O
O Elo Perdido VIX. ..Docs 14 .
A última...
Bandeira de
Piratininga.
A historia de um Paulista...
"Último Bandeirante ainda vivo”..
“Uma história de
Vida”
....E a bandeira Piratininga....
.
Ano
de 1948
São José do Rio Pardo, Estado de São
Paulo, ali morava a família de minha mãe Aracy Dias Porto, Meu pai havia
falecido a 13 anos atrás, e assim meu avô a 7 ano e minha mãe a 3 anos, todos
se foram restava eu e meus irmão Rolf e irmã Aracy que foi morar na casa de parentes
e eu e Rolf continuamos a trabalhar e a
morar em pensão, trabalhei na Coccito Irmãos, Na Matarazzo, e numa
fabrica de letreiros Luminosos gás neon. Mas meu coração estava longe dali
eu só pensava no Mato Grosso, embora não
o conhecesse ainda, mas era para lá que eu deveria ir. E assim tomado desta
ideia comecei a juntar uns troquinhos e resolvi partir sem avisar a ninguém.
Eu tomei conhecimento que havia uma linha
de trem entre São Paulo e Anápolis no Estado de Goiás, dali para Mato Grosso seria de carona. Embarquei rumo ao meu
destino, mas a minha fada madrinha trabalhou por mim e quando já estávamos com
algumas horas de viajem decidi visitar os outros vagões e acabei saindo em cima
de um que tinha apenas umas 15 pessoas e muita tralha, era uma Bandeira
expedicionária que ia para Mato Grosso, me entrosei com a rapaziada, pois eram na maioria de minha idade 19
anos, e passei a viajar junto com esta
turma, mas o chefe deles notando minha presença veio a mim perguntando:
--Meu jovem, para aonde você vai?
--Eu quero ir para o Mato Grosso.
--O que busca ali?
--Tudo... conhecer os índios o seus moradores, enfim conhecer o sertão
todo.
--Estas
indo sozinho?
--Sim meus pais faleceram e eu resolvi
sair de São Paulo.
--Pois então eu lhe convido a fazer
oficialmente parte desta Bandeira, você tomará conhecimento da nossa finalidade
entre seus colegas - e falando alto para todos ouvirem- Temos um novo companheiro
de viajem. E voltando-se para mim perguntou:
--Você tem alguma profissão?
--Eu trabalhei vida toda em
uma oficina mecânica de meu avô, entendo de motores, e da parte elétrica e
enrolamentos de bobinas para motores, eletricidade em geral, , enfim tudo que
for anexado a mecânica.
--Ótimo desde já estas nomeado
para ser o encarregado da parte das armas e motores. Aceita
--Aceito... Dai para frente
minha vida mudou radicalmente.
Ingressando na Bandeira
Piratininga 16 de junho de 1948.
Era
um grupo de jovens paulistas comandados pelo rígido sertanista e jornalista
Willy Aurelli.
Durante o trajeto fizemos uma profunda amizade
e ele acabou me convidando para fazer parte oficialmente da equipe. E me
fez assinar um monte de papéis. Seu
destino era São Felix do Araguaia no Estado de Mato Grosso, cuja missão seria
encontrar e manter um contato pacifico com os arredios índios Xavantes, era este o meu sonho o que faria era gravar em minha memória todos os detalhes
daquele mundo que eram terras de ninguém,
Finalmente chegamos em Anápolis - GO, fim da linha do trem, o difícil da viagem
começava ali e, fui escolhido para ir a Goiânia, capital do Estado, e arranjar
junto ao DERGO (Departamento de Estrada de Rodagens do Estado de Goiás) dois
caminhões para levar a carga da Bandeira de Anápolis a Leopoldina na margem do
Rio Araguaia.
Com dois Oficio em mãos, não
tive dificuldade, naquela época a Bandeira Piratininga era muito famosa e
conhecida, fui muito bem recebido e atendido pelo Governo do Estado de Goiás e
logo voltava a Anápolis com dois caminhões.
Os carregamos e seguimos viajem
ao começo da aventura passamos por Goiânia a nova Capital que surgia depois por
Goiás Velho a antiga capital do Estado de Goiás.
De lá rumo ao tão esperado rio
Araguaia, que em sua margem ainda no Estado de Goiás, cravejava a pequena e
linda cidade de...Vila Santa Leopoldina do Araguaia. Hoje Aruanã. GO.
Ás margens do rio Araguaia na
divisa com Mato Grosso. a beleza exuberante do marco do pioneirismo.
 |
Santa Leopoldina do Araguaia - Hoje Aruanã. |
“Leopoldina”... A esmeralda do rio Araguaia.
Ali, ás
margens do rio Araguaia, na divisa de Goiás com Mato Grosso sob a sombra de um
frondoso pé de Tamboril bem na barranca do rio eu olhava fascinado o tremular
das águas, e, em seu porto a velha vila guardava ciumentos restos de três
embarcações a vapor. Uma caldeira de ferro maior e duas menores que pertenceram
aos barcos: Araguaia, Mineiro e Colombo que, teimosamente pareciam querer
resistir ao tempo, como a lembrar: “Viemos de Cuiabá para o Araguaia em
dezessete carros de bois para conduzirmos Couto Magalhães na sua pioneira
tentativa de priorizar a hidrovia no rio Araguaia”. Fechei os olhos e fiquei a
sonhar relembrando como tudo poderia ter acontecido, cheguei a ver aquelas
embarcações todas novas e inteiras resfolegando fumaça em suas chaminés, elas
faziam parte da Empresa de Navegação a
Vapor do Rio Araguaia. Era por volta de 1890,
à chamada Hidrovia Araguaia - Tocantins, que fora criada para fins de navegação
comercial e sua criação remontavam as últimas décadas de XVIII. Cem anos depois
se criou à referida empresa, que somadas a ela foi implantada uma estrada de
ferro que, partindo de Nazaré dos Patos ou Tucuruí, às margens do rio
Tocantins, terminasse no ponto denominado Praia da Rainha ou em suas
proximidades, as margens do mesmo rio (trecho que margeava a Cachoeira de Santa
Izabel). Dali uma linha de navegação a vapor de Belém ao ponto denominado Praia
da Rainha, de linhas de navegação a vapor nos rios Araguaia e das Mortes em
suas seções navegáveis devendo estender-se aos afluentes desse rio bem como ao
do Tocantins. A Estrada de Ferro Tocantins e as linhas de navegações citadas
foram criadas no pressuposto de que seriam autossustentáveis e levariam certo
progresso às regiões por elas servidas porem, naquele tempo, a pequena
densidade demográfica e o subdesenvolvimento das regiões abrangidas, levou
essas iniciativas ao fracasso. No baixo Araguaia e Tocantins, a navegação teve
um relativo desenvolvimento, devido às plantações de cacau, café e castanha do
Pará que existiam na região. Mesmo assim com o declínio das atividades um
numeroso contingente populacional procedente dos castanhais localizados nas
áreas de Marabá e Tucuruí ainda permaneceu no Vale do Baixo Tocantins e Médio
Araguaia, vivendo da agricultura de subsistência, de uma limitada atividade
pecuária, da pesca artesanal e da Castanha do Pará.
Dos restos dos barcos a vapor,
só sobraram às caldeiras de ferro das embarcações e algumas peças e 120 anos
após ainda teimam em sobreviver. Hoje elas fazem parte de um belíssimo jardim a
beira rio na cidade da antiga Santa Leopoldina do Araguaia, depois Leopoldina e
hoje Aruanã no Estado de Goiás, onde se perpetuarão.
Na sequencia dos acontecimentos...
Sentia tudo novo para mim, havia
chegado de São Paulo no dia anterior como membro da Bandeira, acordara cedo
naquele dia. No rio a movimentação já era grande, uns desciam para banhar,
outros para lavarem os rostos ou escovar dentes e alguns só para ficarem
olhando os barcos. . A mercadorias da Bandeira já estavam sendo baldeados para
dentro de dois barcos ancorados, a nossa turma e alguns índios Carajás
ajudavam. Estava embevecido, olhava os pássaros revoando, os peixes a riscarem
as águas, os botos arfando sobre a superfície e mais um pouco abaixo, acerca de
quatro mil metros, o roncarem das águas no travessão de pedra parecia gritar
uma advertência para que os homens não maculassem o que rio abaixo escondia. Do
outro lado, já no Estado de Mato Grosso, uma vegetação espessa como uma
barreira verde parecia esconder em seu seio misteriosos perigos de uma fascinante
violência, eu me perguntava “O que haveria por traz daquele muro verde?”
Certamente um mundo deserto e sem mínguem.
Muitas coisas passavam pela
minha cabeça. O meu pensamento ia bem mais alem, e lá por traz, rumo ao pôr do
sol, aonde chegaria? E o que eu acharia? Certamente muitas serras, matas,
mistérios, lendas e índios? Era um mundo sem dono, eram realmente...
“Terras
de ninguém”.
Parei de pensar quando escutei
um bater ritmado de um remo no “beiço” de uma canoa acompanhada por um cantar
sofrido e monologo, mas bonito, era um índio Carajá que chegava ao porto. Desci
o barranco e fui para a beira d’água encontrar-me com ele que logo aportava bem
perto de mim, e descendo puxou a “ubá” mais para fora da água e com um largo
sorriso me cumprimentou:
--Olá
Tori.
--Oi.
--Você
mora aqui?
--Não
– respondi - Cheguei ontem de São Paulo e onde você mora?
--Djaram mora lá na Aldeia Carajás da barra do rio
Tapirapés, é muito longe, cinco dias de viajem de barco motor.
--Nos
vamos descer para São Felix do Araguaia, eu estou junto com a Bandeira
Piratininga, naqueles dois barcos ali que estão carregando - falei mostrando-os.
--Huumm
o piloto daquele motor é o Kurichira é um índio Carajás meio doido cuidado com
ele.
--Como
assim? – perguntei.
--Ele
estava no morro de São Félix há muito anos quando os índios Kurussas (Xavante),
bateram na cabeça dele com corroté
(porrete) e ele, mesmo com a cabeça quebrada caiu na água do rio e nadou até a
Aldeia que fica uma légua abaixo lá os outros índios o tiraram da água, mas
nunca ficou bom de todo.
--Obrigado
pela informação, mas vou chegando até lá para ajudar carregar os barcos, nos
vamos descer hoje ou amanhã cedo não sei ao certo - agradeci e sai, não sabia
eu, aquele momento, que aquele índio de nome Savarú se tornaria um dos meus
grandes amigos.
Todo nosso pessoal estava se
aprontando para embarcar, mas antes iríamos almoçar como sempre o
subchefe Darci falava mais que todo mundo e distribuía ordens:
--Você,
Nito, Aurélio, Kleber, Dankmar, Clóvis e – apontando para outros dois disse –
vocês também vão no outro Barco.
--Espere
Darci, interrompeu Willy o Dankmar vai neste barco, ele é bom mecânico e posso
precisar dele.
--Tudo
acertado? Vamos comer e partiremos às 11.30 horas em ponto - OK?
--Tudo
bem - foi á resposta geral.
Foi uma correria atrás dos
pertences que os zelosos companheiros largaram pelas casas, ás 11.30 em ponto
partimos, nosso barco saiu na frente entre acenos e adeus, empurramos os barcos
para o meio do rio, a verdade é que o pessoal estava gostando da pequena vila e
de seu povo.
A esmeralda do Araguaia foi
ficando para trás isto nos dava um pouco de tristeza, mas eu tinha um trabalho
a fazer, comecei as minhas anotações e rascunhos, suspirei ao pensar na
imensidade de meu trabalho como também era apenas um expert em topografia,
afinal era a minha oportunidade de fazer algo grande, como...
“A grande viajem”.
O começo da primeira
aventura...
A viagem com destino a São
Félix do Araguaia, 120 léguas, ou 720 quilômetros rio abaixo, teve inicio. Em
tempo de estiagem as praias alardeavam uma alvura sem mácula e estavam em toda
a sua plenitude, o rio caracolava por entre elas parecendo querer encurtar o
caminho, nosso barco, tal um dançarino habilidoso conduzido pela mão do piloto
ia contornando os bancos de areia. Pássaros de todas as cores povoavam as
margens e fiscalizavam as águas. Nossos barcos um tinha um motor de popa
Archimedes de 12 HP a gasolina, no outro um motor de centro Penta de 10 HP. O
segundo barco que era o maior estava mais carregado e o nosso grupo estava
dividido no barco menor iam a Chefia da Bandeira e também a Dona Jacy mulher do
comandante Willy e eu ia sentado o tempo todo na proa olhando as maravilhas e
tomando no rosto a brisa suave, no piloto o índio Kurichira todo tranqüilo.
Logo após a saída, ali por
volta do meio dia, alguns quilômetros abaixo o travessão de pedra começava a
roncar mais alto logo estávamos em cima dele, o piloto habilidosamente jogou o
barco no canal central entre duas grandes pedras em meio um turbilhão de
borbulhas, quando menos pensávamos já tínhamos passado e o rio voltava a sua
calma. Novas paisagens foram aparecendo naquela tarde cheia de sol, passamos
por uma fazenda chamada Dumbasinho, e ao anoitecer avistamos a vila de
Cocalinho na margem de Mato Grosso, neste dia dormimos na praia em meio ao rio.
Fizemos um rodízio do plantão, mas aquela calma do anoitecer, a brisa suave, as
estrelas cintilantes como nunca as havia visto antes, o riscar dos peixes sobre
as águas e o canto dos pássaros noturnos me fizeram ver outro mundo que eu não
conhecia, mas lá no fundo do coração batia uma saudade de casa, adormeci ali
mesmo na cama de areia que havia feito.
Alguns companheiros se
dedicaram a pescar.
No outro dia, mal a luz do sol começara aparecer já estávamos de pé,
tomamos nosso café com bolachas e embarcamos rio abaixo, e logo a seguir
passamos por um povoado, fizemos uma pequena parada junto aos moradores, negros
remanescentes dos quilombos, fugidos da escravidão, e os vi bem de perto, eram
bem pretos com cabelos em caracol e barbicha, outros tinham fisionomia e traços
de homens pré-históricos certamente seus tipos eram transcendentais e suas características
antropométricas não se identificavam a nenhuma outra que eu conhecia. O local
era na margem esquerda do rio, isto é do lado do Mato Grosso e se chamava Travessão
Riuna, logo a seguir passamos
pela barreira Anhanguera onde morava o Henrique alemão, mais abaixo avistamos umas moradas do lado de Goiás que se
chamava Piedade onde morava outro alemão de nome Alfredo e sua família,
na mesma margem uns quilômetros abaixo despontaram o povoado de São
José dos Bandeirantes, neste segundo dia dormimos em uma enorme praia
bem no meio do rio. Foi outra noite maravilhosa, mas um inesperado susto quase
me fez correr, já eram lá pelas tantas da madruga e eu como sempre havia feito
a minha cama na areia meio retirado do acampamento, sempre fui muito solitário,
de repente comecei a escutar pisada rangerem na areia, eram muitas, e viam no
meu rumo, levantei a cabeça bem de vagar, mas não conseguia ver nada e as
pisadas iam chegando mais perto e mais forte súbito senti que estavam quase em
cima de mim ai me sentei e dei um grito, foi pior, o grito delas foi bem maior,
eram umas oito ou mais capivaras que vinham pela praia rumo ao rio e como a
noite estava escura elas também não me enxergaram e nem havia me sentido, sei
que vinham na minha direção todos se espantaram e quase fui atropelado na
disparada doida para se jogar na água, numa noite silenciosa como aquela foi um
barulho infernal que acordou todo o acampamento, mas depois do susto passado
foi só risada, mas eu quase me assombrei. Fui dormir mais perto do fogo. (anos
mais tarde, junto com meu irmão Rolf o mesmo fato tornou a se repetir, em outra
praia).
Ao clarear do dia, pudemos ver
os rastros das capivaras, eram muitas, grandes e pequenas.
Zarpamos deixando gravada a
primeira aventura. Naquele terceiro dia de viajem passamos por Luiz
Alves, uma pequena vila no Estado de Goiás.
Logo depois Willy, lá na proa
do nosso barco junto comigo me chamou a atenção dizendo:
--Dankmar
daqui a pouco você vai conhecer a maior Ilha fluvial do mundo a Ilha
do Bananal, ela começa bem naquela curva aonde se forma o braço menor
do Araguaia que é o rio Javaé, a nossa direita, muita poucos brasileiros
tiveram até hoje este privilégio.
Logo aparecia a curva e avistamos a forquilha do rio se separando, do
lado esquerdo o Araguaia do lado direito o Javaé. Formavam uma ilha com 600
quilômetros de comprimento por 110 quilômetros em média de largura, um
verdadeiro estado, metade da ponta sul era o Parque Nacional a outra metade da
ponta norte uma reserva indígena dos Carajás.
Na praia, um casal de Cervos,
nos olhava passivamente como a não se importar com a nossa presença, centenas
de patos selvagens banhavam entre os marrecões e os colhereiros com suas penas
rosadas, gaivotas alardeavam com seus gritos e mergulhavam nas águas ricas de
peixe, daí para baixo o rio se estreitava um pouco e suas águas corriam mais e
começava uma sanha devoradora de assoreamento, as águas batiam contra as
barreiras e faziam rolar grandes arbustos para dentro do rio, praias inteiras
estavam sendo carregadas, mudando de lugar para abrir um canal mais fundo para
o rio. Não era uma constante, mas, começavam aparecer, preocupado comecei
estudar aquele fenômeno e cada vez que parávamos analisava a cor da água e seu
componente, fazia gráficos, media profundidade do canal com uma vara e fui
anotando tudo, quanto mais descíamos o rio mais mudanças apareciam.
Fizemos uma parada na Barreira
de São Pedro na ilha do Bananal, fazenda esta de criação de gado de propriedade
de Ubaldino Rios, residente na cidade de Goiás Velho, antiga capital do Estado
de Goiás. A barreira alta e firme pouco sofria com a força da água foi quando
cheguei à seguinte conclusão: “Imaginei uma pequena mina em uma colina na
nascente deste rio. Por todo ano, varias vezes, a chuva caia em forma de pingos
sobre um declive, uns captados pelas raízes, outros formando pequenas poças,
alguns penetrando por fendas no leito rochoso e se juntando a pequenas
aglomerações formando um tênue filete de água em busca de uma forma de vida
maior e alguns se evaporando, começa ai o ciclo inicial da vida do Planeta
Terra. Nós sobrevivemos em razão deste simples toque divino. Esta nascente
brotada naquela colina gera o filete de água que em algum ponto mais abaixo se
junta a outras nascentes alimentando um riacho que desce em direção ao seu
destino. Mesmo no período das secas estas minas dificilmente perecem e juntando-se
a outros riachos já como rio continua seus caminhos em direção ao fundo do vale
carregando água drenada de centenas de quilômetros quadrados de terra e
finalmente, num abraço apertado, dão forma a uma bacia hidrográfica e juntos
empurram e carregam 660 milhões de toneladas de fragmentos para os oceanos por
ano, e ali estava ela, bem a minha frente e não podemos deixar de lembrar que
muito mais que isto é o montante de terra retirado pelos rios e que são
carregados por tempos a lugares indeterminados e novamente despejados sobre a
terra formando os chamados deposito aluviais, e isto tudo aqui por baixo de
nosso barco, passei a observar que a água só tem poder de sucção e de empurrar,
mas, ela, por si só não pode talhar, para este trabalho ela depende
principalmente dos fragmentos de rocha, assim como a mão usa o lima para moldar
um ferro o rio usa a areia e as pedras para cavar seus canais, notei que
enquanto pedaços de rocha e areia estão fazendo escavações à água empurra,
golpeia e suga o produto deste trabalho para o fundo do canal ou para os lados.
Assim ela dissolve os minerais da rocha e a lama e este rio não é exceção desta
regra. A natureza tende a fazer com que os rios endireitem seus canais tomando
uma linha reta por tal motivo estamos vendo a águas golpeando com violência,
escavando por baixo solapando os barrancos, derrubando arvores e abrindo novos
caminhos e ao mesmo tempo formando lindas praias, é o seu trabalho, “mas,
continuarei minhas pesquisas oportunamente por enquanto voltemos á nossa
viajem, a coisa aqui na Fazenda São Pedro de repente melhorou muito quando
passamos a conhecer seus moradores”.
Plantando
o futuro...
A semente começou a germinar a
partir daquele dia em que a conheci...
Aleixo Paciente da Silva era o
gerente da Fazenda e tinha sua esposa Joaninha Paciente da Silva, e quatro
filhas de nomes Geronima, Maria,
Raimunda (Mundica), Noemi e um filho ausente de nome Mariano. E ao lado da
casa, mais abaixo uma pequena aldeia de índios Carajás, nada mais do que duas
ou três casas, o cacique era um índio que tinha o nome “Cachoeira”. Pensei que
havíamos chegado ao paraíso e não fui só eu, todos pensavam assim, fomos bem
recebidos compramos umas rapaduras, conversamos muito com as meninas depois nos
despedimos e seguimos viajem. Sinceramente senti que deixava ali alguém muito
importante para mim e foi mesmo, pois, cinco anos depois, a 14 de março de 1953
eu me casava com a jovem Maria Paciente, foi o primeiro casamento civil de São
Félix do Araguaia, mas isto será contado mais adiante do Caracol e mais para o oeste quase rumo sul a
Serra do Magalhães, naquele dia almoçamos a bordo, chegamos exatamente às 16.00
horas da tarde.
Uma verdadeira multidão já nos
aguardava no porto, alias, eram muitos os lugares para encostar barcos,
foguetes estralavam por todos os lados e tiros eram disparad Neste terceiro dia dormimos na praia do rebojinho, o barulho infernal das águas contra as pedras e a barreira, dava um tom de inquietude, e os peixes pareciam estar em guerra uns a cata de outros e a movimentação do redemoinho facilitava a caçadas dos peixes mais lentos, a pescaria só não foi boa porque quase todo o peixe de superfície sempre tem muitos espinhos e as “cachorras” predominavam. No outro dia partimos cedo era nossa meta chegarmos a São Félix, passamos por Barreira de Pedra e pela barra do rio das Mortes com o Araguaia e logo depois da grande curva avistamos a pequena vila, ao fundo, muito longe no horizonte no lado de Mato Grosso, vislumbrava-se a Serra os às dezenas, de
todos os tipos de arma, fora uma recepção e tanto.
Nosso barco bem manobrado
aportou bem perto de outro barco da região notei que o nome era muito peculiar
“Frei Chico” era um barco grande porem com um só motor de centro que era uma
maquina estupenda, grande e de um só cilindro, era um motor “Bolinder” a que
chamavam de cabeça quente, pois para ele funcionar era preciso esquentá-la a
maçarico, a seguir um enorme tubo de ar comprimido dava inicio a movimentação
era impossível acionar a sua partida a mão, só o volante devia pesar quase mil
quilos, também para movimentá-lo tanto fazia por óleo Diesel, óleo de jacaré ou
óleo de peixe era a mesma coisa, foi o primeiro motor a funcionar, naquele
tempo (1948) com o hoje tão prolatado biodiesel, sei disto porque inicialmente
o observei por dois dias, mas quando o Tônico Bosaipo, seu proprietário o
funcionava, a cidade toda tremia.
A recepção da Bandeira
Piratininga em São Felix do Araguaia.
Enquanto isso...
Willy fora levado para a casa
de Severiano Neves o piauiense que fundou aquela vila que veio a se chamar São
Felix do Araguaia, pois tinham muito que conversar, afora os problemas existia
o lapso de tempo de ausência, mas uma pequena multidão os acompanhou. Realmente
o Chefe era muito querido por aqueles sertanejos e uma vez instalados, tomaram
um cafezinho que a esposa de Severiano a Dona Edilia havia feito e iniciou-se
uma longa conversação e, eu também estava lá, sempre entrosado ali presente
notei o semblante abatido e senti que Willy internamente remoía lembrando a
distancia de quatro anos que volvia sobre o mesmo roteiro e pisava novamente a
terra que tantas lagrimas soubera. Logo
adiante o tumulo de seu irmão e os farrapos de recordações dolorosas.
Acolhida amiga.
*Recordações
afluindo, Azafama alegre dos primeiros momentos de desembarque. Lugar
apropriado para instalação de um bom acampamento. Sombra e água fresca (porto
da manga).
Foi logo depois que
veio ter conhecimento das graves novidades. Os Xavantes estavam depredando
tudo, vindo das brenhas, aterrorizando os moradores, muitos dos quais já tinham
debandado à margem oposta do rio, pondo a largura da imensa via fluvial de
permeio aos índios agressores. Os remanescentes viviam dentro da incomensurável
angustia da eterna ameaça. Os retirantes da localidade de Caracol, lá estavam
seminus por terem perdido tudo quanto possuíam, olhos ansiosos e interrogadores
rolando as órbitas escancaradas.
Com essa delicadeza
comovedora própria dos sertanejos, nada me foi dito logo ao desembarcar. Todos
se desdobraram em gentilezas e auxílios. Foi ao tomar o café na residência de
Severiano que a coisa me foi narrada e sem rebuços me foi dito ser eu, naquele
momento, o salvador enviado por Deus, graças às preces que diariamente eram
feitas!
Aos poucos, vindos de
muitas direções, caboclos rijos foram penetrando na vasta dependência,
acocorando-se ao longo das paredes. Rostos endurecidos pelas intempéries,
sulcados pelos ventos e pela chuva, feições esculpidas toscamente, mascarando
corações generosos e almas nobilíssimas, Mãos nodosas como cepos, rodando pelas
abas largas, os vastos chapéus de
carnaúba ou de feltro desbotado. Pés descalços, artelhos esparramados, trazendo
ao calcanhar a espora enorme,
tilintante. Facões nas cinturas estreitas, às vezes acionados para o
esfarelamento de fumo em corda. Em breve lá estavam Zé Lagoa, espécie de
patriarca da vila Lagoa, que lhe herdara o cognome; João Irineu, Piassaba, João
Vermelho, Pedro Brito, Zé da Rocha, João da Luz, Anicetro Oliveira, Juvenal,
Raimundo, Zé Ferreira, Anselmo Alves,. Homens de peso na comunidade. Pequena
multidão ficara do lado de fora, espremendo as cabeças pela angusta janelinha
ou metendo os corpos juntinhos e estivados em pé, na soleira da porta.
--O primeiro surto de
Xavante deu-se vai para um ano – começou Severiano – Apareceram de súbito e
depredaram as roças. Nada aconteceu com o pessoal a não ser um grande susto. A
maioria deles estava por estas bandas e foram poucos que viram a bugrada.
Solicitamos imediatamente auxilio do Posto de Aproximação do rio das Mortes,
mandando um “próprio” para narrar o sucedido Mas de lá nada veio a não ser uma
vaga promessa. Ficamos esperando pelos resultados. Mas nada mais houve tornamos
a colocar o animo em paz. Eis que faz justamente uma semana, os índios, e desta
vez em numero enorme, tornaram surgir, assaltando e carregando tudo! João
Irineu aqui esta e poderá narrar os pormenores do que lhe coube.
João Irineu, caboclo
de força descomunal, todo eriçado de pelos negros, valente como ele só, mas de uma bondade infinita, cospe no
chão, enfia o todo de cigarro atrás da
orelha e narra:
--Foi de manhãzinha,
sol ainda piscano de sono... Abri a porta e dei de cara com uns oitenta
Xavantes, metidos pra lá da cerca. Ao
meu aparecer gritaram qualquer coisa. Levei um sustão dos grandes... Gritei
prus fiios que acudiram e pra muié que
tava fervendo a água prô café. “Xavante minha xente! Cuidado com eles. Nisso a
bugrada pulou a cerca e veio prú meu lado, agitando flechas em sinal de amizade. Me cercaram.
Empurraram um arco e uma porção de
flechas em minha mão e foram entrando de roldão, casa adentro. Foi um rôr de
pestes! Começaram catando tudo: facões, machados, ferramentas, bilhas de água, panelas, redes, roupas! Gritavam possessos. Segurei
minha carabina. Tava que nem xabia o qui
fazé. Empurrei minha muié pru quarto e
tranquei a porta. Já um índio safado tinha suspendido a saia dela....Tou
aqui...tou morto! Pensei! Os meninos estavam oiando sem nada dizé Os índios
deram com as sementes de arroz e foram tirando tudo. Depois tentaram entrar no
quarto. Ai eu falei “entra não seu cara de mamão que aqui tu não tira nada! Tú
vai tira é bala disto aqui. E bati a mão no cano da bicha. Um deles meteu na
boca da arma um graveto e sorriu prô meu lado cumu pra dize: “atira não
cristão! Nóis num qué brigá”.
--Não demonstraram
atitude agressiva?
--Sinhô não! Tavam
alegre inté essa peste dos quinto! Quando foram simbora mi deixaram só com a
camisa do corpo. Foi intô que larguei a roça e vim com muié e fiios prá esta
banda. Lá tão os meus porcos, minhas galinhas, meu gado, tudo largado sem
água...
--Que susto heim?
--Fartão de susto
sinhô sim... Mas eu achei que o xavante tá feito qui nem criança. Tira
da xente aquilo que ele pensa que a xente fais com facilidade assim cumu
ele fais a flecha e arco... Pois que deu em troca de um mundão de porcaria.Há
quem solte alguma risada. João Irineu retira da orelha o tôco apagado e
acende-o com a binga. Entra na conversa Zé Lagoa, piscando seu único olho bom.
Tipo escarrado de velho sertanejo. Linda cabeça para um pintor impressionista
que desejasse fixar na tela fisionomia tão insólita.
--Tava eu mais minha
xente no rancho lá da roça quando chegaram os pelados. Um mundão de índio! A muierada inté assusto, dispois ficou assanhada qui nem égua no
cio...Tavam os bugres tudo de côco a
mostra. Olhei prus côco do capitão e vi
que tavam longo,, .Pensei “u home tá cum medo! Tá de côco corrido!”. E tava mesmo puis qui tava cum os ôio aqui e
acolá, virando a cabeça prús lado. A muierada começou a rir baixinho e falar
nas oreia delas. Eu tava cum meu ôio são nos côco do índio... Quando vi que
ficava pequeno intô dixe cumigo: O cabra safado perdeu o medo. Te aguenta Zé
Lagoa!”.
--E aguentou?
--Senão! Fiquei
picando fumo maginando coisa,. Os índios furo oiando pás muié. Falava: “pfi-on”
“pfi-on” Que qué dize Muié... muié....Um deles quix agarrá a potranquinha la da casa e intô eu
falei: “óia qui seu macaco! Te fais de bexta que te arrebento a fachada da
cara!” o índio parece que compreendeu e largou
de banca o gostosão.. Ai eu deixei que
tirassem tudo. Levaram foices, levaram pás, levaram machados, levaram tudo
Deixaram a xente cum vida, que é bastante i agora tamo sem ferramenta
sem podê trabaia, cum as roças pur lá, prás banda dos bugres.
--Vamos da um
jeito seu Zé Lagoa...
--Xeito? Pois sim...
O único xeito é arrebenta cum ele todos! Aqui tá a Romana do Raimundão. Que fale a muié e mecê me dirá si tou ou não
cum razão!
Dona Romana (valha o
nome) é uma senhora já entrada no meio do século. Grosso bócio afeia-a ainda
mais. Só tem dois dentes, enormes, pedidos na imensidão das gengivas
escuras. É um pouco dura de ouvidos e
fala como se tivesse um acesso de asma. Traz os cabelos revoltosos represados
num lenço sujo e brilhá-lhes o olhar intensamente.
--Tava mexendo no
panelão preparando a cumida pro Raimundo, quando senti uma pancadinha nas
costas...Uai...pensei comigo - O
Raimundo num é dado a carícia...Oiei e quaxi cai de xusto! Lá tava um brutão de
índio cum o cabelo vermeio de fogo, oiando pra eu! Logo adispois foram entrando
mais bugre, oiando e falando. Logo começaram carregando tudo. Eu tava zonza e
gritei pelo Raimundo ”me acuda marido que bugrada tá me matando!”.
--Tava não sinhá
Romana- intervém um dos ouvintes.
--Quaxe! Tava lá tava
no papo de xavante!
--Xavante num qué
muié veia...
--Gracidinho... Deixa
cunta aqui ao capitão ou num deixa?
--Deixamos.
--Pois... Adispois de
carrega tudo, o tar de índio de cabelo de fogo agarra meu panelão “Não sinhô”
fui logo gritando “Deixa meu panelão seu bandido”. Garrei na alça e puxei do
meu lado. Ele agarrou e puxou. Intô meti os dentes na mão do bruto.
--Cade dente siá
Romana – interrompe outro.
--Dente? Cá tão os
dois, que valem pur trinta! Ferrei o dente n mão do pelado. Ele me deu um
safanão e arrancou o panelão. Levantei e vuei em riba dele! “Larga a panela seu
marvado! Peste do inferno, larga meu panelão qui num tenho outro! Cumu vou fazé
comida pru Raimundo? Larga? Mas o home num largou e vieram outros e mais outros
e levaram o panelão! Dispois me mostraram a estrada e falaram “motô... motô”.
vaisimbora...vaisimbora! e eu fuisimbora
--Mercê perdeu o
panelão, mas sarvou as virtudes “siá’ Romana”!
Uma gargalhada
explode. A mulher arfa de indignação. Olha para os presentes e cospe com raiva.
--Ocêis sum pió que
xavante!
Cessa i riso e a
Romana aproveita para embarafustar rumo a cozinha onde mulheres apinham-se
junto ao fogão. Agora é o Aniceto quem fala:
--To aleijado da mão
esquerda, cumu vosmicê tá veno... Tou cum oito fiio e a muié pejada. Axim mesmo
tava trabaiando na roça que é linda. Vieram os xavantes. Me carregaram tudo de
marvadez. Inté a roupa do corpo de nois tudo. Ficamo pelado cumo quando
nascemo! Ficamos tudo com a vergonha de fora! Dispois carregaram com o fiio
mais veio e eu falei comigo: ”Lá vai o
meu filho! Minha Nossa Senhora me acuda!”.
Metemo o pé na estrada e aqui o Severiano arranjou roupa pra nois.
--E o filho?
--Vortou graças a
Deus. Lá tá ele e pode fala!
Olho em direção a um
rapagão espigado e forte. Sorri e desnuda linda dentadura.
--Passou um mau
bocado então?
--Ora sí passei. Os
xavantes me levaram prás bandas de lá, maginei que tava frito!
Andei muito e dispois
me fizeram sentá. Um deles arrancou as
pestanas e a sobrancelha. Doe muito, mas aguentei firme! Num vo sorta nem um
pio, falei comigo! Os xavantes gostaram.
Falaram muito e dispois me mostraram o caminho de vorta e disseram:
“motô...motô” e eu...meti o moto na estrada.
Lá então esses homens
que vivem a vida minuto a minuto, na luta eterna contra todos os elementos
adversos, abanando as mãos em férias, pela perda das ferramentas. Com as quais
fecundavam a terra que lhes davam o sustento.
--I agora mercê é
capais de dizé o que vamos fazé sem os ferros?
--Assim de momento
nada posso dizer. Pretendo, porem,
apelar as altas autoridades. De mais a mais enviarei despachos ao Serviço de
Proteção aos Índios para que sejam tomadas as necessárias providencias.
--Confiamos no senhor
– disse-me Severiano.
Com isso atirou a
pesada carga de uma incumbência jamais sonhada, sobre as minhas costas.
(AURELI/GUNTHER-1948)
****
Saímos juntos daquela
parafernália de problemas, e agora o que fazer? Eu ia monologando quando Willy
se voltando me disse:
--Leve os barcos para
acamparem no Porto da Manga e peça ao Darcy para vir até mim.
A primeira etapa fora bastante dura e complicada, mas
certamente nosso comandante acharia uma solução plausível, agora era ter
paciência e aguardar os acontecimentos.
Já
estávamos na cidade há quatro dias e o comandante Willy já havia nos
apresentado a quase todos os moradores, passei a conhecê-los, na primeira casa
o Zé Martins, depois seu irmão Leócadio, Lupercio, Maria Dias, Severiano Souza
Neves que era o chefe fundador da vila, seu genro Ateneu, Sindô, Bento de Abreu
Luz, Tertuliano, Piaçaba, João Vermelho, João da Luz, Anicetro Oliveira,
Juvenal, Pedro Brito, Raimundo, Zé Rocha, Zé Ferreira, Anselmo Alves,
Tertuliano e muitos outros eram mais ou menos treze casas a beira rio e umas
seis casas na beira da lagoa. Onde residiam o Zé Lagoa, José Martins, Amâncio
de Melo e outros.
Resolveu o comandante nos dar
uma folga, por equipe de 10 dias cada, e aproveitei para ser o primeiro e me
engajar na aventura daquele barco que mais parecia uma arca de Noé. O Chefe
autorizou desde que no dia marcado eu me apresentasse, ou seja, 02 de julho.
Quando o motor funcionava a cidade toda parecia tremer tal um
terremoto... Tuuuummm. Compassivamente, mas continuadamente, fiquei apaixonado
pelo barco eu teria que fazer uma viagem nele, e para isto fui me entrosando
com o Tônico.
Já estávamos na cidade há
quatro dias e o comandante Willy já havia nos apresentado a quase todos os
moradores, e passei a conhecê-los, na primeira casa o Zé Martins, depois seu
irmão Leó, depois o Lupercio, Maria Dias, Severiano Souza Neves que era o chefe
fundador da vila, seu genro Ateneu, Sindô, Bento de Abreu Luz, Tertuliano, João
Irineu, Piassaba, João Vermelho, Pedro Brito, Zé da Rocha, João da Luz,
Anicetro, Juvenal, Raimundo, Zé
Ferreira, Anselmo Alves, Amâncio de Melo, Zé Lagoa e seus filhos e
muitos outros eram mais ou menos treze casas a beira rio e umas seis casas na
beira da lagoa.
 |
Tempestade se aproximando de São Felix |
Bandeira de Piratininga...
E os índios Xavantes.
Enquanto isto, em São Felix do
Araguaia, o Comandante Willy Aurelli e os membros da Bandeira se preparavam
para realizarem a missão a que vieram...
Programava-se uma viagem pelos
sertões para entrar em contato com os arredios índios Xavantes, era esta a
verdadeira missão da Bandeira Piratininga.
Os sertanejos, Severiano, Ateneu Luz, Amâncio de Melo e José Lagoa, se incumbiram de arrumar os animais
para a viagem e também o interprete.
Eles mesmos seriam os guias. No
dia seguinte, á tardinha, os animais dormiram fechados em um piquete.
Reunimos no acampamento para
traçarmos o roteiro de nossa viajem, era ainda cedo da tarde, mas estávamos
todos apreensivos.
--Partiremos
amanhã, o mais cedo possível, todos devem levar estritamente o necessário, não
esqueçam os cantis, vinte tiros para cada um, e a tralha de acampamento nas
cargas das duas mulas, corneteiro toque alvorada às cinco horas. O Dankmar será
o coordenador, procurem com ele os seus apetrechos. Plantões na escala. Boa
noite.
Tínhamos um corneteiro, e por
incrível que seja ele tinha uma corneta velha e barulhenta e como tocava mal,
mas o caso dele não era ser um artista, fazia barulho porque gostava.
Parece que nem cheguei a
dormir logo a dita corneta estava no ar, nos reunimos todos e de cabresto na
mão e fomos para o pequeno pasto pegar os animais. Foi uma confusão dos diabos,
ninguém conseguia pegar ninguém, Severiano teve que intervir senão a revolução
começaria ali mesmo. Trouxeram-me um cavalo castanho, bem descarnado e manso.
--Este
cavalo tem um andar muito bom é marchador.
--Obrigado
João Irineu.
--Vamos
arriá-lo.
Levei o animal até onde estavam
os arreios, escolhi um bom que tinha suador (tipo de almofada entre o arreio e
o lombo do animal) e a curva do arreio era alta e não iria ferir o lombo
do cavalo, arranjei um peitoral e um
pelego de lã de carneiro surrado mas macio, amarrei minha tralha na garupa bem forrada e depois
fui ajudar os outros.
Já
eram quase oito horas da manhã quando estávamos prontos pa ra partir. O Willy a
frente, a guisa de um herói tirado dos filmes
americanos levantando a mão Gritou:
Todos em fila indiana, Em
Frente...
Até
que eu gostei, mas fiquei lá pelos últimos lugares, éramos uns 22 cavaleiros. A
partida até que foi bonita teve corneta e aplausos dos ribeirinhos. Saímos em
fila indiana, na frente iam o Severiano e o Chefe, emparelhados e logo atrás o
interprete, e o resto do pessoal, éramos 22 pessoas ao todo. Eu fiquei quase no
fundo da fila, era melhor para se observar os acontecimentos, junto comigo
estava o Ateneu, João Irineu, o húngaro Harpad que se juntara a nos, o
Manoelzinho filho do Zé Lagoa e o João
Irineu vinha por último tocando as duas mulas com as cargas.
Criado no sertão de São Paulo
em cidade pequena e fazendas eu tinha bom costume de andar a cavalo, mas as
maiorias dos meus companheiros ainda não estavam acostumados e, poucas horas
depois eu já os via atravessados em cima de suas celas poupando os fundilhos.
Ao meio dia paramos para comer. Foi um alivio, afrouxamos as selas e fomos dar
de beber aos animais, estávamos bem na beira do rio Xavantinho, comemos alguma
coisa a sombra das arvores, enchemos os cantis e prosseguimos a nossa
cavalgada. Foi mais dois dias ziguezagueando pelo sertão, sempre com a mata do
rio a vista. Eram umas duas horas da tarde quando um dos guias mandou parar e
foram observar as touceiras de piaçabas que estavam com as folhas cortadas e
havia muitos rastros pelo chão.
--Estamos
perto da aldeia olhem onde tiraram as palhas para cobrir as casas os rastros
estão frescos no chão, daqui para diante vamos calados e a pé puxando nossos
animais.
--Tudo
bem, agora vamos todos apear dos animais, fiquem calados e siga-me, ninguém
faça coisa alguma sem minha ordem – comandou Willy.
Bem a nossa frente ainda junto
ao rio Xavantinho, dentro de uma clareira limpa do cerrado, estava à aldeia
Xavante. Eram umas trinta casas feitas de varas e cobertas de palha. Até então
não haviam notado nossa aproximação. No interior da aldeia só estavam às
mulheres, meninos e os velhos, uns quatro cachorros muito magros e umas araras
gritalhonas. O interprete mais dois homens junto com Willy entraram na aldeia e
os tentavam acalmá-los falando em Xavante, pouco adiantou, foi uma corredeira
maluca, mulheres arrastavam as crianças pelos braços gritando as velhas e os
velhos gesticulavam, mas corriam, e, em pouco tempo estávamos sozinhos dentro
da aldeia. Os guerreiros estavam fora, mas não por muito tempo, em menos de
meia hora estávamos praticamente cercados dentro do limpo da aldeia. Os
guerreiros começaram a chegar todos pintados de vermelho e arco e flechas
outros com borduna na mão e batiam o pé ameaçando nos atacar, nos estávamos
preparados com um monte de fuzis velhos e descalibrados para resistir se fosse
preciso, bem?, eu acho que estávamos, bastava atirar em qualquer rumo
certamente acertaríamos em alguma coisa em que não fôssemos em nós mesmos. Mas o interprete e Willy desatando as bruacas
das mulas tirou lá de dentro, panelas luminosas, facões, machados, rapaduras, enfim um monte de coisa e colocaram no chão ao
alcance dos índios e se afastaram o interprete explicou para o chefe deles
que estávamos ali em missão de paz e que éramos amigos e havíamos trazido
presentes para dar e trocar. Logo foram se aproximando dos presentes no chão,
os pegavam e os examinavam e pediam mais. O nosso interprete se aproximará e
junto com Willy e Severiano, já começavam a se entender. Pouco depois estávamos
todos descontraídos e trocávamos canivetes por flechas, ou outros enfeites que
começaram a aparecer e os índios davam a impressão que estavam entendendo tudo
e em pouco tempo já queriam até nossas roupas, mas não os deixamos tocar em
nossas armas, ficamos lá dentro por mais de uma hora quando a corneta tocou nos
assombramos e os índios também e Willy gritou para o corneteiro.
--Tocar
retirada imbecil - Pare com isto.
--O
Senhor mandou tocar retirada? (o corneteiro havia dado o toque de atacar que
ninguém conhecia tanto fazia tocar qualquer coisa o que queríamos era sair
dali)
--Mas
agora já chega todos montados e em retirada, saiam em filas duplas e se ajuntem
lá fora no varjão.
Com esta confusão nos retiramos
e os índios nos acompanharam um bom pedaço, nossa viajem havia deixado um saldo
positivo, o contato fora pacifico e os índios prometeram ir ao nosso
acampamento e realmente foram.
Após cinco dias e meio, ao
todo, de viagem chegávamos de volta a São Félix do Araguaia, parecíamos
remanescentes de uma guerra civil, todos mutilados mais por baixo do que por
cima, mas valeu à pena. Poucos dias
depois aproximadamente setenta índios
vieram passaram cinco dias em perfeita harmonia entre os bandeirantes e os
moradores de São Felix do Araguaia.
Doze dias após o retorno da
missão, os índios visitantes já tinham retornado a sua aldeia o que a Bandeira
se propusera a fazer estava realizado e consolidado, ato seguinte seria
retornar para São Paulo, O que foi feito e a Bandeira se despediu dos sertões,
pois havia sido a sua ultima e saudosa expedição.
 |
Willy Aureli - Comandante da Expedição |
EU
FIQUEI...
Voltaram quase todos uns tristes
e outros alegres, eu mesmo estava morrendo de saudades daquela morena trigueira
lá da barreira de São Pedro na Ilha do Bananal motivo pelo qual eu não voltei,
pois havia plantado meu coração naquelas paragens, Barreira de São Pedro, pois
aquela morena estava lá e ela havia mexido comigo. Passei o resto do ano
viajando entre Mato Verde e Barreira de São Pedro e finalmente resolvi dar um pulo em São Paulo encontrar
com meu irmão Rolf e minha mana Aracy, levei uns cinco chifres de Veado Cervo,
umas peles de onças e Jaguatirica e óleo
da banha de tartaruga e óleo de jacaré ( cada jacaré grande.de 4.30 mts em
diante da 20 litros de óleo usado para renovar a pele, a restaurando a pele livrando-a e outros) para vender e fui
bem sucedido
Foi um período cheio de
dificuldades, mas muito emocionante depois de passar uns dias com meus irmãos
já estava pronto para voltar ao sertão e seria para ficar por lá, levava vários
presentes para minha “noiva e seus parentes” e lá se fui eu rumo a Mato Grosso
e ainda com uns bons troquinhos no bolso..
Meu irmão Rolf só poderia vir
comigo no final do ano, assim voltei sozinho e até a cidade de Goiás não foi
muito difícil, mas daí para frente estava quase impossível prosseguir viagem,
pois era mês de fevereiro de 1949 e era um período com muita chuva.
Hospedei-mo Hotel Carrascosa
que era o prédio de um antigo presídio agora transformado em hotel.
A estrada para Leopoldina
estava totalmente alagada e, veiculo algum passaria pelo trecho conhecido como
“os currais”.
O único jeito de chegar a
Leopoldina seria ir a pé, afinal eram apenas oitenta quilômetros de lama e água
e um rio para atravessar, ainda bem que tinha uma ponte conhecida como “ponte
do Ferreira”.
Foram três dias e duas noites
de uma longa, calma e solitária caminhada, na saída peguei uma carona até a
vila de Itapirapuã, depois foi no pé e numa morada perto da ponte do
Ferreirinha, ofereceram-me uma farta janta e canto para repousar. Passei pelas
águas de São João onde brotava uma água quente que cheirava a enxofre e tornava
o chão muito liso e escorregadio mesmo assim tomei um salutar banho. Cheguei a
Leopoldina ao escurecer do terceiro dia, estava cansado e com fome. Hospedei-me
na pensão da dona Chiquinha, uma mulher muito gentil e bonita, jantei bem e
dormi melhor.
No outro dia fui até a
barranca do rio e encostei-me ao velho e saudoso pé de Tamboril.
O porto estava cheio de barcos, desci e fui
perambular entre eles foi quando um senhor bem forte e moreno que ajeitava a
carga em um pequeno barco me perguntou:
--Procurando alguma coisa?
--Sim, um jeito de descer o rio.
--Até aonde?
--São Felix ou Luciara.
--Eu vou para lá, você sabe funcionar o motor?
--Acho que sim
--Se quiser ir conosco terá ir tomando conta do motor de popa e
não se incomode com a pilotagem, afinal o rio está cheio e vamos levando um
índio Carajás que te mostrará o caminho.
--Eu topo, quando saímos: perguntei.
--Depois do almoço,
O nome dele era Raimundo
Ferreira o Raimundão nortista de Pernambuco e comerciante ambulante,
aproveitei a manhã para conhecer o motor de popa que era um motor de quatro
tempos marca Archimedes de doze cavalos com dois pistões laterais e uma hélice
para 50 % peso e 50% velocidade, logo aprendi a lidar com a máquina afinal
tinha nascido e me criado dentro de uma oficina mecânica e motores para mim não
eram surpresa. Fiquei conhecendo uma quarta pessoa que também ia naquela viagem
seu nome era um jovem chamado Mariano, nos éramos, ao todo, o dono do barco, o
Carajá de nome Kutiri eu e o Mariano, como o barco deveria parar em todo
vilarejo ou porto a viagem iria demorar alguns dias, talvez oito.
Às duas horas da tarde, todos
embarcados, o barco bem carregado, o Carajá empurrou
a proa para fora e deu
sinal e eu funcionei o motor virando aproa rio abaixo observando o índio que
mostrava sempre o rumo a seguir para evitar os lugares perigosos, logo aprendi
o que era o canal mais fundo, passamos pelo travessão de pedra, seis léguas
abaixo por uma fazenda beira rio chamada Dumbasinho, depois passamos pelo
quilombo do Travessão Riuna e já escurecendo aportamos em uma praia em frente à
vila de Cocalinho que ficava a margem do rio do lado de Mato Grosso. Amarramos
o barco em duas zinga de madeiras, ascendemos uma fogueira, passamos um café e
assamos uns peixes que o Mariano e o índio pescaram. Dormimos bem e de manhã
acostamos ao porto da Vila e o patrão foi vender mercadorias. Ele já tinha uns
fregueses cuja família era muito conhecida como “Dico Naiva ou Naves”
Assassinato cruel.
Naquela manhã um fato inédito e
terrível havia acontecido naquele lugarejo, certo individuo chamado Beneditão
matou um homem com cinco tiros e sentou-se em cima do cadáver com uma faca
peixeira na mão e continuou furando o corpo da vitima quando ele se mexia e
assim ficou por varias horas e o sol /já estava quente.
Fiquei sabendo que finalmente o
assassino cansou-se de ficar sentado em cima da vitima, levantou-se e foi
encher a cara de pinga e que fora detido quando um único soldado militar
daquela vila que assistia impassível o andamento do crime se aproximou e o
algemou levando-o preso para uma pequena cela.
Fiquei conhecendo a família
Naves que tinha um grande comercio de mercadorias em geral e o pessoal do
Benedito Sardinha e ainda a Professora dona Tonica.
O que
sempre me causava certa estranheza era ver o meu então patrão que de vez
enquanto se mostrava violento.
Na parte da tarde prosseguimos
viagem passando pela casa do Alfredo Alemão, depois avistamos São José dos
Bandeirantes que também ficava do lado de Goiás, era uma boa vila onde passamos
a noite e o dia seguinte até ao meio dia.
Seguimos viagem até a Vila Luiz Alves onde fiquei conhecendo um simples cidadão que se chamava Major,
gente muito boa e educada, já era o terceiro dia quando avistamos o braço do
rio Araguaia o rio Javaé em cuja forquilha começava a Ilha do Bananal. Dormimos
em uma praia junto à volta grande, no quarto dia pela manhã chegaríamos a
Barreira de São Pedro.
 |
Bifurcação do rio Araguaia e Javaé - Ilha do Bananal |
Durante a viagem eu vinha conversando com
Mariano:
--Você vai ficar no São Pedro?
--Sim vou morar e trabalhar lá, por quê?
--Bem, é só você não se engraçar por uma morena que mora lá.
--Quem é ela?
--Maria, seu nome é
Maria.
--É, vamos ver o que acontece.
Logo depois da pequena curva
avistamos a Barreira de São Pedro, manobramos e aportamos no único porto
existente.
Quando desembarcamos e subimos
o barranco; do rio, as moças, todas elas, abriram os braços e vieram correndo a
nos encontrar gritando:
--Ele chegou...Ele chegou - vieram correndo no meu rumo e eu
fiquei extasiado e me preparei para recebê-las, mas passaram direto por mim e
foram abraçar o Mariano, foi ai que percebi tudo, o meu companheiro de viagem
era irmão delas. Ainda bem que controlei minha língua durante a viagem.
Passei um dia bem alegre, foi o começo de uma grande amizade com aquela família, que dura até hoje,
Dormimos naquela fazenda que era
de Ubaldino Rios um fazendeiro que morava na cidade de Goiás Velho, o Aleixo
era o vaqueiro e gerente que cuidava de aproximadamente quinhentas cabeças de
gado bovino, a maioria da raça Nelore e tinha de entremeios muitas
“Curraleiras” que eram vacas originadas da raça Holandesa e já adaptadas ao
nosso clima eram muito boas de leite e de uma excelente carne, e gostavam de
dormir dentro do curral, daí a origem do nome curraleiras, mas eram muito
mansas, mas teimosas e ardilosas como todo estrangeiro.
Prometi voltar em breve e
voltei mesmo, assim que chegamos a São Felix do Araguaia, pela segunda vez, fui
bem recebido, já tinha muitos amigos exclusive o Severiano Neves e toda sua
família.
Em menos de um mês eu já tinha
arrumado um motor Penta de 4 HP e uma canoa grande que podia carregar até dois
mil quilos. O motor era lento, mas econômico e era apropriado para peso.
Comecei a arranjar uns poucos fretes e corridas entre São Felix e Luciara ou
Santa Isabel na Ilha do Bananal.
Voltei por muitas vezes durante
os quatro anos que se seguiram para aquela fazenda e a amizade se transformou
em compromisso, pedi a mão da moça em casamento. Restava aguardar o dia o qual
seria feito pelo Senhor Aleixo pai da moça.
“O Limpo Grande”.
Limpo
grande é uma grande campina que fica ao oeste de São Felix do Araguaia e se
estende até as margens do rio Xavantinho, durante o verão o capim brota verde e
se torna uma área preferida pelo gado e por animais, e ali se encontrava uma
“tropa” de Severiano Neves, eram cerca de dez éguas, quatro crias, dois cavalos
e um burro dezessete animais ao todo.
Severiano
me pediu que eu fosse até o limpo grande e trazer a tropa dele para mudar de
pasto, pois tinha noticias que os índios Xavantes e os Beiços e Pau,
isoladamente e as escondidas, andavam pela região e poderiam flechar seus
animais como vinham fazendo com outros, não sem ante me alertar do perigo.
--Os
animais estão por perto se você for buscá-los saia ao amanhecer do dia e estará
de volta cedo da tarde, mas cuidado se ver rastros dos índios ou fogo nos
varjões, volte mesmo sem os animais.
--Fique
tranqüilo, eu já conheço bem a região, e não vou me arriscar.
Quando
o dia amanheceu eu já estava a caminho o meu cavalo tinha o nome de
“pensamento” por que era muito ligeiro e arisco e na cinta o meu revolver
calibre 38 de seis tiros marca “TA Smith Wesson” de mira especial, o único
defeito dele era ser cromado e brilhava muito, eu sempre gostei de armas
escuras ou pretas. Horas depois eu estava já chegando a meu destino e pude ver
ao longe uma leve fumaça de queimada e isto alertou meus sentidos, resolvi me
apressar, pois os índios não estavam tão longe assim. Galopando sai a procurar
a tropa e a avistei bem longe no limpo do varjão e no rumo da fumaça. Quando me
aproximei, depois de rodeá-los, fiquei sem destino a tomar, pois a fumaça
crescia em circulo e nos estávamos no meio do fogaréu. Eu sabia que não podia
sair pelo funil, isto é, os índios botam fogo em circulo deixando um funil de
escape, assim todas as caças pressionadas pelo fogo tendem a querer escapar
pelo funil que é a única saída sem fogo, mas é lá que os índios estão de tocaia
aguardando para flechar os fugitivos ou sobreviventes, eles usam arcos grandes
e flechas compridas próprias para uso em área limpas e cerrados, pois são
obrigados a disparar em longas distâncias e não seria por ali que eu iria
passar, tomei a resolução de enfrentar o circulo de fogo, tentaria achar um
local onde o capim fosse mais baixo e o fogo menor. Assim fustiguei a tropa
rumo ao retorno para casa e as incentivei a galoparem, eu teria que aproveitar
esta corrida enquanto os poldros ainda não estivessem cansados. Logo chegamos à
orla de fogo, por sorte achamos uma passagem onde as chamas eram mais baixas,
mas os animais cavalares têm mais medo de fogo do que o gado eu gritava e os
imprensava contra o muro ardente, nesta agonia o meu cavalo deu um pequeno
salto e passou para o outro lado, e correu como se as estivesse abandonando e
deu certo, pois animais o imitando também vazaram a cortina de fogo e passaram
para o outro lado, mas uma das éguas, segura pelo medo do seu potrinho não quis
passar e eu tive que enfiar o cavalo de volta e quase empurrar a égua para cima
das chamas que começavam a crescer por acharem pasto mais alto por sorte nesta
empurra daqui e dali o filhote criou coragem e atravessou mesmo devagar, mas
não se queimou muito apenas chamuscou o cabelo da barriga e a mãe sem duvida
alguma deu um salto e se postou lá fora agora só restava eu, mas não tive dificuldade
o "pensamento" deu um salto que quase me tirou da sela e partimos a
galope rumo a nossa casa. Os animais melhor dos que os homens, conhecem o
caminho de volta.
Coloquei
os animais num pasto fechado e fui a pé dar contas da minha odisseia. Nunca
mais me esqueci deste episódio, afinal era um sertão bravio.
*
Anos de 1953.
A
família Gunther.
Foi o primeiro casamento
civil realizado em São Felix do Araguaia. MT
Aos 14 de março de 1953, me casei com a jovem Maria
Paciente da Silva foi o “primeiro” ato
oficial de um casamento civil registrado no cartório do Registro Civil tendo
sido escrivão Guilherme Pereira Luz que lavrou registro no livro numero 01 ás
folhas 08 tudo de seu próprio punho numa caligrafia invejável. A maioria dos
moradores se fez presente e todos assinaram como testemunha no livro. Lembro-me
de: Cesária, Edilia, Nega, Aracy, Severiano, Zé Martins, Sindô, Ateneu, Bento,
Maria Dias, Lupercio, Leocádio, Tertuliano e Zé Lagoa e vários outros. A 23 de dezembro de 1953 nasceu na Fazenda
São Pedro na ilha do Bananal o nosso primeiro filho Aleixo; A 21 de abril de 1955 nasceu a
primeira filha mulher de nome Ruth
em Luciara; A 06 de agosto de 1957 nasceu meu filho Paulo em Luciara; A 20 de julho de 1958 nasceu minha filha Miriam em São Felix do Araguaia; a 27
de setembro de 1959 nasceu em Luciara a minha filha Enilda; A 06 de novembro de 1961 nasceu em Brasília o meu filho Daniel; meu sétimo filho Joel nasceu
a 22 de fevereiro de 1965 e Maria Aracy
nasceu a 23 de julho de 1968................
 |
Família Gunther |
§
.Tempos de aventuras...
Naquela manhã de 1954, abordo do barco “Brigadeiro Aboin” ia três
homens, Leonardo Vilas Boas, Enzo Francisco Pisano e Dankmar.
O rio Araguaia estava muito
seco, era por ai, mês de setembro, e, aquele barco de calado fundo começava a
raspar seu casco na areia. No leme do barco eu fazia de tudo para não encalhar,
bem a minha frente um enorme banco de areia anunciava cuidados, bati na
campainha pedindo para reduzir a marcha do motor, mas os gritos de um e outro,
não deixavam se ouvir nada, nem escutaram a campainha bater nem viam o enorme
banco de areia se aproximando. Os dois companheiros discutiam calorosamente, Enzo
descendente de italianos, tanto gesticulava como gritava, Leonardo já rouco e
muito enfezado parecia estar em outras terras, mas eu não me incomodava com
isso, já estava bem acostumado isto se repetia quase todos os dias, os dois
eram
grandes amigos, comentam por ai
que foram eles que fundaram a Fundação Brasil Central. (FBC).
--Discutiam sobre qualquer coisa,
tinha que haver motivação para beberem uma caipirinha feita da boa Ypióca, e
desta feita era sobre suas atuações quando da abertura da estrada rumo Roncador
- Xingu eles estavam na altura de Vale dos Sonhos ao passarem por uma vala,
Enzo ia à frente abrindo a picada e Leonardo mais atrás rematando o serviço foi
quando Leonardo com um golpe cortou uma grande volta de um cipó que balançou,
atravessou a grota, e foi pegar bem na nuca do italiano que caiu estatelado e
sem fôlego.
--Você aquela vez quase me mata.
--Você é muito mole italiano burro. Retrucou Leonardo
depois de uma bebericada.
--Estou te falando para largar mão desta idéia de
comprar terras, isto aqui vai virar um tumultuou só com tanto picareta se
dizendo dono de terras - inflamava Enzo.
--Mas se nós comprarmos não tem
picareta bom para tomar, precisamos garantir nosso futuro e não vai ser com
este barco e o emprego da FBC, que vamos conseguir sobreviver.
--Você vai arranjar é uma terra com sete palmos de
fundura.
--Não seja idiota italiano burro.
--Burro é a tua avó. - E dizendo isto Enzo pulou para
dentro do rio.
Para sorte dele estávamos junto do banco de areia e estava raso.
--Entre logo cretino.
--Não entro, podem ir embora e me larguem aqui.
Diminui o motor e fiquei segurando o barco bem
encostado nele.
--Deixe-o aqui, e vamos embora.
--Esta ficando doido Enzo? Vamos
entre logo se não vamos encalhar e ai sim é que vamos passar um bocado de dia
preso na areia e fazendo muita força.
--Só entro se ele me pedir desculpa.
--Está bem italiano você ganhou, desculpe e entre
logo – disse Leonardo estendendo a mão para o companheiro.
Mas o barco havia se afastado um pouco e Enzo
teve que caminhar uns cinco metros para poder entrar, nisto um grito violento
do italiano nos pôs em polvorosa. Leonardo ia pular na água, mas Enzo o
impediu.
--Não entre, espere – Enzo estava
branco feito um papel.
--O que foi?
--Pisei numa concha (galho) de
espinhos - dizendo isto se encostou ao barco vimos que ele estava para
desmaiar, nos o puxamos para dentro enquanto o barco descia desgovernado nas
águas, o colocamos em cima da mesa do centro e quando vi o pé direito do mesmo
todo cravado de espinhos de tucum, alguns deles estavam apontando pelo lado de
cima no pé junto aos dedos, Leonardo deu um bom gole de Ypioca para o enfermo e
pegando um alicate jogou pinga nos lugares mais expostos e começou a arrancar
espinhos com a ponta do alicate, no começo cada espinho arrancado era um berro
depois foi se acostumando, acredito que o pé ficou dormente, já no piloto
apontei o barco para uma praia alta e encalhei só a proa. O barco se prendeu
e fui ajudar na extração dos espinhos que ficou mais dolorosa quando os que
estavam de fora se acabaram começamos a esgravatar a pele procurando outros.
Tiramos aproximadamente uns setenta espinhos grandes. Ele havia pisado em cima
de uma palha de Tucum que estavam no fundo do rio, só não fez mais estragos
porque deve Ter pisado na ponta aonde os espinhos são mais curtos, os do meio
chegam a ter cinco a oito centímetros de comprimento. Começamos a viajar e
pouco depois estávamos chegando á barreira do Pacifico que fica um pouco abaixo
do Furo das Pedras. O italiano estava dormindo em uma rede e totalmente bêbado.
--Vamos parar no Pacifico por uns
instantes – pediu Leonardo.
--Já vamos encostar, vá lá para a
proa. - pelo comando abaixei a aceleração do Caterpillar e o coloquei em ponto
morto, tínhamos impulso suficiente para encostarmos-me ao porto.
--Está amarrado, vamos descer um
pouco.
Subimos a ladeira do porto
até onde estava a pequena casa do velho Pacifico e sua mulher, ele nos recebeu.
--Leonardo, Dankmar venham entrem a
mulher esta doente e acamada.
--Vamos lá ver o
que ela tem - disse Leonardo e eu comecei a ficar com medo, será que ele vai
querer receitar a doente?
--Como vai a senhora dona.
--Vou mal seu Leonardo, estou com
dor no corpo todo, acho que é reumatismo.
--O que a senhora esta tomando?
--Me ensinaram que raspasse a
caninana e pusesse na pinga que era muito bom, eu fiz, mas parece que piorei.
--Mas é lógico, pinga só pura nada
de mistura, mas eu vou lhe dar umas pílulas que tenho lá no barco tome uma de
manhã outra ao meio dia e outra à noite durante uma semana e estará curada.
--Obrigado seu Leonardo, mas será
que é só reumatismo?
--Você esta com a “arca caída”
mande benzer, e não pegue em coisas pesadas.
Depois de medicar a velha nos despedimos
e eu fui com Leonardo para a casa dele em Furo de Pedra depois iríamos para
Mato Verde, mas quando estávamos contornando a praia da curva grande, abaixo da
vila, passamos pelo barco Frei Chico que ia lavando o passeio de tão carregado.
Eu invejava Leonardo em
quase tudo, era dinâmico, trabalhador, muito inteligente afável e bom amigo, só
não o invejava em uma coisa, na mulher que tinha. Sua esposa, ou melhor, sua
mulher podia estar rindo a vontade, lá do porto quando chegávamos escutávamos
suas risadas, mas quando Leonardo entrava em casa era outra coisa a mulher
brigava demais, era muito nervosa, mas os filhos que ele tinha com ela que eram
a Marisa, Marina e Álvaro, prendiam o velho amigo.
A
minha esposa também se chamava Maria, Maria Paciente, filha de sertanejo, eu a
conheci na barreira de São Pedro na ilha do Bananal, talvez um pouco impetuosa,
e de idade nova. Dias felizes, ao menos para mim se passaram. Enzo ficava mais
no barco do que na casa em breve viajaríamos rumo a São Félix do Araguaia e ali
cada um tomaria seu destino, eu deveria subir o rio das Mortes até Xavantina
para ir buscar, de barco, um caminhão, Leonardo pretendia ir também, pois
estávamos os três a serviço da Fundação Brasil Central. Enzo ainda ficaria na sede
da FBC em Santa Isabel do Morro.
Era o paraíso no planeta terra...
Anos de 1955...1957..
Segunda
viajem...
Era o mês de maio, naquela manhã
de sol em que um leve vento de verão açoitava o meu rosto eu estava
atravessando o rio Araguaia em uma pequena canoa, saíra de Mato Verde, na
divisa de Mato Grosso, buscando uma pequena enseada. No porto no outro lado do
rio na ilha do Bananal, onde havia deixado um animal, melhor dizendo uma burra
que ali ficara a minha espera para seguir viagem onde meus companheiros Mariano
Paciente e Rafael me esperavam ás margens do Lago do Mamão, no interior da
ilha, eu deveria levar suprimentos para nossa estadia de caçada s. E isto eu ia
levando.
Durante a travessia fiquei a pensar como
aquilo tudo começara...
“Foi ali naquela casinha junto ao porto da
cidade de Mato Verde morava a minha sogra Joaninha Paciente, hoje falecida”. O
café que tomávamos com bolo "Mané pelado“ vinha a calhar .enquanto eu
conversava com seu filho e meu cunhado Mariano Paciente as ideias foram
surgindo...
--Nos devíamos só caçar jacaré, em
vez de pensar em matar onça. Foi uma temporada especial, matamos 46 jacarés de
primeira e retornamos a Luciara
No
ano seguinte resolvi começar as caçadas mais cedo.
decidi explorar os lagos: Das Três Bocas
que ficava junto do Riozinho com o rio Imoty e o rio Jaburu, Lago do Coqueiro
Solitário que era no varjão e afastado das Três Bocas e o Lago dos 47 afastados
do Riozinho em três mil metros.
No dia seguinte, ajeitamos as
coisas dentro das canoas e seguimos viagem rio acima rumo às três bocas na
canoa grande, Rafael ia ao piloto e eu ia á frente usando a zinga ou o remo
levando dois cachorros e parte maior da tralha, na outra canoa pequena ia o
Paulista, mais dois cachorros e alguma tralha, sentados no piloto remavam e
alternavam com a zinga nos lugares mais rasos, íamos ganhando espaço.
 |
Arpão usado na caça a jacarés e pirarucus |
Já havíamos passado da
cachoeirinha e não vimos os índios, deviam estar fora caçando, e enfrentamos um
longo trecho raso, tivemos que descer das canoas e empurrá-las, num certo
momento senti qualquer coisa me roçando o calcanhar de meu pé dentro da água
rasa, eram umas dez piranhas vermelhas ou “chipitas” ainda pequenas que nadando
quase de lado pela falta de água tentavam morder meu pé, me virei e com a vara
da zinga as espantei com varias pancadas fortes e elas que fugiram, prossegui
viagem arrastando a canoa por mais uns cem metros logo a água foi ficando mais
funda e eu entrei na canoa e fui para a proa impulsionar com a zinga. Havíamos
andado quase uns trezentos metros quando eu vi uma cobra Sucuri emparelhada com
a canoa nadando no mesmo sentido, a vara do arpão que esta sempre encastoada e
pronta estava bem à mão e apanhando-a joguei contra a cobra, mas o arpão não
entrava, tentei umas poucas vezes, mas não adiantava e teimosamente a cobra
acompanhava a canoa naquela água transparente, algumas vezes ela punha a cabeça
para fora da água e ameaçava atacar a canoa, ela estava enraivecida e eu
comecei a me assustar foi ai que me veio à idéia, atirar nela com o rifle 22 e
assim o fiz, agachei e apanhei o rifle o manobrei colocando a bala na agulha e
esperei, quando ela subiu atirei na cabeça, fora um tiro mortal. Paramos a
canoa, pulamos na água que devia ter não mais do que meio metro de fundura e a
arrastamos para a praia. Ela tinha aproximadamente uns quatro a cinco metros,
não era grande, mas estava gorda. Tentamos tirar o couro, mas não foi fácil,
mesmo morta ela se encolhia e não deixava racharmos o bucho com a faca.
Finalmente depois de a estaquearmos na ponta do rabo e no pescoço com as duas
varas enfiadas na areia consegui cortar o couro da barriga e para minha
surpresa contamos exatamente cento e cinquenta filhotes de um palmo de tamanho,
vivos a se contorcerem na areia quente, antes que eu mandasse Paulista depois
que os contou os joga-se dentro da água do rio e eles sumiram todos, era esta a
razão de sua agressão.
Desta feita não visitamos o Lago do Mamão
Chegamos ás quatro horas da
tarde na boca de lago solto e dali um esgoto que leva ao lago dos quarenta e
sete, e nos arranchamos em uma bela praia. Estávamos enfadados, pois já era o
terceiro dia de penúria. Usando o arco e a flecha eu fisguei dois belíssimos
Tucunarés, jantamos bem e dormimos cedo.
Algo me fazia desconfiar,
estava tudo muito quieto para o meu gosto, seria a presença dos cachorros?
Acordamos com o cantar de dois
Jacurutus, se fosse ao lado do Mato Grosso eu iria suspeitar da presença de
índios Xavantes, o sol já havia saído, era por ai seis horas da manhã. Fizemos
café, eu havia levado um vidro com 200 pílulas de adoçante d Era o mês de maio, naquela manhã de sol em que um leve vento de verão açoitava o meu rosto eu estava atravessando o rio Araguaia em uma pequena canoa, saíra de Mato Verde, na divisa de Mato Grosso, buscando uma pequena enseada. No porto no outro lado do rio na ilha do Bananal, onde havia deixado um animal, melhor dizendo uma burra que ali ficara a minha espera para seguir viagem onde meus companheiros Mariano Paciente e Rafael me esperavam ás margens do Lago do Mamão, no interior da ilha, eu deveria levar suprimentos para nossa estadia de caçada s. E isto eu ia levando.
Durante a travessia fiquei a pensar como aquilo tudo começara...
“Foi ali naquela casinha junto ao porto da cidade de Mato Verde morava a minha sogra Joaninha Paciente, hoje falecida”. O café que tomávamos com bolo "Mané pelado“ vinha a calhar .enquanto eu conversava com seu filho e meu cunhado Mariano Paciente as ideias foram surgindo...
--Nos devíamos só caçar jacaré, em vez de pensar em matar onça. Foi uma temporada especial, matamos 46 jacarés de primeira e retornamos a Luciara.
 |
A Casa de Joaninha Paciente junto ao Rio Araguaia em Luciara. |
Nesta segunda viajem Mariano não poderia ir, assim, chamei o “Paulista” Osvaldo Guimarães para companheiro e o Rafael, como sempre para cozinheiro e braçal, só que esta . Rafael comentou que a Viajem iria ser difícil, pois teríamos que seguir até a margem do Riozinho com um ou dois animais de carga e lá arranjaríamos uma canoa para nossa caçada, já sabíamos que o Mundico Sabino nos emprestaria uma canoa, mas era pequena, mas esperávamos arranjar outra canoa maior com os índios Javaés que estavam perambulando pelo interior da ilha. Assim aconteceu.
Preparamos a nossa viagem cautelosamente para não faltar nada, inclusive um bom pedaço de lona plástica, isto porque setembro e outubro já eram meses de chuvas.
Marcamos o dia da saída, seria no mês de junho de... 1956, a única diferença é que eu iria passar o aniversário de minha esposa dia 27 de agosto de 1956 no mato e ainda por cima estava grávida, no dia 06 de agosto de 1957 no mesmo mês, nasceu meu terceiro filho que levou o nome de Paulo, estava com boa saúde, não empataria a nossa viagem afinal à vida era assim mesmo e ela compreendia muito bem.
No dia 22 de agosto atravessamos o rio onde Mundico Sabino enviou um peão de sua fazenda com duas mulas de carga para nos levar até as margens do rio Jaburu. Nos fomos a pé. Neste dia posamos de novo na fazenda do Oleriano na margem do ribeirão 23, madrugamos, pois teríamos que atravessar o ribeirão 24 e a macega estava muito alta o que dificultaria o nosso avanço.
Chegamos no dia 23 antes do anoitecer ás margens do lendário rio, nos arranchamos, no porto uma canoa estava a nossa espera com dois remos dentro. Quatro cachorros nos acompanhavam, o menor se chamava “Batom” era o cachorro de vigiar a casa, ele não quis ficar, tive que levá-lo, o segundo chamava-se “Pretinho”, era um pra nada, o terceiro se chamava “Javali”, era bom caçador e acuador de onça, o quarto era uma cachorra mestiça metida mais a policial e se chamava “Veneza”, muito obediente e valente. Estavam todos cansados e dormiam a solta pelo novo acampamento. Neste dia apenas descansamos
No dia seguinte, o peão voltou com os animais e nos fomos até a “cachoeirinha’ ·onde possivelmente, arranjaríamos uma canoa maior com os índios Javaés”.
A cachoeirinha ficava apenas algumas horas no remo e logo escutamos o barulho das águas, quando fomos aproximando ouvimos também vozes de índios, eram apenas quatro deles, aproximei-me calmamente e encostei a canoa junto das outras.
--Taterianbo (Bom dia).
--Tateri – foi á resposta curta.
--Mombani caí? - (Como se chama?) perguntei ao índio mais velho.
--Raul, nome de tori – respondeu rindo – e continuou -Vocês vem de onde? (num belo e bonito português).
--Nos estamos aqui para mariscar jacaré.
--Hum, nos só mariscar peixe e ariranha.
--Eu queria era alugar uma canoa sua destas maiores, a nossa, aquela ali, é muito pequena e perigosa.
--Tá bom, empresta canoa àquela grande - mostrou a ubá - quando ocê volta deixa canoa na casa de Oleriano.
--Quanto vai custar?
--Nada meu amigo, ocê Dequimá?
--Sim, eu sou Dankmar.
--Todo Javaé conhece ocê e Carajás também, fala bom do amigo.
--Vou precisar de pelo menos um remo.
--Está bem, eu arranja remo, mas ocê demora mais e um dia vão até o “Canoanon” visita nossa aldeia, eu arranja mué bonita para ocê.
--Muito obrigado Raul, mas eu tenho que voltar.
Ficamos mais umas duas horas por ali e comemos um peixe assado e iniciamos a viagem de subida nas canoas, eu vinha na grande e vi como era pesada, mas fazer o que? Não havia outro jeito, o fundo da canoa era muito grosso, mas não tinha nenhuma rachadura.
Pousamos pela segunda noite no mesmo lugar.
No dia seguinte, ajeitamos as coisas dentro das canoas e seguimos viagem rio acima rumo às três bocas na canoa grande, Rafael ia ao piloto e eu ia á frente usando a zinga ou o remo levando dois cachorros e parte maior da tralha, na outra canoa pequena ia o Paulista, mais dois cachorros e alguma tralha, sentados no piloto remavam e alternavam com a zinga nos lugares mais rasos, íamos ganhando espaço.
Já havíamos passado da cachoeirinha e não vimos os índios, deviam estar fora caçando, e enfrentamos um longo trecho raso, tivemos que descer das canoas e empurrá-las, num certo momento senti qualquer coisa me roçando o calcanhar de meu pé dentro da água rasa, eram umas dez piranhas vermelhas ou “chipitas” ainda pequenas que nadando quase de lado pela falta de água tentavam morder meu pé, me virei e com a vara da zinga as espantei com varias pancadas fortes e elas que fugiram, prossegui viagem arrastando a canoa por mais uns cem metros logo a água foi ficando mais funda e eu entrei na canoa e fui para a proa impulsionar com a zinga. Havíamos andado quase uns trezentos metros quando eu vi uma cobra Sucuri emparelhada com a canoa nadando no mesmo sentido, a vara do arpão que esta sempre encastoada e pronta estava bem à mão e apanhando-a joguei contra a cobra, mas o arpão não entrava, tentei umas poucas vezes, mas não adiantava e teimosamente a cobra acompanhava a canoa naquela água transparente, algumas vezes ela punha a cabeça para fora da água e ameaçava atacar a canoa, ela estava enraivecida e eu comecei a me assustar foi ai que me veio à idéia, atirar nela com o rifle 22 e assim o fiz, agachei e apanhei o rifle o manobrei colocando a bala na agulha e esperei, quando ela subiu atirei na cabeça, fora um tiro mortal. Paramos a canoa, pulamos na água que devia ter não mais do que meio metro de fundura e a arrastamos para a praia. Ela tinha aproximadamente uns quatro a cinco metros, não era grande, mas estava gorda. Tentamos tirar o couro, mas não foi fácil, mesmo morta ela se encolhia e não deixava racharmos o bucho com a faca. Finalmente depois de a estaquearmos na ponta do rabo e no pescoço com as duas varas enfiadas na areia consegui cortar o couro da barriga e para minha surpresa contamos exatamente cento e cinquenta filhotes de um palmo de tamanho, vivos a se contorcerem na areia quente, antes que eu mandasse Paulista depois que os contou os joga-se dentro da água do rio e eles sumiram todos, era esta a razão de sua agressão.
Desta feita não visitamos o Lago do Mamão
Chegamos ás quatro horas da tarde na boca de lago solto e dali um esgoto que leva ao lago dos quarenta e sete, e nos arranchamos em uma bela praia. Estávamos enfadados, pois já era o terceiro dia de penúria. Usando o arco e a flecha eu fisguei dois belíssimos Tucunarés, jantamos bem e dormimos cedo.
Algo me fazia desconfiar, estava tudo muito quieto para o meu gosto, seria a p ietético, e assim
carregávamos menos coisas, apagamos o fogo e rumamos para as três bocas. Chegamos cinco horas depois.
Ali se encontravam o Rio Imoty
com o Riozinho e a terceira embocadura era o lago chamado Três Bocas, era uma
beleza de lugar, o silêncio, somente o cantar dos pássaros nas arvores, o
riscar dos peixes sobre o espelho límpido e sem macula das águas, tenho certeza
que possivelmente alguma onça, pintada, preta, vermelha ou canguçu nos olhavam
e nos espreitavam intrigadas, talvez pensando: “O que eles querem aqui? O que
vieram fazer?".
Encostamos a canoa em uma
clareira limpa na mata bem a beira rio e com muita sombra.
--Aqui
parece um bom lugar - comentei.
--Vamos
arranchar aqui mesmo é melhor ficarmos mais afastados das bocas - advertiu
Paulista.
Poucas horas depois estávamos
com um belíssimo acampamento montado. Esperávamos ter que passar ali pelo menos
30 dias. A tarde chegara com o barulho dos pássaros e o bater forte das asas
dos patos selvagens que pousavam por todo lados. Repetimos as operações
iniciais como preparar as arpoeiras, lanternas, linhas armas, machado, facão
etc.
A noite caíra escuro feito
breu, de barulho somente as rabanadas de um ou outro jacaré ou peixe, e o
grumexe dos cachorros que estavam meio escabreados com o ambiente hostil, de
quando em vez rosnavam, mas não latiam.
--Rafael
te cuida fica perto da fogueira – recomendei.
Paulista era um grande piloto e
exímio arpoador, mas eu teria que ir á frente, pois tinha mais pratica naquela
luta entre homem e fera.
--Paulista?
Tudo pronto?
--Tudo.
--Você
pilota a canoa e eu arpoo.
--Como
queira.
E a historia se repetia a guisa
da primeira viagem ao Lago do Mamão, tudo aconteceria de novo, mas eu não
conseguia me acostumar, sempre no inicio as pernas tremiam muito, empurramos a
canoa para dentro da água e fui para a proa e me coloquei em pé e com a
lanterna de dois elementos (Rayovac), segurei a arpoeira na altura dos ombros,
dei sinal com um leve balançar do corpo que era um sinal para avançarmos e
foquei a lanterna, quase me assombro mais parecia uma arvore de Natal de tantos
reflexos que eu via, mas pela altura dos olhos da água e da distância entre os
dois olhos, percebi que tinha muito jacaré de segunda e terceira, isto queria
dizer que os jacarés grandes seriam poucos uma vez que a miuçalha estava solta,
teríamos que achar primeiro os grandes e assim que localizei um dei sinal com a
arpoeira, porque o piloto não tem a menor noção do que esta acontecendo, e lá
se fomos, bem devagar, o remo entrava e saia da água sutilmente sem fazer um
menor ruído fomos passando entre vários jacarés de segunda até que me aproximei
do grandalhão, tomamos uma cautelosa chegada e ele nem se deu conta, mas quando
o arpão se encravou no couro e carne do pescoço ai sim foi um Deus nos acuda, o
primeirão deu uma rabanada que nos encharcou dos pés a cabeça e balançou a
canoa, mas aquela embarcação era segura muito grande firme e pesada, mas mesmo
assim minhas pernas ainda estão tremendo, foi um barulho lago afora que mais
parecia uma revolução e que todo mundo estava contra nos, o jacaré correra um
pouco e entrou numa moita de mururé (planta que dá na superfície das águas) até
se enganchar, eu corri a lanterna ao
nosso redor e pude contar mais de vinte jacarés de todos os tamanhos bem perto
nos olhando agressivamente e de rebate as piranhas estavam de plantão junto a nossa canoa.
Deixe a coisa acalmar um pouco, foi quando o Paulista muito calmamente
falou:
--Vamos
encostar a canoa em um pé de Saram e vamos puxar este porcaria para fora e
matá-lo logo e depois vamos continuar sem escolher vamos pegar os que estiverem
na frente.
--Certo.
Eu fui soltando a corda da
arpoeira e nos agarramos em Saram (arvore de beira de lago), puxamos o jacaré,
mas não deu resultado e assim comecei a recolher a corda e lá se fomos para
junto da moita de mururé, eu começava a me esquentar e já estava zangado,
passei a mão no facão fui cortando as plantas junto da corda e puxando a canoa
até entrar bem dentro, foi eu senti o encastoo da corda (parte de amarrar que
fica junto do arpão), e esfriei ao sentir o couro do animal logo nas pontas dos
dedos, mas eu não sabia para qual lado estaria à cabeça então tive que cutucar
a fera com o facão para ela se mexer do lugar, num movimento tremendo que
chegou a levantar a canoa, o jacaré passou por debaixo dela e voltou para o
espelho do lago e nos fomos juntos, claro que eu havia dado corda.
Agora estávamos em igualdade de
condições, recolhendo a corda aguardava com o rifle ao lado quando a cabeça
começou a despontar bem junto da canoa e chegou a encostar, fui puxando a corda
para aparecer bem a cabeça fora da água, era de assombrar o tamanho da mesma
que ficou mais alta que o beiço da canoa, estava quase olhando para dentro,
entre eu e a fera não tinha mais do que um metro de distancia, mas ele
permaneceu quieto e assim segurei a lanterna na boca e com a mão esquerda mantinha
a corda esticada e com a direita encostei o rifle calibre 22 na nuca e
disparei. Nem me lembrava mais dos outros jacarés e das audaciosas piranhas que
nos acompanhavam roendo o fundo da canoa e do remo. A primeira fase estava
cumprida, mas seria necessário usar a machadinha para seccionar a espinha
dorsal junto à cabeça o que eu fiz com dois golpes seguidos, agora sim estava
morto, o arrastamos junto da canoa até a margem, furei o couro com minha faca
junto ao corte na nuca e passando o arame o amarramos num forte pé de Saram,
cansado pedi para voltarmos ao acampamento.
--Paulista
nós vamos voltar ao acampamento.
--É
bom e eu quero tomar um café.
Encostamos a
canoa e eu saí um pouco aliviado, afinal terminara tudo bem embora estivéssemos
dentro de uma boa canoa não seriamos páreo para o resto da família daquele
tremendo animal se quisessem nos atacar.
--Agora
é a sua vez Paulista eu vou pilotar.
--É
bom mesmo, esta canoa é muito pesada, mas eu vou arpoar o primeiro que
aparecer.
--Tudo
bem vai lá.
Neste
resto de noite correu tudo bem, caçamos mais quatro jacarés grandes.
Fui
dormir de madrugada, passei boa parte da noite pensando em minha família e nos
riscos que corríamos com as piranhas
prontas para nos devorar em segundos ao menor deslize, onças na espreita pronta
para atacar, sucuris, cobras venenosas, apenas dois seres humanos em meio a uma
centena de jacarés de todos os tamanhos será que valia a pena correr aquele
risco todo, logo no começo da vida? Ou era uma loucura?!.
Nos não tínhamos uma junta de
bois para puxar aqueles enormes animais para fora da água para tirar o couro e
assim o jeito eram tirar o couro bem na beira da água quase junto com as
piranhas que durante a noite haviam adentrado para dentro do corte feito na
nuca e devoraram boa parte da carne do pescoço e muitas morreram presas sem
poder voltar, depois tirávamos o rabo para tirar a gordura que em um jacaré
grande chega dar vinte litros, e seguidamente arrastávamos o resto da carniça
para mais longe possível do acampamento.
Assim se passaram os dias, os
couros começaram a aparecer e iam se amontoando e a gente se acostumando ao
perigo, mas o nosso estoque de alimentação estava no fim, trinta dias haviam se
passado desde que saíra de casa, e tínhamos que mudar acampamento para o lago
do “Coqueiro Só“, mas só quando eu regressasse - Assim decidi.
--Paulista
e Rafael, eu vou a Mato Verde buscar suprimentos, não saiam do acampamento e
nem inventem de caçarem sozinhos, dentro de dez dias estarei de volta, vou
descer na canoa pequena até o Oleriano de lá eu pego um animal e vou a Mato
Verde, assim volto mais depressa e continuaremos a nossa caçada, vou levar
todos os couros que puder e já deixo guardado com o velho, vou levar só o meu
revolver a carabina 44 e a 22 ficam aqui no acampamento.
--Quando
você vai - perguntou Rafael
--Amanhã
cedo, hoje eu vou explorar o outro lado rumo leste eu já vi ao longe uma mata
fechada e pode ser um lago grande, vou lá verificar.
--Leve
os cachorros contigo, tem muita onça rondando por aqui por causa das carniças
dos jacarés, todas as noites elas rondam o acampamento, já ouvimos muito
barulho delas e parece que estão se acostumando com a gente e isto pode ser
perigoso – comentou sabiamente o Paulista.
--É,
eu já reparei que elas estão pegando as carniças bem aqui perto e arrastando
para dentro do capão, vou levar os cachorros e a minha carabina 22.
--Tome
cuidado.
Entrei na canoa grande, chamei
os cachorros que logo estavam todos dentro, não deixei o Batom entrar, ele era
muito pequeno e muito gordo alem de cabeludo, logo cansaria embora fosse muito
cedo do dia, vagarosamente rumei para o outro lado
Quando escutei:
--Volte
Batom.
O cachorrinho entrou na água e
vinha nadando atrás da canoa que se encostava ao barranco do outro lado do rio,
fiquei de pé e pude ver centenas de piranhas todas no espelho da água
quietinhas com o rabo para baixo e a cabeça para cima, como se tivessem
querendo tomar sol da manhã e o cachorrinho nadando entre elas que se afastavam
a sua passagem, nunca mais verei algo assim novamente, a natureza é realmente
sábia, até as piranhas tem suas horas de paz. O Batom saiu ileso do outro lado eu
quase agradeci as piranhas, dali seguimos rumo ao rio Javaé, com o sol nascente
em meu rosto. Não havia andado mil metros quando os cachorros que sempre andam
na frente encontraram um veado Cervo e correram atrás dele até sumir o latido,
não adiantou eu gritar para eles largarem, fiquei sozinho por um bom pedaço,
mas quando eu estava atravessando um capinzal alto, seguindo por uma trilha
batida deixada por gado ou anta, escutei pisando bem atrás de mim, pensei “os
cachorros estão chegando” e continuei a caminhar, mas logo desconfiei, pois os
cachorros quando chegam eles vão logo atropelando e passando a frente e estes
não queriam passar, desconfiado me virei com o rifle pronto e dei de cara com
uma enorme onça Suçuarana (Vermelha) a menos de dez metros atrás de mim me
seguindo no trilheiro, ela estava pronta para saltar sobre mim, mas quando a
fitei nos olhos e ela firmou a vista em mim eu levantei o rifle para atirar,
num piscar de olhos, e em menos de dois segundos ela deu um pulo para o lado
direito e sumiu dentro do capinzal, não cheguei a atirar e nem fui atrás. A
minha natureza sempre me mantinha frio e insensível quando enfrentava o perigo
em especial as muitas onças e jacarés que passaram pelo meu caminho e ao que
parece as feras respeitavam esta atitude. Esperei mais um pouco calado e
atento, ouvi-os acuando alguma coisa, mas muito longe quase no rumo do
acampamento, mas nem os cachorros e nem mais a onça davam sinal de vida, fui em
frente rumo ao capão que se aproximava, logo que entrei num varjão de capim
baixo e limpo foi quando ouvi um tiro longe, pouco depois os cachorros chegaram
Tomei uma decisão, queimar o capim para ficar mais fácil de andar e assim o
fiz, fui para junto da mata do lago e aguardei o fogo avançar rumo oeste para onde
o vento de verão o empurrava, quando fui chegando ao capão rodeando uma moita
topei de cara com uma onça que estava sentada e se levantando de um pulo correu
para dentro da mata quando dois cachorros chegaram e correram atrás dela,
entraram no capão e sumiram latindo ao longe, resolvi contornar o capão pelo
outro lado, mas quando ia passando junto de numa moita de tucum, o cachorro
“Pretinho” acuava violentamente alguma coisa escondida na moita, me abaixei
lentamente e vi a onça Canguçu deitada sobre as mãos abanando o pedaço de rabo
(era toco) e olhando fixamente para mim a menos de três metros, se enfrentar a
morte for assim eu estava preparado, pois não senti o menor receio e nem tremor
calmamente sem deixar de fixar os olhos dela levantei o rifle e mirei bem na
testa e apertei o gatilho, morreu sem se mexer do lugar, não senti nem prazer e
nem remorso, eu estava frio e parecia que não tinha feito nada de mais, quando
vi que estava morta a arrastei para fora da moita de espinhos. Pensei em dar
mais um tiro, mas não havia necessidade, descansei um pouco e joguei a bicha
nas costas e voltei ao acampamento, quase não aguentei o peso. Quando cheguei
ao acampamento o Paulista foi falando:
--O
que aconteceu? Eu escutei os cachorros acuando lá do outro lado e fui ver o que
estava acontecendo e não é que eles haviam acuado uma Suçuarana e ela subiu num
pé de murici baixinho e eu larguei fogo nela, já tirei o couro, e você onde
estava?
--Matando
esta aqui – respondi tirando a Canguçu de dentro da canoa - é... Eu vi a tua onça
ela andava atrás de mim botando tocaia para me pegar, eu só dou um tiro e é bem
na testa.
--É hoje parece que foi o dia das
onças, e eu só atiro dentro do olho que é para não estragar o couro – respondi
ironicamente. Já faz tempo que elas vêm perturbando a gente
--E o lago, tem jacaré?
--É
pequeno o espelho e é muito sujo, pode ser bom, mas é difícil e perigoso, não
tem lugar firme para encostar a canoa, só muito lama.
--Deixa
para lá, já temos muito lugar para mariscar, vou tirar o couro desta canguçu e esticar.
Dei uma boa merendada e fui
descansar um pouco. Dormi até a boca da noite. Nesta noite eu não trabalhei,
pois teria que viajar cedo no outro dia.
Acordei com o barulho da
passarada, a noite foi calma, não houve aquela apreensão com o barulho e briga
das onças disputando as carniças acredito que elas sentiram os cheiros das duas
onças mortas. Tomei um cafezinho, tornei a recomendar que não fossem caçar especialmente sozinhos e tudo mais
necessário.
--Quero
que não esqueça remédio para dor de cabeça. – pediu Rafael.
--Para
mim eu quero uma garrafa de pinga, uma lata de leite moça e dois pacotes de
fumo. – pediu Paulista
--Já
estão na lista, você quer fazer “Um leite de onça” (Cachaça misturada com leite
Moça) Paulista?
--Adivinhou.
Pode ir tranqüilo, ninguém vai mexer com nada até você chegar.
Arrumei os couros e quando
surgiu o primeiro clarão do dia acordei o pessoal e embarcamos quase todos os
couros, tomei um café e acenei partindo.
Rio abaixo era bem mais rápida a
viagem, mas mesmo assim eu ia bastante pesado e teria que descarregar a canoa
para poder passar a cachoeirinha, e cheguei ao Oleriano já quase escuro da
noite, dormi entre aquela boa família, contamos casos e ao amanhecer do dia já
estava com o animal arreado e pronto para partir, não sem antes agasalhar a
courama no paiol.
Pouco depois das quatro horas
da tarde eu já estava atravessando o Araguaia e pensando como estariam todos,
mas a patroa e as crianças estavam bem.
.
Fiquei cinco dias visitando os
amigos, e dando uma força para minha sogra Joaninha, pois meu sogro viajava
muito e assim as mulheres sempre ficavam sozinhas, comecei a me preocupar com
meu estilo de vida, seria a última caçada prolongada que eu faria, e foi mesmo.
Quando inteirava os doze dias
eu chegava de volta ao acampamento com um suprimento para mais trinta dias, fui
logo notando algo muito estranho, Paulista estava muito calado e o Rafael também,
mas logo descobri o motivo, um couro de onça preta esticado de novo bem no
fundo do acampamento eu fui até perto para examiná-las e contei seis buracos de
bala, logo gritei:
--Isto
aqui é um couro de onça ou uma peneira?
--Calma
Dankmar eu vou te contar tudo.
--Pois
conte logo – sentei-me junto ao fogo e peguei uma caneca para tomar café
esperando a explicação do Paulista.
--Há
três dias esta onça amanheceu o dia esturrando em volta do acampamento e os
cachorros a pressentiram e correram para o mato a acuaram ai não teve jeito
tive que ir lá matá-la senão ela matava os cachorros.
--E
foi preciso dar tanto tiro assim, vamos lá rapaz conte esta historia direito,
venha cá Rafael me conte você?
--Patrão
foi quase assim só que foi o Paulista que resolveu ir caçar e saiu sozinho, não
levou nenhum cachorro, não sei por que carga da água ele resolveu subir numa
arvore e com a cabaça começou a esturrar chamando onça e não é que veio uma
onça preta e parou bem embaixo do pau que ele estava, ai não teve jeito ou ele
atirava ou a onça subia lá e o pegava, ele estava muito baixo, atirou e o tiro
pegou bem mal e a onça que correu, ele atirou de novo, não sei se ele acertou,
mas com o barulho dos tiros os cachorros correram e foram para lá e ai o pau
quebrou a onça ferida corria traz dos cachorros os cachorros corriam atrás da
onça, ai não teve jeito o Paulista desceu da arvore e foi até onde estava à
briga, era melhor enfrentar a onça do que enfrentar o senhor quando voltasse,
foi chegando perto e deu outros dois tiros na onça que correu para cima dele ai
ele correu, virou um corisco, mas se enganchou em um cipó e a carabina caiu da
mão dele e se agarrou no cipoal e subiu bem para o alto, e ai os cachorros
fecharam em cima da onça bem embaixo do Paulista, que me gritou, mas eu não
escutei, era muito barulho junto, só sei que a onça tornou a correr e os
cachorros depois de um tempo voltaram e ai o Paulista teve coragem desceu do
cipoal e foi procurar a carabina que demorou a encontrar, pois é caiu longe,
foi muita coragem ele descer da arvore só de facão na mão ai ele veio aqui pro
rancho e depois de umas quatro horas resolvemos os dois voltar lá para ver o
que aconteceu, mas logo os cachorros a encontraram, ela esta morta, ai nos
amarramos numa vara e a trouxemos para cá, o resto é aquilo ali – terminou
mostrando o couro.
--Viu
no que dá não escutar meus conselhos?
--É,
passei um bocado apertado, mas a bicha morreu.
--Paulista,
com uma carabina 44 tem que atirar seguro, é preciso ter calma.
--Você
já está acostumado a matar onça, mas eu não, esta é a primeira.
--Ainda bem que teve um final feliz,
e os jacarés? Ainda há algum por aqui?
--Só
jacaré pequeno e os jacaretinga que começaram a aparecer.
--Não
é bom sinal, vamos mudar para o lago do Pé de Coco Só
--Já
estamos em fim de setembro, bem perto de outubro, logo teremos muita chuva ai
às coisas vão ficar difíceis para nós - vaticinou o Paulista.
--Rafael
ajude a arrumar as tralhas começaremos a nos mudar amanhã cedo.
--Vamos
caçar jacarés hoje?
--Não,
hoje dormiremos em paz.
No outro dia fizemos um jirau
alto dentro do mato e escondemos os couros de jacarés e de onça e juntamos o
resto da tralha embarcamos na canoa e começamos a parte mais difícil da
odisseia, arrastar uma canoa grande pelo campo por mais de dois mil metros,
levamos quase seis horas para colocar a canoa no outro lago, mesmo vazia era
bastante pesada, fizemos um cabresto de corda e amarramos uma vara forte de
atravessado no bico de proa e dois homens, um de cada lado arrastamos um
pedaço, depois voltávamos atrás das tralhas e assim por diante ate chegarmos ao
novo lago, fizemos um acampamento provisório. Passamos oito dias caçando
jacarés e só matamos onze, levamos os couros para o jirau da mata e começamos a
nos mudar para a o nosso ultimo lago que pusemos o nome de Quarenta e Sete, e
jamais o esqueceremos, foram os trinta dias mais difíceis da minha vida.
Arrastamos penosamente a canoa por mais de três mil metros, desviando dos
baixios, agora estávamos, em linha reta aproximadamente a dois mil metros da
margem do Riozinho.
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Dankmar e jacaré-açu do lago 47 |
“Lago dos 47”;
Ali moravam, os perigos, o sofrimento e a
dor...
Eu tive um mau pressentimento...
o, as garças enfeitavam de um branco sem
macula tal um modelo na passarela, as gaivotas escandalosas voavam riscando as
águas com o bico e sempre pegavam um peixinho menor, tudo cheirava a peixe, e a
mosca de ferrão abundava, era capaz de furar um cobertor para atingir a pele
dentro da rede, acredito que dali veio à mosca de chifre que hoje atormenta o
gado eu as vi aos milhares nos lugares em que os pássaros povoavam, voltei
entre admirado e pasmado, admirado ante tanta beleza da espécie viva, pasmado
pelo comportamento social ao verem que também os pássaros viviam em comunidades
para melhor se protegerem, era uma lição de vida, amor e dedicação. Voltei para
o acampamento cumprimentado pelos os crocodilos que vinham à tona para me
estudar.
Ao escurecer fizemos uma
reunião para traçarmos nossos trabalhos, obrigações e cuidados que teríamos que
tomar:
--Vamos
arrastar as carniças o mais longe que pudermos depois que chegamos aqui já vi
muitos rastos de onça, não vamos facilitar, especialmente você Rafael, a noite
fique sempre acordado enquanto estivermos no lago, mantenha os cachorros juntos
da fogueira e arma na mão, qualquer sinal de perigo de dois tiros para cima,
lembre-se só dois tiros, entendido?
--Entendido.
--Hoje à noite nos
só vamos matar apenas dois jacarés para tomarmos conhecimento do lago.
--Por
mim está bem, estou um pouco cansado acho que podíamos descansar hoje e caçar
amanhã.
--Pode
ser, então vamos jantar e conversar um pouco e dormir.
--Uma
coisa esta me incomodando – censurou o Paulista.
--O
que é?
--Quando
você se dispõe a falar com reservas de certo lugar eu começo a ficar com medo.
--Afinal,
o que lhe aflige?
--Você
quando tem uma predição de coisa que podem ou vão acontecer saiam da frente,
acontece mesmo e eu gostaria de saber o que esta te perturbando agora.
--Por enquanto
nada, mas vamos tomar cuidados, quando a minha natureza fica perturbada algo
esta por acontecer.
--É,
eu me lembro de alguns casos teus, lembra-te também? Perguntou.
--Sim,
quando o meu sogro foi assassinado na Barreira de Pedra eu estava em casa
deitado na cama ao lado de minha esposa Maria, quando uma vós que eu conheci
como a dele me falou “Dankmar fale para a Joaninha que eu vendi o motor Penta
novo para o Alfredo Alemão, na Piedade para ele pagar para ela, e diga que
estou bem”. Meio atordoado acordei minha esposa Maria e lhe contei sobre a vós
que eu ouvira.
--Deixa
isto para amanhã cedo vamos à casa de minha mãe e você conta para ela.
Dormimos e ao clarear do dia
deixei Maria ainda deitada e fui à casa de minha sogra e contei o fato para
ela, e enquanto eu contava ouvimos o roncar de um barco a motor chegando,
olhamos para o rio e vimos o barco do marido dela se aproximando para atracar e
não sei por que eu falei a ela:
--Dona
Joaninha aquele é o barco do seu Aleixo, o mataram vá ao porto.
Minha sogra saiu correndo e
pouco depois voltava com alguns homens trazendo o corpo do marido morto dentro
de uma rede. Muitos outros casos eu tenho previsto parece que tenho o Don de
ver as coisas antes de acontecer.
Como foi que aconteceu?
O finado Aleixo quando veio de Aruanã,
trouxe consigo um passageiro que aparentava ser turco, homem da cara ruim
sobrancelhas encontradas, e parece que era meio maluco, ele trazia uns objetos
estranho por baixo do blusão que nunca o havia tirado, o finado Aleixo segundo
me contou o índio já estava sobressaltado com o comportamento de seu passageiro
e quando se aproximaram de uma vila beira rio de nome Barreira de Pedra, o tal
maluco lançou mão de uma carabina 22 de repetição que o finado havia deixado na
cabine e vendo o homem na proa do barco simplesmente apontou e atirou três
vezes na cabeça de Aleixo que caiu morto, o piloto Carajás de nome Domingos se
espantou e rumou a proa do barco para o barranco onde ficavam as casas e pulou
na água, o bandido ainda lhe deu um tiro baleando-o não gravemente e também
pulou na água e ao chegar à margem saiu correndo em disparada rumo ao centro da
Ilha do Bananal Ninguém foi atrás. Dias
depois organizaram uma busca e, segundo me contaram, encontraram junto ao rio
23 que corta a ilha ao meio de rumo sul ao norte, ali mesmo o aprontaram e
devem-no ter jogado no rio e as piranhas fizeram o resto.
--Puxa
que drama, então foi aqui perto de onde nos estamos porque, o rio é este em que
nos estamos e Barreira de Pedra lá na margem do Araguaia não fica muito longe
daqui, ‘fica de grito’ eu grito aqui e eles escutam lá.
--Puxa,
vai mentir assim no inferno.
--E
por falar em inferno é este aqui que nos estamos. E agora, nesta situação o que
esta vendo?
--Um
pouco de sofrimento, mas no fim há de vir alguém nos ajudar, eu vi um homem
chegar cantando. Quando chegar à hora eu sei direitinho pode ficar tranqüilo.
No outro dia cedo eu dei outras
voltas pelo lagos e achei outros dois lugares com a margem limpa, mas era lama
pura. Os jacarés não se assombravam, com a gente, alias, nem ligavam.
Chegando à noite, saímos para a
caçada, às pernas tremiam mais do que antes, as piranhas roçavam o fundo da
canoa com os dentes e o remo ficava agredido de tanta mordida. Pegamos o que
estava mais perto, não havia como escolher era uma verdadeira cidade quando se
passava a lanterna pelos olhos dos animais. Os jacarés naquele lago eram mais
violentos, de vez em quando um batia com o casco no fundo da canoa e se aproximavam
perigosamente. Arrastamos para a margem e o amarramos com corda da própria
aroeira numa moita em uma pequena ilhota. Voltamos ao lago arpoamos um segundo
jacaré e o matamos desencaixando a espinha junto à cabeça, e o puxamos para o
porto e o amarramos com arame em um toco grosso, era o começo da nossa Via
Crucies, pois neste exato instante o Paulista quase que profetizando falou:
--Dankmar...
Devemos retornar ao acampamento, estou sentindo um vento frio e vejo relâmpagos
ao longe é chuva na certa e precisamos agasalhar as nossas tralhas, afinal já
estamos em outubro.
--É
a voz da profecia, quando Paulista fala é melhor escutar, sempre acerta, vamos
voltar – concordei.
Quando aportamos a canoa
Rafael já vinha ao nosso encontro dizendo:
--Parece
que vamos ter chuva, mas não se preocupem, já agasalhei quase tudo, fiz um
jirau e coloquei a tralha de comida e o sal, só não achei jeito de armar as
redes, a lona é pequena.
--É só quatro por
oito metros, mas dá para a gente se esconder embaixo com os cachorros e as
muriçocas que agora ...
Empestearam o lugar, vamos ver
como estão às coisas e dar uma melhorada, amanhã tiraremos umas palhas para
fazer uma cobertura.
--Vamos
lá.
Trabalhamos umas duas horas, mas
improvisamos melhor, parecia que daria tudo certo, mas não foi o que aconteceu.
Já devia ser por ai nove horas
da noite quando nos sentamos ao redor da fogueira para comer um peixe assado
com farinha de puba e tomarmos um café, nem bem tínhamos terminado quando um
forte vento foi chegando e aumentando cada vez mais jogando cinza e brasa para
todos os lados, as redes flutuavam no ar, galhos das arvores próximas começaram
a estalar e cair e relâmpagos iluminavam a noite e as lamparinas foram para as
“pupuias” ou simplesmente sumiram somente as lanternas funcionavam, nos
agarramos a beirada da lona que começava a rasgar, pois eram destas lonas de
plásticos pretas que não aguentam nada, e este inferno durou uns vinte minutos
até que caiu água para valer, os cachorros estavam escondidos embaixo do jirau,
nossas mochilas e sacos de rede se molharam todos e veio água para dar com pau,
choveu forte durante uns quarenta minutos, depois foi diminuindo, mas só veio
parar ali pelas duas horas da manhã quando então deitamos nas redes molhadas,
com muriçoca e tudo e dormimos.
Quando o dia amanheceu, pudemos
ver o estrago da chuva, mas metemos as mãos à obra logo estávamos com o
acampamento limpo e a roupa esticada para secar, e do jacaré que amarramos só
achamos os pedaços de cordas que o amarravam e o chão todo revirado por outros
jacarés ao puxá-lo para dentro da lagoa, mas ele se fora com um bom pedaço de
corda amarrado no pescoço e tinha na ponta um pedaço de “buriti” que servia
como “boia”, fomos procurá-lo e logo o achamos. Ele ainda estava lá com a corda
e no fundo do lago, morto, cheio de piranhas por dentro que entraram pelo corte
grande feito pelo machado atrás da cabeça, bem na nuca. O arrastamos até o
porto e tiramos o couro, era muito grande mediu 24 palmos até passar um palmo
do “anus”, com rabo e tudo daria 28 palmos.
Naquele dia tivemos vários
problemas, Rafael foi tirar uma abelha e meteu o machado entre os dedos dos pés
foi um corte profundo, mas tínhamos levado uma pequena farmácia de emergência e
logo lhe fiz um curativo, e lhe dei uns comprimidos e enfaixei o pé.
Uma das lanternas não queria
funcionar e tivemos sérios problemas para arrumá-la e ainda por cima o açúcar
havia se molhado e estava secando, diminuiu muito, teríamos que apelar para as
pílulas de sacarina que ainda tínhamos cerca de duzentas delas.
Nas cinco primeiras noites
matamos aproximadamente dezesseis jacarés grandes, mas cada dia que passava
ficava mais difícil, decidi que teria que ir à beira do Riozinho, onde havíamos
deixado canoa pequena bem amarrada, minha intenção era ver se encontrava alguns
mariscadores que por ali passavam, mas o caminho era apenas um pequeno
trilheiro, e com tanta chuva a minha botina já havia se estragado e eu ia
descalço, quando eu pisava fora do trilheiro, os talos de capim entravam nas
frieiras de meus dedos dos pés e furavam a carne, era um sofrimento terrível,
tinha muita dificuldade para caminhar até que improvisei umas alpercatas que
não se seguravam bem dentro dos pés. Quando cheguei à beira do rio, tirei a
água da chuva que havia alagado a canoa e atravessei para o outro lado, num
barranco alto e fui dar uma volta mais por curiosidade do que por necessidade e
para minha surpresa encontrei uma velha roça de mandioca, ainda existiam muitos
pés, certamente seriam dos índios Javaés, mas estava abandonada, arranquei um
bocado de raízes e fui carregando para a canoa, os veados campeiros se
levantavam bem junto de mim, caminhavam para meu encontro e quando sentiam meu
cheiro pulavam de lado e corriam um pouco depois voltavam, ao que parece nunca
tinham visto gente antes, poderia ter matado um bocado deles, mas de nada
serviria, não os poderia carregar e assim me limitei às mandiocas.
Voltei para o nosso lado do rio
e tirando a camisa a guisa de sacola carreguei um bocado de raízes, dividi-as
em duas partes a primeira eu levaria para o acampamento as outras raízes
colocaria dentro da canoa com bastante água para elas pubarem e assim eu
poderia voltar e fazer um “grolado” ou uns “beijus”, e colocando a carabina 22
no ombro e a sacola de mandioca nas costas me dispus a voltar para o
acampamento no lago. Não havia ainda andado dois quilômetros naquela campina
limpa quando voltei o rosto para o lado esquerdo e vi duas onças, a menos de
cem metros, brincando em uma poça de água que restara da chuva em meio ao
varjão, sutilmente joguei a camisa no chão e lançando mão da carabina 22,
manobrei e apontei, foi uma temeridade enfrentar aquelas feras em campo aberto,
pararam de brincar e ficaram a me fitar, foi quando mirando uma das duas bem na
cabeça atirei, o animal deu um urro e pulou por cima da outra e correram rumo à
mata de beira do esgoto que ia do rio para o lago, não tornei a atirar, estavam
longe, antes decidi ir ao rancho buscar os cachorros para caçá-las e assim o
fiz, acelerei o passo e logo chegava ao rancho gritei os cachorros fui à minha
sacola peguei uma caixa de balas Winchester 22 e falei:
--Espere
aqui Paulista vou atrás de duas onças já baleei uma e vou ver se a acho.
Cuidado duas onças é perigoso,
te cuida.
Voltei correndo até o pequeno
poço onde estavam banhando as duas e os cachorros que haviam chegado à frente
pegaram o rasto e saíram a balroando entrando na mata, fui atrás, a mata de
beira do esgoto era muito fechada, mas o barulho dos cachorros não estava longe
eles haviam acuado as feras, fui em frente e quando comecei a enxergar os
cachorros vi que acuavam com a cara para cima olhando em cima do cipoal do
esgoto, cheguei perto e vi uma delas trepada numa galha e olhando para mim e
para os cachorros, a cabeça da onça estava bem visível, mas meia de lado,
atirar assim seria uma estupidez porque pegaria no osso a que chamam de “torpedo”
um osso forte e grosso da temporal do cérebro e bala não entraria, eu precisava
pegá-la bem de frente, bem no meio da testa aonde o osso é fraco e fino,
aguardei alguns segundo e logo me dispus a apelar, gritei para ela que olhou
direto para mim atirei sem pestanejar, a onça despencou de cima do cipoal no
meu rumo, eu estava quase embaixo dela, ela na queda me levou junto para o chão
e os cachorros por cima de mim, gritei afastando-os e me afastei um metro da
fera que deitada ainda tomava um fôlego profundo, tirei a bala CBC-22, coloquei
uma amarelinha e encostei o cano bem no meio da testa e atirei. Foi um Deus nos acuda, a onça estrebuchando
na ânsia da morte jogava o corpo de um lado para o outro, ficava em pé,
arranhava as arvores, mas rapidamente rolou para o chão e se aquietou, vi que
tinha morrido.
Eu estava quase sem fôlego
encostado por trás de um tronco seco, cansado mesmo, tentei mover a fera de
lugar, mas não conseguia, era um corpo muito pesado e mole, e ela ainda
resfolegava, conheci o perigo que se avizinhava, a onça não estava de todo
morta, assim coloquei uma bala 22 nacional e mirando meio da testa disparei,
ela ainda deu um pequeno pinote mas se apagou, deixei do jeito que estava e ai
me lembrei que eram duas. Mas não vi a outra nem seus rastos, já era tardinha, voltei para o acampamento.
No outro dia cedo, eu e o
Paulista fomos até lá e o Paulista tirou o couro com a cabeça inteira. Voltamos
ao rancho e fomos retirar a ossada da cabeça de dentro do couro para a
colocarmos dentro do lago para os peixes fazerem a limpeza da ossada, mas, o
que me chamou a atenção era que havia apenas um buraco de bala no couro e na
ossada da cabeça e eu dera dois tiros, ficamos intrigados, mas não descobrimos
o que realmente aconteceu. Amarrei a ossada da cabeça e joguei a beira da água.
Quando a retiramos ao
entardecer já estava limpa e brilhando, os peixes fizeram um bonito trabalho e
o chumbo da bala, uma só, balançava dentro da ossada do crânio, a retirei e a
guardei como lembrança. E a outra onça? Será que foi realmente baleada?
Naquela noite foi diferente das
outras todas e marcou o meu fim como caçador de jacarés.
No lago havia muitos jacarés,
mas pequenos, havíamos matado quarenta e seis grandes, mas também as nossas
pilhas estavam exaustas, chovia muito e estava na hora de irmos embora. Mas
antes teria que acertar minhas contas com um enorme jacaré-açu que ainda restava,
e ele nos desafiava, quando o imitávamos ele respondia esturrando tal um marruá
que fazia a terra tremer, e dificilmente deixava nos aproximarmos dele. Como as
pilhas estavam fracas, cortei uma lanterna Rayovac (de metal) e emendei no
fundo de outra e com o foquitos (lâmpada) de três elementos coloquei cinco
pilhas fracas o que resultou em uma ótima luz. Parti para o lago a procura do
animal, de longe o avistei junto a uma moita de Mururé, fomos nos aproximando
bem lentos e sem fazer barulho com a lanterna focada em seus dois olhos que nos
encaravam frente a frente, tentamos dar a volta para pegá-lo de lado, mas ele
sempre nos acompanhava, quando estávamos a menos de vinte metros, ele afundou e
foi aparecer a mais de quinhentos metros em meio do lago, fomos para lá, mas a
fera era muito arisca e tornou a afundar e apareceu junto à margem do lago,
contornamos o meio e fomos para a margem em que ele estava acima de nos uns cem
metros, de repente ele sumiu e eu em pé na proa da canoa o procurava com a
lanterna quando o animal passou por baixo da canoa bem no meio dela e a
levantou com as costas me jogando dentro da água com lanterna e o rifle na mão
que foram parar no fundo do lago, mas ali, naquele lugar a margem não era muito
fundo tinha apenas uns dois metros, mas a
a lanterna acesa continuou iluminando no fundo bem junto da carabina
e o medo que eu tinha de piranhas não me
deixaram quase molhar, em fração de segundos eu já estava dentro da canoa.
--E
agora Paulista – falei desapontado com a situação.
--Agora
é pegar a lanterna e a carabina.
--Com
estas piranhas por ai?
--
Fazer o que – monologou o negro – e continuou.
--Ora, deixe que
eu vá - e dizendo isto o Paulista escorregou pelo beiço da canoa, mergulhou e
voltou com tudo nas mãos.
--Cuidado, não deixe cair de novo,
agora vamos acabar com este intrometido, jogue o arpão de qualquer distância
aonde pegar nele que se dane.
--Terminou
Osvaldo meio zangado.
--Vamos
lá.
Foquei a lanterna desta vez com
o cordão passado no pescoço, e o enxerguei a menos de quinze metros, tomei um
fôlego e apontando a arpoeira bati com o pé na canoa, com o barulho o animal
deu uma rabanada e virando de dorso começou a sumir no espelho do lago quando o
arpão o encontrou bem por traz da mão esquerda, era um péssimo lugar para se
puxar um animal daquele tamanho, mas ele não correu muito, logo senti a corda
da aroeira afrouxar eu fiquei desconfiado e gritei:
--Paulista
ele vem para cima de nós.
--Então
sente na canoa e prepare o machado - mal acabara de fechar a boca o animal
surgindo da escuridão das águas e da noite abocanhou o beiço da canoa e ato
seguido mostrando seus dentes violentamente a empurrava para a margem do lago,
quando estávamos bem perto do barranco tornei a gritar.
--Vamos
para terra, pule.
Pulamos bem na beira da terra,
mas era só lama e entramos nela até quase a cintura, com dificuldade nos
arrastamos para fora do lago deixando a canoa solta com o jacaré agarrado no
beiço dela, mas lá dentro só ficou o remo e a carabina, o machado veio conosco.
Pouco tempo depois à canoa estava bem perto de nos e o jacaré sumira,
embarcamos novamente e voltamos para o porto do acampamento, por aquela noite
já chegava. No outro dia cedo resolveríamos a parada, pois o arpão estava
amarrado em uma boia de buriti e seria fácil o acharmos.
Conversamos muito naquela noite
e decidimos voltar para casa, mas não sem antes ver o que aconteceu.
No outro dia cedo voltamos ao
lago, de dia era bem melhor e logo achamos a bóia quando comecei a recolher a
linha e vi que o jacaré ainda estava preso ao arpão e fui puxando devagar com o
rifle preparado logo vi aparecer o lombo do incrível animal, vinha quieto e sem
se mexer, mas eu não tinha jeito de atirar porque a cabeça estava mergulhada
dentro da água e eu mal a enxergava, pedi para o piloto remar a frente e talvez
assim a cabeça aparecesse e apareceu mesmo, mas bem junto do Paulista lá na
proa do barco que quase correu para frente, a cabeça do jacaré ficava por cima
do beiço da canoa e olhava vingativamente para o nosso piloto, passei a ele a
22 e ele audaciosamente encostou o cano na nuca do enorme animal e atirou, foi
mortal, passamos uma laçada no focinho, levantamos a cabeça fora da água e com
o machado a desencaixamos a espinha junto à cabeça, agora sim já não
ofereceria mais perigo.
O arrastamos para o porto e com
muito sacrifício o rolamos a ponto de poder tirar o couro o que o Paulista e
Rafael fizeram com muito trabalho. O jacaré estava magro de fazer dó, pois a
sua papada em baixo da língua estava comida e uma crosta amarela a circundava,
não sei se foi doença ou piranha, mas aquele jacaré não tinha mais como comer
qualquer coisa, pois o que pusesse na boca vazaria para baixo, talvez isto
fosse a razão de sua impetuosidade, medimos o couro, tinha seis metros e dez
centímetros de comprimento, da ponta
Do queixo a ponta do rabo.
 |
Dankmar caçando jacarés no rio Araguaia. |
Iniciando a volta para casa..
As chuvas se acentuavam e o
varjão amoleceu depois de amarramos os quarenta e setes couro em fardos de seis
cada um e tentamos voltar à canoa para o Riozinho, mas Paulista havia estourado
os ouvidos que purgavam e tinha febre, o Rafael tinha o pé inchado do corte que
acontecera ao tentar tirar um mel de abelha com o machado e eu cheio de
frieiras, estávamos fracos e desanimados. Seria muito difícil tirarmos a canoa
arrastada em mais de dois mil metros por sobre um varjão mole e atolador que
colava a canoa na lama. Inventamos de cortar uns roletes, mas só atolava, desistimos
e eu resolvi ir até a barranca do riozinho, fomos nos os três e quando ali
chegamos pudemos ouvir alguém cantando e remando uma canoa batendo o remo no
beiço a moda índia.
Logo na curva do rio acima
aparecia uma canoa e seu condutor, ele vinha cantando bem alegre e ao nos ver
encostou acanoa no nosso porto improvisado e puxando-a para encalhá-la subiu o
barranco e foi conversar conosco:
--E
ai rapaziada, que cara feia e esta?.
--Estamos pregados
de cansaço,
--Me
contem o que esta acontecendo...
Fizemos um relato completo das
nossas tribulações e ele deu uma risada bem gostosa e emendou:
--Vamos
buscar esta canoa, vamos todos os que não podem fazer muita força faça ao menos
um pouco, tudo serve.
Quando chegamos ao lago ele foi
logo dizendo.
--Primeiro
vamos dar uma viagem cada um levando os couros, depois voltamos e levamos a
canoa. Quando chegamos ao lago o nosso novo amigo foi logo amarramos oito
fardos de pele de jacaré afinal havíamos caçado quarenta e sete jacarés quase
todos de primeira, isto é com mais de três metros e meio do anu ao queixo e
isto significa que teria na realidade até o fim do rabo cerca de quatro metros
de comprimento. Cada fardo tinha em média seis couros secos e salgados eram
oito fardos e depois de amarrados foi jogado nas costa de cada um e ele reafirmou
--Quando
cansarem joguem os fardos no chão eu vou atrás e torno ajudá-los a colocar em
suas costas – vamos embora, vamos dar a primeira viagem.
As duas viagens foram rápidas
logo estávamos em redor da canoa a que o amigo logo determinou:
--Arranjem
um pau para amarrarmos de atravessado aqui no bico da canoa outro para
enfiarmos na popa por dentro desta corda – terminou amarrando uma corda em
volta da canoa na popa e colocou o pau entre a corda e o fundo da canoa de
comprido o que fazia sobrar uma boa parte da vara pelo o lado de fora na
traseira da canoa e continuou: – Eu e o Dankmar pegamos na vara da proa e
levantamos o bico da canoa e vocês dois enfiem os ombros por baixo da vara e
empurrem para frente.
E assim o fizemos os dois da
frente levantavam a canoa pelo bico e os dois de traz levantavam um pouco para
descolar a canoa do chão e a empurravam para frente e antes do meio dia
estávamos com a canoa e todos os nossos pertences na beira do rio e pronto para
viajarmos. O nosso salvador sempre animado entrou na sua canoa dizendo
--Até
outro dia meus amigos - e empurrou a ubá para o meio do rio e cantando de novo
sumiu rio abaixo deixando um sentimento de amizade e muito agradecimento e nem
ficamos sabendo seu nome, como já era meio tarde do dia resolvemos pousar e
partir no outro dia bem cedo, e assim o foi feito, e mal o dia clareara já
estávamos de viagem e logo nas primeiras remadas escutamos uma onça esturrar,
certamente seria a companheira da que matamos.
--Pode
ficar por ai minha amiga um dia eu voltarei para nos encontrarmos. Mas na
realidade eu já estava resolvido a encerrar a carreira de mariscador de jacaré
e onça.
Caçar Onças? Caçar jacarés?... Nunca
mais.
Abril
de 1957
Meses depois resolvi sair uns
tempos de Luciara
Resolvemos nos mudar para uma
localidade chamada Barreira de Pedra, para passarmos uns dias por lá, era
apenas um agrupamento de casa a beira do rio Araguaia e um pouco abaixo da
fazenda São Pedro, apenas trinta léguas. Ali morava a família do Zé Pretinho,
sua mulher dona Áurea, seus filhos e parentes, Miguel, Domingos, Cantidio,
Raimundo, Raimundo Cachaça, Julião, Zilda, e um monte de gente todos descendentes
do Zé Pretinho que era a imagem do Pai João com seu eterno cachimbo da raça
negra e cabelo pichaim. Eu sempre levava um radio a pilha, Motorola daquela
caixa grande pesada afinal tinha quase umas sessenta pilhas comuns umas
agregadas às outras, mas aturavam por bom tempo, foi uma pandega quando eu o
liguei pela primeira vez naquele vilarejo, ajuntaram-se quase todos os
moradores que não acreditavam que uma caixa pudesse falar a rodeavam a procura
do autor daquela voz e das musicas.
Em Mato Verde quando foi ligado um radio que
o fundador Lucio havia mandado dezenas de amigos o rodearam e dizem que uma voz
do rádio assim falou:
--“Agora vamos ouvir o
Cardeal Lucio da Basílica de São Pedro falar”...
--Um dos ouvintes
gritou:
--Escutem
minha gente é o Lucio que vai falar lá da Fazenda São Pedro.
Lucio era o fundador daquela
região e naqueles dias estava ausente em sua Fazenda na margem do rio Tapirapé
de nome São Pedro. Foi muita coincidência, mas sem semelhança alguma, afinal
fazer o que?
Durante o tempo que ali ficamos
só matei uma onça pintada muito grande, ela havia passado a noite esturrando do
outro lado do rio e foi quando o negro Horacio que era casado com uma irmã de
minha esposa me convidou:
--Vamos
matar aquela onça?
--Vamos, embora eu já tenha prometido que não caçaria mais, mas esta esta muito atrevida, o cachorro Javali esta comigo aqui.-
(Javali era um cachorro novo, mas acostumado à caça de onças, meu
cunhado que era o dono do cachorro, já havia matado umas vinte com ele).
Um índio Carajás que morava na
aldeia da barreira de pedra insistiu para levarmos um cachorro dele para
aprender a acuar onças e, lá se fomos rumo à outra margem, (quando encostamos a
canoa no barranco os dois cachorros pularam para terra firme e Javali começou a barroar tipo de latido diferente
parecido com um uivado surdo), andamos pelas trilhas o cachorro mestre cada vez
mais se manifestava, vinha até onde eu e o negro Horacio estava e voltava em
frente:
--Ele
esta farejando o rastro da onça, ele vem e volta para não pegar o rastro ao
contrario – finalizou.
Antes de chegarmos até onde à
fera estava acuada. O cachorro do Carajás passou por nos e igual a uma bala e
ganindo assustado morrendo de medo, agora Javali estava sozinho e finalmente
chegamos ao local e vimos à onça em cima de uma arvore olhando para o cachorro
no chão, Horacio apontou o revolver 38 para atirar e eu destravei a carabina
Winchester calibre 44 jogando uma bala na agulha, ato continuo um tiro de
revolver e a onça armou o pulo para fugir ou brigar eu não titubeie apontei na
cabeça e atirei na bicha em pleno salto, ela caiu ao chão estatelado estava
morta, a levamos para o pequeno povoado e lá tiramos o couro, à bala de 38
havia acertado em cima da pá, mas não trespassou, ficou entre o couro e o osso
e o tiro de minha carabina 44 atingiu o pescoço um palmo atrás da cabeça, mas
quebrou-lhe a espinha junto à nuca, o tiro fora mortal. O cachorro do Carajás atravessou o rio de
volta à aldeia e se escondeu atrás de um balaio.
A estadia durou pouco e depois
de arrumar tudo o que tínhamos colocamos dentro do pequeno barco e lá se fomos
para outra aventura, eu, Maria, Aleixo, Ruth e Paulo, duas cabras e cinco
porcos e mais um bocado de galinha, diziam os moradores por onde passávamos que
as galinhas nossas já estavam acostumada a viajarem embarcadas e que bastava
dar um grito para que elas caíssem de perna para cima ficando no jeito de serem
amarradas, e as duas cabras embarcavam sem ninguém mandar e os cinco porquinhos
sempre se agasalhavam.
Descemos por quase três dias o
rio Araguaia, passamos por São Felix do Araguaia, aldeia Carajás do Fontoura,
Luciara rumo rio abaixo até chegarmos à ilha Grande que ficava junto à barra do
rio Tapirapés, bem no meio do Araguaia, nos primeiros dois dias nos arranchamos
na margem direita do rio em uma barreira bem limpa do lado da Ilha do Bananal
em frente à grande ilha.
&
Novas aventuras...junho de 1957
Ilha Grande, rio Araguaia...
Durante a estadia na Ilha Grande que
ficava bem no meio do rio Araguaia junto da aldeia Carajás e fazia barra com o
rio Tapirapés e aldeia destes índios. Mais distante ficavam os vilarejos beira
rio que se chamavam Santa Terezinha e Furo das Pedras aproximadamente quinze
léguas rio abaixo.
Para ganhar dinheiro eu pescava
toda espécie de peixe e ia colocando em pequenas bacias ou poças de água que se
formavam nas praias, muitas vezes eu ia pescar meio fora da beira rio, isto é
no interior da ilha e minha esposa sempre ia comigo e os meninos também, eu ia
à frente com o facão abrindo picada no emaranhado de cipó e tiririca e ela
vinha atrás junto com as crianças, muitas vezes as carregando nos trechos mais
longos, era uma judiação fazer aquilo com eles, mas ela nunca reclamou e nem
eles, era mais seguro estarmos juntos, pois aquela ilha era infestada de onças
e cobras, assim com eles perto de mim eu me sentia mais seguro, e, ela, era a
maior pescadora enquanto eu fisgava um peixe ela pegava dois ou três, e até os
meninos todos de linha na mão pegavam muitos peixes, só que nos tínhamos que os
tratar e salgar, pois não dava para levá-los vivos e os colocar nas poças
d’água que se formavam nas praias onde eu colocava os outros, muitas vezes
passávamos o dia socado dentro das Empuca nas beiras dos lagos pescando e
assando peixe e comendo com farinha de puba, era um grupo familiar notável,
parece que eram feitos de granito e ferro.
Numa pescaria que eu meu amigo
Célio Pinheiro fomos fazer em uma praia rio abaixo, vejam só o que aconteceu:
Chegamos cedo da tarde naquela
praia junto ao rebojo do morro dos Carajás e tratamos de armar um espinhel que
consistia de uma linha forte amarrada em uma poita (bóia de madeira) com pedras
amarradas na outra ponta que serviriam de ancora para sustentar a força da água
e distribuímos oito anzóis grandes e fortes cada um com uma isca de peixe pacu
e junto da outra ponta que amarramos em terra firme colocamos um chocalho (tipo
de Polaco usado para colocar nos
pescoço dos animais) para acusar se algum peixe pegasse no anzol ele balançaria
a linha e daria o sinal.
Ascendemos uma fogueira na
praia enquanto assávamos uns peixes e conversávamos uma novilha se aproximou de
nos e ficou a uma distancia prudente parada e olhando para a fogueira, ela
estava com o pescoço arranhado e o Célio observou:
--Esta
novilha vaca esta fugindo de onça, olha o pescoço dela as arranhaduras ainda
estão sangrando.
--É
por isso que ela veio para cá, veio procurar proteção.
--È,
mas vamos tomar cuidados.
Enquanto conversamos o chocalho bateu duro,
era um barulho infernal e nos fez correr para a linha e escutamos o bater do
peixe fisgado, parecia ser muito grande. Começamos a puxar a linha, foi um
trabalho árduo e difícil, mas o trouxemos para fora da água, era uma enorme Piratinga,
ou mais conhecido como filhote, só que não tinha nada de
filhote, pois devia pesar uns noventa quilos e tinha aproximadamente dois
metros de comprimento. Foi o único peixe que pegamos naquela noite e a novilha
continuava ali parada nos olhando, ativamos a fogueira, rearmamos o espinhel e
nos deitamos junto do calor do fogo e acabamos adormecendo, mas o dia já vinha
raiando e ao acordarmos não vimos mais à novilha, só rastro dela indo embora,
mas em compensação as pisadas da onça estavam em nossa volta há uma boa
distancia.
para casa.
 |
PIRAÍBA NO RIO ARAGUAIA. |
O
autor e os filhos Aleixo e Ruth nos braços da mãe, e o peixe capturado com
Célio Pinheiro-julho 1957
Quando chegava o dia de entregar
os peixes em Santa Terezinha eu tinha que ao clarear do dia juntá-los,
colocá-los nas caixas de isopor e descer até a vila onde e quando chegaria o
avião Douglas da Linha Nacional que levaria os peixes para Goiânia. Mas a volta
era difícil, pois subir o rio era muito demorado, pois o motor Penta de quatro
cavalos andava muito devagar e só poderia vir em um dia e voltar no outro e
assim minha família teria que passar a noite sozinha só a minha esposa e as
crianças e isto era uma temeridade, tendo em vista a quantidade de onças que
perambulavam por aquela região, eu mesmo um dia antes vi três onças pintadas
nadando o rio rumo à ilha e nada pude fazer, pois tinha emprestado o meu rifle
para um índio Carajás e isto me preocupou muito e resolvi sair bem de madrugada
para chegar cedo a minha morada, se é que posso chamar de morada um barraco
feito de forquilhas e uma lona grande jogada por cima. Quando cheguei a casa vi
que a patroa estava alarmada, mas uma companhia havia chegado era um primo dela
de nome Antonio filho da dona Jacinta lá de Luciara.
--Meu velho, entrecortou a minha
patroa – Pensei que ontem íamos nos acabar quase que você não nos encontrasse
mais com vida.
--O que aconteceu?
--Ontem
ao escurecer primeiro uma onça esturrou em nossa volta e botou as cabras, os
porcos e as galinhas para correram para dentro de casa, o chão tremia com o
esturro e as cabras berravam e os meninos se danaram a chorar, e, eu agarrei o
facão, e pensei, se ela viesse estaria disposta a defender a vida de meus
filhos e a cortaria em pedaços, nem me lembrei da carabina 44 e para melhorar
as coisas o céu se escureceu e os relâmpagos nos assombravam, foi quando o
Antonio chegou, ele viu o nosso fogo e veio para nos ajudar, o vento veio com
tudo o que tinha de direito, tivemos que sair do barraco e ir para a praia,
pois o vento assoviava e arrancava os galhos das arvores jogando em cima de
nos, na praia estávamos mais seguros, mas a areia pareciam querer nos furar, felizmente
não demorou muito para passar, quando vento se acalmou voltamos para o barraco
e arrumamos a lona e ai a chuva veio para valer, eu tinha colocado a Ruth na
rede e vi que ela esta chorando meio engasgada quando cheguei até ela vi que
estava se afogando, pois havia um furo na lona e uma forte goteira despejava
água diretamente sobre o rostinho da menina, se eu não chego lá ela teria
morrido afogada. Por favor, não me deixe mais sozinha aqui nesta ilha foi muito
difícil para mim.
Ao tomar conhecimento da
terrível noite, eu não tive duvidas abandonei a ilha deixando ali uns cinco
porcos e algumas galinhas e me mudei para Furo das Pedras.
Leonardo Vilas Boas também
passou a morar uns dias em Furo de Pedra, havíamos descido o rio Araguaia até
Barreirinha para entregarmos umas mercadorias e posto isto resolvemos subir o
rio rumo a Santa Izabel do Morro passando primeiro pelo Furo de Pedra e eu
assim acionamos o barco Brigadeiro Aboim.
Recordei que já fazia cinco
anos que estava casado e me comprometi comigo mesmo de fazer uma analise de
minha vida, do comportamento de meus familiares, de meu comportamento, enfim
uma retrospectiva de todos os últimos dez anos e assim o faria daí para diante:
Em 20 de julho de 1958 nasceu em Luciara a minha filha Miriam. Já eram
quatro filhos duas mulheres e dois homens.
Retrospectiva.
“Do conceito e convivência familiar entre 1953
a 1958”.
Quando me casei em 1953 à vida
a dois foi uma maravilha nos primeiros dois anos, Maria embora muito rude em
certos aspectos, pois fora criada nos sertões por outro lado era compreensiva e
decidida e gostava de ser atendida pelo nome de “Cunhã” que quer dizer índia moça. .
Naquele tempo eu não era
chegado a bebidas, apenas fumava e sempre fui um pouco namorador, não podia ver
um rabo de saia que eu não arriscasse uma cantada, ai e que a porca torcia o
rabo, quando a dona desconfiava vinha com tição de fogo para cima e ai se eu
não escapulisse, era uma fera nos momentos de raiva foi quando eu entendi o que
era amar e preservar este amor ela certamente o sabia como fazer isto muito
bem, meio agressiva, mas era o jeito dela. Certa feita eu tinha arranjado um
desentendimento com um morador vizinho dono de uma chácara a beira rio, e
estávamos de turra e acontece que um cavalo meu sumiu e me deram noticias que
estava na chácara do tal encrencado e quando eu falei para minha esposa:
--Cunhã eu tenho que ir
até lá buscar meu cavalo.
--Cuidado, não se
descuide e não vá desarmado, leve o revolver, nunca se sabe o que pode
acontecer “o coitado já morreu e o desconfiado vive até hoje”.
Sinceramente fiquei com a pulga
atrás da orelha a dona era mais decidida e mais “baguala” do que eu imaginava.
Mas era uma cozinheira
inigualável e ótima mãe para os filhos, zelava da molecada igual uma onça vigia
seus filhotes.
Nesta altura já eram quatro, a
saber, Aleixo, Ruth, Paulo e Miriam todos nascidos em Mato Verde ou Luciara, a
exceção de Aleixo que nasceu na Ilha do Bananal na Fazenda São Pedro.
O difícil foi convencê-la a não
comer com os dedos e sim usar habitualmente o garfo, mas me parecia que a
comida era mais gostosa quando manipulada pelos dedos. Fizemos amizade com três
americanos que também moravam em Mato Verde eram os missionários. Esteel Ray e
as irmãs Violeta e Paulina da Congregação Igreja Cristã Evangélica, fomos
batizados nas águas do rio Araguaia e assim nos tornamos Crentes Evangélicos.
Foi uma benção para nossa família e eu rapidamente aprendi a língua Inglesa
embora já soubesse algumas palavras.
Resumindo
Começava
a iniciar as fusões de caráter entre duas personalidades tão distintas, a minha
vinda de alemães e criado no estado de São Paulo com uma cultura já bem
avançada a dela nascida no estado de Goiás hoje Tocantins, vinda de uma família
sertaneja, o pai quase negro, era vaqueiro de fazenda e caçador de onças e
tinha ainda um pequeno tino comercial, a mãe era bem morena e ambos
descendentes de tribo indígenas, a avó era índia, mas Maria já assimilava uma
cultura um pouco mais avançada para o seu mundo, lia corretamente chegando a
ser até professora do primeiro grau escolar, mas no intimo, lá dentro aonde os
gêneses se escondem, ela ainda era rude como as raízes, mas estava em um
estagio primário evolutivo chegando-se à conclusão que esta miscigenação
deveria gerar espécies fisicamente “naturalis”, altamente resistentes e
repletas de anticorpos, mas quanto às qualidades intelectuais... “Só esperando
para ver e isto só será possível daqui a dez anos, isto em 1963 se eu ainda
estiver vivo”.
Orlando, Leonardo e Claudio Villas Boas.
§
Anos
de 1958
Ingressando nas fileiras da FBC
Leonardo Villas Boas já meu
bastante amigo aportou com seu barco o Brigadeiro Aboin em Luciara, foi até
minha casa e ele e o amigo Enzo, formalmente me convidaram para ir trabalhar na
Fundação Brasil Central em Santa Izabel do Morro na Ilha do Bananal.
Após acertar com minha esposa
resolvi aceitar a oferta, afinal eu já estava com cinco anos de casado, com
quatro filhos e a vida continuava muito irregular e ali na FBC eu poderia dar mais
conforto a família e assim o fiz e comecei a trabalhar, e periodicamente
regressava para minha casa para passar uns dias com a família.
Estávamos em 1958 apesar de
ainda morar em Luciara eu tinha minha vaga garantida na FBC na Ilha do Bananal, Voltei para o meu serviço na FBC na
Santa Izabel do Morro na Ilha do Bananal onde tinha a Aldeia de índios Carajás
e o Posto do SPI.
Foi por apresentação de
Leonardo, ao então Presidente da FBC o jornalista Jorge Ferreira que era dono
da Revista “O Cruzeiro” que me fixei no serviço. Me mudei definitivamente para
a Ilha do Bananal.
Comecei a trabalhar na
Fundação Brasil Central - FBC no Centro de Atividades da Ilha do Bananal, como
pertencente ao quadro de funcionários, meu primeiro serviço seria na
administração. E ali fiquei e, em 09 de agosto de 1960 fui nomeado encarregado
do Posto Bem-vinda.
Naquela época, 1960,
começou-se a construir o Hotel JK na Ilha do Bananal uma grande obra do
Presidente Juscelino.
O material da construção do
hotel vinha de Goiânia, Brasília e de outros lugares, por caminhões, para o
Porto da Bem-vinda na Ilha do Bananal e de lá era transportados em balsas que
suportavam ate setenta e duas toneladas cada uma para o porto de Santa Izabel.
Depois com entrar o período
da chuva mudamos o porto de desembarque para Luiz Alves, mas antes tivemos que
fazer um aterro na estrada até barranca do rio. Assumi o transporte via balsas
que já eram três e continuei a morar em Santa Izabel onde minha família estava
finalmente residindo e sempre íamos a Brasília pelos Aviões da FBC de inicio
eram três Douglas C 47.
Havíamos nos mudado definitivamente para
Santa Izabel do Morro na Ilha do Bananal em 1960 e ali permanecemos por longos
nove anos ate 1972, excluindo-se um bom período de licença sem vencimentos,
neste meio tempo.
 |
Hotel JK - Ilha do Bananal |
 |
Dankmar se servindo do cafe da manhã Hotel JK. |
Todas as semanas o Presidente João Goulart e família vinha nas sextas feira a tarde e regressavam
domingo a tarde para Brasília. Havíamos construído uma casa para o Presidente e
outra para o encarregado da FBC. Ali junto a construção do Hotel Sempre vinham
com o piloto Chico Doido, e com sua esposa e
dois filhos e um negrinho chamado Avelar.
Sempre eu recebia, via rádio,
uma mensagem de que ele viria, E assim eu preparava o jipe sem teto para recebe-lo e um carro para rever
sua família para acomodação. Ele mesmo com uma perna dura gostava de dirigir. E
então eu já me livrava dos compromissos para atendê-lo. Era muito gentil e
nunca comentávamos nada sobre as suas atividades presidenciais O Presidente
fazia questão que o negro Antonio, funcionário da FBC na ilha nos acompanhasse
e como chefe eu o autorizava e o tal gostava
muito, em uma das nossas pescarias o Antonio falou com o Presidente:
 |
João Goulart e Dankmar - Caçando na Ilha do Bananal |
. --Presidente
o Senhor poderia melhorar o meu nível no emprego que atualmente é o nível 8, o
José Dedinho da também era nível oito, ele se acidentou com uma prancha de
embarque da balsa e perdeu a ponta do dedo foi para o nível 10. O que o senhor
me diz?
--Tudo bem Antonio perca um
pedaço de seu dedo e eu vou mandar promove-lo.
§
Assumindo cargo e novas tarefas.
Eu
já havia assumido o comando da sede do Posto da FBC em Santa Izabel do Morro,
Leonardo e Enzo estavam sempre ausentes em viagens a serviço e uma delas seria
a ida via rio das Mortes acima, até Xavantina para trazer um caminhão pelo rio
e nesta eu tive que ir, afinal era a elite da FBC na região. Rio Manso... Ou “Rio das
Mortes”.
Foi no mês de novembro de 1960...
Rio Manso ou rio das Mortes
rio tem sua barra com o rio Araguaia três léguas acima de São Félix. Já
esperávamos as primeiras chuvas do ano o que viria a facilitar a nossa missão
que era trazer um Caminhão GMC 1948 em cima de dois barcos ajoujados de
Xavantina a São Félix do Araguaia, não havia estradas naquele tempo o rio era a
única alternativa, mas para isto teríamos que enfrentar vários travessões de
pedras.
Meus colegas de viajem eram o
Clarismundo e varias mulheres que queriam uma carona até Xavantina.
No dia marcado para a viagem
levantei cedo e fui para o barco pronto para partir, Leonardo estava lá de mala
pronta e também o Juvêncio um amigo e grande piloto fluvial.
--Nos
vamos também – afirmamos Leonardo – Eu e o Juvêncio.
--Ótimo
e estas mulheres? O barco não tem toldo se chover vão se molhar.
--Elas
estão sabendo – respondeu Juvêncio olhando para Tônica que era sua esposa.
--Vamos
sair às dez horas tenho que providenciar mais comida - determinou Leonardo –
estas mulheres também vão, elas fazem as suas próprias despesas.
--Às dez horas eu já estava pronto, o Juvêncio não aparecia e as mulheres
já tinham embarcado meia hora depois chegam os dois e demos inicio a viajem.
Naquele dia fomos dormir muito longe dentro do rio das Mortes em uma
praia muito bonita. À noite conversando com Juvêncio perguntei:
--Porque chamam este rio de Rio das
Mortes?
Uma triste historia...
“Faz muitos anos, um batelão dos padres,
cheio de gente, vinha descendo o rio que estava muito cheio e correndo, o
batelão se desgovernou e batendo em um tronco virou jogando os passageiros nas
águas turbulentas e cheia de piranhas vermelhas. Vários padres morreram
afogados. Duas mulheres e dois homens e um padre se salvaram subindo em
arvores”. “Uma das mulheres estava grávida” e nos dias
de dar a luz e seu marido que também havia se salvado resolve entrar na água e
nadar até encontrar terra seca e ir à busca de socorro. Foi infeliz porque as
piranhas o devoraram bem a vista dos outros e sua mulher não suportando a
tragédia abortou o menino que caiu na água e também foi devorado. Outro homem,
mais cauteloso, esperou a noite e entrando bem devagar na água conseguiu sair
em busca de ajuda e esta só chegou dois dias depois Os que sobreviveram
passaram quatro dias sem comer e dormindo nos galhos das arvores. Daí a origem
do nome “Rio das Mortes” – finalizou.
--É...
Eu conheci esta mulher – disse uma das viajantes. --Água não tem cabelo para se agarrar – completou.
--Temos
uma longa viajem pela frente pela frente – disse Leonardo – eu vou dormir.
--Amanhã
passaremos por uma vila chamada Santo Antônio.
Fomos todos dormir.
Capivaras passeavam pela
praia e gritavam ao sentir a nossa presença, peixes pulavam a noite toda, enfim
era o sertão. Só a luz do fogo que denunciava a vida.
Mal clareava o dia já
havíamos partido. Ainda cedo avistamos as casas da vila Santo Antônio, fizemos
uma rápida parada e seguimos viajem rumo ao travessão “Capitariquara”. No terceiro dia de viajem de
longe escutávamos o ronco das águas no travessão que era um amontoado de pedras
em meio do rio que deixava apenas um canal estreito e violento entre duas
grandes rochas. Eu ia ao piloto do barco e Juvêncio ao meu lado, Clarismundo
cuidava do motor de popa Arquimedes de 12 hps.
--Jogue para o remanso e encoste-se àquela pedra, vamos Ter que passar no cabo –
afirmou Juvêncio.
As águas agora puxavam ao
contrario e o barco tomou um rumo violento contra as pedras, quase me apavorei,
dei uma guinada raspando outras pedras, diminui a velocidade e fui encostando o
mesmo na pedra maior que ficava logo abaixo do canal, ela é quem tumultuava a
águas. O barco sobe a proa na pedra e para. As mulheres rezavam e pediam por
todas as virgens santíssimas.
Leonardo havia descido e
amarrado à corda em uma pedra.
--Ficou
com medo Dankmar? – perguntou Leonardo. --Pra
falar a verdade fiquei sim, com um pouco de medo.
--Isto
é bom, é sinal de responsabilidade, vamos passar para aquelas pedras mais acima
e puxar, você funciona o motor e sobe.
--As
mulheres que fiquem quietas – asseverei.
Clarismundo funcionou o motor e a estas
alturas Leonardo e Juvêncio já puxavam o comprido cabo ajudando o barco a
vencer a corredeira. Quando joguei o barco no canal a água entrou pela proa, o
motor disparou ao ser levantado a popa, mas logo a mesma se estabilizou e ouvi
o estalo, mais parecia um tiro de rifle 44, o leme se quebrou sobrando só o cabo
que estava segurando e rodou rio abaixo, só restava o leme do motor, com o
estrondo as mulheres gritaram apavoradas. As duas enormes pedras formavam
aquele canal violento, mas as forças das águas concentrada o trazia-o de volta
ao leito. O motor foi acelerado ao máximo e agora agarrado apenas no timão
tentava equilibrar e manter o rumo.
Nunca na minha vida ouvi
tanto nome de santo:
--Valha-me
Nossa Senhora do Bom Parto.
--Nos
acuda mãe Santíssima.
--Nossa
Santa Luzia da Fumaça nos proteja. Entre as lamurias e o
tumulto das águas a força de vontade vencia e o barco subia polegada por
polegada, mas subia.
Não demorou muito começávamos
a sair daquele corredor da morte e o travessão Capitariquara, começava a ser
vencido.
De súbito entramos em um
remanso superior que nos impulsionou para um lado, quase em cima de outra
pedra, mas a etapa pior já havia vencido. Finalmente conseguimos ultrapassar e
o motor pode ser reduzido e encostamos o barco em uma praia junto da ressaca.
Mal paramos as mulheres se atiraram para fora do barco e tremiam não por
estarem molhadas, mas de susto.
Leonardo
começou a rir dizendo:
--Esta
foi boa tomara que seja a última.
--Ainda
temos o travessão dos macacos, mas ele é bem mais fácil confirmou Clarismundo.
--Para
mim chega – gritou Tônica a mulher de Juvêncio – o resto da viajem eu vou a pé.
– seu marido a repreendeu com um olhar severo.
Após cinco dias de viajem chegamos
finalmente em Xavantina,e fomos recebidos com muita alegria e
louvores.
Leonardo
como velho servidor da Fundação
Brasil Central e era tido como um dos sertanistas mais atuante me apresentou a
seus irmãos Orlando e Cláudio.
Tiramos aquele dia de folga e
aproveitamos para tomarmos umas biritas e apreciamos o belíssimo GMC 1948 que
deveríamos levar para São Félix. A maioria dos moradores daquela região nunca
tinha visto antes um caminhão ou outro veiculo de roda, movido a motor. Ia ser
um Deus nos acuda. Cinco dias depois já havíamos preparado o
ajoujo atrelando dois barcos, um distante do outro aproximadamente em três
metros.
Colocamos o caminhão em cima. Era uma
verdadeira arapuca, mas estava feito. No outro dia cedo desceríamos o rio rumo
a nossa origem, São Felix do Araguaia.
Para nossa sorte o rio tinha enchido bastante
e os travessões se alisaram somente uma ponta de pedra ficou de fora no
travessão do Capitariquara, passamos entre ela, jogamos os dois barcos na
corredeira e a ponta de pedra deslizou pelo meio, foi um susto danado, pois a
corredeira era violenta, mas saímos ilesos e com o caminhão firme em cima.
Com quatro dias de viajem
chegávamos a São Felix por volta do meio dia.
Foi uma parada, uma loucura, o
povo a beira do rio esperando tirarmos o caminhão, preparamos duas grandes
pranchas e o motorista improvisado que era o Clarismundo se arrancou de dentro
do barco, quando o pessoal viu o caminhão avançar correram de perto e o chofer
pensando que as pranchas estavam caindo se arrancou com fogo no rabo jogando
tudo para traz, mas saiu ileso. Finalmente a fera GMC 1948 estava roncando em
terra firme e virgem, pois até então era o primeiro veiculo de pneu a pisar por
aquelas bandas.
Foi um dia de festa, muita
festa com passeio de caminhão e muita pergunta.
§
Era época de eleição e eu fui
a Luciara com o caminhão para ajudar no transporte de eleitores, mas o pior era
que ao chegar a uma tapera naquele mundo de campos e varjões muito grande eu
buzinava na frente da casa, mas os moradores saiam correndo pelo fundo até que
um criasse coragem e chegasse perto do caminhão depois iam se familiarizando
com o veiculo e se atreviam a subir na carroceria do mesmo o pior eram que as
famílias queriam ir todas e a dificuldade era colocar os meninos na carroceria,
era um Deus nos acuda, a bichada esperneava e gritava, mas acabava entrando e
depois de juntar um bocado de gente eu ia para a cidade para despejá-los em
frente ao grupo escolar aonde se realizavam as votações. Mas é ai que a porca
torce o rabo, quem diria que eles queriam descer? Foi outro trabalhão fazê-los
entender que eu teria que ir buscar outras pessoas.
--Depois
damos outra volta... Está bem?
No alto
Kuluene ou Xingu, ás margens do rio
Tatuari, e não longe do grande lago “Kamaiurá” está localizada uma grande
aldeia Kamaiurás, Sariroa e Canato, dois irmãos, eram os Caciques e os Grandes
pajés, uma dupla de fazer inveja. Por solicitação de Orlando Villas Boas eu fui
junto com o velho amigo o negro Valentim montar um posto avançado, dentro do
Parque Nacional do Xingu que passou a se chamar Posto Leonardo Villas Boas. O
rio Tatuari é de uma água límpida de fazer inveja a qualquer cristal podiam-se
ver os enormes cardumes se arrastando vagarosamente, e também a abundância de
poraquês (peixes elétricos). Em torno à aldeia á mata do Xingu nos advertia de
sua imaculidade e no lado norte haviam reconstruído e melhorado um campo de
pouso para aviões, fora disto só as saídas espirituais.Tenente Haroldo da FAB
fazia seus voos quinzenais em seu NA (North Americam) para inspecionar o
abastecimento de gasolina naquela região, era um habilidoso piloto e, em uma
destas viagens trouxe a sua esposa Lídia para passar alguns tempos no Posto.
Diauarun no Parque Nacional Indígena do Xingu.
Foram quatro meses que
passamos dentro daquela enorme aldeia indígena, aonde tudo era paz e tranquilidade,
mas exigia habilidade para se conviver harmoniosamente com os índios, era
preciso aprender a respeitar seus costumes, pois eram extremamente sensíveis,
mas quando se entrosava em seu meio social nada mais faltava, eram muito
amorosos, mas muito radicais.
A comida preferida era os
peixes e os beijus (feito de massa de mandioca) eram assados em cima de uma
pedra grande sustentada sobre um tripé de pequenas pedras e o fogo era posto
embaixo, quando a pedra esquentava assava-se muitos beijus. Os peixes eram
cosidos em panelas de barro e depois com as mãos tiravam toda espinha
transformando a carne em uma pasta que depois era colocada esparramada em cima
do beiju e a seguir o enrolavam e finalmente o amarravam com um tira de buriti,
e assim eram distribuídos.
Nos primeiros dias, embora
tivéssemos uma cozinha para nós, sempre eles nos agradavam com alguns
“enroladinhos” e eu sempre os aceitava e agradecia e levava-os para a nossa
cozinha e ali, dava sumiço neles, isto nos primeiros dias, depois fui me
acostumando que já chegava a andar atrás pedindo e isto os agradava muito, o
mesmo não acontecia com a esposa do Capitão Haroldo, que um dia, enquanto eu
aceitava um “enroladinho” ele se negou a receber dizendo que “não dou conta de
comer”, foi o suficiente para começarem a marcá-la.
Numa noite estrelada de julho
me juntei á uma dezena de índios ao pé de uma grande fogueira, era noite de
“Pajelança” e o pajé Canato e Sariroa estavam a postos fumando seus cigarros ou
charutos, de folha de cafezinho, e como não eram de boa combustão segurava em
suas mãos um tição sempre acesso, e puxavam grandes tragadas. E já “trolados”
Canato balançava o corpo, não demorou muito o índio deu um grito que acordou a
mata toda e disparou em uma vertiginosa carreira por ela adentro. Algum tempo
depois pudemos ouvir o seu grito muito dentro da mata rumo rio acima, depois
ainda correndo passou pela cabeceira da pista e deu outro grito e sumiu mata
adentro rumo rio abaixo sempre gritando.
air junto à fogueira
quando foi segurado pelo seu companheiro e irmão Sariroa que ficara a sua
espera e começou um dialogo no qual o pajé contava que andara por mundos
distantes e estivera com índios que morreram, e mandavam recados e falavam
sobre as doenças e as curas que poderão fazer, e num súbito repente, ainda
sentado no chão, ele se virou para a Lídia e a agarrou sofregamente pela
cintura e encostou sua cabeça na altura do estômago da mulher e numa mistur Depois de ter corrido umas duas horas ele voltou à aldeia ofegando acentuadamente, indo ca de
grumexe e mordida cuspiu sobre a mão uma masca de capim que estava em sua boca
e disse olhando para a jovem espantada:
Saímos de junto da fogueira e
meio afastados comentei:
--Foi
por causa daquele “enroladinho” que você não aceitou.
--Sim,
foi mesmo, mas de qualquer forma o Haroldo só vem daqui a oito dias, eu já
estava ficando cansada desta vida aqui, e você quando vai voltar?
--Dentro
de um mês no máximo, já esta fazendo muito tempo que estou fora de casa, mas
amanhã eu vou falar no radio com Santa Isabel e avisarei Leonardo que já
estamos terminando os serviços e se deverei voltar para o Posto Diauarun ou
para São Felix do Araguaia onde minha esposa e filhos me aguardavam.
Já
vinha amanhecendo, fui descansar um pouco, mas não demorou nada Valentim me
chamava:
--Acorda paulista, veja
se funciona o Cadilac para carregarmos umas pedras.
Dois meses depois havíamos terminado nossos
serviços, e eu peguei uma carona com o Tenente Haroldo no NA, era um avião
militar para duas pessoas, o piloto e o mecânico, mas como não tinha eu fui em
seu lugar. Passamos pelo Posto Pimentel Barbosa dos Índios Xavantes, na margem
do rio das Mortes onde o sertanista Ismael Leitão e a sua esposa Sara eram os
encarregados, duas pessoas maravilhosas, de lá seguimos para Santa Isabel,
naquela mesma tarde eu estava minha casa em São Felix do Araguaia, ainda meio
tonto com tanta pirueta, subidas e descidas e todo ralado de tanto me segurar
na ferragem apertada do banco de traz.
Valentim havia seguido em outro avião para
Santa Isabel e de lá seguiu viagem de barco até sua casa na barra do rio
Tapirapé eram apenas 35 léguas, mas nestes dias que passamos juntos, quase seis
meses pude gravar muitas de suas histórias e lendas, o velho negro era de uma
subtilidade incrível, os verbos saiam espontaneamente e as sequência se
alinhavam e as histórias iam chegando, embora tenha perdido muitos detalhes
tentarei recompô-los em meu próximo livro
Voltando as atividades.
Um novo Presidente assumira a FBC era ele o Sr. Andrade Lima e na sua
primeira visita na Ilha me deixou como lembrança um jocoso ditado “Meu nome é
Lima se não me tratar com jeito eu amargo”. Mas, apesar dos pesares ele deu
continuidade aos trabalhos e designou uma professora Eunice Noleto, para
Diretora da nossa Escola, só que não consegui engrenar com ela era que era
grosseira e altiva e não me reconhecia como chefe do Centro de Atividades.
Resultado... Eu a demiti e comuniquei a Brasília. Seguidamente o Presidente me
chamou em Brasília e numa conversa reservada determinou que eu voltasse atrás
no meu ato demissionário e eu lhe disse que não voltaria a que ele me
respondeu:
--Eu
sou o Presidente e posso transferi-lo para outra base da FBC.
--Sim,
eu sei, mas o senhor sabe o que deve fazer. --Pois
bem, como eu sou uma pessoa boa e o seu currículo é muito bom eu vou lhe dar
uma oportunidade, pode escolher para onde você quer ser transferido.
--Escolher
para que? Qualquer lugar que o senhor me mandar eu vou satisfeito, não existe
lugar pior do que a Ilha.
Resultado: voltei para a Ilha. E ali fiquei junto com a
minha família por nove gostosos anos de paz e tranquilidade e muito amor.
A construção da pista de pouso
estava quase pronta só faltava a ultima camada de asfalto para encobrir as
farpas do cascalho da superfície o que tornava a pista uma lixa para os pneus
dos aviões.
Os oitenta tambores de MSO-O
para dar o ultimo retoque na pista que cobriria as quinas áridas do cascalho
que ainda aparecia foram perdidos, pois colocaram fogo na área junto ao posto
da FAB onde estavam os tambores que alguns deles com o calor do sol vazaram
piche e o fogo atingiu os tambores que voavam as alturas e explodiam jogando
seu liquido quente para todo o lado. Parecia a queima de fogos de artifício nos
festejo de São João. Ninguém se feriu, mas o estrago foi grande. E assim não se
terminou completamente o asfaltamento da pista o que chegou a estourar pneus
dos Douglas DC47 na sua frenagem ao pousar, mas mesmo assim ficou operacional,
pois os pilotos passaram a pousar com mais segurança e foram poucos os casos
não causando nenhum acidente.
.
Sub Oficial Tabagira e companheiros
FAB construiu seu
destacamento e instalou o Radio Farol SBSY, passou a controlar os voos e o
atendimento ao CAN (Correio Aéreo Nacional) e da VASP que passou a pousar duas
vezes por semana naquela localidade e também supervisionava os três aviões C47
da FBC. Terminamos a construção do Hospital e as casas do Centro de Atividades.
Realçamos os nomes de alguns
militares que por ali passaram: O Tenente Temponi, Sub Oficial Tabagira e o
Sargento Barbosa. Estes se preparando para uma pescaria no Riozinho.
A requerimento me afastei temporariamente do serviço por um ano sem vencimentos.
Três dias depois estávamos em
casa na amigável Mato Verde.
--Aqui
aldeia não é bom para você à comida de índio faz mal, é bom ir embora, olha – e
mostrou em sua mão a masca de capim - olha o que eu tirei de dentro de você.
Nos meios deste período eu fui
com o Liton até Goiânia acertar uns negócios e resolvemos comprar um avião
monomotor era um PA22 destes do corpo de tela e asa de alumínio, com uma
bequilha dianteira comandada. Foi um negocio muito barato, nos devíamos ter
desconfiado, mas estávamos sem avião para voar então qualquer coisa que tivesse
motor serviria. Quando a encomenda chegou fomos para o campo da Escolinha que
fica na saída de Goiânia para Trindade e lá estava o bichão, passamos a mão
nele o abastecemos, conferimos óleo e tudo mais, estava certo e pronto para
partir, mas o Liton estava aguardando uma pessoa para ir junto e quando esta
pessoa chegou conheci que era Jose Taveira um comerciante de São Felix do
Araguaia e nosso amigo, ele trazia uma mala grande e uma pasta que faltava
estourar o fundo de pesada, tanto é que para por dentro do avião foi preciso o
motorista do taxi que o trouxe ajudar. Era uma quinta Feira Santa, lembro-me
bem, depois que o Taveira embarcou, Liton tomou posição e pediu para eu dar
partida na hélice, quando eu coloquei a mão no nariz do avião ele levantou a
frente e bateu a cauda no chão, estava com a trazeira muito pesada e eu reclamei:
--Liton,
assim não vai dar para decolar ele está muito pesado de cauda, olha – dizendo
isto levantei o nariz e ele tornou a bater a cauda no chão da pista.
--Viu?
--Sim, mas não tem
nada não quando você entrar ele estabiliza , vamos de hélice.
Dei a partida e o motor pegou, subi
no avião, assentei e falei.
--Vamos
parar com esta viagem, estamos muito pesados, nos vamos cair bem ai.
--Vira tua boca pra lá alemão, está
com medo?
--Não,
não estou com medo, mas que nos vamos cair ai isto vamos.
Motor foi todo acelerado, foi
dado meio flap, e soltamos a fera que roncou e correu na pista, começava a
descolar e voltava ao solo por duas vezes e a pista estava se acabando foi
quando Liton deu o resto flap e ai o avião inchou e subiu, mas estava com toda
potencia e depois de ganhar uns cento e cinquenta metros tentamos tirar o flap
e o avião afundou neste momento eu notei que a pressão do motor estava caindo e
a temperatura aumentando e avisei o Liton;
--Vamos voltar enquanto temos motor,
pois ele esta pifando.
Liton quando viu a coisa preta
falou:
--Não
podemos voltar estamos muito baixo.
--Nem
tente fazer uma curva, pois se ele entrar em curva vai frear e estolar e nos
vamos de bico para o chão, é melhor seguirmos e cair em frente.
E lá se fomos passando raspando
por cima de uma casa de palha, puxamos para cima e antes que estolasse colocamos
o nariz do avião para baixo e mergulhávamos e assim fomos levando enquanto isto
acontecia o nosso amigo lá traz já tinha me ensinado pelo menos uns dez nomes
de santas e santas. Não tínhamos alternativa e assim desligamos a bateria,
fechamos torneira do combustível e mergulhamos em meio a um terreno baldio
cheio de arvores altas bem na beirada de um cemitério, a primeira asa que
arrancou foi a do meu lado, depois do outro lado depois eu só vi o nariz do
avião ir ao rumo do chão. Eu me apaguei. Quando acordei estava de cabeça para
baixo, com o rosto ensanguentado e dentadura quebrada os lábios partido e
sangrando, mas vi que o para-brisa havia saltado inteiro e a frente estava
livre com muito custo soltei o cinto de segurança e cai para fora rolando no chão numa grama muito
espinhosa e o cheiro de gasolina estava por toda parte. Um bocado de gente começou
a aparecer eu fui recomendando para que não ascendessem isqueiro e não fumassem
por causa da gasolina que estava toda espalhada pelo chão. Liton saiu do avião
todo encurvado, caminhou um pedaço para perto de mim e caiu ao chão de
comprido, eu pedi aos que ali estavam para retirá-lo para mais longe do avião e
ele foi arrastado pelos braços embora eu alertasse que fizesse com calma sem
muito esforço para não deslocarem a espinha. E o mesmo fez comigo, só que cada
vez que me arrastavam um pedaço eu desmaiava e volta logo, não demorou muito
tempo chegou um fusca e queriam nos levar para o hospital só que eu não
concordei:
--Gente
pense bem, nos estamos com possíveis fraturas na espinha, se vocês nos
colocarem dentro de um carro pequeno igual a este não terão espaço para
proteger nossa espinha sem a encurvar a e isto será muito ruim para nos, mande
o fusca ir buscar uma ambulância com macas e eu e o Liton só vamos sair daqui
em macas.
Nestas alturas o Zé Taveira ia
saindo lá de traz de seu banco no avião estava inteirinho só com uns arranhões
no rosto e foi logo perguntando:
--Gente aonde é
que eu estou?
--Esta
no inferno seu miserável. – Foi a resposta de Liton Todo mundo riu.
Zé Taveira pegou suas tralhas e
o Fusca e sumiu antes que a Policia chegasse.
Logo apareceu um caminhão de carregar boi da Matingo, eu vi que daria
certo e pedi para tirarem a tampa trazeira do caminhão a colocarem ao lado de
Liton e o rolassem para cima dela e depois o colocassem dentro da carroceria e
fizessem o mesmo e assim foi feito com ele e comigo, mas daí para frente é que
a coisa fedeu mesmo, o caminhoneiro estava apavorado e saiu em disparada, a
carroceria do caminhão estava cheia de palha de arroz e bosta de vaca e com o
vento quase morremos sufocado em meio aquela tempestade de merda.
Quando o caminhão parou o nosso
amigo o sempre gozador e sorridente;
--O
que foi meus amigos, vocês brigaram com algum boi? – brincou Miranda que já
estava lá em cima da carroceria.
--Brigamos
com tua avó.
--O
pessoal do Hospital já vem para atendê-los, e eu vou voltar lá para pegar os
seus pertences antes que roubem tudo. E lá se foi aquele prestativo e saudoso
amigo.
Foi uma luta para nos retirar
daquela sujeira toda eu acho que usaram até guindaste, pois fomos levantados em
macas por cima da carroceria do caminhão.
Nunca agradecemos o motorista, também num estado daqueles.
Fomos internados, passamos
pelos Raios-X e depois engessados do pescoço até as virilhas. O médico
encarregado do tratamento elogiou os cuidados tomados na trazida nossa, pois se
não assim fosse poderíamos estar aleijados para o resto da vida. No primeiro
dia de internado tivemos a surpresa de ver nosso amigo Miranda entrar no nosso
quarto com uma radiola na mão, era mesma que Liton levava no avião, não teve
nada de defeito e nem os discos ele colocou alguns bem baixinhos para nos
ouvirmos, me lembro o “Rio de Piracicaba”. Ele tinha trazido uma garrafa desta
de dois litros de Coca Cola e o Liton estava agarrado bebendo, comecei a ficar
desconfiado e pedi um copo o que o Miranda me entregou rindo e dizendo “Tome
logo seu sacana” era coca com muito uísque, logo estávamos quase de porre e como
era noite o enfermeiro Zico veio fazer as visitas e desconfiou também, mas o
Miranda empurrou logo uns dois dedos da bebida nele e ficou tudo bem passamos
quatro dias no hospital e tivemos alta, Mas não sem antes tivéssemos as visitas
da FAB que abrira sindicância a respeito da queda do avião e não sei por que
carga d’águas eles só falavam comigo, pois achavam, alias sempre acharam que o
piloto era eu, Foi aberto um inquérito policial e o Juiz tendo em vista a
declaração do Jose Taveira me condenou a um ano de prisão domiciliar por
“Imperícia na operação da aeronave”, mas quando recebeu o laudo técnico da FAB
revogou a prisão tendo em vista o resultado da perícia como “Danos ocorridos no
motor causando o deslocamento de um mancal de biela ocasionando a falta de
lubrificação trancando a maquina e consequente queda da aeronave” Não houve
imperícia de pilotagem e sim danos no motor.
Retornamos em outro avião para
Luciara e vinte dias depois eu havia arrancado o gesso e já estava trabalhando,
fiquei meio torto, mas até hoje sofro os resquícios daquele acidente. Pois
sofri esmagamento de três elos da espinha dorsal veio a prender o nervo ciático o
que me causam pequenos dissabores até hoje e sérios problemas na bacia.
Finalmente
em 1981 eu deixei esta vida de aventureiro me mudei para Porto Alegre do Norte
e passei a trabalhar no comercio. Abri
uma loja de material para construção,
mas durou apenas três anos. Seguidamente resolvi seguir a vida de
sindicalista na qual fui muito bem sucedido.
E
1984 José Celio Pinheiro Luz e mais
alguns amigo resolveram criar o Sindicato Rural de Porto Alegre do Norte
e eu entrei, como dizem, na cola dele e
passei a ser secretário do
Sindicato, Anos depois, foi eleito
Presidente o senhor e amigo Lourenço Pereira Luz, e eu continuava na secretária, finalmente na
eleição de 1989 resolvi candidatar e fui eleito no cargo de Presidente por mais
outras duas eleições, isto e até 2005 Durante este período construí a sede do
Sindicato Rural tal qual ainda hoje
existe. Fui conselheiro da FAMATO
por quatro anos.
Sob
meu domínio o Sindicato chegou a ter 235 filiados de todas categorias em
questão do tamanhos de suas áreas, para mim grande ou pequeno sendo lavrador
merece respeito e catamento e sendo assim intensifiquei os cursos
profissionalizantes De 2005 em diante
passeia a escrever minhas memorias que
se tornaram, somados a este, 14 livros
publicados na Internet. Fiz o que pude e não me arrependo de nada. Meus livros
são abertos a todo publico e poderão xerocopiar os textos, apenas não
modifica-los. Não penso em lucro, pois é este meu presente para as futuras
gerações.
FIM
Se quiseres entender o presente
aprenda com o passado.
Por que buscais a tantos quando
há só UM a ser encontrado?
Autobiografia.
Dos trânsitos pelas avenidas da
vida
Fui
servidor por oito anos na Prefeitura Municipal de Luciara. Exerci o titulo de
Sub Prefeito de Porto Alegre do Norte, ingressei na FBC onde permaneci por nove
anos. Quando da extinção da mesma fui transferido para a Policia Federal em Brasília
onde fiz cursos intensivos na Academia.
Fui finalmente lotado no Forum de Justiça de Barra do Garças onde permaneci por
oito anos e meio como oficial de Justiça. Finalmente voltei para as minhas atividades de cidadão, não sem antes
ter sido agraciado por três títulos 1º
Cidadão Mato-grossense, Monção de Honra,
ambas pela Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso. E de cidadão
Porto Alegrense pela Câmara de Vereadores,
Em
02 de fevereiro de 2022 eu completo 93 anos. Finalmente me aposentei aos 72
anos de vida, recebendo um salário mínimo de ordenado Tendo ingressado na Advocacia Geral da União
com um processo contra o INSS, mas contaram apenas a metade do tempo de serviço
prestado a União passando de aposentado por idade para Aposentado por tempo de serviço com um salario mínimo, mas vou vivendo assim mesmo.escrevi
14 livros já publicados na Internet com a sigla (exemplo)gunther-Raízes a Historia de Luciara--outros títulos todos
descritos em cada livro. Espero que façam uma boa leitura e aproveitamento dos conteúdos
que são autênticos, e não os tenho para venda...
É o meu presente para a geração futura. BOA
SORTE.
Dankmar.
Bibliografia
Este livro foi escrito com
retalhos de textos e dados da vida do
autor coletados em outros livros “Terras Bravias” “Flor
Selvagem” do mesmo autor e
”Terras Sem Sombra” de Willy Aurelli e
“Sertão de fogo”, de Adauta Luz–Outros retalhos compilados via Internet e por
conhecimento próprio,
Autor:
Wolfgang Dankmar Gunther Hornschuch.
Nome adotado de escritor..Wolfgang Dankmar Gunther.
Av. Piraguassú
1415
Porto
Alegre do Norte MT.
CEP
78.655.000
Cel.
66984.07.11.93.
§
 |
Posto Leonardo Villas Boas - Rio Tatuari - Xingu |
 |
Medicando na aldeia Diauarun - Xingu
A beleza das índias Brasileiras
 |
.

Aldeia dos Kamaiuras.
Índia
“ Índia bella mezcla de diosa y
pantera,
Doncella desnuda que habita el
Guaira,
Arisco remanso curvó sus
caderas,
Copiando un recodo de azul
Paraná,
Indiscreta morena..Que una
noche naciera,
De tristeza y penar...De su
tribu la flor,
Montaraz Guayaquíl...Eva arisca
de amor,
Del edén guaraní...Bravea en
sus sienes su orgullo de pumas,
Su lengua es salvaje panal de Iruzú,
Collar de colmillos de tigres y
pumas..
Enjoya a la musa de
Ibitiruzú... Y una noche naciera de tristeza y penar,
De la selva
olorosa su Perfume arrojar..
.La silvestre mujer ...Que la
selva es su hogar.
También
sabe querer..También sabe soñar” .......Fin
Índia...
Índia, seus cabelos nos ombros caídos
Negros como a noite que não tem luar
Seus lábios de rosa para mim sorrindo
E a doce meiguice desse seu olhar
Índia da pele morena, sua boca pequena eu quero beijar
Índia, sangue tupi, tens o cheiro da flor
Vem, que eu quero te dar
Todo meu grande amor
Quando eu for embora para bem distante,9
E chegar a hora de dizer adeus,
Fica nos meus braços só mais um instante,
Deixa os meus lábios se unirem aos seus,
Índia, levarei saudade da felicidade que você me deu,
Índia, a sua imagem,
Sempre comigo vai,
Dentro do meu coração, flor do meu Paraguai
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