubro, logo teremos muita chuva ai às coisas vão ficar difíceis para nós - vaticinou o Paulista.
                 --Rafael ajude a arrumar as tralhas começaremos a nos mudar amanhã cedo.
                 --Vamos caçar jacarés hoje?
                 --Não, hoje dormiremos em paz.
                 No outro dia fizemos um jirau alto dentro do mato e escondemos os couros de jacarés e de onça e juntamos o resto da tralha embarcamos na canoa e começamos a parte mais difícil da odisseia, arrastar uma canoa grande pelo campo por mais de dois mil metros, levamos quase seis horas para colocar a canoa no outro lago, mesmo vazia era bastante pesada, fizemos um cabresto de corda e amarramos uma vara forte de atravessado no bico de proa e dois homens, um de cada lado arrastamos um pedaço, depois voltávamos atrás das tralhas e assim por diante ate chegarmos ao novo lago, fizemos um acampamento provisório. Passamos oito dias caçando jacarés e só matamos onze, levamos os couros para o jirau da mata e começamos a nos mudar para a o nosso ultimo lago que pusemos o nome de Quarenta e Sete, e jamais o esqueceremos, foram os trinta dias mais difíceis da minha vida. Arrastamos penosamente a canoa por mais de três mil metros, desviando dos baixios, agora estávamos, em linha reta aproximadamente a dois mil metros da margem do Riozinho.
  
Dankmar e jacaré-açu do lago 47
                   
 “Lago dos 47”;
 Ali moravam, os perigos, o sofrimento e a dor...
      Eu tive um mau pressentimento...                    
o, as garças enfeitavam de um branco sem macula tal um modelo na passarela, as gaivotas escandalosas voavam riscando as águas com o bico e sempre pegavam um peixinho menor, tudo cheirava a peixe, e a mosca de ferrão abundava, era capaz de furar um cobertor para atingir a pele dentro da rede, acredito que dali veio à mosca de chifre que hoje atormenta o gado eu as vi aos milhares nos lugares em que os pássaros povoavam, voltei entre admirado e pasmado, admirado ante tanta beleza da espécie viva, pasmado pelo comportamento social ao verem que também os pássaros viviam em comunidades para melhor se protegerem, era uma lição de vida, amor e dedicação. Voltei para o acampamento cumprimentado pelos os crocodilos que vinham à tona para me estudar. 
                Ao escurecer fizemos uma reunião para traçarmos nossos trabalhos, obrigações e cuidados que teríamos que tomar:
                 --Vamos arrastar as carniças o mais longe que pudermos depois que chegamos aqui já vi muitos rastos de onça, não vamos facilitar, especialmente você Rafael, a noite fique sempre acordado enquanto estivermos no lago, mantenha os cachorros juntos da fogueira e arma na mão, qualquer sinal de perigo de dois tiros para cima, lembre-se só dois tiros, entendido?
                 --Entendido.
                 --Hoje à noite nos só vamos matar apenas dois jacarés para tomarmos conhecimento do lago.
                 --Por mim está bem, estou um pouco cansado acho que podíamos descansar hoje e caçar amanhã.
                 --Pode ser, então vamos jantar e conversar um pouco e dormir.
                 --Uma coisa esta me incomodando – censurou o Paulista.
                 --O que é?
                 --Quando você se dispõe a falar com reservas de certo lugar eu começo a ficar com medo.
                 --Afinal, o que lhe aflige?
                 --Você quando tem uma predição de coisa que podem ou vão acontecer saiam da frente, acontece mesmo e eu gostaria de saber o que esta te perturbando agora.
                 --Por enquanto nada, mas vamos tomar cuidados, quando a minha natureza fica perturbada algo esta por acontecer.
                 --É, eu me lembro de alguns casos teus, lembra-te também? Perguntou.
                 --Sim, quando o meu sogro foi assassinado na Barreira de Pedra eu estava em casa deitado na cama ao lado de minha esposa Maria, quando uma vós que eu conheci como a dele me falou “Dankmar fale para a Joaninha que eu vendi o motor Penta novo para o Alfredo Alemão, na Piedade para ele pagar para ela, e diga que estou bem”. Meio atordoado acordei minha esposa Maria e lhe contei sobre a vós que eu ouvira.
                 --Deixa isto para amanhã cedo vamos à casa de minha mãe e você conta para ela.
                Dormimos e ao clarear do dia deixei Maria ainda deitada e fui à casa de minha sogra e contei o fato para ela, e enquanto eu contava ouvimos o roncar de um barco a motor chegando, olhamos para o rio e vimos o barco do marido dela se aproximando para atracar e não sei por que eu falei a ela:
                 --Dona Joaninha aquele é o barco do seu Aleixo, o mataram vá ao porto.
                Minha sogra saiu correndo e pouco depois voltava com alguns homens trazendo o corpo do marido morto dentro de uma rede. Muitos outros casos eu tenho previsto parece que tenho o Don de ver as coisas antes de acontecer.
                Como foi que aconteceu?
                O finado Aleixo quando veio de Aruanã, trouxe consigo um passageiro que aparentava ser turco, homem da cara ruim sobrancelhas encontradas, e parece que era meio maluco, ele trazia uns objetos estranho por baixo do blusão que nunca o havia tirado, o finado Aleixo segundo me contou o índio já estava sobressaltado com o comportamento de seu passageiro e quando se aproximaram de uma vila beira rio de nome Barreira de Pedra, o tal maluco lançou mão de uma carabina 22 de repetição que o finado havia deixado na cabine e vendo o homem na proa do barco simplesmente apontou e atirou três vezes na cabeça de Aleixo que caiu morto, o piloto Carajás de nome Domingos se espantou e rumou a proa do barco para o barranco onde ficavam as casas e pulou na água, o bandido ainda lhe deu um tiro baleando-o não gravemente e também pulou na água e ao chegar à margem saiu correndo em disparada rumo ao centro da Ilha do Bananal Ninguém foi atrás.  Dias depois organizaram uma busca e, segundo me contaram, encontraram junto ao rio 23 que corta a ilha ao meio de rumo sul ao norte, ali mesmo o aprontaram e devem-no ter jogado no rio e as piranhas fizeram o resto.
                 --Puxa que drama, então foi aqui perto de onde nos estamos porque, o rio é este em que nos estamos e Barreira de Pedra lá na margem do Araguaia não fica muito longe daqui, ‘fica de grito’ eu grito aqui e eles escutam lá.
                 --Puxa, vai mentir assim no inferno.
              --E por falar em   inferno é     este aqui que nos estamos. E agora, nesta situação o que esta vendo?
             --Um pouco de sofrimento, mas no fim há de vir alguém nos ajudar, eu vi um homem chegar cantando. Quando chegar à hora eu sei direitinho pode ficar tranqüilo.
                No outro dia cedo eu dei outras voltas pelo lagos e achei outros dois lugares com a margem limpa, mas era lama pura. Os jacarés não se assombravam, com a gente, alias, nem ligavam.
                Chegando à noite, saímos para a caçada, às pernas tremiam mais do que antes, as piranhas roçavam o fundo da canoa com os dentes e o remo ficava agredido de tanta mordida. Pegamos o que estava mais perto, não havia como escolher era uma verdadeira cidade quando se passava a lanterna pelos olhos dos animais. Os jacarés naquele lago eram mais violentos, de vez em quando um batia com o casco no fundo da canoa e se aproximavam perigosamente. Arrastamos para a margem e o amarramos com corda da própria aroeira numa moita em uma pequena ilhota. Voltamos ao lago arpoamos um segundo jacaré e o matamos desencaixando a espinha junto à cabeça, e o puxamos para o porto e o amarramos com arame em um toco grosso, era o começo da nossa Via Crucies, pois neste exato instante o Paulista quase que profetizando falou:
                 --Dankmar... Devemos retornar ao acampamento, estou sentindo um vento frio e vejo relâmpagos ao longe é chuva na certa e precisamos agasalhar as nossas tralhas, afinal já estamos em outubro.
                 --É a voz da profecia, quando Paulista fala é melhor escutar, sempre acerta, vamos voltar – concordei.
                 Quando aportamos a canoa Rafael já vinha ao nosso encontro dizendo:
                 --Parece que vamos ter chuva, mas não se preocupem, já agasalhei quase tudo, fiz um jirau e coloquei a tralha de comida e o sal, só não achei jeito de armar as redes, a lona é pequena.
                 --É só quatro por oito metros, mas dá para a gente se esconder embaixo com os cachorros e as muriçocas que agora ...
                 Empestearam o lugar, vamos ver como estão às coisas e dar uma melhorada, amanhã tiraremos umas palhas para fazer uma cobertura.
                 --Vamos lá.
                Trabalhamos umas duas horas, mas improvisamos melhor, parecia que daria tudo certo, mas não foi o que aconteceu.
                Já devia ser por ai nove horas da noite quando nos sentamos ao redor da fogueira para comer um peixe assado com farinha de puba e tomarmos um café, nem bem tínhamos terminado quando um forte vento foi chegando e aumentando cada vez mais jogando cinza e brasa para todos os lados, as redes flutuavam no ar, galhos das arvores próximas começaram a estalar e cair e relâmpagos iluminavam a noite e as lamparinas foram para as “pupuias” ou simplesmente sumiram somente as lanternas funcionavam, nos agarramos a beirada da lona que começava a rasgar, pois eram destas lonas de plásticos pretas que não aguentam nada, e este inferno durou uns vinte minutos até que caiu água para valer, os cachorros estavam escondidos embaixo do jirau, nossas mochilas e sacos de rede se molharam todos e veio água para dar com pau, choveu forte durante uns quarenta minutos, depois foi diminuindo, mas só veio parar ali pelas duas horas da manhã quando então deitamos nas redes molhadas, com muriçoca e tudo e dormimos.
                Quando o dia amanheceu, pudemos ver o estrago da chuva, mas metemos as mãos à obra logo estávamos com o acampamento limpo e a roupa esticada para secar, e do jacaré que amarramos só achamos os pedaços de cordas que o amarravam e o chão todo revirado por outros jacarés ao puxá-lo para dentro da lagoa, mas ele se fora com um bom pedaço de corda amarrado no pescoço e tinha na ponta um pedaço de “buriti” que servia como “boia”, fomos procurá-lo e logo o achamos. Ele ainda estava lá com a corda e no fundo do lago, morto, cheio de piranhas por dentro que entraram pelo corte grande feito pelo machado atrás da cabeça, bem na nuca. O arrastamos até o porto e tiramos o couro, era muito grande mediu 24 palmos até passar um palmo do “anus”, com rabo e tudo daria 28 palmos.
                Naquele dia tivemos vários problemas, Rafael foi tirar uma abelha e meteu o machado entre os dedos dos pés foi um corte profundo, mas tínhamos levado uma pequena farmácia de emergência e logo lhe fiz um curativo, e lhe dei uns comprimidos e enfaixei o pé.
                Uma das lanternas não queria funcionar e tivemos sérios problemas para arrumá-la e ainda por cima o açúcar havia se molhado e estava secando, diminuiu muito, teríamos que apelar para as pílulas de sacarina que ainda tínhamos cerca de duzentas delas.
                Nas cinco primeiras noites matamos aproximadamente dezesseis jacarés grandes, mas cada dia que passava ficava mais difícil, decidi que teria que ir à beira do Riozinho, onde havíamos deixado canoa pequena bem amarrada, minha intenção era ver se encontrava alguns mariscadores que por ali passavam, mas o caminho era apenas um pequeno trilheiro, e com tanta chuva a minha botina já havia se estragado e eu ia descalço, quando eu pisava fora do trilheiro, os talos de capim entravam nas frieiras de meus dedos dos pés e furavam a carne, era um sofrimento terrível, tinha muita dificuldade para caminhar até que improvisei umas alpercatas que não se seguravam bem dentro dos pés. Quando cheguei à beira do rio, tirei a água da chuva que havia alagado a canoa e atravessei para o outro lado, num barranco alto e fui dar uma volta mais por curiosidade do que por necessidade e para minha surpresa encontrei uma velha roça de mandioca, ainda existiam muitos pés, certamente seriam dos índios Javaés, mas estava abandonada, arranquei um bocado de raízes e fui carregando para a canoa, os veados campeiros se levantavam bem junto de mim, caminhavam para meu encontro e quando sentiam meu cheiro pulavam de lado e corriam um pouco depois voltavam, ao que parece nunca tinham visto gente antes, poderia ter matado um bocado deles, mas de nada serviria, não os poderia carregar e assim me limitei às mandiocas.
                Voltei para o nosso lado do rio e tirando a camisa a guisa de sacola carreguei um bocado de raízes, dividi-as em duas partes a primeira eu levaria para o acampamento as outras raízes colocaria dentro da canoa com bastante água para elas pubarem e assim eu poderia voltar e fazer um “grolado” ou uns “beijus”, e colocando a carabina 22 no ombro e a sacola de mandioca nas costas me dispus a voltar para o acampamento no lago. Não havia ainda andado dois quilômetros naquela campina limpa quando voltei o rosto para o lado esquerdo e vi duas onças, a menos de cem metros, brincando em uma poça de água que restara da chuva em meio ao varjão, sutilmente joguei a camisa no chão e lançando mão da carabina 22, manobrei e apontei, foi uma temeridade enfrentar aquelas feras em campo aberto, pararam de brincar e ficaram a me fitar, foi quando mirando uma das duas bem na cabeça atirei, o animal deu um urro e pulou por cima da outra e correram rumo à mata de beira do esgoto que ia do rio para o lago, não tornei a atirar, estavam longe, antes decidi ir ao rancho buscar os cachorros para caçá-las e assim o fiz, acelerei o passo e logo chegava ao rancho gritei os cachorros fui à minha sacola peguei uma caixa de balas Winchester 22 e falei:
                 --Espere aqui Paulista vou atrás de duas onças já baleei uma e vou ver se a acho.
                Cuidado duas onças é perigoso, te cuida.
                Voltei correndo até o pequeno poço onde estavam banhando as duas e os cachorros que haviam chegado à frente pegaram o rasto e saíram a balroando entrando na mata, fui atrás, a mata de beira do esgoto era muito fechada, mas o barulho dos cachorros não estava longe eles haviam acuado as feras, fui em frente e quando comecei a enxergar os cachorros vi que acuavam com a cara para cima olhando em cima do cipoal do esgoto, cheguei perto e vi uma delas trepada numa galha e olhando para mim e para os cachorros, a cabeça da onça estava bem visível, mas meia de lado, atirar assim seria uma estupidez porque pegaria no osso a que chamam de “torpedo” um osso forte e grosso da temporal do cérebro e bala não entraria, eu precisava pegá-la bem de frente, bem no meio da testa aonde o osso é fraco e fino, aguardei alguns segundo e logo me dispus a apelar, gritei para ela que olhou direto para mim atirei sem pestanejar, a onça despencou de cima do cipoal no meu rumo, eu estava quase embaixo dela, ela na queda me levou junto para o chão e os cachorros por cima de mim, gritei afastando-os e me afastei um metro da fera que deitada ainda tomava um fôlego profundo, tirei a bala CBC-22, coloquei uma amarelinha e encostei o cano bem no meio da testa e atirei.  Foi um Deus nos acuda, a onça estrebuchando na ânsia da morte jogava o corpo de um lado para o outro, ficava em pé, arranhava as arvores, mas rapidamente rolou para o chão e se aquietou, vi que tinha morrido.
                Eu estava quase sem fôlego encostado por trás de um tronco seco, cansado mesmo, tentei mover a fera de lugar, mas não conseguia, era um corpo muito pesado e mole, e ela ainda resfolegava, conheci o perigo que se avizinhava, a onça não estava de todo morta, assim coloquei uma bala 22 nacional e mirando meio da testa disparei, ela ainda deu um pequeno pinote mas se apagou, deixei do jeito que estava e ai me lembrei que eram duas. Mas não vi a outra nem seus rastos, já era tardinha, voltei para o acampamento.
                No outro dia cedo, eu e o Paulista fomos até lá e o Paulista tirou o couro com a cabeça inteira. Voltamos ao rancho e fomos retirar a ossada da cabeça de dentro do couro para a colocarmos dentro do lago para os peixes fazerem a limpeza da ossada, mas, o que me chamou a atenção era que havia apenas um buraco de bala no couro e na ossada da cabeça e eu dera dois tiros, ficamos intrigados, mas não descobrimos o que realmente aconteceu. Amarrei a ossada da cabeça e joguei a beira da água.
                Quando a retiramos ao entardecer já estava limpa e brilhando, os peixes fizeram um bonito trabalho e o chumbo da bala, uma só, balançava dentro da ossada do crânio, a retirei e a guardei como lembrança. E a outra onça? Será que foi realmente baleada?
                Naquela noite foi diferente das outras todas e marcou o meu fim como caçador de jacarés.
                No lago havia muitos jacarés, mas pequenos, havíamos matado quarenta e seis grandes, mas também as nossas pilhas estavam exaustas, chovia muito e estava na hora de irmos embora. Mas antes teria que acertar minhas contas com um enorme jacaré-açu que ainda restava, e ele nos desafiava, quando o imitávamos ele respondia esturrando tal um marruá que fazia a terra tremer, e dificilmente deixava nos aproximarmos dele. Como as pilhas estavam fracas, cortei uma lanterna Rayovac (de metal) e emendei no fundo de outra e com o foquitos (lâmpada) de três elementos coloquei cinco pilhas fracas o que resultou em uma ótima luz. Parti para o lago a procura do animal, de longe o avistei junto a uma moita de Mururé, fomos nos aproximando bem lentos e sem fazer barulho com a lanterna focada em seus dois olhos que nos encaravam frente a frente, tentamos dar a volta para pegá-lo de lado, mas ele sempre nos acompanhava, quando estávamos a menos de vinte metros, ele afundou e foi aparecer a mais de quinhentos metros em meio do lago, fomos para lá, mas a fera era muito arisca e tornou a afundar e apareceu junto à margem do lago, contornamos o meio e fomos para a margem em que ele estava acima de nos uns cem metros, de repente ele sumiu e eu em pé na proa da canoa o procurava com a lanterna quando o animal passou por baixo da canoa bem no meio dela e a levantou com as costas me jogando dentro da água com lanterna e o rifle na mão que foram parar no fundo do lago, mas ali, naquele lugar a margem não era muito fundo tinha apenas uns dois metros, mas a  a lanterna acesa continuou iluminando no fundo bem junto da carabina e  o medo que eu tinha de piranhas não me deixaram quase molhar, em fração de segundos eu já estava dentro da canoa.
                 --E agora Paulista – falei desapontado com a situação.
                 --Agora é pegar a lanterna e a carabina.
                 --Com estas piranhas por ai?
                 -- Fazer o que – monologou o negro – e continuou.
                --Ora, deixe que eu vá - e dizendo isto o Paulista escorregou pelo beiço da canoa, mergulhou e voltou com tudo nas mãos.
                 --Cuidado, não deixe cair de novo, agora vamos acabar com este intrometido, jogue o arpão de qualquer distância aonde pegar nele que se dane.
                 --Terminou Osvaldo meio zangado.
                 --Vamos lá.
                Foquei a lanterna desta vez com o cordão passado no pescoço, e o enxerguei a menos de quinze metros, tomei um fôlego e apontando a arpoeira bati com o pé na canoa, com o barulho o animal deu uma rabanada e virando de dorso começou a sumir no espelho do lago quando o arpão o encontrou bem por traz da mão esquerda, era um péssimo lugar para se puxar um animal daquele tamanho, mas ele não correu muito, logo senti a corda da aroeira afrouxar eu fiquei desconfiado e gritei:
                    --Paulista ele vem para cima de nós.
                --Então sente   na  canoa   e prepare o machado - mal acabara de fechar a boca o animal surgindo da escuridão das águas e da noite abocanhou o beiço da canoa e ato seguido mostrando seus dentes violentamente a empurrava para a margem do lago, quando estávamos bem perto do barranco tornei a gritar.
                   --Vamos para terra, pule.
                Pulamos bem na beira da terra, mas era só lama e entramos nela até quase a cintura, com dificuldade nos arrastamos para fora do lago deixando a canoa solta com o jacaré agarrado no beiço dela, mas lá dentro só ficou o remo e a carabina, o machado veio conosco. Pouco tempo depois à canoa estava bem perto de nos e o jacaré sumira, embarcamos novamente e voltamos para o porto do acampamento, por aquela noite já chegava. No outro dia cedo resolveríamos a parada, pois o arpão estava amarrado em uma boia de buriti e seria fácil o acharmos.
                Conversamos muito naquela noite e decidimos voltar para casa, mas não sem antes ver o que aconteceu.
                No outro dia cedo voltamos ao lago, de dia era bem melhor e logo achamos a bóia quando comecei a recolher a linha e vi que o jacaré ainda estava preso ao arpão e fui puxando devagar com o rifle preparado logo vi aparecer o lombo do incrível animal, vinha quieto e sem se mexer, mas eu não tinha jeito de atirar porque a cabeça estava mergulhada dentro da água e eu mal a enxergava, pedi para o piloto remar a frente e talvez assim a cabeça aparecesse e apareceu mesmo, mas bem junto do Paulista lá na proa do barco que quase correu para frente, a cabeça do jacaré ficava por cima do beiço da canoa e olhava vingativamente para o nosso piloto, passei a ele a 22 e ele audaciosamente encostou o cano na nuca do enorme animal e atirou, foi mortal, passamos uma laçada no focinho, levantamos a cabeça fora da água e com o machado a desencaixamos a espinha junto à cabeça, agora sim já não ofereceria mais perigo.
                O arrastamos para o porto e com muito sacrifício o rolamos a ponto de poder tirar o couro o que o Paulista e Rafael fizeram com muito trabalho. O jacaré estava magro de fazer dó, pois a sua papada em baixo da língua estava comida e uma crosta amarela a circundava, não sei se foi doença ou piranha, mas aquele jacaré não tinha mais como comer qualquer coisa, pois o que pusesse na boca vazaria para baixo, talvez isto fosse a razão de sua impetuosidade, medimos o couro, tinha seis metros e dez centímetros de comprimento, da ponta
Do queixo a ponta do rabo.
Dankmar caçando jacarés no rio Araguaia.
Iniciando a volta para casa..               

                       As chuvas se acentuavam e o varjão amoleceu depois de amarramos os quarenta e setes couro em fardos de seis cada um e tentamos voltar à canoa para o Riozinho, mas Paulista havia estourado os ouvidos que purgavam e tinha febre, o Rafael tinha o pé inchado do corte que acontecera ao tentar tirar um mel de abelha com o machado e eu cheio de frieiras, estávamos fracos e desanimados. Seria muito difícil tirarmos a canoa arrastada em mais de dois mil metros por sobre um varjão mole e atolador que colava a canoa na lama. Inventamos de cortar uns roletes, mas só atolava, desistimos e eu resolvi ir até a barranca do riozinho, fomos nos os três e quando ali chegamos pudemos ouvir alguém cantando e remando uma canoa batendo o remo no beiço a moda índia.
                Logo na curva do rio acima aparecia uma canoa e seu condutor, ele vinha cantando bem alegre e ao nos ver encostou acanoa no nosso porto improvisado e puxando-a para encalhá-la subiu o barranco e foi conversar conosco:
                 --E ai rapaziada, que cara feia e esta?.
                 --Estamos pregados de cansaço,
                 --Me contem o que esta acontecendo...
                Fizemos um relato completo das nossas tribulações e ele deu uma risada bem gostosa e emendou:
                 --Vamos buscar esta canoa, vamos todos os que não podem fazer muita força faça ao menos um pouco, tudo serve.
                Quando chegamos ao lago ele foi logo dizendo.
                 --Primeiro vamos dar uma viagem cada um levando os couros, depois voltamos e levamos a canoa. Quando chegamos ao lago o nosso novo amigo foi logo amarramos oito fardos de pele de jacaré afinal havíamos caçado quarenta e sete jacarés quase todos de primeira, isto é com mais de três metros e meio do anu ao queixo e isto significa que teria na realidade até o fim do rabo cerca de quatro metros de comprimento. Cada fardo tinha em média seis couros secos e salgados eram oito fardos e depois de amarrados foi jogado nas costa de cada um e ele reafirmou
                 --Quando cansarem joguem os fardos no chão eu vou atrás e torno ajudá-los a colocar em suas costas – vamos embora, vamos dar a primeira viagem. 
                As duas viagens foram rápidas logo estávamos em redor da canoa a que o amigo logo determinou:
                 --Arranjem um pau para amarrarmos de atravessado aqui no bico da canoa outro para enfiarmos na popa por dentro desta corda – terminou amarrando uma corda em volta da canoa na popa e colocou o pau entre a corda e o fundo da canoa de comprido o que fazia sobrar uma boa parte da vara pelo o lado de fora na traseira da canoa e continuou: – Eu e o Dankmar pegamos na vara da proa e levantamos o bico da canoa e vocês dois enfiem os ombros por baixo da vara e empurrem para frente.
                E assim o fizemos os dois da frente levantavam a canoa pelo bico e os dois de traz levantavam um pouco para descolar a canoa do chão e a empurravam para frente e antes do meio dia estávamos com a canoa e todos os nossos pertences na beira do rio e pronto para viajarmos. O nosso salvador sempre animado entrou na sua canoa dizendo
                 --Até outro dia meus amigos - e empurrou a ubá para o meio do rio e cantando de novo sumiu rio abaixo deixando um sentimento de amizade e muito agradecimento e nem ficamos sabendo seu nome, como já era meio tarde do dia resolvemos pousar e partir no outro dia bem cedo, e assim o foi feito, e mal o dia clareara já estávamos de viagem e logo nas primeiras remadas escutamos uma onça esturrar, certamente seria a companheira da que matamos. 
                 --Pode ficar por ai minha amiga um dia eu voltarei para nos encontrarmos. Mas na realidade eu já estava resolvido a encerrar a carreira de mariscador de jacaré e onça.
Caçar Onças? Caçar jacarés?... Nunca mais.                          
                                               
                                   
Abril de 1957        

                  Meses depois resolvi sair uns tempos de Luciara
                Resolvemos nos mudar para uma localidade chamada Barreira de Pedra, para passarmos uns dias por lá, era apenas um agrupamento de casa a beira do rio Araguaia e um pouco abaixo da fazenda São Pedro, apenas trinta léguas. Ali morava a família do Zé Pretinho, sua mulher dona Áurea, seus filhos e parentes, Miguel, Domingos, Cantidio, Raimundo, Raimundo Cachaça, Julião, Zilda, e um monte de gente todos descendentes do Zé Pretinho que era a imagem do Pai João com seu eterno cachimbo da raça negra e cabelo pichaim. Eu sempre levava um radio a pilha, Motorola daquela caixa grande pesada afinal tinha quase umas sessenta pilhas comuns umas agregadas às outras, mas aturavam por bom tempo, foi uma pandega quando eu o liguei pela primeira vez naquele vilarejo, ajuntaram-se quase todos os moradores que não acreditavam que uma caixa pudesse falar a rodeavam a procura do autor daquela voz e das musicas.
                Em Mato Verde quando foi ligado um radio que o fundador Lucio havia mandado dezenas de amigos o rodearam e dizem que uma voz do rádio assim falou:
                 --“Agora vamos ouvir o Cardeal Lucio da Basílica de São Pedro falar”...
                 --Um dos ouvintes gritou:
                 --Escutem minha gente é o Lucio que vai falar lá da Fazenda São Pedro.
                 Lucio era o fundador daquela região e naqueles dias estava ausente em sua Fazenda na margem do rio Tapirapé de nome São Pedro. Foi muita coincidência, mas sem semelhança alguma, afinal fazer o que?
                 Durante o tempo que ali ficamos só matei uma onça pintada muito grande, ela havia passado a noite esturrando do outro lado do rio e foi quando o negro Horacio que era casado com uma irmã de minha esposa me convidou:
                 --Vamos matar aquela onça?
                 --Vamos, embora  eu já tenha prometido que não caçaria mais, mas esta esta muito atrevida, o cachorro Javali esta comigo aqui.-  (Javali era um cachorro novo, mas acostumado à caça de onças, meu cunhado que era o dono do cachorro, já havia matado umas vinte com ele).
                Um índio Carajás que morava na aldeia da barreira de pedra insistiu para levarmos um cachorro dele para aprender a acuar onças e, lá se fomos rumo à outra margem, (quando encostamos a canoa no barranco os dois cachorros pularam para terra firme e Javali começou a barroar tipo de latido diferente parecido com um uivado surdo), andamos pelas trilhas o cachorro mestre cada vez mais se manifestava, vinha até onde eu e o negro Horacio estava e voltava em frente:
                 --Ele esta farejando o rastro da onça, ele vem e volta para não pegar o rastro ao contrario – finalizou.
                Antes de chegarmos até onde à fera estava acuada. O cachorro do Carajás passou por nos e igual a uma bala e ganindo assustado morrendo de medo, agora Javali estava sozinho e finalmente chegamos ao local e vimos à onça em cima de uma arvore olhando para o cachorro no chão, Horacio apontou o revolver 38 para atirar e eu destravei a carabina Winchester calibre 44 jogando uma bala na agulha, ato continuo um tiro de revolver e a onça armou o pulo para fugir ou brigar eu não titubeie apontei na cabeça e atirei na bicha em pleno salto, ela caiu ao chão estatelado estava morta, a levamos para o pequeno povoado e lá tiramos o couro, à bala de 38 havia acertado em cima da pá, mas não trespassou, ficou entre o couro e o osso e o tiro de minha carabina 44 atingiu o pescoço um palmo atrás da cabeça, mas quebrou-lhe a espinha junto à nuca, o tiro fora mortal.  O cachorro do Carajás atravessou o rio de volta à aldeia e se escondeu atrás de um balaio.
                A estadia durou pouco e depois de arrumar tudo o que tínhamos colocamos dentro do pequeno barco e lá se fomos para outra aventura, eu, Maria, Aleixo, Ruth e Paulo, duas cabras e cinco porcos e mais um bocado de galinha, diziam os moradores por onde passávamos que as galinhas nossas já estavam acostumada a viajarem embarcadas e que bastava dar um grito para que elas caíssem de perna para cima ficando no jeito de serem amarradas, e as duas cabras embarcavam sem ninguém mandar e os cinco porquinhos sempre se agasalhavam.
                Descemos por quase três dias o rio Araguaia, passamos por São Felix do Araguaia, aldeia Carajás do Fontoura, Luciara rumo rio abaixo até chegarmos à ilha Grande que ficava junto à barra do rio Tapirapés, bem no meio do Araguaia, nos primeiros dois dias nos arranchamos na margem direita do rio em uma barreira bem limpa do lado da Ilha do Bananal em frente à grande ilha.
                                                                 &
Novas aventuras...junho de 1957
Ilha Grande, rio Araguaia...
                 Durante a estadia na Ilha Grande que ficava bem no meio do rio Araguaia junto da aldeia Carajás e fazia barra com o rio Tapirapés e aldeia destes índios. Mais distante ficavam os vilarejos beira rio que se chamavam Santa Terezinha e Furo das Pedras aproximadamente quinze léguas rio abaixo.
                Para ganhar dinheiro eu pescava toda espécie de peixe e ia colocando em pequenas bacias ou poças de água que se formavam nas praias, muitas vezes eu ia pescar meio fora da beira rio, isto é no interior da ilha e minha esposa sempre ia comigo e os meninos também, eu ia à frente com o facão abrindo picada no emaranhado de cipó e tiririca e ela vinha atrás junto com as crianças, muitas vezes as carregando nos trechos mais longos, era uma judiação fazer aquilo com eles, mas ela nunca reclamou e nem eles, era mais seguro estarmos juntos, pois aquela ilha era infestada de onças e cobras, assim com eles perto de mim eu me sentia mais seguro, e, ela, era a maior pescadora enquanto eu fisgava um peixe ela pegava dois ou três, e até os meninos todos de linha na mão pegavam muitos peixes, só que nos tínhamos que os tratar e salgar, pois não dava para levá-los vivos e os colocar nas poças d’água que se formavam nas praias onde eu colocava os outros, muitas vezes passávamos o dia socado dentro das Empuca nas beiras dos lagos pescando e assando peixe e comendo com farinha de puba, era um grupo familiar notável, parece que eram feitos de granito e ferro.
                Numa pescaria que eu meu amigo Célio Pinheiro fomos fazer em uma praia rio abaixo, vejam só o que aconteceu:
                Chegamos cedo da tarde naquela praia junto ao rebojo do morro dos Carajás e tratamos de armar um espinhel que consistia de uma linha forte amarrada em uma poita (bóia de madeira) com pedras amarradas na outra ponta que serviriam de ancora para sustentar a força da água e distribuímos oito anzóis grandes e fortes cada um com uma isca de peixe pacu e junto da outra ponta que amarramos em terra firme colocamos um chocalho (tipo de Polaco usado para colocar nos pescoço dos animais) para acusar se algum peixe pegasse no anzol ele balançaria a linha e daria o sinal. 
                Ascendemos uma fogueira na praia enquanto assávamos uns peixes e conversávamos uma novilha se aproximou de nos e ficou a uma distancia prudente parada e olhando para a fogueira, ela estava com o pescoço arranhado e o Célio observou:
                 --Esta novilha vaca esta fugindo de onça, olha o pescoço dela as arranhaduras ainda estão sangrando.
                 --É por isso que ela veio para cá, veio procurar proteção.
                 --È, mas vamos tomar cuidados.
                 Enquanto conversamos o chocalho bateu duro, era um barulho infernal e nos fez correr para a linha e escutamos o bater do peixe fisgado, parecia ser muito grande. Começamos a puxar a linha, foi um trabalho árduo e difícil, mas o trouxemos para fora da água, era uma enorme Piratinga, ou mais conhecido como filhote, só que não tinha nada de filhote, pois devia pesar uns noventa quilos e tinha aproximadamente dois metros de comprimento. Foi o único peixe que pegamos naquela noite e a novilha continuava ali parada nos olhando, ativamos a fogueira, rearmamos o espinhel e nos deitamos junto do calor do fogo e acabamos adormecendo, mas o dia já vinha raiando e ao acordarmos não vimos mais à novilha, só rastro dela indo embora, mas em compensação as pisadas da onça estavam em nossa volta há uma boa distancia.
para casa.                
  
PIRAÍBA NO RIO ARAGUAIA.

               O autor e os filhos Aleixo e Ruth nos braços da mãe, e o peixe capturado com Célio Pinheiro-julho 1957

               Quando chegava o dia de entregar os peixes em Santa Terezinha eu tinha que ao clarear do dia juntá-los, colocá-los nas caixas de isopor e descer até a vila onde e quando chegaria o avião Douglas da Linha Nacional que levaria os peixes para Goiânia. Mas a volta era difícil, pois subir o rio era muito demorado, pois o motor Penta de quatro cavalos andava muito devagar e só poderia vir em um dia e voltar no outro e assim minha família teria que passar a noite sozinha só a minha esposa e as crianças e isto era uma temeridade, tendo em vista a quantidade de onças que perambulavam por aquela região, eu mesmo um dia antes vi três onças pintadas nadando o rio rumo à ilha e nada pude fazer, pois tinha emprestado o meu rifle para um índio Carajás e isto me preocupou muito e resolvi sair bem de madrugada para chegar cedo a minha morada, se é que posso chamar de morada um barraco feito de forquilhas e uma lona grande jogada por cima. Quando cheguei a casa vi que a patroa estava alarmada, mas uma companhia havia chegado era um primo dela de nome Antonio filho da dona Jacinta lá de Luciara.
                 --Meu velho, entrecortou a minha patroa – Pensei que ontem íamos nos acabar quase que você não nos encontrasse mais com vida.
                 --O que aconteceu?
                 --Ontem ao escurecer primeiro uma onça esturrou em nossa volta e botou as cabras, os porcos e as galinhas para correram para dentro de casa, o chão tremia com o esturro e as cabras berravam e os meninos se danaram a chorar, e, eu agarrei o facão, e pensei, se ela viesse estaria disposta a defender a vida de meus filhos e a cortaria em pedaços, nem me lembrei da carabina 44 e para melhorar as coisas o céu se escureceu e os relâmpagos nos assombravam, foi quando o Antonio chegou, ele viu o nosso fogo e veio para nos ajudar, o vento veio com tudo o que tinha de direito, tivemos que sair do barraco e ir para a praia, pois o vento assoviava e arrancava os galhos das arvores jogando em cima de nos, na praia estávamos mais seguros, mas a areia pareciam querer nos furar, felizmente não demorou muito para passar, quando vento se acalmou voltamos para o barraco e arrumamos a lona e ai a chuva veio para valer, eu tinha colocado a Ruth na rede e vi que ela esta chorando meio engasgada quando cheguei até ela vi que estava se afogando, pois havia um furo na lona e uma forte goteira despejava água diretamente sobre o rostinho da menina, se eu não chego lá ela teria morrido afogada. Por favor, não me deixe mais sozinha aqui nesta ilha foi muito difícil para mim.
                Ao tomar conhecimento da terrível noite, eu não tive duvidas abandonei a ilha deixando ali uns cinco porcos e algumas galinhas e me mudei para Furo das Pedras.                
                Leonardo Vilas Boas também passou a morar uns dias em Furo de Pedra, havíamos descido o rio Araguaia até Barreirinha para entregarmos umas mercadorias e posto isto resolvemos subir o rio rumo a Santa Izabel do Morro passando primeiro pelo Furo de Pedra e eu assim acionamos o barco Brigadeiro Aboim.  
                Recordei que já fazia cinco anos que estava casado e me comprometi comigo mesmo de fazer uma analise de minha vida, do comportamento de meus familiares, de meu comportamento, enfim uma retrospectiva de todos os últimos dez anos e assim o faria daí para diante:
                  Em 20 de julho de 1958 nasceu em Luciara a minha filha Miriam. Já eram quatro filhos duas mulheres e dois homens.                

Retrospectiva.

                     “Do conceito e convivência familiar entre 1953 a 1958”.
                    Quando me casei em 1953 à vida a dois foi uma maravilha nos primeiros dois anos, Maria embora muito rude em certos aspectos, pois fora criada nos sertões por outro lado era compreensiva e decidida e gostava de ser atendida pelo nome de “Cunhã” que quer dizer índia moça. .
                Naquele tempo eu não era chegado a bebidas, apenas fumava e sempre fui um pouco namorador, não podia ver um rabo de saia que eu não arriscasse uma cantada, ai e que a porca torcia o rabo, quando a dona desconfiava vinha com tição de fogo para cima e ai se eu não escapulisse, era uma fera nos momentos de raiva foi quando eu entendi o que era amar e preservar este amor ela certamente o sabia como fazer isto muito bem, meio agressiva, mas era o jeito dela. Certa feita eu tinha arranjado um desentendimento com um morador vizinho dono de uma chácara a beira rio, e estávamos de turra e acontece que um cavalo meu sumiu e me deram noticias que estava na chácara do tal encrencado e quando eu falei para minha esposa:
                           --Cunhã eu tenho que ir até lá buscar meu cavalo.
                 --Cuidado, não se descuide e não vá desarmado, leve o revolver, nunca se sabe o que pode acontecer “o coitado já morreu e o desconfiado vive até hoje”.                                                
                Sinceramente fiquei com a pulga atrás da orelha a dona era mais decidida e mais “baguala” do que eu imaginava.
                Mas era uma cozinheira inigualável e ótima mãe para os filhos, zelava da molecada igual uma onça vigia seus filhotes. 
               Nesta altura já eram quatro, a saber, Aleixo, Ruth, Paulo e Miriam todos nascidos em Mato Verde ou Luciara, a exceção de Aleixo que nasceu na Ilha do Bananal na Fazenda São Pedro.
                O difícil foi convencê-la a não comer com os dedos e sim usar habitualmente o garfo, mas me parecia que a comida era mais gostosa quando manipulada pelos dedos. Fizemos amizade com três americanos que também moravam em Mato Verde eram os missionários. Esteel Ray e as irmãs Violeta e Paulina da Congregação Igreja Cristã Evangélica, fomos batizados nas águas do rio Araguaia e assim nos tornamos Crentes Evangélicos. Foi uma benção para nossa família e eu rapidamente aprendi a língua Inglesa embora já soubesse algumas palavras.
 Resumindo
             Começava a iniciar as fusões de caráter entre duas personalidades tão distintas, a minha vinda de alemães e criado no estado de São Paulo com uma cultura já bem avançada a dela nascida no estado de Goiás hoje Tocantins, vinda de uma família sertaneja, o pai quase negro, era vaqueiro de fazenda e caçador de onças e tinha ainda um pequeno tino comercial, a mãe era bem morena e ambos descendentes de tribo indígenas, a avó era índia, mas Maria já assimilava uma cultura um pouco mais avançada para o seu mundo, lia corretamente chegando a ser até professora do primeiro grau escolar, mas no intimo, lá dentro aonde os gêneses se escondem, ela ainda era rude como as raízes, mas estava em um estagio primário evolutivo chegando-se à conclusão que esta miscigenação deveria gerar espécies fisicamente “naturalis”, altamente resistentes e repletas de anticorpos, mas quanto às qualidades intelectuais... “Só esperando para ver e isto só será possível daqui a dez anos, isto em 1963 se eu ainda estiver vivo”.                       
                                               Orlando, Leonardo e Claudio Villas Boas.

                                                 §
Anos de 1958
Ingressando nas fileiras da FBC
                 Leonardo Villas Boas já meu bastante amigo aportou com seu barco o Brigadeiro Aboin em Luciara, foi até minha casa e ele e o amigo Enzo, formalmente me convidaram para ir trabalhar na Fundação Brasil Central em Santa Izabel do Morro na Ilha do Bananal.
                  Após acertar com minha esposa resolvi aceitar a oferta, afinal eu já estava com cinco anos de casado, com quatro filhos e a vida continuava muito irregular e ali na FBC eu poderia dar mais conforto a família e assim o fiz e comecei a trabalhar, e periodicamente regressava para minha casa para passar uns dias com a família.
                 Estávamos em 1958 apesar de ainda morar em Luciara eu tinha minha vaga garantida na FBC na Ilha do Bananal, Voltei para o meu serviço na FBC na Santa Izabel do Morro na Ilha do Bananal onde tinha a Aldeia de índios Carajás e o Posto do SPI.
                 Foi por apresentação de Leonardo, ao então Presidente da FBC o jornalista Jorge Ferreira que era dono da Revista “O Cruzeiro” que me fixei no serviço. Me mudei definitivamente para a Ilha do Bananal.
                  Comecei a trabalhar na Fundação Brasil Central - FBC no Centro de Atividades da Ilha do Bananal, como pertencente ao quadro de funcionários, meu primeiro serviço seria na administração. E ali fiquei e, em 09 de agosto de 1960 fui nomeado encarregado do Posto Bem-vinda.
                 Naquela época, 1960, começou-se a construir o Hotel JK na Ilha do Bananal uma grande obra do Presidente Juscelino.
                 O material da construção do hotel vinha de Goiânia, Brasília e de outros lugares, por caminhões, para o Porto da Bem-vinda na Ilha do Bananal e de lá era transportados em balsas que suportavam ate setenta e duas toneladas cada uma para o porto de Santa Izabel.
                  Depois com entrar o período da chuva mudamos o porto de desembarque para Luiz Alves, mas antes tivemos que fazer um aterro na estrada até barranca do rio. Assumi o transporte via balsas que já eram três e continuei a morar em Santa Izabel onde minha família estava finalmente residindo e sempre íamos a Brasília pelos Aviões da FBC de inicio eram três Douglas C 47.
                 Havíamos nos mudado definitivamente para Santa Izabel do Morro na Ilha do Bananal em 1960 e ali permanecemos por longos nove anos ate 1972, excluindo-se um bom período de licença sem vencimentos, neste meio tempo.
Hotel JK - Ilha do Bananal
Dankmar se servindo do cafe da manhã Hotel JK.
                     Todas as semanas o Presidente João   Goulart e família vinha nas sextas feira a tarde e regressavam domingo a tarde para Brasília. Havíamos construído uma casa para o Presidente e outra para o encarregado da FBC. Ali junto a construção do Hotel Sempre vinham com o piloto Chico Doido, e com sua esposa e  dois filhos e um negrinho chamado Avelar.
                   Sempre eu recebia, via rádio, uma mensagem de que ele viria,  E  assim eu preparava o jipe  sem teto para recebe-lo e um carro para rever sua família para acomodação. Ele mesmo com uma perna dura gostava de dirigir. E então eu já me livrava dos compromissos para atendê-lo. Era muito gentil e nunca comentávamos nada sobre as suas atividades presidenciais O Presidente fazia questão que o negro Antonio, funcionário da FBC na ilha nos acompanhasse e como chefe eu o autorizava e o tal gostava  muito, em uma das nossas pescarias o Antonio falou com o Presidente:
                    
         
João Goulart e Dankmar - Caçando na Ilha do Bananal
           .         --Presidente o Senhor poderia melhorar o meu nível no emprego que atualmente é o nível 8, o José Dedinho da também era nível oito, ele se acidentou com uma prancha de embarque da balsa e perdeu a ponta do dedo foi para o nível 10. O que o senhor me diz?
                   --Tudo bem Antonio perca um pedaço de seu dedo e eu vou mandar promove-lo.
     
                                            §

      Assumindo cargo e novas tarefas.

                   Eu já havia assumido o comando da sede do Posto da FBC em Santa Izabel do Morro, Leonardo e Enzo estavam sempre ausentes em viagens a serviço e uma delas seria a ida via rio das Mortes acima, até Xavantina para trazer um caminhão pelo rio e nesta eu tive que ir, afinal era a elite da FBC na região. Rio Manso... Ou “Rio das Mortes”.          

Foi no mês de novembro de 1960...

                 Rio Manso ou rio das Mortes rio tem sua barra com o rio Araguaia três léguas acima de São Félix. Já esperávamos as primeiras chuvas do ano o que viria a facilitar a nossa missão que era trazer um Caminhão GMC 1948 em cima de dois barcos ajoujados de Xavantina a São Félix do Araguaia, não havia estradas naquele tempo o rio era a única alternativa, mas para isto teríamos que enfrentar vários travessões de pedras.
Meus colegas de viajem eram o Clarismundo e varias mulheres que queriam uma carona até Xavantina.
                 No dia marcado para a viagem levantei cedo e fui para o barco pronto para partir, Leonardo estava lá de mala pronta e também o Juvêncio um amigo e grande piloto fluvial.
                   --Nos vamos também – afirmamos Leonardo – Eu e o Juvêncio.
                   --Ótimo e estas mulheres? O barco não tem toldo se chover vão se molhar.
                   --Elas estão sabendo – respondeu Juvêncio olhando para Tônica que era sua esposa.

                --Vamos sair às dez horas tenho que providenciar mais comida - determinou Leonardo – estas mulheres também vão, elas fazem as suas próprias despesas.     
             --Às dez horas eu já estava pronto, o Juvêncio não aparecia e as mulheres já tinham embarcado meia hora depois chegam os dois e demos inicio a viajem.
                                      Naquele dia fomos dormir muito longe dentro do rio das Mortes em uma praia muito bonita. À noite conversando com Juvêncio perguntei:

--Porque chamam este rio de Rio das Mortes?

 Uma triste historia...

                  “Faz muitos anos, um batelão dos padres, cheio de gente, vinha descendo o rio que estava muito cheio e correndo, o batelão se desgovernou e batendo em um tronco virou jogando os passageiros nas águas turbulentas e cheia de piranhas vermelhas. Vários padres morreram afogados. Duas mulheres e dois homens e um padre se salvaram subindo em arvores”. “Uma das mulheres estava grávida” e nos dias de dar a luz e seu marido que também havia se salvado resolve entrar na água e nadar até encontrar terra seca e ir à busca de socorro. Foi infeliz porque as piranhas o devoraram bem a vista dos outros e sua mulher não suportando a tragédia abortou o menino que caiu na água e também foi devorado. Outro homem, mais cauteloso, esperou a noite e entrando bem devagar na água conseguiu sair em busca de ajuda e esta só chegou dois dias depois Os que sobreviveram passaram quatro dias sem comer e dormindo nos galhos das arvores. Daí a origem do nome “Rio das Mortes” – finalizou.      

                   --É... Eu conheci esta mulher – disse uma das viajantes.          --Água não tem cabelo para se agarrar – completou.
                   --Temos uma longa viajem pela frente pela frente – disse Leonardo – eu vou dormir.
                   --Amanhã passaremos por uma vila chamada Santo Antônio.
Fomos todos dormir.
                 Capivaras passeavam pela praia e gritavam ao sentir a nossa presença, peixes pulavam a noite toda, enfim era o sertão. Só a luz do fogo que denunciava a vida.
                  Mal clareava o dia já havíamos partido. Ainda cedo avistamos as casas da vila Santo Antônio, fizemos uma rápida parada e seguimos viajem rumo ao travessão “Capitariquara”.                No terceiro dia de viajem de longe escutávamos o ronco das águas no travessão que era um amontoado de pedras em meio do rio que deixava apenas um canal estreito e violento entre duas grandes rochas. Eu ia ao piloto do barco e Juvêncio ao meu lado, Clarismundo cuidava do motor de popa Arquimedes de 12 hps.

                   --Jogue para o remanso e encoste-se àquela pedra, vamos Ter que passar no cabo – afirmou Juvêncio.

                   As águas agora puxavam ao contrario e o barco tomou um rumo violento contra as pedras, quase me apavorei, dei uma guinada raspando outras pedras, diminui a velocidade e fui encostando o mesmo na pedra maior que ficava logo abaixo do canal, ela é quem tumultuava a águas. O barco sobe a proa na pedra e para. As mulheres rezavam e pediam por todas as virgens santíssimas.
                   Leonardo havia descido e amarrado à corda em uma pedra.
                   --Ficou com medo Dankmar? – perguntou Leonardo. --Pra falar a verdade fiquei sim, com um pouco de medo.
                   --Isto é bom, é sinal de responsabilidade, vamos passar para aquelas pedras mais acima e puxar, você funciona o motor e sobe.
             --As mulheres que fiquem quietas – asseverei.
                    Clarismundo funcionou o motor e a estas alturas Leonardo e Juvêncio já puxavam o comprido cabo ajudando o barco a vencer a corredeira. Quando joguei o barco no canal a água entrou pela proa, o motor disparou ao ser levantado a popa, mas logo a mesma se estabilizou e ouvi o estalo, mais parecia um tiro de rifle 44, o leme se quebrou sobrando só o cabo que estava segurando e rodou rio abaixo, só restava o leme do motor, com o estrondo as mulheres gritaram apavoradas. As duas enormes pedras formavam aquele canal violento, mas as forças das águas concentrada o trazia-o de volta ao leito. O motor foi acelerado ao máximo e agora agarrado apenas no timão tentava equilibrar e manter o rumo.

                   Nunca na minha vida ouvi tanto nome de santo:
                   --Valha-me Nossa Senhora do Bom Parto.
                   --Nos acuda mãe Santíssima.
                   --Nossa Santa Luzia da Fumaça nos proteja.                   Entre as lamurias e o tumulto das águas a força de vontade vencia e o barco subia polegada por polegada, mas subia.
                 Não demorou muito começávamos a sair daquele corredor da morte e o travessão Capitariquara, começava a ser vencido.
                 De súbito entramos em um remanso superior que nos impulsionou para um lado, quase em cima de outra pedra, mas a etapa pior já havia vencido. Finalmente conseguimos ultrapassar e o motor pode ser reduzido e encostamos o barco em uma praia junto da ressaca. Mal paramos as mulheres se atiraram para fora do barco e tremiam não por estarem molhadas, mas de susto.
                   Leonardo começou a rir dizendo:
                   --Esta foi boa tomara que seja a última.
                   --Ainda temos o travessão dos macacos, mas ele é bem mais fácil confirmou Clarismundo.
                   --Para mim chega – gritou Tônica a mulher de Juvêncio – o resto da viajem eu vou a pé. – seu marido a repreendeu com um olhar severo.
Após cinco dias de viajem chegamos finalmente em Xavantina,e fomos recebidos com muita alegria e louvores.
               Leonardo    como       velho servidor da Fundação Brasil Central e era tido como um dos sertanistas mais atuante me apresentou a seus irmãos Orlando e Cláudio.
Tiramos aquele dia de folga e aproveitamos para tomarmos umas biritas e apreciamos o belíssimo GMC 1948 que deveríamos levar para São Félix. A maioria dos moradores daquela região nunca tinha visto antes um caminhão ou outro veiculo de roda, movido a motor. Ia ser um Deus nos acuda. Cinco dias depois já havíamos preparado o ajoujo atrelando dois barcos, um distante do outro aproximadamente em três metros.                                         
Colocamos o caminhão em cima. Era uma verdadeira arapuca, mas estava feito. No outro dia cedo desceríamos o rio rumo a nossa origem, São Felix do Araguaia.

 Para nossa sorte o rio tinha enchido bastante e os travessões se alisaram somente uma ponta de pedra ficou de fora no travessão do Capitariquara, passamos entre ela, jogamos os dois barcos na corredeira e a ponta de pedra deslizou pelo meio, foi um susto danado, pois a corredeira era violenta, mas saímos ilesos e com o caminhão firme em cima. 

                 Com quatro dias de viajem chegávamos a São Felix por volta do meio dia.

                 Foi uma parada, uma loucura, o povo a beira do rio esperando tirarmos o caminhão, preparamos duas grandes pranchas e o motorista improvisado que era o Clarismundo se arrancou de dentro do barco, quando o pessoal viu o caminhão avançar correram de perto e o chofer pensando que as pranchas estavam caindo se arrancou com fogo no rabo jogando tudo para traz, mas saiu ileso. Finalmente a fera GMC 1948 estava roncando em terra firme e virgem, pois até então era o primeiro veiculo de pneu a pisar por aquelas bandas.

                 Foi um dia de festa, muita festa com passeio de caminhão e muita pergunta.

                                     §

                 Era época de eleição e eu fui a Luciara com o caminhão para ajudar no transporte de eleitores, mas o pior era que ao chegar a uma tapera naquele mundo de campos e varjões muito grande eu buzinava na frente da casa, mas os moradores saiam correndo pelo fundo até que um criasse coragem e chegasse perto do caminhão depois iam se familiarizando com o veiculo e se atreviam a subir na carroceria do mesmo o pior eram que as famílias queriam ir todas e a dificuldade era colocar os meninos na carroceria, era um Deus nos acuda, a bichada esperneava e gritava, mas acabava entrando e depois de juntar um bocado de gente eu ia para a cidade para despejá-los em frente ao grupo escolar aonde se realizavam as votações. Mas é ai que a porca torce o rabo, quem diria que eles queriam descer? Foi outro trabalhão fazê-los entender que eu teria que ir buscar outras pessoas.

                   --Depois damos outra volta... Está bem?                           

No alto Kuluene  ou Xingu, ás margens do rio Tatuari, e não longe do grande lago “Kamaiurá” está localizada uma grande aldeia Kamaiurás, Sariroa e Canato, dois irmãos, eram os Caciques e os Grandes pajés, uma dupla de fazer inveja. Por solicitação de Orlando Villas Boas eu fui junto com o velho amigo o negro Valentim montar um posto avançado, dentro do Parque Nacional do Xingu que passou a se chamar Posto Leonardo Villas Boas. O rio Tatuari é de uma água límpida de fazer inveja a qualquer cristal podiam-se ver os enormes cardumes se arrastando vagarosamente, e também a abundância de poraquês (peixes elétricos). Em torno à aldeia á mata do Xingu nos advertia de sua imaculidade e no lado norte haviam reconstruído e melhorado um campo de pouso para aviões, fora disto só as saídas espirituais.Tenente Haroldo da FAB fazia seus voos quinzenais em seu NA (North Americam) para inspecionar o abastecimento de gasolina naquela região, era um habilidoso piloto e, em uma destas viagens trouxe a sua esposa Lídia para passar alguns tempos no Posto. Diauarun no Parque Nacional Indígena do Xingu.

                  Foram quatro meses que passamos dentro daquela enorme aldeia indígena, aonde tudo era paz e tranquilidade, mas exigia habilidade para se conviver harmoniosamente com os índios, era preciso aprender a respeitar seus costumes, pois eram extremamente sensíveis, mas quando se entrosava em seu meio social nada mais faltava, eram muito amorosos, mas muito radicais.

                 A comida preferida era os peixes e os beijus (feito de massa de mandioca) eram assados em cima de uma pedra grande sustentada sobre um tripé de pequenas pedras e o fogo era posto embaixo, quando a pedra esquentava assava-se muitos beijus. Os peixes eram cosidos em panelas de barro e depois com as mãos tiravam toda espinha transformando a carne em uma pasta que depois era colocada esparramada em cima do beiju e a seguir o enrolavam e finalmente o amarravam com um tira de buriti, e assim eram distribuídos.
                 Nos primeiros dias, embora tivéssemos uma cozinha para nós, sempre eles nos agradavam com alguns “enroladinhos” e eu sempre os aceitava e agradecia e levava-os para a nossa cozinha e ali, dava sumiço neles, isto nos primeiros dias, depois fui me acostumando que já chegava a andar atrás pedindo e isto os agradava muito, o mesmo não acontecia com a esposa do Capitão Haroldo, que um dia, enquanto eu aceitava um “enroladinho” ele se negou a receber dizendo que “não dou conta de comer”, foi o suficiente para começarem a marcá-la.
                Numa noite estrelada de julho me juntei á uma dezena de índios ao pé de uma grande fogueira, era noite de “Pajelança” e o pajé Canato e Sariroa estavam a postos fumando seus cigarros ou charutos, de folha de cafezinho, e como não eram de boa combustão segurava em suas mãos um tição sempre acesso, e puxavam grandes tragadas. E já “trolados” Canato balançava o corpo, não demorou muito o índio deu um grito que acordou a mata toda e disparou em uma vertiginosa carreira por ela adentro. Algum tempo depois pudemos ouvir o seu grito muito dentro da mata rumo rio acima, depois ainda correndo passou pela cabeceira da pista e deu outro grito e sumiu mata adentro rumo rio abaixo sempre gritando.
  air junto à fogueira quando foi segurado pelo seu companheiro e irmão Sariroa que ficara a sua espera e começou um dialogo no qual o pajé contava que andara por mundos distantes e estivera com índios que morreram, e mandavam recados e falavam sobre as doenças e as curas que poderão fazer, e num súbito repente, ainda sentado no chão, ele se virou para a Lídia e a agarrou sofregamente pela cintura e encostou sua cabeça na altura do estômago da mulher e numa mistur              Depois de ter corrido umas duas horas ele voltou à aldeia ofegando acentuadamente, indo ca de grumexe e mordida cuspiu sobre a mão uma masca de capim que estava em sua boca e disse olhando para a jovem espantada:
                 Saímos de junto da fogueira e meio afastados comentei:
                   --Foi por causa daquele “enroladinho” que você não aceitou.
                   --Sim, foi mesmo, mas de qualquer forma o Haroldo só vem daqui a oito dias, eu já estava ficando cansada desta vida aqui, e você quando vai voltar?
                   --Dentro de um mês no máximo, já esta fazendo muito tempo que estou fora de casa, mas amanhã eu vou falar no radio com Santa Isabel e avisarei Leonardo que já estamos terminando os serviços e se deverei voltar para o Posto Diauarun ou para São Felix do Araguaia onde minha esposa e filhos me aguardavam.
Já vinha amanhecendo, fui descansar um pouco, mas não demorou nada Valentim me chamava:
                   --Acorda paulista, veja se funciona o Cadilac para carregarmos umas pedras.
  Dois meses depois havíamos terminado nossos serviços, e eu peguei uma carona com o Tenente Haroldo no NA, era um avião militar para duas pessoas, o piloto e o mecânico, mas como não tinha eu fui em seu lugar. Passamos pelo Posto Pimentel Barbosa dos Índios Xavantes, na margem do rio das Mortes onde o sertanista Ismael Leitão e a sua esposa Sara eram os encarregados, duas pessoas maravilhosas, de lá seguimos para Santa Isabel, naquela mesma tarde eu estava minha casa em São Felix do Araguaia, ainda meio tonto com tanta pirueta, subidas e descidas e todo ralado de tanto me segurar na ferragem apertada do banco de traz.
                   Valentim havia seguido em outro avião para Santa Isabel e de lá seguiu viagem de barco até sua casa na barra do rio Tapirapé eram apenas 35 léguas, mas nestes dias que passamos juntos, quase seis meses pude gravar muitas de suas histórias e lendas, o velho negro era de uma subtilidade incrível, os verbos saiam espontaneamente e as sequência se alinhavam e as histórias iam chegando, embora tenha perdido muitos detalhes tentarei recompô-los em meu próximo livro
 Voltando as atividades.
                     Um novo Presidente assumira a FBC era ele o Sr. Andrade Lima e na sua primeira visita na Ilha me deixou como lembrança um jocoso ditado “Meu nome é Lima se não me tratar com jeito eu amargo”. Mas, apesar dos pesares ele deu continuidade aos trabalhos e designou uma professora Eunice Noleto, para Diretora da nossa Escola, só que não consegui engrenar com ela era que era grosseira e altiva e não me reconhecia como chefe do Centro de Atividades. Resultado... Eu a demiti e comuniquei a Brasília. Seguidamente o Presidente me chamou em Brasília e numa conversa reservada determinou que eu voltasse atrás no meu ato demissionário e eu lhe disse que não voltaria a que ele me respondeu:
                   --Eu sou o Presidente e posso transferi-lo para outra base da FBC.
                   --Sim, eu sei, mas o senhor sabe o que deve fazer.       --Pois bem, como eu sou uma pessoa boa e o seu currículo é muito bom eu vou lhe dar uma oportunidade, pode escolher para onde você quer ser transferido.
                   --Escolher para que? Qualquer lugar que o senhor me mandar eu vou satisfeito, não existe lugar pior do que a Ilha.
                 Resultado:  voltei para a Ilha. E ali fiquei junto com a minha família por nove gostosos anos de paz e tranquilidade e muito amor.
                 A construção da pista de pouso estava quase pronta só faltava a ultima camada de asfalto para encobrir as farpas do cascalho da superfície o que tornava a pista uma lixa para os pneus dos aviões. 
                 Os oitenta tambores de MSO-O para dar o ultimo retoque na pista que cobriria as quinas áridas do cascalho que ainda aparecia foram perdidos, pois colocaram fogo na área junto ao posto da FAB onde estavam os tambores que alguns deles com o calor do sol vazaram piche e o fogo atingiu os tambores que voavam as alturas e explodiam jogando seu liquido quente para todo o lado. Parecia a queima de fogos de artifício nos festejo de São João. Ninguém se feriu, mas o estrago foi grande. E assim não se terminou completamente o asfaltamento da pista o que chegou a estourar pneus dos Douglas DC47 na sua frenagem ao pousar, mas mesmo assim ficou operacional, pois os pilotos passaram a pousar com mais segurança e foram poucos os casos não causando nenhum acidente.
.
                                                   Sub Oficial Tabagira e companheiros
 FAB construiu seu destacamento e instalou o Radio Farol SBSY, passou a controlar os voos e o atendimento ao CAN (Correio Aéreo Nacional) e da VASP que passou a pousar duas vezes por semana naquela localidade e também supervisionava os três aviões C47 da FBC. Terminamos a construção do Hospital e as casas do Centro de Atividades.
                  Realçamos os nomes de alguns militares que por ali passaram: O Tenente Temponi, Sub Oficial Tabagira e o Sargento Barbosa. Estes se preparando para uma pescaria no Riozinho.
                     A requerimento me afastei  temporariamente do serviço por um ano sem vencimentos.
                     Três dias depois estávamos em casa na amigável Mato Verde.                           
                   --Aqui aldeia não é bom para você à comida de índio faz mal, é bom ir embora, olha – e mostrou em sua mão a masca de capim - olha o que eu tirei de dentro de você.

                  Nos meios deste período eu fui com o Liton até Goiânia acertar uns negócios e resolvemos comprar um avião monomotor era um PA22 destes do corpo de tela e asa de alumínio, com uma bequilha dianteira comandada. Foi um negocio muito barato, nos devíamos ter desconfiado, mas estávamos sem avião para voar então qualquer coisa que tivesse motor serviria. Quando a encomenda chegou fomos para o campo da Escolinha que fica na saída de Goiânia para Trindade e lá estava o bichão, passamos a mão nele o abastecemos, conferimos óleo e tudo mais, estava certo e pronto para partir, mas o Liton estava aguardando uma pessoa para ir junto e quando esta pessoa chegou conheci que era Jose Taveira um comerciante de São Felix do Araguaia e nosso amigo, ele trazia uma mala grande e uma pasta que faltava estourar o fundo de pesada, tanto é que para por dentro do avião foi preciso o motorista do taxi que o trouxe ajudar. Era uma quinta Feira Santa, lembro-me bem, depois que o Taveira embarcou, Liton tomou posição e pediu para eu dar partida na hélice, quando eu coloquei a mão no nariz do avião ele levantou a frente e bateu a cauda no chão, estava com a trazeira muito pesada e eu reclamei:

                 --Liton, assim não vai dar para decolar ele está muito pesado de cauda, olha – dizendo isto levantei o nariz e ele tornou a bater a cauda no chão da pista.
                  --Viu?
                 --Sim, mas não tem nada não quando você entrar ele estabiliza , vamos de hélice.
                Dei a partida e o motor pegou, subi no avião, assentei e falei.
                --Vamos parar com esta viagem, estamos muito pesados, nos vamos cair bem ai.
                --Vira tua boca pra lá alemão, está com medo?
                 --Não, não estou com medo, mas que nos vamos cair ai isto vamos.
                Motor foi todo acelerado, foi dado meio flap, e soltamos a fera que roncou e correu na pista, começava a descolar e voltava ao solo por duas vezes e a pista estava se acabando foi quando Liton deu o resto flap e ai o avião inchou e subiu, mas estava com toda potencia e depois de ganhar uns cento e cinquenta metros tentamos tirar o flap e o avião afundou neste momento eu notei que a pressão do motor estava caindo e a temperatura aumentando e avisei o Liton;

                --Vamos voltar enquanto temos motor, pois ele esta pifando.
                 Liton quando viu a coisa preta falou:
                 --Não podemos voltar estamos muito baixo.
                 --Nem tente fazer uma curva, pois se ele entrar em curva vai frear e estolar e nos vamos de bico para o chão, é melhor seguirmos e cair em frente.

                E lá se fomos passando raspando por cima de uma casa de palha, puxamos para cima e antes que estolasse colocamos o nariz do avião para baixo e mergulhávamos e assim fomos levando enquanto isto acontecia o nosso amigo lá traz já tinha me ensinado pelo menos uns dez nomes de santas e santas. Não tínhamos alternativa e assim desligamos a bateria, fechamos torneira do combustível e mergulhamos em meio a um terreno baldio cheio de arvores altas bem na beirada de um cemitério, a primeira asa que arrancou foi a do meu lado, depois do outro lado depois eu só vi o nariz do avião ir ao rumo do chão. Eu me apaguei. Quando acordei estava de cabeça para baixo, com o rosto ensanguentado e dentadura quebrada os lábios partido e sangrando, mas vi que o para-brisa havia saltado inteiro e a frente estava livre com muito custo soltei o cinto de segurança e cai para  fora rolando no chão numa grama muito espinhosa e o cheiro de gasolina estava por toda parte. Um bocado de gente começou a aparecer eu fui recomendando para que não ascendessem isqueiro e não fumassem por causa da gasolina que estava toda espalhada pelo chão. Liton saiu do avião todo encurvado, caminhou um pedaço para perto de mim e caiu ao chão de comprido, eu pedi aos que ali estavam para retirá-lo para mais longe do avião e ele foi arrastado pelos braços embora eu alertasse que fizesse com calma sem muito esforço para não deslocarem a espinha. E o mesmo fez comigo, só que cada vez que me arrastavam um pedaço eu desmaiava e volta logo, não demorou muito tempo chegou um fusca e queriam nos levar para o hospital só que eu não concordei:

                 --Gente pense bem, nos estamos com possíveis fraturas na espinha, se vocês nos colocarem dentro de um carro pequeno igual a este não terão espaço para proteger nossa espinha sem a encurvar a e isto será muito ruim para nos, mande o fusca ir buscar uma ambulância com macas e eu e o Liton só vamos sair daqui em macas. 

                Nestas alturas o Zé Taveira ia saindo lá de traz de seu banco no avião estava inteirinho só com uns arranhões no rosto e foi logo perguntando:

              --Gente aonde é que eu estou?

              --Esta no inferno seu miserável. – Foi a resposta de Liton Todo mundo riu.

                Zé Taveira pegou suas tralhas e o Fusca e sumiu antes que a Policia chegasse.  Logo apareceu um caminhão de carregar boi da Matingo, eu vi que daria certo e pedi para tirarem a tampa trazeira do caminhão a colocarem ao lado de Liton e o rolassem para cima dela e depois o colocassem dentro da carroceria e fizessem o mesmo e assim foi feito com ele e comigo, mas daí para frente é que a coisa fedeu mesmo, o caminhoneiro estava apavorado e saiu em disparada, a carroceria do caminhão estava cheia de palha de arroz e bosta de vaca e com o vento quase morremos sufocado em meio aquela tempestade de merda.

                Quando o caminhão parou o nosso amigo o sempre gozador e sorridente;

              --O que foi meus amigos, vocês brigaram com algum boi? – brincou Miranda que já estava lá em cima da carroceria.

              --Brigamos com tua avó.

              --O pessoal do Hospital já vem para atendê-los, e eu vou voltar lá para pegar os seus pertences antes que roubem tudo. E lá se foi aquele prestativo e saudoso amigo.

                Foi uma luta para nos retirar daquela sujeira toda eu acho que usaram até guindaste, pois fomos levantados em macas por cima da carroceria do caminhão.  Nunca agradecemos o motorista, também num estado daqueles.

                Fomos internados, passamos pelos Raios-X e depois engessados do pescoço até as virilhas. O médico encarregado do tratamento elogiou os cuidados tomados na trazida nossa, pois se não assim fosse poderíamos estar aleijados para o resto da vida. No primeiro dia de internado tivemos a surpresa de ver nosso amigo Miranda entrar no nosso quarto com uma radiola na mão, era mesma que Liton levava no avião, não teve nada de defeito e nem os discos ele colocou alguns bem baixinhos para nos ouvirmos, me lembro o “Rio de Piracicaba”. Ele tinha trazido uma garrafa desta de dois litros de Coca Cola e o Liton estava agarrado bebendo, comecei a ficar desconfiado e pedi um copo o que o Miranda me entregou rindo e dizendo “Tome logo seu sacana” era coca com muito uísque, logo estávamos quase de porre e como era noite o enfermeiro Zico veio fazer as visitas e desconfiou também, mas o Miranda empurrou logo uns dois dedos da bebida nele e ficou tudo bem passamos quatro dias no hospital e tivemos alta, Mas não sem antes tivéssemos as visitas da FAB que abrira sindicância a respeito da queda do avião e não sei por que carga d’águas eles só falavam comigo, pois achavam, alias sempre acharam que o piloto era eu, Foi aberto um inquérito policial e o Juiz tendo em vista a declaração do Jose Taveira me condenou a um ano de prisão domiciliar por “Imperícia na operação da aeronave”, mas quando recebeu o laudo técnico da FAB revogou a prisão tendo em vista o resultado da perícia como “Danos ocorridos no motor causando o deslocamento de um mancal de biela ocasionando a falta de lubrificação trancando a maquina e consequente queda da aeronave” Não houve imperícia de pilotagem e sim danos no motor.

                Retornamos em outro avião para Luciara e vinte dias depois eu havia arrancado o gesso e já estava trabalhando, fiquei meio torto, mas até hoje sofro os resquícios daquele acidente. Pois sofri esmagamento de três elos da espinha dorsal veio a prender o nervo ciático o que me causam pequenos dissabores até hoje e sérios problemas na bacia.

               Finalmente em 1981 eu deixei esta vida de aventureiro me mudei para Porto Alegre do Norte e  passei a trabalhar no comercio. Abri uma loja de material para construção,  mas durou apenas três  anos.  Seguidamente resolvi seguir a vida de sindicalista na qual fui muito bem sucedido.

              E 1984 José Celio Pinheiro Luz e mais  alguns amigo resolveram criar o Sindicato Rural de Porto Alegre do Norte e eu entrei, como dizem, na cola dele e  passei a ser  secretário do Sindicato,  Anos depois, foi eleito Presidente o senhor e amigo Lourenço Pereira Luz,  e eu continuava na secretária, finalmente na eleição de 1989 resolvi candidatar e fui eleito no cargo de Presidente por mais outras duas eleições, isto e até 2005 Durante este período construí a sede do Sindicato Rural tal qual ainda hoje  existe. Fui  conselheiro da FAMATO por quatro anos.

              Sob meu domínio o Sindicato chegou a ter 235 filiados de todas categorias em questão do tamanhos de suas áreas, para mim grande ou pequeno sendo lavrador merece respeito e catamento e sendo assim intensifiquei os cursos profissionalizantes  De 2005 em diante passeia  a escrever minhas memorias que se tornaram, somados a este,  14 livros publicados na Internet. Fiz o que pude e não me arrependo de nada. Meus livros são abertos a todo publico e poderão xerocopiar os textos, apenas não modifica-los. Não penso em lucro, pois é este meu presente para as futuras gerações.

                                          FIM

 Se quiseres entender o presente aprenda com o passado.

 Por que buscais a tantos quando há só UM a ser encontrado?

 Autobiografia.

                Dos trânsitos pelas avenidas da vida

              Fui servidor por oito anos na Prefeitura Municipal de Luciara. Exerci o titulo de Sub Prefeito de Porto Alegre do Norte, ingressei na FBC onde permaneci por nove anos. Quando da  extinção da mesma  fui transferido para a Policia Federal em Brasília onde fiz cursos intensivos  na Academia. Fui finalmente lotado no Forum de Justiça de Barra do Garças onde permaneci por oito anos e meio como oficial de Justiça. Finalmente voltei para  as minhas atividades de cidadão, não sem antes ter sido agraciado por três títulos 1º  Cidadão Mato-grossense, Monção de Honra,  ambas pela Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso. E de cidadão Porto Alegrense pela Câmara de Vereadores,

              Em 02 de fevereiro de 2022 eu completo 93 anos. Finalmente me aposentei aos 72 anos de vida, recebendo um salário mínimo de ordenado  Tendo ingressado na Advocacia Geral da União com um processo contra o INSS, mas contaram apenas a metade do tempo de serviço prestado a União passando de aposentado por idade para  Aposentado por tempo de serviço com um salario mínimo, mas vou vivendo assim mesmo.escrevi 14 livros já publicados na Internet com a   sigla (exemplo)gunther-Raízes a Historia de Luciara--outros títulos todos descritos em cada livro. Espero que façam uma boa leitura e aproveitamento dos conteúdos que são autênticos, e não os tenho para venda...

É o meu presente para a  geração futura.  BOA  SORTE.   Dankmar.

Bibliografia

Este livro foi escrito com retalhos de textos  e dados da vida do autor coletados em outros livros “Terras Bravias”   “Flor  Selvagem”  do mesmo autor e ”Terras  Sem Sombra” de Willy Aurelli e “Sertão de fogo”, de Adauta Luz–Outros retalhos compilados via Internet e por conhecimento próprio,

Autor: Wolfgang Dankmar Gunther Hornschuch.

Nome adotado de escritor..Wolfgang Dankmar Gunther.

Av. Piraguassú 1415

Porto Alegre do Norte MT.

CEP 78.655.000

Cel. 66984.07.11.93.




                                                       §
                        
Posto Leonardo Villas Boas - Rio Tatuari - Xingu






Medicando  na aldeia Diauarun - Xingu

A beleza das índias Brasileiras

.
                                                                                                         
                                    
          
                             
                                                      
                                   
                                   
                                                                     

                       

                                                         Aldeia dos Kamaiuras.         

  Índia                                        
“ Índia bella mezcla de diosa y pantera,
Doncella desnuda que habita el Guaira,
Arisco remanso curvó sus caderas,
Copiando un recodo de azul Paraná,
Indiscreta morena..Que una noche naciera,
De tristeza y penar...De su tribu la flor,
Montaraz Guayaquíl...Eva arisca de amor,
Del edén guaraní...Bravea en sus sienes su orgullo de pumas,
Su lengua es salvaje panal de Iruzú,
Collar de colmillos de tigres y pumas..
Enjoya a la musa de Ibitiruzú... 
Y una noche naciera de tristeza y penar,
De la selva olorosa su Perfume arrojar..
.La silvestre mujer ...Que la selva es su hogar.
            También sabe querer..También sabe soñar” .......Fin      
 

Índia...
Índia, seus cabelos nos ombros caídos
Negros como a noite que não tem luar
Seus lábios de rosa para mim sorrindo
E a doce meiguice desse seu olhar
 
Índia da pele morena, sua boca pequena eu quero beijar
Índia, sangue tupi, tens o cheiro da flor
Vem, que eu quero te dar
Todo meu grande amor
 
Quando eu for embora para bem distante,9
E chegar a hora de dizer adeus,
Fica nos meus braços só mais um instante,
Deixa os meus lábios se unirem aos seus,
 
Índia, levarei saudade da felicidade que você me deu,
Índia, a sua imagem,
Sempre comigo vai,
Dentro do meu coração, flor do meu Paraguai
 
¡Gracias! 











                                                                       

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