O Elo Perdido II...
A saga de um povo em...
Autor: Wolfgang Dankmar
Gunther.
Autor: Wolfgang Dankmar
Gunther.
Apresentação... (aba)
PRELAZIA DE SÃO FELIX DO ARAGUAIA – MT.
São Felix do Araguaia. MT.
Em 25 de março de 2009.
Barra do
Garças –MT
Querido Dankmar,
Recebi teu envio, um bom presente para renovar a memória e reassumir o
compromisso com as causas dos pobres que são as causas de Deus. Você com
tanta vereda em tua vida conservou
sempre essa referencia a Deus e Ele é companheiro garantido em qualquer
solidão.
Os teus folhetos serão uma joia em nosso arquivo. Muito obrigado.
Recebe um forte abraço e a paz da páscoa
Dom Pedro
Casaldaliga
Este livro
foi escrito em 2005 e reeditado em fevereiro de 2018, portanto 13 anos depois,
pouca coisa mudou em seu conteúdo, salvo alguns dados históricos, retificações
necessárias e atualizações gramaticais.
PRELAZIA DE SÃO FELIX DO ARAGUAIA – MT.
São Felix do Araguaia. MT.
Em 25 de março de 2009.
Barra do
Garças –MT
Querido Dankmar,
Recebi teu envio, um bom presente para renovar a memória e reassumir o
compromisso com as causas dos pobres que são as causas de Deus. Você com
tanta vereda em tua vida conservou
sempre essa referencia a Deus e Ele é companheiro garantido em qualquer
solidão.
Os teus folhetos serão uma joia em nosso arquivo. Muito obrigado.
Recebe um forte abraço e a paz da páscoa
Dom Pedro
Casaldaliga
Este livro
foi escrito em 2005 e reeditado em fevereiro de 2018, portanto 13 anos depois,
pouca coisa mudou em seu conteúdo, salvo alguns dados históricos, retificações
necessárias e atualizações gramaticais.
Wdgh.
“O autor, meu especial amigo
Wolfgang Dankmar Gunther foi agraciado a 08 de maio de 2002, pela Assembleia
Legislativa do Estado de Mato Grosso com o meritório Titulo de “Cidadão
Mato-grossense” pelos 56 anos de serviços prestados no desbravamento,
colonização e desenvolvimento do Leste do Estado de Mato Grosso. O autor, ainda
jovem, chegou ao vale do rio Araguaia com a Bandeira de Piratininga em junho de
1948. Se fixou em São Felix do Araguaia mais precisamente no médio Vale do rio
Araguaia junto com os irmãos Villas Boas, Lucio Pereira Luz e Severiano Sousa
Neves, Antônio de Mello Bosaipo, o negro Valentim, Enzo Pizano, e outros heróis
esquecidos, foram estes homens os precursores do progresso no ainda bravio
leste Mato-grossense. Dedicou também nove anos de sua vida como encarregado do
Centro de Atividades da Fundação Brasil Central na Ilha do Bananal em Santa
Izabel do Morro. No Parque Nacional do Xingu substituía Cláudio Villas Boas
periodicamente no posto Diauarun, participou ativamente da construção do Posto
Leonardo Villas Boas no alto Tatuari, e da criação do Parque Nacional do Xingu
merecida esta honraria. “Aos meus amigos e companheiros da Assembleia
Legislativa do Estado de Mato Grosso os meus sinceros agradecimentos pelo
merecido reconhecimento“. Este livro foi escrito para rememorar a Historia do
leste de Mato Grosso, a saga dos seus primeiros colonizadores, desde 1934. Como
mato-grossense lhe agradeço penhoradamente o fato de dedicar seu tempo e seu
esforço em registrar em livro, e assim perpetuar para as gerações futuras, para
Historia de nosso Estado, a luta de mais de uma geração de homens dedicados a
povoar uma terra e em levar para ela o progresso e o desenvolvimento que, até
então, lhe haviam sido negadas”.
“Os
Desbravadores”.
Entre o período de 1910 e
2016, objeto de narração histórica deste livro já decorreu 106 anos, poder-se-á
sentir o impacto, à época, causado entre
os sertanejos que almejavam a conquista de novas terras para implantar seus
costumes e trabalhos e do outro lado às nações indígenas vendo o avanço dos
“toris” ou “caraíbas” colocando em risco sua cultura e a segurança de seus
familiares. Mas ao que parece, era uma imposição do destino.
Tentaremos assimilar os
propósitos e fatos neste histórico inserido analisando minuciosamente a
evolução dos mesmos para assim chegar a
uma conclusão se valeu a pena ou não. No entanto...
Para mim Wolfgang Dankmar Gunther conviver nos
sertões de Mato Grosso desde 1948 até 2017. foi um longo caminho repleto de
duras aprendizagens que me locupletaram de experiências. Foram 69 anos de
sertão, mas de uma vida saudável e pura em meio a natureza, aos índios e aos
sertanejos nossos pioneiros, razão deste livro.
Vi
pessoalmente coisas muito lindas, jamais sonhadas neste mundo selvagem em seu
estado natural, não sei se vou dar conta de as narrar com o mesmo entusiasmo e
alegria dos momentos vividos especialmente com personagens que mencionarei nos
meus relatos, pois sem estes eternos companheiros nunca existiriam estas
histórias.
Foram
paisagens, fatos, lutas, vitórias e derrotas, alegrias, dores e sofrimento que
tornaram a minha alma em um destes sertanejos mais rígidos do que o aço,
ensinando-lhes a temperança e ministrando-lhes a fibra dos invencíveis, brutos
e ríspidos iguais aos melhores diamantes em sua tempera inquebrantável,
humildes como as pombas, mas violentos como
as serpentes, destas
intempéries é como foram
forjados
os nossos Pioneiros, passei e vivi momentos inesquecíveis ao lado deles que
olhos humanos jamais tornarão a ver e os ouvidos não os escutarão de novo.
“Muitos destes sertanejos ainda estão por ai, agora
em 2017, com a idade bem avançada. quiças tenha Deus permitido que ainda possam
recordar de um passado brilhante cheio de amor, carinho aonde e quando os
filhos viviam a vida toda junto aos pais. A estes sertanejos eu dedico
merecidamente este livro”. Wdgh
Capitulo 01
“Terras Bravias”.
e
“O Último Bandeirante”.
Raízes deste
episódio 1910 a 2018.
Navegando nas
memórias...
*Tudo
começou em. 1910...26...35...47..50..52..54..64..até..2018...
Com a penetração do rio
Araguaia pelas frentes colonizadoras, em meados do século XIX, pequenas cidades
ribeirinhas foram sendo criadas e povoadas por migrantes vindos do norte/nordeste
brasileiro. O rio Tapirapé então passou a ser explorado e uma expedição que
estava à procura de caucho (um tipo de seringa) chegou até aos Tapirapé por
volta 1910 causando-lhes grandes
perdas populacionais *Mas o que mais agravou a vida dos índios Tapirapé foram
os ataques dos guerreiros Caiapós contra a aldeia Tapirapé de Tapi-itãwa e raptavam as
crianças e as mulheres e lhes incendiavam as casas.
A fim de evitar encontros ocasionais, durante este período as incursões dos pioneiros em busca da “terra prometida”
se tornaram limitadas e mais cautelosas,
mas progressivamente foram se instalando em suas posses.
Em
agosto de 1926 chegaram à barra do
rio Tapirapé com o rio Araguaia, na divisa do Estado de Mato Grosso e Ilha do
Bananal no Estado de Goiás (hoje Tocantins), o pioneiro Pio José Pinheiro e sua
esposa dona Inês, com eles vieram Sebastião Pereira, Ciriaco. Jose Domiciano e
outros, no inicio se instalaram junto ao morro da barra, mas a grande enchente
do ano de um mil novecentos e vinte e seis fizeram com que na junção dos rios
Tapirapé e Araguaia a água corresse entre os morros vazando por dentro e os
obrigaram a se mudar e, então habitaram ás margens do lago Tapirapé aonde se
formou um grande mangueiral que mais tarde ficou sendo a aldeia dos Índios
Tapirapé. Daí, ele Sebastião e um companheiro partiram para o rio Gameleira no
alto Tapirapé, Ciriaco e um amigo foram para a localidade de porto velho junto
ao rio Xavantinho, e o Pio e a Inês ficaram entre os morros na barra. Os índios
Carajás moravam na ilha do Bananal e no verão mudavam para a praia da ponta sul
da Ilha Grande e em 1941
mudaram-se definitivamente para a barra no lado do rio Araguaia no Mato Grosso,
trazidos por Antônio Wanderley Chaves.
Anos de 1934.
Barreirinha é uma pequena
cidade no Estado do Pará ás margens do Rio Araguaia. Ali moravam estes colossais
aventureiros vindos do Goiás e do nordeste, o espírito de aventura campeava
solto na alma daqueles homens rústicos que andavam em busca de sua terra
prometida.
Na primeira visita em 1935 de Baldus (Herbert Baldus Antropólogo teuto-brasileiro) a região, os
índios Tapirapé somavam a 130
pessoas e, 12 anos mais tarde, em 1947 havia somente 59 Tapirapé.
Depois
de um destes ataques ocorridos em 1947 pelos
índios Caiapós a população Tapirapé se dispersou, uma parte dos sobreviventes
foi acolhida pelo pioneiro da região Lucio Pereira Luz. E
posteriormente foram recambiados pelo SPI para a aldeia “Orokotâwa” (Aldeia do Urucum)
dos Índios Tapirapé.
*
Lúcio Pereira Luz era um deste, liderava a
maior parte dos pioneiros, casado com Dona Silvina, tinha o filho José e as
filhas Donatilha, Dauta e Benedita e não
dando certo o casamento se juntou com Inês e teve o filho Valdemar, depois se
juntou com Maria Gruvira e teve o filho João Neton, tempos depois passou a
conviver com Dona Otildes e teve os
filhos, José Liton, Dorly, Daily e Dalila, tempos depois largando a mulher
passou a viver com Raimunda Pinheiro que estava grávida de seu primeiro marido
e teria um filho que se chamaria José Célio, depois vieram José Lúcio, José
César e Jose Augusto, a última mulher chamava-se Constância e esta colocou sal
na moleira do velho Coronel e lhe complicou a vida.
* Histórico de
Lucio Pereira Luz
“Lucio Pereira Luz, Paraense de nascimento,
nascido a 15 de abril de 1894 em Barreira de Santana PA”. Era filho de José da
Luz Reis e de Francisca Pereira de Miranda, ambos maranhenses, e tinha os irmãos: Leopoldo, Osório, Ranulfo e
Raimundo, e também as irmãs: Jardelina, Antonia, Otilia e Fabriciana.
“Lucio
Pereira Luz faleceu no dia 19 de novembro de 1970 durante o voo que o trazia
doente do hospital de Mineiros GO. foi sepultado junto a seus familiares em
Luciara”.
*
“A Expedição”
Começavam a se organizar para a partida.
Nos
meses de março e abril, daquele ano, o rio Araguaia ainda estava cheio, Lúcio
deu inicio aos trabalhos:
--Vamos atrás do José Xavier para
fazer a relação das pessoas e famílias que vão conosco e das provisões para a
nossa expedição.
--Lúcio...
Vamos esperar mais uns dias a chuva passar.
O
vento soprava forte balançando as palhas da casa e grossos pingos d’água caiam
em cascata.
--Já
mandei derrubar a minha roça eu plantarei muito milho, muito arroz, mandioca e
abóbora e se chover desse jeito teremos muita fartura – sonhava Severiano.
--Pode
sonhar amigo, eu já conheço o lugar já fui lá no ano passado com o Pedro
Madalena, que ficou me esperando, a mata é de primeira e a minha roça já esta
derrubada e é por isso que eu quero chegar logo de mudança e tudo para plantar,
para plantar o futuro de minha família.
--Saiba, eu vou fundar um povoado
onde eu e todos os meus poderemos viver para sempre - concluiu Severiano Neves
- palavra de piauiense.
--Eu
fundarei a minha cidade – completou Lucio -
Horas depois a chuva tinha passado e ambos se
dirigiram à casa do “secretário”. José Xavier era o tipo do sertanejo estudado,
era quase um rábula, tinha boa caligrafia, e fazia bem as contas especialmente
para o lado dele, Lúcio sabia que os outros mal assinavam os nomes.
--José...
Eu quero que você organize, no papel, a nossa viagem eu te dou mais ou menos os
rumos e você faz a previsão, como você já sabe, eu já estive lá e sei o que
vamos precisar.
--Muito
bem, primeiro os nomes de quem já concordou ir.
--Eu
sei que eu vou e o Severiano também.
--Muito
bem Lúcio Pereira Luz e família, Severiano Souza Neves e família, Pedro Nonato,
Joaquim Rosário, Ananias Vasconcelos, Roxo, Antônio Silva Mundim, Francisco
Gomes, Altino Pereira Luz e você José Xavier, João da Silva o “Fogaça”,
Melquiades, Raimundo Vasconcelos o "Branco” são os da frente -
afirmou Lucio e confirmou Severiano.
--Nem
pensar que certos elementos que não gosto vão conosco, vai ficar muita gente
por aqui ainda – zangou o sertanejo.
De fato muita gente em Barreirinha tinha o
Lúcio como um líder, mas outros o invejavam e se o odiavam era bem escondido,
pois temiam o homem.
Quando por um acidente o cartório onde foi
feito seu primeiro casamento com Dona Silvina pegou fogo, ele, sem ligar para o
ocorrido comentava: “não tendo documento não tem casamento”.
Nos dias seguintes todos se
movimentaram, uns calafetavam os batelões, outros ensebando os arreios,
limpando as armas, carregando os cartuchos e afiando as facas e facões e as
mulheres preparando as “matulas” e ensacando mantimentos. Era uma atividade
febril.
Era “12 de abril de 1934”.
Finalmente
chegou o dia marcado para a partida.
Mal o
dia clareara já se escutava o gado berrando e os vaqueiros com seus gritos
movimentavam as rezes pondo-as a caminho por uma pesada rota, margeando o rio acima,
até então desconhecida rumo à barreira aonde à mata era verde. Seriam muitas
caminhadas e ainda chovia bastante, o gado parecia que não ia sofrer, o pasto
era abundante e eles não tinham pressa. Os outros começaram a movimentar seus
batelões e canoas que balançavam com a entrada apressada de seus ocupantes.
Estava dada a saída e Lúcio em pé, na proa do
batelão com seu rifle 44 de papo amarelo cano sextavado e longo balançava-o
sobre a cabeça se despedindo. Fogos e tiros encheram o porto da pequena cidade.
Muitos os desejaram boa sorte. Outros
tinham inveja por não terem a coragem de participarem.
--Vão
com DEUS gritou alguém bem alto.
Margeando
o rio escutava-se o berrante e o clamor do gado, nos barcos todos tentavam se
agasalhar e ajudar a empurrá-los contra a correnteza rio acima, uns com remos
outro com zingas e outros com ganchos com os quais usavam as arvores
ribeirinhas para dar impulso. As canoas pequenas que tais gazelas seguiam na
frente, foram logo sumindo da vista dos moradores de Barreirinha. Já estavam a caminho.
--Bem,
agora estamos por nossa conta, Dona Dauta e Dona Bené não se descuidem – disse
o pioneiro Lúcio as suas duas filhas mais velhas.
--Pode
deixar papai, não vai acontecer nada.
Como o rio tinha muita água, aqueles tipos de
embarcação, os batelões eram largos e de poucos calados, próprio para andarem
em águas rasas, assim, tiveram que por uma travessia no rio, desviando-se das
correntezas para pegar os remansos rasos do outro lado. A viagem então começou
a render, almoçavam as merendas preparadas durante as noites enquanto dormiam
com os batelões amarrados em arvores nos poucos lugares secos que encontravam,
acendiam uma grande fogueira e se revezavam na vigília.
Chuva fina e mosquitos os acompanharam
durante os vinte e oito dias que levaram para irem de Barreirinha ao local
pretendido.
Os ganchos que prendiam aos arbustos
para puxar os barcos e as zingas os ajudaram muito para encurtar a viajem e
finalmente em maio de 1934 chegaram os primeiros habitantes ao lugar que então
foi batizado como Mato Verde e ali acamparam definitivamente. Era ainda cedo do
dia quando desembarcaram em um barranco limpo que tinha como fundo uma
belíssima Mata Verde.
No singelo e rude
porto, um pequeno grupo de índios Carajás que ali habitavam em um torrão
(pedaço de terra alto e enxuto) denominado “Torrão dos Carajás”, que ficava uns
mil metros abaixo junto à barranca do rio. Oito casas e um barracão dos índios
solteiros enfeitavam a pequena aldeia composta por apenas oito (08) famílias
num total de trinta e nove (39) índios que eram comandados pelo cacique mais
conhecido como Manoel Joaquim Andori. No período do verão se mudavam para a
praia da ilha em frente ao porto onde desembarcaram os chegantes quase todos
tinham uma boa noção dos palavreados usados pelos cristãos e o porto estava em
festa, índios e seus novos irmãos se confraternizavam. Já conheciam Lucio de
outras viagens anteriores e tinham uma grande estima por ele, era o começo de
um novo mundo cheio de amor e esperança. Anos depois, na aldeia de São Domingos
o capitão era o carismático índio José Caolho Antuire.
O raiar
de uma nova era.
As primeiras ordens do dia foram dadas pelo Lúcio:
--Agora
vamos descarregar os batelões e as canoas e armar acampamento, os índios nos
ajudarão dormiremos com os rifles dentro de nossas redes, se bem que os índios
Carajás são nossas sentinelas, amanhã começaremos a nos organizar, estamos em
terra hostil, mas os índios bravos não andam por estas bandas durante o período
chuvoso, mesmo assim manteremos sempre um olho aberto, nunca andem sozinho,
sempre acompanhados de dois ou três companheiros e pelo menos levem um índio
Carajá com vocês.
§
Explosão nascitura.
Era
o dia 10 de maio de 1934 –
Nascia a vila de “Mato Verde”.
“Aos bravos desbravadores de sertões
e fundadores de cidades, Coronel Lúcio Pereira Luz e seus companheiros o nosso
apreço e registro de seus feitos heroicos”.
Certidão
de nascimento: Vila de Mato Verde.
Nascida a 10 de maio de 1934.
Localização: Margens do Rio Araguaia
Estado de Mato Grosso.
Filiação: Lucio Pereira Luz e seus
companheiros;
“Fundamos
uma vila que se tornará em uma cidade e ela se chamará MATO VERDE – e aqui
viveremos como uma só família, cristãos e índios e que Deus nos abençoe” -
gritou o Coronel Lúcio Pereira Luz levantando seu famoso rifle e todos
aplaudiram dando vivas.
Nascia Mato Verde... José Liton
Luz, filho de Lúcio Pereira Luz e de
Otildes era o filho mais novo da cidade que surgia, foi o primeiro filho da
terra.
*
Uma pausa,,,
Entrementes,
ao nascer da vila de Mato Verde...
Chacina
no rio das Mortes - 1934
No ano da fundação de Mato
Verde ou Luciara, isto em maio de 1934, dois padres salesianos que frequentavam
aquela localidade e tinham se instalado no Morro do Padre a cerca de dois
quilômetros da nova vila, rio acima,
foram a primeiro de novembro
daquele ano assassinados pelos índios Xavantes no rio das mortes, como veremos
a seguir:
O
Pe. Sacilloti e o Pe. João Fuchs tinha suas desobrigas estendidas de Araguaiana
no rio Araguaia por este abaixo até Mato Verde e depois subiam o rio até a
embocadura com o rio das Mortes e por este adentro ate Santa Terezinha já no alto Rio da Mortes ou rio Manso e vice
versa.
Mato
Verde que havia sido habitada por Lucio Pereira Luz e mais uma boa leva de lavradores
e vaqueiros, era uma pequena vila apenas a uns dois mil metros do Morro dos
Padres que ficava na mesma margem, uma volta rio acima.
Os dois padres tinham por companhia um Bororo
Luiz que era o motorista e piloto de sua embarcação, e vez por outra a presença
do Coadjutor Pellegrino. Que segundo se supõe foi vitima de uma devastadora
chaga que o vitimou. Lembro ainda que haja muitos anos atrás eu mesmo por
varias vezes, e por vários índios Karajas da aldeia de Santa Izabel, os ouvi
comentarem que não dormiam nas praias do rio das Mortes porque elas causavam
feridas nas peles como queimaduras. Anos depois, por algumas vezes vinham os
aviões anfíbios ”Catalinas” da charqueada de Araguacema e ali pousavam e
enchiam sacos de areia e decolavam. Falava-se em areia monazítica
Trechos do Boletim da Missão Salesiana:
“1934 — O primeiro mês de 1934 continuou com os nossos em
Mato Verde na evangelização dos Carajás da margem esquerda. Pelo fim do mês por ordem dos Superiores, voltaram a
Araguaiana para um descanso. Aos 30 de outubro decidiram descer até Mato Verde,
na frente da ilha Bananal, onde num alto barranco construíram um rancho e no dia
3 de dezembro foi inaugurada a nova missão de S. Francisco Xavier
assistindo à Missa um bom grupo de índios Carajás”. (o grifo é nosso).
Noticiaram-se, naquela oportunidade que 34 dias após as mortes dos padres,
outros salesianos vindos de Araguaiana oficiaram a nova Missão dando assim
prosseguimento aos trabalhos dos padres sacrificados. *
RETROAGINDO...
“Os
índios Xavantes depois da primeira pacificação pelo exercito ainda em Goiás,
desde 1775 viram-se diminuindo a tal ponto que fugiram atravessando o rio Araguaia na barra do rio
das Mortes, onde se fixaram a esquerda
do rio das Mortes desde 1840
rejeitando qualquer tentativa de aproximação. Quando os Pe. João Fuchs e
Pedro Sacilloti, tentaram se aproximar
dos Xavantes foram trucidados”.
Assim
se passaram os fatos:
“*01 de Novembro de 1934 — Festa de todos os Santos foi o
dia glorioso da morte dos nossos dois heróis. Na embarcação que descia de Santa
Teresinha no rio das Mortes eram sete pessoas: os dois Padres, o bororo Luis Kapuceva.
(motorista), Militão Soares de Cocalinho,
Nestor Coelho do Maranhão, o garimpeiro holandês João Schiller e o moço Serafim
Marques de Araguaiana.
Bordejando rio abaixo, eis que pelas 3 horas da tarde, o
moço Serafim entreviu na margem direita dois Xavantes parados, em observação.
Padre Sacilloti e o bororo Luis saltaram na ubá que levavam consigo e
encostaram, enquanto a lancha descia lenta no meio do rio com o motor apagado.
O barranco da margem era íngreme e muito alto: trepando com as mãos e pés
chegaram em cima; ninguém! Avançando um pouco subiram numa árvore e de lá
descortinaram à distância de cem metros na orla da floresta uns 50 Índios
escondidos na folhagem.
Pe. Sacilloti chamou
então os demais que viessem. Avançaram os dois Padres e o bororo; chegados bem
perto. Pe. Sacilloti falou aos Índios em Carajá, mas eles responderam em tom
ameaçador. Então Pe. Sacilloti virando-se pediu aos companheiros que trouxessem
os presentes. Militão, Nestor, e Luis voltaram à embarcação, enquanto o
holandês, que não tinha entendido, continuou a avançar.
Quase no mesmo instante ecoou o grito de P. Sacilloti “Os
Xavantes atacam!” O que aconteceu naqueles momentos ninguém viu, mas é certo
que os dois Padres desde muitos meses previam à hora do sacrifício e
serenamente o enfrentaram: sine sanguinis effusione non fit remissio!
Os camaradas fugiram desabaladamente, enquanto entre os
gritos dos selvagens sibilavam os cacetes e as bordunas. Chegados à lancha, o
holandês armou-se de seu “Winchester” automática e encostou outra vez no
barranco chamando forte “Padre Sacilloti, Padre Fuchs!”; fora do éco, silêncio
absoluto.
Não avançou por
estar sozinho e porque começava a anoitecer; chamou os demais, mas estes se
recusaram pela escuridão. Bem lembrado da recomendação do Padre, não atirou nem
quando lhe pareceu que passassem perto duas sombras; ficou toda a noite
ancorada no meio do rio; no dia seguinte exploraram o terreno; a uns 500 metros
do barranco encontraram os dois cadáveres, um junto do outro, ambos com o
crânio fraturado.
Transportados na margem, foram enterrados à beira do rio a
meio metro de distância e foi levantada uma cruz, sinal de nossa redenção.
Terminada a cerimônia, o bororo se ajoelhou imitado pelos demais, e rezaram uma
Ave Maria, para o descanso eterno dos dois Padres, imolados para a conversão
dos Índios Xavantes. “Meses depois os restos mortais foram transportados a
Araguaiana no cemitério que já acolhia os despojos de Pellegrino: lá foi
construída uma decorosa capela para lembrar aos fiéis os heróicos missionários
dos Xavantes”.
Esta é a origem do nome Morro dos Padres em Luciara.
*
Continuemos...
Ao cair da tarde
Ainda
cedo da noite algumas fogueiras e seus improvisados assados já haviam
alimentado os viajantes que já tinham armados suas barracas de vara e palha de
piaçaba, e se agasalhavam com suas famílias, era a primeira noite de uma nova
cidade.
Os
cachorros corriam festejando a liberdade, os patos, marrecos e galinhas
aproveitavam a lua clara e andavam circulando junto às cozinhas improvisadas e
muitos peixes trazidos pelos Carajás estavam sendo assados em jiraus e os
meninos, índios e toris brincavam alegremente.
Não choveu e o céu se abriu como a cumprimentá-los dando boas
vindas, as estrelas e a lua faziam companhia aos novos moradores, seria assim
daí por diante.
Cada
grupo deu um turno de guarda, jantaram e foram dormir em busca de seu merecido
repouso.
No
outro dia cedo antes do dia clarear, os homens no acampamento já estavam
reunidos discutindo e traçando seus próximos passos, como iriam começar a
explorar a região e onde se instalaria definitivamente, Lúcio pediu que todos
se calassem porque tinha ouvido qualquer coisa, um som no ar do clarear do dia.
--É
o gado que vem chegando - gritaram entusiasmados.
--Devem
ter dormido aqui perto, vamos improvisar um curral de varas, precisamos dar
leite para esta molecada - comentou Ananias Vasconcelos.
Logo
os homens se juntaram e de facão e machado na mão começaram a improvisar um
pequeno cercado para por o gado.
Três horas depois o som do
berrante estridente já soava quase dentro do acampamento e se ouviam os gritos
dos vaqueiros e o tropel do gado acelerado.
--Viva!
Até que finalmente chegaram, tiveram muita dificuldade?
--Quase
nenhuma seu Lúcio, apenas perdemos dois bois e uma bezerra, de índios só vimos
os rastros.
--Ainda
bem, coloquem o gado no pastoreio, seus homens devem descansar agora tomaremos
conta cada um do que é seu.
--É
isso ai – concordou Nena – eu por mim vou tomar um banho, arranjar um jeito de
tomar um pileque e dormir um pouco.
Passaram o dia agasalhando os pertences,
fazendo barracos melhores e explorando a vizinhança. Enquanto isto um café
cheiroso tomou conta de todos.
À noite
continuaram as reuniões interrompidas pela chegada do gado.
--Sabemos
que o Sebastião Pereira que ainda esta na barra do Tapirapé onde o Pio e a Inês
estão morando ele quer subir o rio com o Ciriaco e ficar ali pelas bandas do
Urubu Branco na Gameleira, o Domingo Medeiros e o Ciriaco querem ficar no porto
junto a Cedrolândia onde o Dionel, Jose Barula, Leandro, o José Domiciano,
Inocêncio Borges, Pedro Nonato, Cassiano e Pedro Madalena estão nos esperando
para tocarem fogo nas roças.
O
Pedro Nonato, Joaquim Rosário e o Pedro Abel tiveram que atravessar para a Ilha
do Bananal no Furo de Pedra de lá chegaram a Mato Verde se juntando aos outros,
era um caminho mais seguro.
Lúcio
ficou em Mato Verde e sua nova morada era na margem do rio Tapirapé, teve o
nome de Fazenda São Pedro, o José Pinheiro acabou se instalando na Santa Rosa,
também as margens do Tapirapé, João Colodino foi para Bom Jesus do
Tapirapé. Sabino Brito se instalou no Bom
Jardim, junto com Veronilha, Melquiades foi para o Mutum junto da grota bonita.
Anos depois chegava a Mato Verde Raimundo Pereira Luz o Mundico que era marido
de Dona Rosa, José de Barros Lima chegou em 1936. Severiano, Zé Martins, Leó,
Maria Dias, Bento, Ateneu, Lupercio, Sindô, Tertuliano, logo estariam se
instalando rio acima em sua própria cidade que já a estão chamando de São Felix
do Araguaia.
--O
nosso povo habitou todo este sertão, agora se encontram espalhados por todos os
cantos, cada um em sua posse, nosso sonho esta se realizando - vaticinou Lúcio.
Depois
de discutirem muito, foram dormir, acordaram cedo no dia seguinte, antes do dia
clarear.
--É
nestas horas que os índios Xavantes gostam de atacar - comentou Lúcio – temos
que ficar atentos para os sinais, eles quando estão querendo atacar ficam
imitando o Mutum ou o Jacurutu, quando
escutarem muitos pássaros cantando de uma só vez pode por a bala na agulha da
arma, pois os índios Caiapós gostam de atacar ao meio dia quando o sol esta a
pino é uma hora em que ninguém espera e são mais violentos do que os Xavantes
temos que zelar das nossas armas, pois estes beiços de pau (Caiapó) adoram
roubar armas dos “toris ou caraíba”. Todo cuidado é pouco.
--Vou
ficar uns tempos por aqui, os animais precisam se recuperar da viagem - disse
Severiano.
--Como
quiser.
--Eu
vou dar uma explorada, amanhã saio por ai.
--E
eu vou junto disse Lúcio.
--Vamos
pela beira do rio, margeando a mata.
--Vamos olhar o gado?
Ambos
montaram a cavalo e foram para os varjões onde o gado estava pastando reunido,
pelo caminho conversavam.
--Isto
aqui vai ser uma bela fazenda, com tanta água, matagal, pasto, caça a vontade e
muito verde.
--Olha
só que beleza de pradaria, os campos se perdem de vista nunca vi nada assim
antes.
--Nos
devemos voltar imediatamente para Barreirinha para trazer o povo que quiseram
vir.
--O
gado esta um pouco magro, a viajem foi apertada.
--Logo estarão roliços de gordos.
O dia
passou rápido, logo amanhecia o dia da viajem de exploração das terras, cinco
homens já havia arriados seus cavalos e de matula nas garupas se despediam
prometendo voltar em três dias, já era perto do meio do dia quando saíram rumo
ao desconhecido.
--Vamos
em frente sempre margeando o rio – orientou Severiano
Seguiram
por quilômetros de varjão onde os veados campeiros os olhavam desconfiados e se
aproximavam bem perto para cheirá-los era o desconhecido, nas margens dos
lagos, esgotos e rios, os Jacus e os Mutuns abundavam, os patos selvagens
voando por cima pousavam nas praias aos milhares, já estava entardecendo,
rodearam capões de matas sempre enxergando as arvores altas da beira rio quando
chegaram ao esgoto de um lago que desembocava no rio Araguaia, acamparam em uma
praia enxuta bem dentro da baixada.
Os
índios Carajás habitavam do outro lado do rio na Ilha do Bananal em uma aldeia
chamada Fontoura, e não demorou muito tempo um índio em sua canoa apareceu remando nas águas do
esgoto e ia rumo ao grande rio Araguaia. Ao avistar os homens brancos parou a
sua canoa e perguntou num péssimo português:
--Ocês
moradô donde?
--Mato
Verde - respondeu Lúcio - e eu sou Lúcio.
--Onde
fica isso Mato Verde? Ocê Lucio eu conhece, Carajá fala ocê bom, eu Pereira,
capitão Pereira, eu cacique da aldeia do Fontoura lá na Ilha do Bananal.
--Nois
moradô novo, Mato Verde fica meio dia de viajem rio abaixo. - Tem peixe ai na
canoa? Vamos trocar?
--É
eu troca por rapadura, mas eu aviso vocês toma cuidado Xavante ta perto eu vi
rasto deles, são muitos, cuidado.
--Obrigado
amigo.
Depois
da troca, e um longo papo, Pereira foi embora e os homens foram assar os
peixes, neste mesmo dia o esgoto passou a se chamar “esgoto do lago Fontoura”,
mas era do lado de Mato Grosso.
No
outro dia, muito antes do clarear, Joaquim Rosário que estava de vigia chamou a
todos.
--Escutem... Os Jacurutus e jacus se revezavam nos cantos
e eram muitos.
--São
os índios – falou Severiano. – vamos dar uns tiros para cima que eles vão
embora.
--Não
– asseverou Lúcio - nada de tiros, temos que aprender a conviver com eles e não
será hostilizando-os que o conseguiremos, vamos aguardar eles se aproximarem.
Os cinco homens estavam em meio à praia limpa, e atentos, ao redor
a mata do rio. Logo os índios se fizeram aparecer. Lúcio levantando a carabina
falou as únicas palavras que sabia em Xavante:
--Uachuadi.
Uachuadi... (amigo.)
--“Ia
mamã heto Terezaçu” (Sou o cacique me chamo Terezaçu.) - e continuou:
--Uachichi? (como chama você?).
--Eu
me chamo Lucio e este outro se chama Severiano- e este outro chama Roxo-
falando e indicando através de mímica.
O
índio que parecia ser o chefe deles, todo pintado de vermelho e preto, um olhar
penetrador e muito sério com arco e flechas na mão subitamente levantou o arco
e disparou uma flecha que foi se enterrar quase entre as pernas do pioneiro,
apenas dois metros adiante a frente, estavam a uma distancia de uns trinta
metros um do outro. Lúcio não pensou duas vezes deu um tiro com sua carabina de
calibre 44 que levantou poeira meio longe do índio que nem piscou e tornou a
gritar abaixando a arma:
--Uachuadi...
Uachuadi... (irmão)
Hummmm. - Resmungou o índio abaixando o arco
e se aproximando de Lúcio dizia por mímicas que ele era o chefe, e numa demonstração
estranha abaixou, pegou um graveto de pau no chão e enfiou na boca da carabina
do Lucio o que valia dizer que não queria briga e sim paz. Daí por diante,
todos se acalmaram e uns tentavam entender o que os outros diziam, mas os
índios estavam vidrados nas armas, Havia perto de trinta índios. Ganharam
presentes dos pioneiros, como facas, facões, rapaduras e sem mais nem menos
foram saindo e sumiram da vista. Enfim tudo terminara bem, pelo menos neste
primeiro encontro improvisado quase depenaram os toris.
--Severiano
comentou: Foi uma temeridade sua atirar nos pés daquele índio.
--Tínhamos
que mostrar que não estávamos com medo, só assim eles nos respeitará.
--Você
acha que eles vão nos seguir?
--De
agora em diante dormiremos nos descampados, bem no limpo dos varjões, assim
poderemos avistá-los se aproximando.
--Hoje
dormiremos na praia em frente à barranca do rio Araguaia, assim só teremos um
lado para vigiar.
--É,
parece que nos largaram, te juro que fiquei apreensivo - comentou Roxo.
Seguiram pelas limpezas de uma barreira que
logo a chamaram de Barreira da Cotia, tal a quantidade destes pequenos
roedores. Chegaram às margens de um bonito lago, junto ao rio e o chamaram de
Lago de Pedra ao rodearem a planície saíram em cima de uma lagoa de arroz bravo
que era uma maravilha. Ao entardecer estavam junto a um morro de areia bem
acima da curva do rio onde ficava do outro lado do rio a grande Aldeia Carajás
de Santa Isabel do Morro, pela primeira vez pousaram onde seria no futuro uma
grande cidade que se chamaria de São Félix do Araguaia.
--Um
dia voltarei para erguer a minha cidade aqui neste lugar - disse Severiano
--É
um belo lugar - Comentaram.
--Nesta
noite não acenderam fogo porque temiam também os índios Carajás que eram ótimos
canoeiros, embora não fossem tão hostis.
--Estamos
com índio de todos os lados, de um lado os Xavantes, do outro os Caiapós, mais
em cima os Tapirapé e agora os índios Carajás.
No dia
seguinte montaram a cavalo, e após sondarem as redondezas iniciaram a volta, a
lua já ia alta quando chegaram ao acampamento em Mato Verde.
--Foram
bem de exploração?- perguntaram.
--Tudo
bem só um pequeno problema, mas foi resolvido e será sempre assim daqui para
frente. – Quase ninguém entendeu a mensagem, mas para Lúcio tanto fazia.
As vilas no sertão eram construídas em forma
de ferradura para melhor e defenderem dos ataques dos índios. Nos primeiro 16
dias de instalados, mataram 11 onças pintadas e seis suçuaranas.
O restante da boiada só chegou por volta de
1935.
Fatos inéditos marcaram o nascimento daquela
cidade, a exemplo a dona Francisca Miranda, mãe do Lúcio é quem ditava as
ordens e os costumes das novas terras e no dia de sua chegada fez as mulheres
dançarem de saia arribada batendo as nádegas umas nas outras, era uma simpatia
originaria dos congados da África para com isto evitar ataque dos índios.
Lucio e mais dois companheiros desceram a
Barreirinha.
No dia 15 de julho de 1934 o
Coronel Lúcio, e seus companheiros Severiano e Joaquim Rosário voltavam de
Barreirinha onde conseguiram recrutar mais famílias, a pequena cidade ficou
quase deserta quando cerca 23 famílias e 304 cabeças de gado e seis canoas,
quatro ubás e dois batelões levando mais galinha, cachorro, porco, peru, bode
chegavam à terra prometida para colonizar e cada um teria seu pedaço de chão
para formar suas fazendas. Mudaram-se 103 pessoas entre grandes e pequenos.
Manduca
jovem, devia ser simpático porque se engraçou dele duas viúvas e como estavam
indo as turras Lúcio mandou improvisar um ringue onde no mastro, ao centro e ao
alto tinham dois cortes de tecidos de
seda, duzentos mil réis em dinheiro, e dois vidros de perfume e um par
de sandálias e talco. Intimou as duas a disputarem, no tapa o homem
cobiçado e quem ganhasse levava tudo, o homem e os presentes. E logo teve
início uma luta sem quartel, era tapa, coice e mordida de todo tamanho até que
uma, cansada, entregou os pontos e a outra saiu de braço dado com seu homem, os
presentes e muita palma e viveram bem por muitos anos. Mas o dia não terminara
para Lúcio saíra a tarde naquele dia
quando ao descer do cavalo para urinar foi mordido por uma cascavel no dedo, de
que jeito eu não sei, mas que foi picado isto foi, tirou o facão e cortou a
ponta do dedo fora.
Mato Verde continuou a crescer e veio a se
chamar Luciara em uma homenagem ao fundador e ao rio Araguaia. Em 12 de julho de
1961 a Lei nº 1.503 criou o distrito de Luciara então Mato Verde.
Luciara
foi emancipada como Município pelo Decreto Estadual-Lei nº 1.940 em 11 de
novembro de 1963, com uma área originalmente de 4.290,50 Km2. Seu primeiro
Prefeito eleito foi o seu fundador Lucio Pereira Luz e Vice Prefeito Raimundo
Miranda de Souza.
*
Sete anos e treze
dias depois...
Em 23 de maio de 1941 Severiano Souza Neves
procedente do Piauí, e um grupo de amigos deixaram Mato Verde e fundaram
sua própria cidade. Primeiramente subiram o rio por 12 léguas e se instalaram
provisoriamente em Santa Isabel do Morro na Ilha do Bananal, mudando-se posteriormente
para uma barreira rio acima, mas quando a Ilha do Bananal foi transformada em
Parque Nacional e estava localizado bem no centro do grande vale do rio
Araguaia, a ilha do Bananal é considerada a maior ilha fluvial do mundo
perfazendo uma área 1.957.312 hectares, divididos entre o Parque Nacional do
Araguaia com 562.312 hectares e o parque indígena com 1.395,000 hectares por
estas razões as famílias pioneiras viram-se obrigadas a abandonar a Ilha e
atravessando o rio Araguaia construíram suas moradas, no lado de Mato Grosso,
no local onde hoje se acha instalada a cidade de São Felix do Araguaia.
A
20 de novembro de 1942 a povoação foi batizada com o nome de São Felix, por Don
Luiz e Don Tomas Câmara, a primeira igreja foi construída em frente ao rio
próximo ao local onde é hoje o Hotel Araguaia, era coberta de palha e tinha as
paredes amparadas por um couro de gado. A Prelazia foi fundada em 1970, sob a
orientação do atual Bispo Don Pedro Maria Casaldaliga Plá, da ordem dos
Claretianos. A festa popular era a do padroeiro São Félix, defensor dos
pioneiros contra os ataques dos índios e era comemorada em novembro. Por
motivos da época das chuvas se iniciarem em setembro e se estenderem até abril,
o mês de novembro era propicio ás festas, mas pelo fato de São Félix não ser
considerado Santo, na totalidade da expressão, pela Igreja, levou a prelazia a
adotar como padroeira a N.S. da Assunção festejada em 15 de agosto, e, a 13 de
maio de 1976, pelo Decreto Estadual n 3.698 teve seu território desmembrado do
município de Barra do Garças quando foi
então criado o Município de São Félix do Araguaia.
De
Severiano só restou apenas uma rua com seu nome, uma ponte sobre o rio
Xavantinho e nada mais, mas, isto já é outra história. .
*
Anos de 1941 - Nasce a Vila de...
“São
Félix do Araguaia MT”.
20 de novembro de
1942-A Missa do batismo.
“De Severiano Souza Neves uma grata
recordação como um grande herói. O orgulho do Piauí. Ele e seus companheiros
eram Pioneiros Desbravadores de sertões e Fundadores de cidades, a eles o nosso
apreço e registro de seus heróicos feitos”.
*
No tempo e na história. Anos de 1943.
Assume como encarregado do Posto Indígena
Heloisa Torres na aldeia dos índios Carajás, Valentim Gomes e sua esposa Joaninha. Ele, exímio pedreiro,
construtor, eletricista e encanador. O homem era pau para toda obra, sua
primeira missão seria construir a sede do Posto indígena fabricando
artesanalmente tijolos de adobe, madeira serrada no “gurpião”, cobertura de
palha, e tudo mais foi feita ali mesmo na barra do Tapirapé, ela, uma agradável
Enfermeira.
Os
índios mais conhecidos eram os Tapirapé, Pranchui, Cantariô, Marco, Cantidio,
Leônidas, José Cabelo Ruim e Penacho. . Os mais conhecidos índios Carajás eram:
Savarú, Wererremhy e Manoel Tucano. Em
1948 o Bispo Don Luiz visitou aquela região indo até a fazenda São Pedro onde
morava o Coronel Lúcio Pereira Luz.
O
Posto Indígena do qual era encarregado tinha o nome de Posto Indígena Heloísa
Torres, do SPI – (Serviço de Proteção aos Índios). Partindo de Leopoldina no Estado de Goiás distava em 155 léguas ou
930 quilômetros rio Araguaia abaixo e para ali chegar gastavam-se seis dias de
viagem de barco a motor. Toda obra que ali existia eram: uma casa de residência
feita de adobe e coberta de palha, um curral, uma casa pequena a guisa de posto
de saúde, e um pequeno pomar de frutas especialmente manga.
Vindo
não sei de onde, o negro Valentim já ali morava a cinco anos Serviço de
Proteção aos Índios, como já mencionamos tudo ali fora construído por ele e desnecessário
é afirmar o estado de total abandono em que viviam, pois dependiam em tudo da
sede em Goiânia, naquela época viajando-se pelo rio Araguaia de barco até
Leopoldina e depois para Goiânia levavam-se no mínimo doze dias de viajem rio
acima.
O rádio quase nunca funcionava, e era na base
de bateria que vivia descarregada.
A sorte nunca foi boa companheira para aquela
família humilde e dedicada, o sofrimento e as dores eram seus companheiros, seus únicos vizinhos, era o Padre Chico, Padre Focault, as três
Irmãzinhas de Jesus, Dona Inês e sua família, os índios Tapirapé e os índios
Carajás.
Raras
vezes um barco a motor por ali passava um destes era o que nos regularmente
andávamos o do Antônio Pereira um crente adventista que morava em Goiânia e seu
comércio era trocar ou vender mercadorias por enfeites indígenas. O outro mais
vezeiro era do Tônico Bosaipo, o barco Frei Chico, ou Frei Francisco, que fazia
a linha de Leopoldina até Santa Maria no baixo Araguaia num percurso aproximado
de duzentas e vintes e duas léguas, mas, constantemente chegava até Belém no
Estado do Pará descendo a cachoeira de Santa Isabel em menos de quarenta
minutos depois, na volta, para subir levava de três a quatro horas puxado no
cabo de aço tal a violência das águas, era um barco muito conhecido pelo forte
batido de seu motor, e pelo seu pioneirismo no transporte fluvial, comentavam
que por ele foram habitadas as margens do rio Araguaia e Tocantins, havíamos
descido nele e todos já estavam nos esperando, porque o som cavo de sua batida
vinha suavemente pelo canal do rio abaixo ou acima, desde muito longe os índios
sabiam que o barco havia saído, e assim sabiam quando chegava.
Valentim
era o responsável pelas duas aldeias, mas o Padre Chico era quem cuidava dos
Tapirapé. Estes índios desde há muitos anos atrás vinham fugindo das matas do
Xingu onde eram constantemente perseguidos e atacados pelos índios Chucarramãe
ou Caiapós ou então pelos índios Suias do beiço de pau, assim eram chamados
porque usavam rodelas de madeira em seus lábios furados e pelo tamanho delas se
conhecia a ferocidade de seu dono.
Já, os Tapirapé eram, em tempos remotos,
conhecidos como índios do “Pitão-Antã” ou, “índios do beiço de pedra”. Era seus
costumes usarem enfeites e adornos trabalhados em pedra sabão ou alabastro em
seus lábios e orelhas. Os índios Carajás também tinham este costume o que
podemos considerar como uma aproximação cultural entre estas tribos de
características tão diferentes, sendo o Carajá considerado “um grupo isolado”
por não se ter qualificado as suas origens e nem coincidências de
características antropométricas, já o Tapirapé vem do grupo tupi-guarani. Estes
enfeites de pedra alguns tinham a forma de um pequeno remo, outros com forma
arredondada alongada e se encaixavam na parte inferior dos lábios eram
conhecidos como “Panhetás”, outros adornos tinham a forma de um pilão e quando
um índio morria todos seus adornos eram enterrados juntos ou colocados em
grandes jarros de barro (urnas) e os familiares levavam sempre alimentos para
não faltar nada na “grande caminhada”.
Um final imerecido...
E vergonhoso...
Valentim e a esposa, aposentados, velhos e
cansados, mudaram-se para Goiânia. Eu os visitei, numa casa pobre vivendo
miseravelmente com um pequeno salário para sustentar a sua esposa e dileta
companheira de tantos anos de lutas e sacrifícios. Certa feita, ele Valentim,
ao sair para fazer uma pequena compra
teria que passar por um antigo pontilhão da estrada de ferro, fraco e abatido
caiu por entre os trilhos de uma altura de quase quatro metros e se machucou
bastante Ela estava magra, abatida e paralítica em uma cama de (campanha)
morrendo a míngua, e ele, ao seu lado olhava e chorava, simplesmente chorava
como uma criança, meu coração se entristeceu e meus olhos se encheram de
lagrimas, naquele dia eu também morri um pouco, era a paga dos homens para dois
heróis que dedicaram suas vidas aos índios e aos seus semelhantes. Não se
apoquentem, meus amigos os seus nomes e a sua história estão gravados em nossos
corações.
Vão com Kananchue, ELE os está
esperando.
*
Capitulo 02 .
“A Bandeira
Piratininga”. Anos de 1948.
Era 12 de junho de 1948...
No trem que eu ia para a
cidade de Anápolis no Estado de Goiás, ia também a “Bandeira de Piratininga”,
ou mais conhecida simplesmente como Bandeira Piratininga sem o “de”, uma
organização oficial do Estado de São Paulo, a última das Bandeiras mostrava
realmente a saga de um povo que tinha nas veias o sangue dos desbravadores tudo
era muito arrojado, mas, minuciosamente programado. Era um grupo de jovens
paulistas comandados pelo rígido sertanista e jornalista Willy Aurelli eram
estes: Darcy, Gunnar, Weber, Takaki, Garmenia, Lito, Barros, Paulo, Osmar,
Peter, sargento Avelar, Sampaio, Clovis, Pedro e Dona Jacy e Dankmar o último
integrante.
Durante o trajeto fizemos uma
profunda amizade e ele acabou me convidando para fazer oficialmente parte da
equipe. Seu destino era São Felix do Araguaia no Estado de Mato Grosso, cuja
missão era encontrar e manter um contato pacifico com os arredios índios
Xavantes era isto o que eu mais queria.
Chegamos no final de nossa
viagem de trem, a movimentada e poeirenta cidade de Anápolis –GO.
A minha primeira prova seria
ir a Goiânia, capital do Estado e arranjar junto ao DERGO (Departamento de
Estrada de Rodagens do Estado de Goiás) dois caminhões para levar a carga da
Bandeira de Anápolis a Leopoldina a margem do Rio Araguaia.
Com dois
Ofícios em mãos, não tive dificuldade, naquela época a Bandeira Piratininga era
muito famosa e conhecida, fui muito bem recebido e atendido pelo Governo do
Estado de Goiás e logo voltava a Anápolis com dois caminhões os carregamos e
seguimos viagem ao começo da aventura passamos por Goiânia a nova Capital que
surgia depois por Goiás Velho a antiga capital do Estado de Goiás e de lá rumo
ao tão esperado rio Araguaia, que em sua margem ainda no Estado de Goiás,
cravejava a pequena e linda cidade de...
“Santa Leopoldina do Araguaia”-
Hoje Aruanã – Estado de Goiás
Ali, ás margens do rio, na divisa de Goiás
com Mato Grosso sob a sombra de um frondoso pé de Tamboril eu olhava fascinado
o tremular das águas, e, em seu porto a velha vila guardava ciumentos os restos
de três embarcações a vapor, uma caldeira de ferro maior e duas menores,
que pertenciam aos barcos: Araguaia, Mineiro e
Colombo que, teimosamente pareciam querer resistir ao tempo, como a lembrar
“Viemos de Cuiabá para o Araguaia em dezessete carros de bois para conduzirmos
Couto Magalhães na sua pioneira tentativa de priorizar a hidrovia no rio
Araguaia” fechei os olhos e fiquei a sonhar relembrando como tudo poderia ter
acontecido, cheguei a ver aquelas embarcações todas novas e inteiras
resfolegando fumaça em suas chaminés, elas faziam parte da Empresa de Navegação
a Vapor do Rio Araguaia, era por volta de 1890,
à chamada Hidrovia Araguaia - Tocantins, que fora criada para fins de navegação
comercial e sua criação remontavam as últimas décadas de XVIII, cem anos depois
se criou à referida empresa, que somadas a ela foi implantada uma estrada de
ferro que, partindo de Nazaré dos Patos ou Tucuruí, às margens do rio
Tocantins, terminasse no ponto denominado Praia da Rainha ou em suas
proximidades, as margens do mesmo rio, de uma linha de navegação a vapor de
Belém ao ponto denominado Praia da Rainha, de linhas de navegação a vapor nos
rios Araguaia e das Mortes em suas seções navegáveis devendo estender-se aos
afluentes desse rio bem como ao do Tocantins. A Estrada de Ferro Tocantins e as
linhas de navegações citadas foram criadas no pressuposto de que seriam auto
sustentásseis e levariam certo progresso às regiões por elas servidas porem,
naquele tempo, a pequena densidade demográfica e o subdesenvolvimento das
regiões abrangidas, levou essas iniciativas ao fracasso. No baixo Araguaia e
Tocantins, a navegação teve um relativo desenvolvimento, devido às plantações
de cacau, café e castanha do Pará que existiam na região, mesmo assim com o
declínio das atividades uns numerosos contingentes populacionais, procedentes
dos castanhais localizados nas áreas de Marabá e Tucuruí, ainda permaneceram no
Vale do Baixo Tocantins e Médio Araguaia, vivendo da agricultura de
subsistência, de uma limitada atividade pecuária, da pesca artesanal e da
Castanha do Pará e opcionalmente do caucho extraído das seringueiras.
Dos restos dos barcos a vapor, só sobraram às
caldeiras de ferro das embarcações e algumas peças e 113 anos após ainda teimam
em sobreviver, saibam que hoje elas fazem parte de um belíssimo jardim a beira
rio na cidade de Aruanã antiga Santa Leopoldina do Araguaia, depois Leopoldina
e agora Aruanã no Estado de Goiás. Ali condicionadas pelo então Prefeito Rolf
Hornschuch.
Foi
ali onde tudo começou bem na barranca do rio embaixo de um frondoso Pé de
Tamboril, que pela primeira vez vi o majestoso rio Araguaia.

Santa Leopoldina do Araguaia.GO.
ARUANÃ.
O começo...
Eu era outro Dankmar, tudo
mudara dentro de mim, já não era aquele paulista que havia recém chegado de São
Paulo, eu tinha me tornado um membro da Bandeira Piratininga. Acordara cedo
naquele dia. No rio a movimentação já era grande, uns desciam para banhar,
outros para lavarem os rostos ou escovar dentes e alguns só para ficarem
olhando os barcos. . As mercadorias da Bandeira já estavam sendo baldeados para
dentro de dois barcos ancorados, a nossa turma e alguns índios Carajás
ajudavam. Estava embevecido, olhava os pássaros revoando, os peixes a riscarem
as águas, os botos arfando sobre a superfície e mais um pouco abaixo, acerca de
quatro mil metros, o roncarem das águas no travessão de pedra parecia gritar
uma advertência para que os homens não maculassem o que rio abaixo escondia. Do
outro lado, já no Estado de Mato Grosso, uma vegetação espessa como uma
barreira verde parecia esconder em seu seio misteriosos perigos de uma
fascinante violência, eu me perguntava “O que haveria por traz daquele muro
verde?” Certamente um mundo deserto e sem mínguem, só índios e onças.
Muitas
coisas passavam pela minha cabeça. O meu pensamento ia bem mais além, e lá por
traz, rumo ao pôr do sol, aonde chegaria? E o que eu acharia? Certamente muitas
serras, matas, mistérios, lendas? Era um mundo sem dono, eram realmente...
“Terras de Ninguém”.
Parei
de pensar quando escutei um bater ritmado de um remo no “beiço” de uma canoa
acompanhada por um cantar sofrido e monologo, mas bonito, era um índio Carajá
que chegava ao porto, desci o barranco e fui para a beira d’água encontrar-me
com ele que logo aportava bem perto de mim, e descendo puxou a “ubá” mais para
fora da água e com um largo sorriso me cumprimentou:
--Olá Tori.
--Oi.
--Você mora aqui?
--Não – respondi -Cheguei
ontem de São Paulo, e você onde mora? --Djaram (eu) mora lá na Aldeia Carajás
da barra do rio Tapirapé, é muito longe, cinco dias de viajem de barco motor.
--Nos
vamos descer para São Felix do Araguaia, eu estou junto com a Bandeira
Piratininga, naqueles dois barcos ali que estão carregando - falei mostrando-os.
--Huumm o
piloto daquele motor é o Kurichira é um índio Carajá meio doido cuidado com ele
e do barco grande é o Arutana, piloto bom.
·
--Como assim? – perguntei
·
--Ele estava no morro de São Félix há muito
anos quando os índios Kurussas (Xavante), bateram na cabeça dele com corroté
(porrete) e ele, mesmo com a cabeça quebrada caiu na água do rio e nadou até a
Aldeia que fica uma légua abaixo lá os outros índios tiraram ele da água, mas
nunca ficou bom de todo.
·
--Obrigado pela informação, mas vou
chegando até lá para ajudar carregar os barcos, nos vamos descer hoje ou amanhã
cedo não sei ao certo - agradeci e sai, não sabia eu, naquele momento, que
aquele índio de nome Savarú se tornaria um dos meus grandes amigos.
Todo pessoal estava se aprontando para
embarcar, mas antes iríamos almoçar como sempre o subchefe Darci falava mais
que todo mundo e distribuía ordens:
·
--Você, Nito, Garmenia, Weber, Dankmar,
Clóvis e – apontando para outros dois disse – vocês também vão neste Barco.
·
--Espere Darci, interrompeu Willy - o
Dankmar vai neste meu barco, ele é bom mecânico e posso precisar dele, também o
Paulo, Weber e Osmar, os outros vão com você.
“A Grande viagem”.
A viagem com destino a São Félix do Araguaia,
120 léguas rio Araguaia abaixo, teve inicio, em tempo de estiagem, as praias
alardeavam uma alvura sem mácula e estavam em toda a sua plenitude, o rio
caracolava por entre elas parecendo querer encurtar o caminho, nosso barco, tal
um dançarino habilidoso conduzido pela mão do piloto ia contornando os bancos
de areia. Pássaros de todas as cores povoavam as margens e fiscalizavam as
águas. Nossos barcos um tinham um motor de popa Archimedes de 12 HP, a gasolina
o outro um motor de centro Penta de 10 HP. O segundo barco que era o maior
estava mais carregado e o nosso grupo estava dividido, conforme o acertado, no
barco menor ia o Chefe da Bandeira, Dankmar, Paulo, Weber, Osmar e também a
Dona Jacy mulher do comandante Willy, eu ia sentado o tempo todo na proa
olhando as maravilhas e tomando no rosto a brisa suave, no piloto o índio
Arutana todo tranqüilo.
Logo
após a saída, por volta do meio dia, uns quilômetros abaixo o travessão de
pedra começava a roncar mais alto logo estávamos em cima dele, o piloto
habilidosamente jogou o barco no canal central entre duas grandes pedras em
meio um turbilhão de borbulhas, quando menos pensávamos já tínhamos passado e o
rio voltava a sua calma. Novas paisagens foram aparecendo naquela tarde cheia
de sol, passamos por uma fazenda chamada Dumbasinho, e ao anoitecer avistamos a
vila de Cocalinho na margem de Mato Grosso, neste dia dormimos na praia em meio
ao rio.
Fizemos um rodízio do plantão, mas aquela
calma do anoitecer, a brisa suave, as estrelas cintilantes como nunca as havia
visto antes, o riscar dos peixes sobre as águas e o canto dos pássaros noturnos
me fizeram ver outro mundo que eu não conhecia, mas lá no fundo do coração
batia uma saudade de casa, adormeci ali mesmo na cama de areia que havia feito,
Alguns companheiros se dedicaram a pescar. No outro dia, mal a luz do sol
começara aparecer já estávamos acordados, necessário se fazia aproveitar o dia
todo para render a viagem, assim sendo pouco parávamos, saímos cedo acampávamos
já escuro da noite, tomamos nosso café com bolachas e embarcamos rio abaixo, e
logo a seguir passamos bem junto a uns moradores, negros remanescentes dos
quilombos, fugido da escravidão, e os vi bem de perto, eram bem pretos com
cabelos em caracol e barbicha, o local se chamava Travessão Riuna, o Willy
autorizou uma rápida abordagem naquele improvisado porto e todos nos descemos
para terra firme enquanto o segundo barco passava ao largo rumo ao ponto de
encontro que seria em frente a São José dos Bandeirantes uma pequena vila no
lado goiano, fomos recebidos por uns homens de origem quase negras, altos e
farta cabeleira e barbichas encaracoladas e desalinhadas alguns deles pareciam
ter saído da pré-história, seus contornos antropométricos eram primitivos,
crânio meio alongado e largo, cavernas oculares profundas, em nada se
assemelhavam nas suas características ao homem moderno e muito sim aos homens
da idade da pedra lascada, pouco falavam e eram muito desconfiados, verificado
o problema no casco sobre um pequeno vazamento foi ordenado o reembarque e
assim nos despedimos daquele instante que em voltamos e vivemos por alguns
minutos a milhares de anos no passado, foi algo inesquecível e que nos marcou
profundamente e infelizmente, não gravamos fotograficamente aquelas históricas
imagens, mas temos certeza que ainda neste ano de 2017 se encontram, ali,
vestígios ou traços daquela inominável raça.
Em seguida passamos pela barreira Anhanguera onde morava o Henrique
alemão, um ex-membro da Bandeira Piratininga e a seguir avistamos umas moradas
do lado de Goiás que se chamava Piedade onde morava outro alemão de nome
Alfredo, mais abaixo despontou o povoado de São José dos Bandeirantes, neste
segundo dia dormimos em uma enorme praia bem ao meio do rio. Foi outra noite
maravilhosa, mas um inesperado susto quase me fez correr, eram lá pelas tantas
da madruga e eu como sempre havia feito a minha cama na areia um pouco retirado
do acampamento, sempre fui muito solitário, de repente comecei a escutar uns
leves pisados na areia, eram muitas, e viam no meu rumo, levantei a cabeça bem
de vagar, mas não conseguia ver nada e as pisadas iam chegando cada vez mais
perto e mais fortes de súbito vi que estavam quase em cima de mim ai sentei e
dei um grito, foi pior, o grito delas foi bem maior, eram umas oito ou mais
capivaras que vinham pela praia rumo ao rio e como a noite estava escura elas
também não me enxergaram e nem eu a elas, sei que vinham na minha direção todos
se espantaram e quase fui atropelado na disparada doida para se jogarem na
água, numa noite silenciosa como aquela foi um barulho infernal que acordou
todo o acampamento, mas depois do susto passado foi só risada, mas eu quase me
assombrei. Fui dormir mais perto do fogo. (anos mais tarde, junto com meu irmão
Rolf o mesmo fato tornou a se repetir, em outra praia).
Ao clarear do dia, pudemos ver os rastros das
capivaras, eram doze entre grandes e pequenas.
Zarpamos deixando gravada a primeira
aventura.
Naquele terceiro dia de viajem passamos por
Luiz Alves, uma pequena vila no Estado de Goiás. Logo depois Willy, lá na proa
do nosso barco junto comigo me disse:
·
--Dankmar daqui a pouco você vai conhecer a
maior Ilha fluvial do mundo a Ilha do Bananal, ela começa bem naquela curva
onde se forma o braço menor do Araguaia que é o rio Javaé, a nossa direita,
muito poucos brasileiros tiveram até hoje este privilégio.
Logo aparecia a curva e avistamos a forquilha
do rio se separando, do lado esquerdo o Araguaia do lado direito o Javaé.
Formavam uma ilha com 600 quilômetros de comprimento por 085 quilômetros em
média, de largura, um verdadeiro estado, metade da ponta sul era um Parque
Nacional a outra metade da ponta norte uma Reserva Indígena dos Carajás.
Na praia, um casal de Cervos, nos olhava
passivamente como a não se importar com a nossa presença, centenas de patos
selvagens banhavam, entre os marrecões e os colhereiros com suas penas rosadas,
gaivotas alardeavam com seus gritos e mergulhavam nas águas ricas de peixe, daí
para baixo o rio se estreitava um pouco e suas águas corriam mais e começavam
umas sanhas devoradoras de assoreamento, as águas batiam contra as barreiras e
faziam rolar grandes arvores para dentro do rio, praias inteiras estavam sendo
carregadas, mudando de lugar para abrir um canal mais fundo para o rio. Não
eram fatos constantes, mas, começavam parecer, preocupado comecei estudar
aquele fenômeno e cada vez que parávamos analisava a cor da água e seu
componente fazia gráfico, media canais com uma vara e fui anotando tudo, quanto
mais descíamos o rio mais mudanças apareciam.
Fizemos uma parada na Barreira de São Pedro
na ilha do Bananal, fazenda esta de criação de gado de propriedade de Ubaldino
Rios, residente na cidade de Goiás Velho, antiga capital do Estado. A barreira
alta e firme pouco sofria com a força da água foi quando cheguei à seguinte
conclusão: “Imaginei uma pequena mina em uma colina na nascente deste rio. Por
todo ano, varias vezes, a chuva caia em forma de pingos sobre um declive, uns
captados pelas raízes, outros formando pequenas poças, alguns penetrando por fendas
no leito rochoso e se juntando a pequenas aglomerações formando um tênue filete
de água em busca de uma forma de vida maior e alguns se evaporando, começa ai o
ciclo inicial da vida do Planeta Terra. Nós sobrevivemos em razão deste simples
toque divino. Esta nascente brotada naquela colina gera o filete de água que em
algum ponto mais abaixo se junta a outras nascentes alimentando um riacho que
desce em direção ao seu destino. Mesmo no período das secas estas minas
dificilmente perecem e juntando-se a outros riachos, já como rio continua seus
caminhos em direção ao fundo do vale carregando água drenada de centenas de
quilômetros quadrados de terra e finalmente, num abraço apertado, dão forma a
esta bacia hidrográfica e juntos empurram e carregam 660 milhões de toneladas
de fragmentos para os oceanos por ano, e ali estava ela, bem na minha frente,
não podemos deixar de lembrar que muito mais que isto é o montante de terra
retirado pelos rios e que são carregados por tempos a lugares indeterminados e
novamente despejados sobre a terra formando os chamados deposito aluviais, e
isto tudo aqui por baixo de nosso barco, passei a observar que a água só tem
poder de sucção e de empurrar, mas, ela, por si só não pode talhar, para este
trabalho ela depende principalmente dos fragmentos de rocha, assim como a mão
usa o limatão para moldar ferro o rio usa a areia e as pedras para cavar seus
canais, notei que enquanto pedaços de rocha e areia estão fazendo escavações à
água empurra, golpeia e suga o produto deste trabalho para o fundo do canal ou
para os lados. Assim ela dissolve os minerais da rocha e a lama e este rio não
é exceção desta regra”.
A natureza tende a fazer com que os rios
endireitem seus canais tomando uma linha reta por tal motivo estamos vendo a
águas golpeando com violência, escavando por baixo solapando os barrancos,
derrubando arvores e abrindo novos caminhos e ao mesmo tempo formando lindas
praias, é o seu trabalho. Mas continuarei minhas pesquisas oportunamente por
enquanto voltemos a nossa viagem, pois a coisa aqui na Fazenda São Pedro de
repente melhorou muito quando passamos a conhecer seus moradores.
Aleixo Paciente da Silva era o gerente da
Fazenda tinha sua esposa Joaninha Paciente da Silva, e quatro filhas de nomes
Jeronima, Maria, Raimunda, Noemi e um filho ausente de nome Mariano. Ao lado da
casa, mais abaixo, uma pequena aldeia de índios Carajás, nada mais do que duas
ou três casas, o cacique era um índio que tinha o nome de Cachoeira. Pensei que
havíamos chegado ao paraíso e não fui só eu, todos pensavam assim, fomos bem
recebidos compramos umas rapaduras, conversamos muito, especialmente com as
meninas depois nos despedimos e seguimos viajem. Sinceramente senti que deixava
ali alguém muito importante para mim e foi mesmo, pois, anos depois, a 14 de
março de 1953 eu me casava com a jovem Maria Paciente, foi o primeiro casamento
civil de São Félix do Araguaia, mas, isto já é outra história para contar.
Neste terceiro dia dormimos na praia do rebojinho, o barulho infernal das águas
contra as pedras e a barreira, dava um tom de inquietude, e os peixes pareciam
estar em guerra uns a cata de outros à movimentação do redemoinho facilitava a
caçadas dos peixes mais lentos, a pescaria só não foi boa porque peixe de
superfície sempre tem muitos espinhos e as “cachorras” predominavam. No outro
dia partimos cedo era nossa meta chegarmos a São Félix, passamos por Barreira
de Pedra, barra do rio das Mortes e logo avistamos a pequena vila, ao fundo vislumbrava-se a Serra do Caracol e
mais para o oeste quase rumo norte a Serra do Magalhães.
*
Os nossos dois barcos
manobravam para acostar nas rudes entradas do improvisado porto, em cima, na
rua desalinhada viam-se as treze casas que margeavam o rio Araguaia no lado de
Mato Grosso eram de construção rude a exceção da casa de Severiano que era de
adobe e coberta da telha e ficava bem em uma esquina que era a saída e a
entrada da vila para o sertão. Na proa
eu e Willy esperávamos melhor aproximação com a terra firme para lançarmos as cordas para amarrarem o
barco quando num sussurro profundo e triste Willy comentou:
--Faz quatro anos que estive
aqui!
--Boas ou más recordações -
perguntei.
--Meu
irmão Aurélio esta enterrado aqui.
--Sim,
eu sei.
Chegamos a São Felix do
Araguaia. MT.
Uma
verdadeira multidão já nos aguardava no
porto, alias, eram muitos os lugares para encostar barcos, foguetes estralavam
por todos os lados e tiros eram disparados às dezenas, de todos os tipos de
arma, fora uma recepção e tanto.
Nosso barco bem manobrado aportou bem perto de
outro barco da região notei que o nome era muito interessante “Frei Chico” era
um barco grande porem com um só motor de centro que era uma maquina estupendo e
de um só cilindro, era um “Bolinder” a que chamavam de cabeça quente, pois para
ele funcionar era preciso aquecê-la a
maçarico, a seguir um enorme tubo de ar comprimido dava inicio a movimentação
era impossível acionar a sua partida a mão, só o volante devia pesar quase mil
quilos, também para movimentá-lo tanto fazia por óleo Diesel, óleo de jacaré ou
óleo de peixe era a mesma coisa, sei disto porque inicialmente o observei por
dois dias, mas quando o Tônico Bosaipo seu proprietário o funcionava, a cidade
toda parecia tremer tal um terremoto... Tuuuummm. Compassivamente, mas
continuamente, fiquei apaixonado pelo barco eu teria que fazer uma viagem nele
e para isto eu fui me entrosando com o Comandante Tônico.
Willy
fora levado para a casa de Severiano Neves o piauiense que fundou aquela vila
que veio a se chamar São Felix do Araguaia, pois tinham muito que conversar,
afora os problemas existia o lapso de tempo de ausência, mas uma pequena
multidão os acompanhou. Realmente o Chefe era muito querido por aqueles
sertanejos e uma vez instalados, tomaram um cafezinho que a esposa de Severiano
a Dona Edilia havia feito e iniciou-se uma longa conversação e eu sempre
entrosado estava ali presente pude testemunhar o desenrolar dos históricos
depoimentos notei o semblante abatido e senti que Willy internamente remoía
lembrando a distancia de quatro anos que volvia sobre o mesmo roteiro e pisava
novamente a terra que tantas lagrimas
soubera. Logo adiante o tumulo de seu irmão e os farrapos de recordações
dolorosas.
Acolhida amiga. Depoimentos
dos sertanejos.
**Recordações afluindo, Azafama alegre dos primeiros momentos de
desembarque. Lugar apropriado para instalação de um bom acampamento. Sombra e
água fresca (porto da manga).
Foi logo depois que viemos ter conhecimento das graves novidades. Os
Xavantes estavam depredando tudo, vindo das brenhas, aterrorizando os
moradores, muitos dos quais já tinham debandado à margem oposta do rio, pondo a
largura da imensa via fluvial de permeio aos índios agressores. Os
remanescentes viviam dentro da incomensurável angustia da eterna ameaça. Os
retirantes da localidade de Caracol, lá estavam seminus por terem perdido tudo
quanto possuíam, olhos ansiosos e interrogadores rolando as órbitas
escancaradas.
Com essa delicadeza comovedora própria dos sertanejos, nada me foi dito
logo ao desembarcar. Todos se desdobraram em gentilezas e auxílios. Foi ao
tomar o café na residência de Severiano que a coisa me foi narrada e sem
rebuços me foi dito ser eu, naquele momento, o salvador enviado por Deus,
graças às preces que diariamente eram feitas!
Aos poucos, vindos de muitas direções, caboclos rijos foram penetrando
na vasta dependência, acocorando-se ao longo das paredes. Rostos endurecidos
pelas intempéries, sulcados pelos ventos e pela chuva, feições esculpidas
toscamente, mascarando corações generosos e almas nobilíssimas, Mãos nodosas
como cepos, rodando pelas abas largas,
os vastos chapéus de carnaúba ou de feltro desbotado. Pés descalços,
artelhos esparramados, trazendo ao
calcanhar a espora enorme, tilintante.
Facões nas cinturas estreitas, às vezes acionados para o esfarelamento de fumo
em corda. Em breve lá estavam Zé Lagoa, espécie de patriarca da vila Lagoa, que
lhe herdara o cognome; João Irineu, Piaçaba,
João Vermelho, Pedro Brito, Zé da
Rocha, João da Luz, Anicetro Oliveira,
Juvenal, Raimundo, Zé Ferreira, Anselmo Alves,. Homens de peso na comunidade.
Pequena multidão ficara do lado de fora, espremendo as cabeças pela angusta
janelinha ou metendo os corpos juntinhos e estivados em pé, na soleira da
porta.
--O primeiro surto de Xavante deu-se vai para um ano – começou
Severiano – Apareceram de súbito e depredaram as roças. Nada aconteceu com o
pessoal a não ser um grande susto. A maioria deles estava por estas bandas e
foram poucos que viram a bugrada. Solicitamos imediatamente auxilio do Posto de
Aproximação do rio das Mortes, mandando um “próprio” para narrar o sucedido Mas
de lá nada veio a não ser uma vaga promessa. Ficamos esperando pelos
resultados. Mas nada mais houve tornamos a colocar o animo em paz. Eis que faz
justamente uma semana, os índios, e desta vez em numero enorme, tornaram
surgir, assaltando e carregando tudo! João Irineu aqui esta e poderá narrar os
pormenores do que lhe coube.
João Irineu, caboclo de força descomunal, todo eriçado de pelos negros,
valente como ele só, mas de uma bondade
infinita, cospe no chão, enfia o todo de
cigarro atrás da orelha e narra:
--Foi de manhãzinha, sol ainda piscano de sono... Abri a porta e dei de
cara com uns oitenta Xavantes, metidos pra lá
da cerca. Ao meu aparecer gritaram qualquer coisa. Levei um sustão dos
grandes... Gritei prus fiios que acudiram
e pra muié que tava fervendo a água prô café. “Xavante minha xente!
Cuidado com eles. Nisso a bugrada pulou a cerca e veio prú meu lado, agitando
flechas em sinal de amizade. Me
cercaram. Empurraram um arco e uma
porção de flechas em minha mão e foram entrando de roldão, casa adentro. Foi um
rôr de pestes! Começaram catando tudo: facões, machados, ferramentas, bilhas de água, panelas, redes, roupas! Gritavam possessos. Segurei
minha carabina. Tava que nem xabia o qui
fazé. Empurrei minha muié pru quarto e
tranquei a porta. Já um índio safado tinha suspendido a saia dela....Tou
aqui...tou morto! Pensei! Os meninos estavam oiando sem nada dizé Os índios
deram com as sementes de arroz e foram tirando tudo. Depois tentaram entrar no
quarto. Ai eu falei “entra não seu cara de mamão que aqui tu não tira nada! Tú
vai tira é bala disto aqui. E bati a mão no cano da bicha. Um deles meteu na
boca da arma um graveto e sorriu prô meu lado cumu prá dize: “atira não cristão!
Nóis num qué brigá”.
--Não demonstraram atitude agressiva?
--Sinhô não! Tavam alegre inté essa peste dos quinto! Quando foram
simbora mi deixaram só com a camisa do corpo. Foi intô que larguei a roça e vim
com muié e fiios prá esta banda. Lá tão
os meus porcos, minhas galinhas, meu
gado, tudo largado sem água...
--Que susto heim?
--Fartão de susto sinhô sim... Mas eu achei que o xavante tá feito qui nem criança. Tira
da xente aquilo que ele pensa que a xente fais com facilidade assim cumu
ele fais a flecha e arco... Pois que deu em troca de um mundão de porcaria.
Há quem solte alguma risada. João Irineu retira da orelha o tôco
apagado e acende-o com a binga. Entra na conversa Zé Lagoa, piscando seu único
olho bom. Tipo escarrado de velho sertanejo. Linda cabeça para um pintor
impressionista que desejasse fixar na tela fisionomia tão insólita.
--Tava eu mais minha xente no rancho lá da roça quando chegaram os
pelados. Um mundão de índio! A muierada inté assusto, dispois ficou assanhada qui nem égua no
cio...Tavam os bugres tudo de côco a
mostra. Oiei prus côco do capitão e vi
que tavam longo,, .Pensei “u home tá cum medo! Tá de côco corrido!”. E tava mesmo puis qui tava cum os ôio aqui e
acolá, virando a cabeça prús lado. A muierada começou a rir baixinho e falar
nas oreia delas. Eu tava cum meu ôio são nos côco do índio... Quando vi que
ficava pequeno intô dixe cumigo: O cabra safado perdeu o medo. Te aguenta Zé
Lagoa!”.
--E aguentou?
--Senão! Fiquei picando fumo maginando coisa,. Os índios furo oiando
pás muié. Falava: “pfi-on” “pfi-on” Que qué dize Muié... muié....Um deles
quix agarrá a potranquinha la da casa e
intô eu falei: “óia qui seu macaco! Te fais de bexta que te arrebento a fachada
da cara!” o índio parece que compreendeu
e largou de banca o gostosão.. Ai eu
deixei que tirassem tudo. Levaram foices, levaram pás, levaram machados,
levaram tudo Deixaram a xente cum
vida, que é bastante i agora tamo sem
ferramenta sem podê trabaia, cum as roças pur lá, prás banda dos bugres.
--Vamos da um jeito seu Zé
Lagoa...
--Xeito? Pois sim... O único xeito é arrebenta cum ele todos! Aqui tá a
Romana do Raimundão. Que fale a muié e
mecê me dirá si tou ou não cum razão!
Dona Romana (valha o nome) é uma senhora já entrada no meio do século.
Grosso bócio afeia-a ainda mais. Só tem dois dentes, enormes, pedidos na
imensidão das gengivas escuras. É um
pouco dura de ouvidos e fala como se tivesse um acesso de asma. Traz os cabelos
revoltosos represados num lenço sujo e brilhá-lhes o olhar intensamente.
--Tava mexendo no panelão preparando a cumida pro Raimundo, quando
senti uma pancadinha nas costas...Uai...pensei comigo - O Raimundo num é dado a carícia...Oiei e
quaxi cai de xusto! Lá tava um brutão de índio cum o cabelo vermeio de fogo,
oiando pra eu! Logo adispois foram entrando mais bugre, oiando e falando. Logo
começaram carregando tudo. Eu tava zonza e gritei pelo Raimundo ”me acuda
marido que bugrada tá me matando!”.
--Tava não sinhá Romana- intervém um dos ouvintes.
--Quaxe! Tava lá tava no papo de xavante!
--Xavante num qué muié veia...
--Gracidinho... Deixa cunta aqui ao capitão ou num deixa?
--Deixamos.
--Pois... Adispois de carrega tudo, o tar de índio de cabelo de fogo
agarra meu panelão “Não sinhô” fui logo gritando “Deixa meu panelão seu
bandido”. Garrei na alça e puxei do meu lado. Ele agarrou e puxou. Intô meti os
dentes na mão do bruto.
--Cade dente siá Romana – interrompe outro.
--Dente? Cá tão os dois, que valem pur trinta! Ferrei o dente n mão do
pelado. Ele me deu um safanão e arrancou o panelão. Levantei e vuei em riba
dele! “Larga a panela seu marvado! Peste do inferno, larga meu panelão qui num
tenho outro! Cumu vou fazé comida pru Raimundo? Larga? Mas o home num largou e
vieram outros e mais outros e levaram o panelão! Dispois me mostraram a estrada
e falaram “motô”... motô”. vaisimbora...vaisimbora! e eu fuisimbora
--Mercê perdeu o panelão mas sarvou as virtudes “siá’ Romana!
Uma gargalhada explode. A mulher arfa de indignação. Olha para os
presentes e cospe com raiva.
--Ocêis sum pió que xavante!
Cessa i riso e a Romana aproveita para embarafustar rumo a cozinha onde
mulheres apinham-se junto ao fogão. Agora é o Aniceto quem fala:
--To aleijado da mão esquerda, cumu vosmicê tá veno... Tou cum oito
fiio e a muié pejada. Axim mesmo tava trabaiando na roça que é linda. Vieram os
xavantes. Me carregaram tudo de marvadez. Inté a roupa do corpo de nois tudo.
Ficamo pelado cumo quando nascemo! Ficamos tudo com a vergonha de fora! Dispois
carregaram com o fiio mais veio e eu
falei comigo: ”Lá vai o meu filho! Minha Nossa Senhora me acuda!”. Metemo o pé na estrada e aqui o Severiano
arranjou roupa pra nois.
--E o filho?
--Vortou graças a Deus. Lá tá ele e pode fala!
Olho em direção a um rapagão espigado e forte. Sorri e desnuda linda
dentadura.
--Passou um mau bocado então?
--Ora sí passei. Os xavantes me levaram prás bandas de lá, maginei que
tava frito!
Andei muito e dispois me fizeram sentá.
Um deles arrancou as pestanas e a sobrancelha. Doe muito, mas aguentei
firme! Num vo sorta nem um pio, falei comigo!
Os xavantes gostaram. Falaram muito e dispois me mostraram o caminho de
vorta e disseram: “motô... motô” e eu...meti o moto na estrada.
Lá então esses homens que vivem a vida minuto a minuto, na luta eterna
contra todos os elementos adversos, abanando as mãos em férias, pela perda das
ferramentas. Com as quais fecundavam a terra que lhes davam o sustento.
--I agora mercê é capais de dizé o que vamos fazé sem os ferros?
--Assim de momento nada posso dizer.
Pretendo porem, apelar as altas autoridades. De mais a mais enviarei
despachos ao Serviço de Proteção aos Índios para que sejam tomadas as
necessárias providencias.
--Confiamos no senhor – disse-me Severiano.
Com isso atirou a pesada carga de uma incumbência jamais sonhada, sobre
as minhas costas.
(AURELI/GUNTHER-1948)
****
Saímos juntos daquela
parafernália de problemas, e agora o que fazer? Eu ia monologando quando Willy
se voltando me disse:
--Leve os barcos para
acamparem no Porto da Manga e peça ao Darcy para vir até mim.
Já estávamos na cidade há quatro dias e o comandante
Willy já havia nos apresentado a quase todos os moradores, passei a
conhecê-los, na primeira casa o Zé Martins, depois seu irmão Leócadio,
Lupercio, Maria Dias, Severiano Souza Neves que era o chefe fundador da vila,
seu genro Ateneu, Sindô, Bento de Abreu Luz, Tertuliano, Piaçaba, João
Vermelho, João da Luz, Anicetro Oliveira, Juvenal, Pedro Brito, Raimundo, Zé Rocha,
Zé Ferreira, Anselmo Alves e muitos outros eram mais ou menos treze casas a
beira rio e umas seis casas na beira da lagoa. Onde residiam o Zé Lagoa, José
Martins, Amâncio de Melo e outros.
Resolveu o comandante nos dar uma folga, por
equipe de 10 dias cada, e aproveitei para ser o primeiro e me engajar na
aventura daquele barco que mais parecia uma arca de Noé. O Chefe autorizou
desde que no dia marcado eu me apresentasse, ou seja, 02 de julho.
*
Tonico Bosaipo... E
seu barco “Frei Chico”.
A
Arca do comandante.
Ela carregava de tudo, passageiros, bode,
cabra, porco, galinha, gente doente, mercadorias comestíveis, peles de jacarés,
pele de onça, sal, açúcar, café em coco, tábuas de mogno, só dava confusão até
funcionar o motor depois todos os bichos se calavam com medo e ficava quietinho
cada um em seu lugar, o Tônico, lá da proa, tal qual um comandante, e era assim
que ele era chamado: “Comandante Tônico Bosaipo”, sim senhor, e aí de quem não
o respeitasse, ele era a imagem viva dos grandes lideres, depois de ter
hasteado a bandeira brasileira bem no mastro final da popa, ordenava a um ou
dois porcos d’água (marinheiros) para recolher a prancha e empurrar a proa do
barco para fora, o Bolinder, de marcha à ré e depois ao comando a frente
levantou um belíssimo bigode de água na proa, riscando rio abaixo, rumo a
Marabá, sua rota original era até Belém, lá se fomos debaixo de uma foguetada
danada, era foguete para chegar e era foguete para sair. Era assim em todo
lugar que aquele homem chegava com seu barco, me disseram que faziam mais festa
para ele por onde andava do que para Barata (Governador do Pará) Tinha um
maravilhoso poder de arregimentação. Dizia o povo ribeirinho que o Araguaia foi
colonizado pelo mestre Tonico e seu barco que já era uma lenda.
A previsão da viajem era de um mês e eu não
poderia ir com ele até o fim, voltaria em outro barco, apenas uns oito dias de
passeio. Impossível esquecer uma viagem assim.
Eu
começava a ver um novo mundo, cheio de esperança não cabia em mim tanta alegria
e uma paz agradabilíssima tomou conta de meu coração me fazendo entorpecer ante
aquela maravilhosa paisagem. Levantei a cabeça e olhando para traz, lá da proa
do barco eu via São Felix se afastando rapidamente, quando a campainha foi
acionada pelo piloto Juvêncio soando três vezes foi a toda força a frente e um
apito surdo e longo repetido avisava que já estávamos de viajem.
O
mestre Tônico veio para a proa e sentou-se ao meu lado e começou:
·
--Afinal de onde você veio? Parece que
entende de tudo um pouco, já sabe quase tudo a respeito do motor.
·
--Eu sou do Estado de São Paulo, São José
do Rio Pardo e fui criado pelos meus avôs que eram alemães trabalhando dentro
de uma oficina.
·
--Isto explica tudo, o que pretende fazer
por aqui?
·
--Viver e aprender de tudo que puder.
·
--Então comece aprendendo a pilotar, vá lá
para a popa ajudar o Juvêncio.
Era por volta das cinco hora da tarde e umas nuvens
negras e carregadas vinda do norte pareciam subir pelo rio acima, Juvêncio
estava preocupado e eu também.
--Comandante é bom aportarmos
naquela praia alta em frente à barreira da Cotia o tempo esta fechando e o
vento vem muito forte.
·
--Atenção... Preparar para aportar.
O
barco virou o rumo para a praia alta e logo aportavam, os marujos pularam em
terra de corda e zingas nas mãos para amarrarem o barco, desceram a prancha e
os passageiros que eram ao todo doze com os dois doentes, vieram para a praia,
os doentes ficaram dentro do barco em suas redes.
·
--Amarrem bem e não acendam fogo, apagar
motor.
·
--Motor apagado e cilindro fechado – gritou
o ajudante de maquinista.
·
--Vamos aguardar o que vai acontecer.
E aconteceu mesmo, o vento
virava para o sul, depois para oeste, relâmpago iluminavam tudo em meia hora o
céu estava escuro e fechado e um enorme temporal com muito vento veio para cima
de nós.
·
--Todos segurando o barco – gritou Tônico.
O
grande barco balançava igual uma canoa de papel na fúria do vento, de repente
um enorme estalo tal um tiro de carabina, umas das zingas que seguravam o barco
na proa se partiu em duas e o barco abriu a proa forçando a popa a arrancar a
outra zinga.
·
--Vamos, pulem para dentro do barco, temos
que funcionar o motor - gritava Tônico em meio aos estampidos dos relâmpagos.
Os raios que caiam mostravam como estávamos nos afastando rapidamente da praia
rumo à barreira se fosse de encontro a ela estaríamos perdidos, mas ainda
estávamos longe, e, eu e o Tonico dentro do barco, no piloto Juvêncio tentava controlar,
na casa de maquinas.
·
--Não dá para acender o maçarico para
esquentar a cabeça, o vento não deixa, vamos tentar dar partida a frio, você
Dankmar pegue sua camisa molhe ali na gasolina e de um cheiro na entrada de ar,
vai dar certo o motor ainda esta quente você Juvêncio fica no piloto.
·
--Em meio minuto eu estou pronto – gritei -
Pronto, pode experimentar.
·
--Lá vai – o mestre soltou a alavanca do ar
comprimido, descomprimiu e abriu o pistão e quando o motor embalou soltou de
uma vez foi uma pancada lá no fundo como quem não queria nada, mas prosseguiu
se movimentando.
·
--Tire o cheiro.
·
--Pronto – gritei quando vi o tão perto que
estávamos da barreira, e eu todo molhado da água que as ondas jogavam dentro do
barco, mas o velho motor deu uma segunda batida, uma terceira e firmou a
aceleração foi quando a campainha deu três batidas pedindo toda força e o
mestre Tônico levou o acelerador ao fim bem devagar o barco parecia ter criado
vida foi quando ouvimos as vozes dos dois doentes: Graças a Deus, Graças a Deus
--foi ai que me lembrei deles, mas agora com a força do motor o barco
enfrentava as ondas de frente cortando-as ao meio e já rumava de volta para a
praia e todo orgulhoso enfiou a cara na areia até encalhar, estávamos salvos,
mas eu estava tremendo, e não era só de frio.
·
--Muito bem alemão, assim é que se faz -
comentou o Comandante Bosaipo me dando uma tapa nas costas que parece doer até
hoje, mas eu gostei e me senti orgulhoso, muito orgulhoso mesmo.
Acendemos uma bela fogueira, com lenha
molhada, deu trabalho, mas pegou e os velhinhos doentes se esquentaram e
trocaram de roupas, enxugaram as redes e só de madrugada estavam dormindo
calmamente, partimos assim que o dia amanheceu e logo passamos pela Aldeia do
Fontoura, depois em Mato Verde que era ainda uma pequena vila fizemos também
uma pequena parada e seguimos para a Barra do Tapirapé, Fomos pernoitar em
Santa Terezinha, o porto não era muito agradável, mas fomos bem atendidos pelo
Napoleão e pela sua mulher Verônica. Soubemos que o Padre Pedro estava lá no
casarão no morro de areia.
Combinei passar uns dias em Furo de Pedra uma
pequena vila mais abaixo um pouco, eram umas poucas casas, mas era também
parada obrigatória dos barcos, para mim estava bom. O barco Frei Chico seguiu
sua viajem e eu fiquei.
Quando o vi partir e escutei seu apito meu
coração encheu-se de tristeza. Foi uma visão inesquecível, até parecia que o
rio Araguaia estava com ciúmes daquele barco e o protegia mesmo a distancia, e
que queria guardá-lo só para ele.
*
Os índios Xavantes e a...
A
Bandeira Piratininga em ação.
Após
as incansáveis anotações eu estava pensando em voltar para São Félix, meu prazo
de dez dias estava se esgotando. Segui viagem com o adventista Antônio Pereira
e no nono dia eu chegava à cidade de Severiano Neves, fui correndo me
apresentar ao Comandante Willy.
Nestes
dias que estive viajando pouca coisa mudou, o pessoal da Bandeira estavam
instalados uns mil metros rio acima no “porto da manga”, tinham descarregado os
dois barcos e armados varias barracas inclusive a estação de rádio já estava
funcionando, o nosso operador Clóvis já estava bem “alto” eu encontrei varias
garrafas secas jogadas no mato e era da famosa aguardente “Chora Rita”. Clóvis
tentava colocar a estação em contato com São Paulo, mas era uma chiadeira
absurda, e logo começou a sair uma fumaça do transmissor e ele desligou.
Pusemos o nome de “Radio Fumaça”. Mas ele
conseguiu mais tarde se comunicar com alguém. Não sei com quem, pois era quase
sempre no código Morse, raramente conseguia falar. Willy só apareceu no
acampamento depois do almoço. Finalmente me qualificaram como armeiro de um
monte de fuzis velhos e descalibrados doados pela policia militar de São Paulo,
cada tiro que se dava numa coisa se acertava em outra e às vezes muito perto do
pé, mas estava bom assim mesmo, não estávamos ali para matar ninguém, era só
não mexer nas armas. Willy veio acompanhado de um índio Carajás que se chamava
Rorrori e trazia um tamanduá mirim amarrado em uma corrente e o bichinho manso
vinha andado atrás (puxado).
--Escutem todos, este
tamanduá vai ser a mascote de nossa Bandeira e o Clóvis como não tem quase nada
para fazer vai ficar sendo o responsável por ele.
--Eu? Mas chefe eu não sei
cuidar destas coisas.
--Agora vai aprender, e
entregou a corrente com o meleta e tudo mais.
Clóvis
sem saber o que fazer saiu arrastando o tamanduá.
Mas o bichinho não queria ir para onde o
outro queria levá-lo e foi só risada dentro do acampamento. Finalmente o amigo
o amarrou em uma raiz junto de sua barraca, eu pensei (pelo menos pinga ele vai
aprender a beber e do jeito que tamanduá gosta vai virar um pau d’água).
Vários
dias se passaram sem que nada de anormal acontecesse, a não ser os anormais dos
meus companheiros que trocavam tudo por uma garrafa da pura cachaça, fosse
Chora Rita, Tatuzinho, Ipioca, Praianinha, Chora na rampa, qualquer coisa que
quase fosse 100% álcool. Uma noite, ali pelas oito horas, Willy vinha vindo da
vila para o acampamento em companhia do Darci quando em meio à trilha um
tamanduá de pé os encarava foi uma gritaria doida.
--Clóvis seu irresponsável
venha aqui agora, como deixou o tamanduá fugir?
--Mas como? Agora pouco ele
estava deitado ali Chefe!
O pessoal
resolveu dar uma mão para o amigo e todos começaram a cercar o bichinho até que
Clóvis o agarrou pelo meio, mas a fera estava brava e arranhou o radio operador
todinho, outros os ajudaram, um pegava na mão outro na perna e lá se foram de
volta à corrente foi quando novos berros estrondearam:
--Chefe venha cá agora -
gritava Clóvis
--Mas? O que é isto, dois
tamanduás?
--O tamanduá é este aqui
amarrado na corrente, e vocês me obrigaram a pegar um tamanduá bravo na marra,
e agora?
--Não sei - respondeu Willy
-visivelmente abalado.
--Ora seu Clóvis solte este
animal, um já é demais – disse eu em tom bem de brincadeira.
--É isto mesmo, o que
esta esperando? Solte-o, concordaram todos.
--Vai bichinho e nunca mais
apareça por aqui senão vai virar espetinho – vaticinou o Clóvis soltando-o
O
chefe e Darci voltaram para a vila sem falar mais nada.
O tamanduá da Bandeira devia
estar bem troado nem sequer viu seu companheiro ou sua companheira. Os bichos
têm uma grande tendência para beberem álcool, as raposas e só colocar uma
vasilha com pinga perto do galinheiro que as que vierem amanhecem todas
deitadas por perto de porre absoluto, os elefantes gostam de cerveja, as antas
de álcool, enfim o que eu não sei é de algum que não gosta.
Fomos dormir.
Meus companheiros, como já disse, gostavam
muito de beber, mas só a cachaça pura, eu os adverti muitas vezes. A exceção do
Lito o uruguaio e de Garmenia o argentino, estes não bebiam, mas fumavam muito,
certa noite estes dois me chamando para um lado comentaram:
--Nos vamos embora hoje de
noite, já compramos uma canoa e vamos descer o rio.
--Vocês estão doidos –
comentei - o Willy vai mandar atrás de vocês.
--Nos não vamos levar nada da
Bandeira, só nossas coisas particulares, pois não toleramos ver este homem
vendendo todo material que nos foram doados e com muito sacrifício nos os conseguimos
lá em São Paulo, agora vende como se fosse mercadoria de comercio - Zangou o
argentino.
--É verdade confirmou - o
uruguaio – eu também não aceito por isto vou-me embora.
--Mas às vezes o dinheiro é
para cobrir as despesas - tentei remediar.
--Pode até ser, mas já
decidimos, partiremos agora.
--Boa viajem e se cuidem -
recomendei.
Na
calada da noite os dois embarcaram em uma pequena “ubá” (canoa indígena) com
seus pertences e sumiram na escuridão do rio, era muita coragem. Fui dormir
sabendo que no outro dia cedo o frege ia ser grande.
Acordei com o grito do Willy e o barulho da
corneta que mais parecia o céu que vinha caindo.
--Darci vá atrás destes dois
desertores, pegue um barco e leve uns homens contigo e me os tragam amarrados.
Não
gostei nada daquilo vendo uns companheiros irem atrás de outros.
Ali
pelas onze horas eu escutei o barulho do barco a motor que voltava, e assim que
surgiram na curva do barranco vi os dois companheiros amarrados no mastro da
proa do barco, aportaram e trouxeram os dois homens para fora do barco e em
terra os apresentaram ao chefe.
--Aqui
está os dois, meu comandante o que faço agora?-
Perguntou Darci.
--Deixe-os amarrados até
eu decidir o que fazer com estes covardes.
--Então o senhor vai ter
que decidir agora. - falei – porque não vamos tolerar ver nossos companheiros
humilhados deste jeito.
--São desertores, merecem
serem punidos.
--Chefe... Todos que
estão nesta Bandeira são voluntários, e não pode obrigá-los a continuar se não
quiserem nos vamos soltá-los - e voltando-me para Kleber determinei –
desamarre-os já.
--Chefe nem pense em
fazer uma besteira vai ficar ruim para todo mundo – ameacei como querendo
adivinhar seus pensamentos.
--Então porque tiveram
que fugir? Porque simplesmente não pediram para irem embora? Pois bem -
continuou Willy – O barco Frei Chico esta saindo amanhã para Conceição do
Araguaia, eu vou arrumar passagem para vocês com o proprietário Tônico Bosaipo,
mas até lá, amanhã cedo, vocês estarão detidos e confinados no acampamento não
poderão nem ir á vila – determinou o líder da expedição e virando as costas
voltou para a vila.
Todos ficaram muito surpresos com a nova
atitude do chefe, só eu que não confiava nela.
Passamos o resto do dia pescando eu fui à vila
e falei pessoalmente com o meu amigo Tônico:
--Você voltou depressa.
--Não pude ir até
Conceição peguei um frete de volta.
--Vai descer amanhã?
--Desta vez eu vou até
Conceição, me parece que o Willy quer que eu leve dois rapazes que deixaram a
bandeira, ele me disse que os dois eram meio comunistas e criadores de caso,
não me decidi ainda se vou levá-los.
--Os dois rapazes são duas
pessoas finas e muito boas e ai contei toda a história para o Tônico. Leve-os e ajude os meus amigos.
--Assim sendo eu vou
levá-los.
--Por favor, não comente com o Willy que
conversamos sobre isto, certo? – pedi
--Fique tranquilo.
Naquela mesma tarde, eu estava quieto dentro
de minha barraca quando ouvi o Willy conversando com o radio operador.
--Passe um telegrama para São
Paulo e peça para avisarem as autoridades de Conceição do Araguaia para
prenderem dois comunistas que vão fugindo no barco Frei Chico um uruguaio de
nome Lito e um argentino de nome Garmenia e diga que estão armados e são
perigosos.
--Mas, assim eles vão prender
os dois, chefe – interveio Clóvis.
--É para prender mesmo, vamos
comece a passar agora a mensagem vamos, estou esperando.
--São Paulo esta me ouvindo
em código Morse, vou informá-los.
Eu sei que o telegrafou funcionou um bocado,
mas só que ninguém entendia nada.
--Chefe... Já enviei a
mensagem.
--E a resposta? Perguntou
Willy.
--Vamos ter que aguardar o tempo
esta ruim de mais.
--Que ruim nada, o céu está
limpo sem uma nuvem – berrou Willy.
--Aqui pode estar, mas lá em
São Paulo não sei não.
--Vou voltar mais tarde,
trate de saber o resultado - disse o mandão e se mandou para a vila.
--Clovis? – perguntei - você
mandou a mensagem?
--Enviei só que ninguém
recebeu não tem ninguém no ar.
--Puxa, estou aliviado.
--Você acha mesmo que eu
faria uma coisa desta?
--Creio que não. - começamos
a rir.
Willy tinha um ódio maluco de bebidas, em sua
primeira expedição seu irmão Aurélio Aurelli morreu de malária complicada pelo
uso, não excessivo, mas indevido de
álcool. Lá no cemitério de São Félix do Araguaia, junto ao morro, bem em baixo
de um pé de pequi, existe a sua sepultura e meu nome está gravado em cima.
Severiano e sua família, dona
Edilia, a dona Nega a minha amiga era cega, a Suely e a Amojacy, se tornaram a
minha família.
Programava-se uma viajem pelos
sertões para entrar em contato com os arredios índios Xavantes, era esta a
verdadeira missão da Bandeira Piratininga, já não se podia haver mais delongas,
pois apenas passaram-se dois dias nos afazeres do acampamento quando chegaram
noticias sombrias; os xavantes estavam depredando todas as roças, queimando os
ranchos, flechando os porcos e as reses. Realmente dura verdade se fez presente
quando a noite, por sobre a orla da floresta uma luz intensa e da cor de
sangue iluminava uma grande extensão. Os
caboclos agrupados, olhavam, em silencio
para essa luz que denunciava os estragos que estavam sendo feitos em
suas roças e cabanas, sabedores que tudo estaria destruído e sem alimentos, com
a chegada das chuvas, a coisa pioraria, nada teriam para comer.
Severiano
à noite me disse:
--Dankmar o meu povo já estão
pensando em abandonar São Felix, dizem que não será mais possível continuar
vivento assim. Tudo o que eu fiz está indo de agua abaixo. Havia muita tristeza
e profundo amargor nestas palavras que as levei imediatamente para nosso
comandante.
Willy procurou Severiano e o Amacio de Melo e
lhes impôs?
--Arranjem a cavalhada que eu
irei me avistar com os xavantes.
--O Senhor vai fazer isso?
--Vou! Arrume a cavalhada e
deixe o resto por minha conta. Escolha uns homens de confiança que eu farei a mesma
coisa, depois traçaremos o itinerário. Já enviei ao Rio de Janeiro uns
despachos. Quiçá surja algum beneficio. Alvitrei ao Diretor do SPI a
necessidade de ser montado um posto de atração nesta zona.
--As providencia foram
tomadas de imediato.
Os
sertanejos, Severiano, Amâncio de Melo, José Lagoa, e João Irineu se incumbiram
de arrumar os animais para a viagem e também o interprete. Apenas dez homens da Bandeira incluindo o
Comandante e o Sub Chefe Darcy, somados a outros dez voluntários, incluindo
Severiano, Amâncio, Zé Lagoa, João Irineu e o interprete formavam aquele grupo
contingente.
Eles mesmos seriam os guias. No dia seguinte,
á tardinha, os animais dormiram fechados em um piquete.
Reunimo-nos no acampamento para traçarmos o
roteiro de nossa viagem, era ainda cedo da tarde, mas estávamos todos
apreensivos.
--Partiremos amanhã, o mais
cedo possível, todos devem levar estritamente o necessário, não esqueçam os
cantis, vinte tiros para cada um, e a tralha de acampamento nas cargas das duas
mulas, corneteiro toque alvorada às cinco horas. Plantões na escala. Boa noite.
Tínhamos um corneteiro, e por incrível que
seja ele tinha uma corneta velha e barulhenta e como tocava mal, mas o caso
dele não era ser um artista, fazia barulho porque gostava.
*
Dia 31 de julho de 1948.
A Bandeira parte para o
sertão em busca de contato com os índios Xavantes até então considerados
arredios e agressivos.
Parece que nem cheguei a
dormir logo a dita corneta estava no ar, nos reunimos todos de cabresto na mão
fomos para o pequeno pasto pegar os animais. Foi uma confusão dos diabos,
ninguém conseguia pegar ninguém, Severiano teve que intervir senão a revolução
começaria ali mesmo. Meu amigo João trouxe-me um cavalo castanho, bem desarnado
e manso.
--Este cavalo tem um andar
muito bom é marchador.
--Obrigado João Irineu.
--Vamos arriá-lo.
Levei
o animal até onde estavam os arreios, escolhi um bom, arriei o cavalo e depois
fui ajudar os outros. Já eram quase oito horas da manhã quando estávamos
prontos para partir. Saímos em fila indiana, na frente iam o Severiano e o
Chefe, emparelhados e logo atrás o interprete, e o resto do pessoal, éramos
vinte pessoas ao todo. Eu fiquei quase no fundo da fila, era melhor para se
observar os acontecimentos, junto comigo estava o Ateneu, João Irineu vinha por
último tocando as duas mulas com as cargas.
Pelo
caminho fomos encontrando ranchos abandonados, chochas calcinadas, arvores
frutíferas arrancadas, cerca carbonizada roça totalmente destruída, carcaças de
animais flechados, porcos a solta fugindo de tudo, animais mortos até uma vaca
degolada foi encontrada.
Criado
no sertão de São Paulo em cidade pequena e em fazendas eu tinha bom costume de
andar a cavalo, mas a maioria de meus companheiros não o estava, e, eu já os
via atravessados em cima de suas celas poupando os fundilhos. Ao meio dia
paramos para comer. Foi um alivio, afrouxamos as selas e fomos dar de beber aos
animais, estávamos bem na beira do rio Xavantinho, comemos alguma coisa a
sombra das arvores, enchemos os cantis e prosseguimos a nossa cavalgada. Foi
mais dois dias ziguezagueando pelo sertão, sempre com a mata do rio a vista. Ao
longe se avistava a fumaça negra das queimadas, certamente os índios não
estariam longe.
Eram umas duas horas da tarde
quando um dos guias mandou parar e foram observar as touceiras de piaçabas que
estavam com as folhas cortadas e havia muitos rastros pelo chão.
--Estamos perto da aldeia
olhem onde tiraram as palhas para cobrir as casas e os rastros estão frescos no
chão, daqui para diante vamos calados e a pé puxando nossos animais.
--Tudo bem, agora vamos todos
apear dos animais, fiquem calados e siga-me, ninguém faça coisa alguma sem
minha ordem – comandou Willy.
Bem a nossa frente ainda junto ao rio
Xavantinho, dentro de uma clareira limpa do cerrado, estava à aldeia Xavante.
Eram umas oitenta casas feitas de varas e cobertas de palha. Mas a aldeia
estava vazia os índios haviam se mudado para outro local. Durante a noite podia
se observar a imensidão do fogaréu tinha a impressão que estávamos sendo
vigiados, que os silvícolas estavam bem ali junto de nós. Ao amanhecer tivemos mais um dia de caminhada, desta feita em rumo à
queimada, quando o nosso rastreador Juvenal se deu conta que estávamos para nos
encontrar com os índios, pois os vestígios se multiplicavam, fomos tomando
chegada por entre os arbustos, mas Willy não queria surpreende-los para evitar
um confronto e assim ele foi entrando na aldeia ao lado de João Irineu e um
pretenso interprete e nos determinou que ficássemos onde estávamos. Até então
não haviam notado nossa aproximação. No interior da aldeia só estavam às
mulheres, meninos e os velhos, uns quatro cachorros muito magros e umas araras
gritalhonas, uns papagaios escandalosos que logo denunciaram a nossa presença.
O nosso pretenso interprete mais um homem junto com Willy quando entraram na
aldeia causaram grande tumulto foi uma confusão danada e eles tentavam
acalmá-los falando em Xavante, acho que ninguém entendeu, pois pouco adiantou,
foi uma debandada maluca, mulheres arrastavam as crianças pelos braços gritando
as velhas e os velhos gesticulavam, mas corriam, e, em pouco tempo estávamos
sozinhos dentro da aldeia. Um menino foi esquecido dentro de uma chocha e o
nosso pessoal já havia adentrado se engraçaram com o pequenino e este pareceu
se acomodar e em poucos minutos se familiarizou com o nosso pessoal que ficaram
encantados com a docilidade do garotinho e passaram a vistoriar as casas
abandonadas e logo se deram conta de que ali estavam seus fações, suas enxadas,
machado, panelas e tudo que os índios haviam carregado do Caracol e outras
roças. a que Willy ordenou;
--Ninguém
toque em nada!.
Os guerreiros estavam fora,
mas não por muito tempo, em menos de meia hora estávamos praticamente cercados
dentro do limpo da aldeia. Os guerreiros começaram a chegar todos pintados de
vermelho e arco e flechas outros com borduna na mão e batiam o pé ameaçando nos
atacar, eram muitos, não sei se todos eles estavam ali ou se ainda tinha mais
por chegar, mas já eram aproximadamente uns duzentos, nos estávamos preparados
para resistir se fosse preciso, bem, eu acho que estávamos, bastava atirar em
qualquer rumo certamente acertaríamos alguém que não fosse a nos mesmos. Um
índio acompanhado de outro se adiantou e veio ao nosso encontro, presumíamos
que seria o famoso e tão decantado cacique Terezaçu índio ampla e notoriamente
conhecido pela sua bravura, ele batia no peito e dizia seu nome:
--Ima mana heto Terezaçu
– repetia seguidamente.
--Willy se adiantou e fez
o mesmo batia no peito e dizia seguidamente;
--Ia-mamã
heto Wirri... Wirri... E repetia quase cuspindo na cara do índio
O índio deu demonstração que
estava entendendo e que os dois eram os lideres de seu povo e que queria que
entregassem o menino que brincava com os nossos homens a que o chefe mandou um
dos bandeirantes trazê-lo e entregar ao índio e este ao recebê-lo passou para o
outro índio que disparou para a orla da mata adentro. Na sequência das
tentativas de entendimentos o tal interprete tirou do bolso um papel com muitas
palavras escritas em xavante, mas de nada adiantou e continuaram a usar o
sistema de mímicas e foram se entendendo. Mas o interprete e Willy desatando as
bruacas das mulas tiraram lá de dentro, panelas luminosas, facões, machados,
rapaduras, enfim um monte de coisa e colocaram no chão ao alcance dos índios e
se afastaram o interprete explicou para o chefe deles que estávamos ali em
missão de paz e que éramos amigos e havíamos trazido presentes para dar e
trocar. Logo foram se aproximando dos presentes no chão, os pegavam e os
examinavam e pediam mais. O nosso interprete se aproximara e junto com Willy e
Severiano, já começavam a se entender. Pouco depois estávamos todos
descontraídos e trocávamos canivetes por flechas, ou outros enfeites que
começaram a aparecer e os índios davam a impressão que estavam entendendo tudo
e em pouco tempo já queriam até nossas roupas, mas não os deixamos tocar em
nossas armas, ficamos lá dentro por mais de duas horas quando a corneta tocou
nos assombramos e os índios também e Willy gritou para o corneteiro.
--Tocar retirada imbecil -
Pare com isto.
--O Senhor mandou tocar
retirada. (o imbecil havia dado o toque de atacar só que ninguém conhecia tanto
fazia tocar qualquer coisa o que queríamos era sair dali)
--Mas já chega, todos
montados e em retirada cautelosa saiam em duplas e se juntem lá fora no varjão.
Com
esta confusão nos retiramos e os índios nos acompanharam um bom pedaço, nossa
viajem havia deixado um saldo positivo, o contato fora pacifico e os índios
prometeram ir ao nosso acampamento.
Após seis dias e meio de viajem chegávamos de
volta a São Félix do Araguaia, parecíamos remanescentes de uma guerra civil,
todos mutilados, mais por baixo do que por cima, mas valeu à pena.
Aguardamos
por muitos dias a visita prometida pelos índios Xavantes, o prazo da Bandeira
se expirara, teria que regressar a São Paulo, assim o chefe me mandou ir até a
fazenda Caracol onde morava João Irineu e chamá-lo trazendo os pertences da
Bandeira que estavam guardados em sua casa. Eu fui até lá, eram apenas algumas
horas de viagem. A ida até que foi boa,
mas à volta. Já havíamos andado quase uma légua na viagem de volta para São
Félix, vínhamos eu e o João Irineu tocando duas mulas cargueiras carregadas com
os pertences da expedição, quando, surgindo não sei de onde, apareceram em
nossa frente uns trinta índios Xavantes, que acenando as mãos tentavam
dialogar, mas o que eles queriam era as burras e eu desconfiado enfiei o laço
na popa das duas que dispararam estrada afora rumo a cidades, na hora de voltar
para casa até estes animais entendem bem do rumo a fim de largarem suas cargas
e não teve quem as atalhassem e eu atrás gritando as burras deixei João junto
com os índios.
Agosto de
1948.
“Os índios Xavantes entram
pela primeira vez pacificamente em São Felix do Araguaia”.
Logo que cheguei a São Félix
as burras entraram no curral aberto do Severiano, seguidamente despejamos a
carga no chão, em seguida avisei ao Chefe que junto com Weber já haviam notado
a minha preocupação.
--Os índios estão chegando,
são uns trinta ou mais não tivemos tempo de contar.
--Muito bem Dankmar soltem os
animais e vamos nos preparar para recebê-lo – disse o Willy bem contente,
afinal tudo dera certo até agora, estava apreensivo, pois João Irineu ficará
para traz.
Os moradores da Lagoa chegavam
apressadamente trazendo verdadeiras mudanças em suas costas, pois tinham medo
dos índios Xavantes, mas o Chefe os acalmou.
Não demorou muito tempo os
índios apareceram na estrada e nosso amigo vinha com eles trazendo um índio na
garupa. Chegavam ao nosso acampamento e o pessoal da vila ao saber da noticia
vieram todos ao encontro sabendo que não haveria risco algum a correr e o
contato se generalizou, parecia até que se conheciam há muitos anos. Foi um
grande começo. “Noticias, pelo menos assim os sertanejos nos contaram, que os
índios Xavantes eram originalmente do Estado de Goiás e viviam bem entre os
produtores rurais, mas há muitos anos atrás alguns fazendeiros, por motivos que
são ignorados, envenenaram as águas dos poços das aldeias matando muitos
índios, muitos jovens e crianças foram vitimas da catapora, mal orientados ao
sentirem a febre banhavam nas águas do rio, não resistiam e morriam. Os
remanescentes fugiram atravessando a Ilha do Bananal para se instalarem em Mato
Grosso, mas a travessia do rio Araguaia também foi uma grande tragédia, pois
muitos que não sabiam nadar morreram afogados, era uma nação muito sofrida e
que quase se extinguiu”.
Enquanto todos os índios e
toris perambulavam pelo acampamento eu resolvi ir pescar bem ali no nosso porto
onde a pacu era uma fartura, pegava uma atrás da outra e cada uma mais bonita
chegavam a pesar quase um quilo cada, já havia fisgado umas cinco quando alguém
me chamou do alto barranco, era um índio Xavante que mostrando os pacus pedia
que eu lhes jogasse um peixe e assim o fiz e ele a agarrou e passou para outro
índio atrás, seguidamente fui jogando e pescando mais, já havia passado para
ele uns dez ou onze peixes quando ele sumiu.
Houve muita festinha e agrados até que eles
resolveram irem embora.
O ponto brilhante desta aventura foi quando
Willy resolveu intermediar a paz entre os índios Xavantes e os índios Carajás
que eram rivais eternos e ambos concordaram no encontro e assim estava dado o
primeiro passo, o segundo foi à ida dos Xavantes até a aldeia Carajás na ilha
do Bananal não mais do que uma légua rio abaixo e o Willy foi patrocinador
desta apoteose. A recepção foi calorosa, o Cacique Malua e Uatau os receberam
jubilosamente, com festa e presentes eram uns vinte Xavantes novos que causaram
algum ciúmes nos jovens Carajás em razão como as suas moças encaravam os
Xavantes. No retorno a São Felix
Arutana, Malua e Uatau ficaram face a face com seu arquiinimigo bem a sua
frente o grande e famoso cacique Xavante Terezaçu, eles se cumprimentaram com
um grunhido ininteligível, apertaram as mãos e se afastaram a uma prudente
distancia, mas sorriram.
Daquele dia em diante viveram
em paz, cada um na sua aldeia e território, mas se respeitavam mutuamente e
trocavam presentes chegando até e se proporem e cederem em casamento algumas de
suas mulheres solteiras, mas dai gerou uma piada, um Carajá disse
graciosamente:
--Nois troca as véia por
nova.
Depois
de seis dias em São Félix do Araguaia os índios voltaram para a aldeia levando
muitos presentes e a certeza de que os toris e Carajás eram amigos.
Mas como em toda a família sempre tem uma
ovelha negra assim os tinham os Xavantes, ela se chamava “Camilo” e seus quatro
seguidores, tinham sido expulsos de seus convívios passando a vagarem sozinhos,
eram cinco rebeldes, como veremos a seguir.
Um dia antes da partida já estava tudo
agasalhado para a manhã seguinte eis que um novo fato veio tumultuar a
situação. Dona Tarsila uma senhora que é professora em São Felix chegou ao
acampamento assombrada dizendo que o índio Kuriala havia lhe dito que.
--Os Xavantes atacaram duas
índias na praia atrás do morro de areia e meu filho estavam com elas, por
favor, acudam meu filho terminou angustiada.
Eis que chega o índio Kuriala
que era cego e estava mais branco do que um defunto e contou que ouvira o grito
das duas índias quando subia o rio em sua canoa e elas diziam que os Xavantes
as estavam matando. Logo o Chefe muito
preocupado mandou uma equipe para dar buscas na praia e eu fui um destes e lá
se fomos passamos pelo cemitério, contornamos o morro de areia junto à passagem
do rio e embrenhamos na capoeira rumo à praia, o Willy e outros foram de
canoa e vieram pela lado norte da praia que era limpa e nos entramos pelo
sul rumo rio abaixo até entrarmos na praia e para minha surpresa encontramos ao
dobramos uma duna as duas índias e o menino estavam brincando e correndo na
água rasa de uma pequena enseada.
--O
que esta acontecendo, cadê os índios Xavantes?– perguntei.
--Nada não Dequimá nois duas
estava brincando com Kuriala, botando medo nele.
Peguei o menino pela mão para
levá-lo e o entregar a desesperada mãe, mais abaixo na praia vinha Willy e sua
turma e o avisei de longe que estava tudo bem que fora uma brincadeira e mandei
que levassem o menino que correu até eles e voltaram.
Fora
apenas uma brincadeira de mau gosto, mas terminou tudo bem. Antes assim.
O regresso da Bandeira
Piratininga...
Cumprida com muito sucesso a missão a que
viera a Bandeira Piratininga se despediu dos sertões e regressou a São Paulo
para não mais voltar. Esta foi a sua ultima expedição. Iniciada em julho de
1948 e terminada em fins setembro de 1948. Aurélio Aurelli irmão de Willy
morreu ainda em São Felix do Araguaia de malária e foi sepultado no cemitério local
daquela cidade, bem em baixo de um pé de Pequi.
Em sua sepultura eu gravei meu nome Dankmar...
Willy Aurelli como escritor e
jornalista deixou escritos vários livros sobre suas aventuras expedicionárias
editadas pelas Edições Saraiva, mas um livro foi marcante sobre a Bandeira
Piratininga com o titulo “Terra sem sombra”. Veio a falecer em São Paulo de
morte natural, a sua esposa Jacy ainda viveu por muitos anos, os outros
componentes remanescentes da Bandeira como Darcy, Gunnar, Garmenia, Weber, Takaki,
Aurélio, Lito, Barros, Paulo, Osmar, Peter, sargento Avelar, Sampaio, Clovis,
Pedro e Dona Jacy, e remanescentes da primeira expedição como Aristides,
Osvaldo Guimarães, Henrique Himelreich e outros pelo que eu soube todos já
faleceram, o único vivo da Bandeira Piratininga que ainda resta hoje sou eu Wolfgang Dankmar
Gunther o autor deste livro, hoje conto com oitenta e oito anos não só de
idade, mas de uma memória lúcida e muito viva.
Assim me tornei em:
“O Último Bandeirante”.
§
Capitulo 03.
Eu fiquei...
Naquela oportunidade eu não
regressei a São Paulo...
Este contato com os índios
Xavantes não foi de todo proveitoso ao menos para algumas pessoas. Como em
todas as famílias, os índios também tinham suas ovelhas negras e o líder destas
tinha o nome cristão de Camilo.
Camilo era um índio novo,
mas muito irrequieto, gostava de aparecer de supetão vindo sempre por de trás
das pessoas e assobiando entre os dentes o que fazia todos sentirem um
friozinho na nuca. Sempre aparecia em um
lugar qualquer e quando menos se esperava, e com ele, outros quatro índios.
Ali pelo mês de outubro Camilo apareceu na
fazenda Caracol do João Irineu e ele, Camilo, estava doente, os quatro outros
índios estavam com ele.
--Camilo você esta doente?
--Doe muito o peito e as
costas e tem febre.
--Pode ser pneumonia, eu vou
tratar de você, mas vai ter que ficar quieto e deitado um bocado de dia.
--João homem bom Camilo fica.
João Irineu
foi a São Félix comprou penicilina e aplicou em Camilo por
vários dias até ele ficar bom e isto demorou um mês, durante este período João
estava moendo cana e fazendo rapadura. O tacho estava cheio de melado quente
que ao apurar soltam bolhas que explode jogando caldo quente longe, Camilo já
bom ficava rodeando o tacho e João sempre avisando para não encostar muito, foi
quando o melado explodiu e apenas chamuscou a barriga de Camilo que gritou e se
afastou, chamando os companheiros foi-se embora com muita raiva, João ainda
tentou amenizar, mas não adiantou. O que João não sabia era que Camilo voltaria
mais breve do que ele jamais poderia imaginar. Pouco tempo depois se tinham
noticias dele e seus companheiros, e eram más noticias.
Mal havia passado o mês de setembro, ainda
inicio de outubro, o tempo se encontrava quente e nubloso, ameaçava chover,
quando eu tive a noticia senti um grande arrepio, os índios tinham atacado o
retiro do Pedro Tapirapé e matado sua irmã e as duas crianças.
Poucas horas depois um grupo de homens
armados chegava ao local do morticínio, era uma fazendinha de um humilde
posseiro que só tinha duas taperas, uma para moradia, e uma oficina de fazer
farinha, e ali em cima do monte de mandioca que descascava a mulher Maria
Tapirapé estava morta com a cabeça arrebentada a bordunadas, o sangue rubro
manchava a alvura das raízes, mais ao lado, embaixo de uma cocha de colocar
massa, estava o corpo ensanguentado de uma menina. No terreiro os porcos
disputavam o que sobrara do corpo de uma criancinha de colo, na travessa de
madeira da casa o testemunho da brutalidade, a mancha de sangue indicava onde
tinham quebrado a cabeça do neném antes jogá-lo aos porcos. Mas a menina que
estava embaixo da cocha estava viva e dois dias depois quando abriu os olhos
foi para dizer:
--Titio... Foi o Camilo.
Na
cena do crime, uma borduna de índio caiapó, Camilo tentava enganar.
Impossível esquecer uma
chacina como esta.
Vinte
dias depois, ainda no mês de outubro, eles atacaram de novo, desta feita foi na
fazenda Caracol do meu amigo João Irineu, o homem que havia tratado deles.
Dona
Rita, mulher de João chegou a São Felix a pé já noite, havia corrido quase mais
de quatro léguas, estava exausta e quase em estado de choque. Com muito custo
quando conseguimos reanimá-la, o dia já vinha amanhecendo.
--Vão até a minha casa gente,
os índios mataram o João e os meninos - e entrava em crise de choro Eu estava
fazendo almoço quando ouvi um grito longe, parecia vir lá da roça onde o João
estava trabalhando, eu fiquei preocupada e fui até a janela para ver se via
alguma coisa, pois sabia por noticia o que o Camilo andava aprontando eu sempre
tive cisma dele, foi quando vi os índios virem correndo no rumo de minha casa,
e vinham com as borduna na mão, fiquei com medo e corri para o fundo quintal e
me escondi na moita de banana, ai eles entraram na casa e me procuraram, saíram
até o quintal, mas não me viram, voltaram para dentro da casa e começaram a
quebrar tudo e carregaram um bocado das coisas, quando eles foram embora eu
corri para cá. Sei que meus filhos estão mortos e João também vão lá pelo amor
de Deus.
Logo, formaram um grupo de homens revoltados
e se puseram a caminho. A tragédia se repetira. Na casa, em uma rede atada na
sala rústica estava um corpo ensanguentado. Era Luciano um dos filhos do velho
guia, mesmo com a cabeça quebrada ainda vivia, Na roça, tombados sobre a terra
que trabalhava estavam os dois corpos pai e do filho Augusto, suas cabeças
quebradas e no pescoço os enfeites Xavantes. O sobrevivente foi transportado
para São Félix em uma rede e assim que se tornou lúcido contou o ocorrido:
--Eu e o papai estávamos
trabalhando na roça carpindo, era ainda cedo quando vimos os índios chegarem,
não vimos nenhuma arma com eles, eram cinco e o Camilo, ele chegou perto do
papai e o cumprimentou:
--Ta bom João?
--Olá seu sumido, por
onde andava?
--Eu estava na aldeia,
olhe o que eu trouxe para você - disse Camilo mostrando um colar destes de
cordão com umas penas de gavião e foi colocando no pescoço do papai, e aquele
outro índio baixo também me deu um, e como é costumes deles porem no pescoço da
gente ninguém desconfiou. Ai aconteceu que Camilo deu um grito e eles começaram
enforcar a gente com o cordão, eu lutei muito para tirar o revolver, mas ele
estava embrulhado em um lenço e eu não dei conta, só sei que eles bateram em
nós com o olho de nossas enxadas. Ai então eu não vi mais nada, me lembro de
estar doido andando no rumo da casa e depois eu não sei o que aconteceu.
O
mesmo aconteceu com o filho mais moço que trabalhava meio afastado quando ouviu
os gritos foi ver o que estava acontecendo e já encontrou os índios pelo
caminho que o mataram do mesmo jeito.
João
Irineu e seu filho mais moço morreram em cima da terra que amavam e trabalhavam
pelas mãos de quem ajudara.
Mas a
revide não demorou a chegar.
Para Camilo não houve sobreviventes nos
massacres, achavam que todos tinham morrido e que pensariam terem sido os
índios Caiapós os autores, estavam tranquilos.
Pouco
tempo depois (assim me contaram) um grupo de cinco vaqueiros ia para o campo
quando avistaram os cinco índios na tapera do João Velho, bem junto da estrada
que levava ao limpo grande, um dos vaqueiros chama a atenção dos outros:
--Olha quem estão ali -
disse - mostrando a velha tapera.
--São os índios Xavantes,
é o Camilo e seus companheiros, vamos até lá agora chegou a nossa vez.
Calmamente
os vaqueiros foram rumo à tapera faziam de conta que não queriam nada, chegaram
rindo e desceram dos seus cavalos e os cinco índios adentraram na velha
choupana, e assim também o fizeram os quatros vaqueiros e antes de
começaram a atirar um deles
comentou:
--Muito bem Camilo você
que é o matador de crianças, agora é a sua vez de morrer.
Camilo
o mais desconfiado pulou a janela correu
para dentro de um capão de mato que beirava a casa, os outros quatro índios
morreram dentro da tapera, os vaqueiros a cavalo cercaram o pequeno capão e
quando conseguiram encontrar Camilo o mataram e ajuntando os corpos os
enterraram ali mesmo.
Tudo parecia ter voltado á
normalidade, mas não por muito tempo.
São Félix voltou a dormir em paz com os
índios, passaram-se muitos anos sem tornar a molestá-los novamente, embora
tivesse índios por todos os lados, os Caiapós no Kuluene ou Xingu, os Carajás
nas margens do rio Araguaia, os Tapirapé ao norte e os Xavantes por todos os
lados, e mais dezessete nações diferentes no Parque Nacional do Xingu.
Começavam a se acomodar cada um em seu canto, pelo menos era o que parecia
estar acontecendo, mas a explosão populacional das tribos Carajás crescia de
Leopoldina a Barra do Tapirapé, e estendendo-se até o estirão do Cinzeiro tudo
até então era paz, harmonia, homem e a natureza. Alguns padres por ali andavam
em desobriga, e o mais conhecido era o Padre Pedro Cobalchini e suas longas
barbas pretas, que viajava pelo rio, em Leopoldina tínhamos o Padre Paulo que
logo deixou a batina para se casar, era um bom carpinteiro e pintor e pastor de
almas, restava o Padre Chico ou Jentel, Padre Foucault, e os Bispos que zelavam
de suas prelazias. Don Luiz. Don Tomas Balduino, e ai foram chegando o Padre
Canuto e o Padre Pedro Casaldaliga.
As aldeias Carajás começavam sempre rumo rio
abaixo, em Leopoldina o cacique era o índio Cachoeira depois que ele matou um
índio outro ficou em seu lugar, Jacinto era seu nome, a seguir era a aldeia de
São Pedro aonde o cacique era o Domingos Carajás. A seguir vinha à pequena
aldeia de Barreira de Pedra, depois de Santa Isabel do Morro onde o Grande
Cacique era o Malua, que era assessorado pelo fabuloso índio Uatau vinha a
seguir a aldeia do Fontoura sendo cacique o índio Pereira, na sequência vinha
Mato Verde onde o Zé Grande mandava, depois a aldeia da ilha do Crisostis,
aldeia do Jatobá, aldeia do Posto Heloisa Torres no morro da barra do rio
Tapirapé com o rio Araguaia, aldeia do rio Crisostemos, aldeia de Lago Grande,
aldeia de Barreirinha, aldeia de Barreira de Campo, aldeia da Barreira de
Santana, aldeia de Santa Maria, aldeia de Conceição do Araguaia, aldeia do
travessão e a aldeia das Andorinhas, eram centenas de índios espalhados pelas
praias e rio Araguaia, de um lado e do outro, no braço menor do Araguaia que
formava a ilha viviam os índios Javaés que eram e ainda são uma extensão da
tribo Carajás que tinha sua aldeia denominada Canoanon na ilha do Bananal e, em
seu interior curiosamente, junto ao extenso bananal que deu origem ao nome de
Ilha do Bananal se infiltraram os negros de pouca estatura e barbichas que
usavam flechas com ponta de facas e que eram oriundo dos escravos fugidos
conhecidos como “canoeiros”. Viraram lenda face a dificuldade em localizá-los.
Na Aldeia Carajá de Lago Grande, o cemitério indígena era na própria barranca
do rio do lado de Mato Grosso, bem dentro da vila, lembrando que em 1968 o
Negro Veríssimo, achou vários adornos feitos de pedras como Panhetás, e outros
belos artefatos feitos em pedra sabão ou pedra mole que estavam em uma
sepultura rasa e nada mais foi mexido naquele sitio, não sei o destino que
tiveram aquelas peças.
A festa principal do Carajá chama-se ARUANÃ,
que
significa dança dos peixes. É uma
das mais lindas festas que já assisti.
Povo humilde de índole matriarcal, considerado um grupo isolado
suas histórias antigas remontam a quando moravam nas grandes águas salgadas são
exímios canoeiros, e grandes artífices em enfeites e adornos, ostentam uma
cultura transcendental invejável.
Suas aldeias
principais são Santa Isabel do Morro na
Ilha do Bananal e das Andorinhas hoje no Estado de Tocantins.
A cidade
mais perto era Mato Verde, distante doze léguas rio abaixo, eu gostava de ir
lá.
Primeiro se chamava Mato Verde, depois
Luciara.
Em Luciara, cidadezinha que leva a metade do
nome do fundador o velho desbravador Lúcio Pereira Luz e a outra metade do rio
Araguaia, numa fusão perfeita enfeitam a natureza. Hoje, ali, no centro de uma
singela praça, bem ao lado da prefeitura, uma estatua do busto do pioneiro,
feita em bronze, olham as águas do Araguaia que tanto se dedicaram um ao outro.
Só restam lembranças, lembranças vivas que
não podem ser esquecidas ou apagadas com o tempo, lembranças que a ferrugem não
coroe o ladrão não rouba, e o tempo não desgasta.
Já se
foram os gloriosos dias do Coronel, mas os seus feitos jamais desaparecerão,
ele e seu grande amigo Severiano de Souza Neves cujos exemplos e temperas são
um marco indelével na história do sertão mato-grossense.
De Severiano nem um busto restou, apenas,
como já mencionamos, uma Rua em São Félix do Araguaia e uma ponte sobre o rio
Xavantinho levam o seu nome lembrando que um dia ele existiu e que fundou
aquela cidade, é muito pouco para um vulto tão grande.
Ele, e
seus companheiros os desbravadores como Comandante Tonico Bosaipo e muitos
outros fundidos pela natureza igual a tempera do diamante mesclado as fibras
dos valentes e com a astúcia dos grandes guerreiros, deixaram um rastro de
aventuras e feitos que jamais se apagarão.
Mas como todos, tiveram seus momentos de
dores e sofrimentos, talvez mais do que merecessem.
Descendo o rio, de São Félix a Mato Verde
passava-se primeiro por Santa Isabel do Morro, a maior aldeia Carajás, depois
pela aldeia do Fontoura e finalmente pelo pontal do Padre, onde no período da
seca, um travessão de pedra atravessa o rio de Mato Grosso a Ilha do Bananal,
logo adiante, depois da curva ficava a pequena vila, que mais parecia uma joia
rara encravada na barranca do rio, suas lindas praias enfeitavam a chegada, do
porto junto a um pé de Piranheira, chegava-se aos currais do pioneiro, e de lá
para as casas que eram distribuídas ao longo da margem do rio numa bela e
inesquecível vista panorâmica. Tudo era paz e tranquilidade, não se ouvia falar
de guerras ou revoltas. Nem radio ainda existia por lá, se acontecesse uma
revolta ou guerra no mundo quando a gente viesse tomar conhecimento ela já teria
acabado.
Quando cheguei a Mato Verde, naquele dia não
tinha nada que estranhar, pois já havia estado ali antes e fizera bons amigos.
Ninguém usava relógio e nem falavam em horas, usavam folhinhas, falava-se em
dias, semanas ou meses. O tempo não importava.
Sr.
Lúcio, já meu amigo, foi a primeira pessoa que encontrei.
--Boa
tarde meu Coronel.
--Boa
tarde, ora, se não é o nosso amigo paulista, seja bem vindo.
--Obrigado –
agradeci dando-lhe um abraço forte.
--Estou
secando o relógio, entrou água nele – disse me mostrando um relógio de pulso
que colocará em cima da chapa do fogão para secar e ao tentar removê-lo como
estava quente não o conseguiu segurar e ele caiu dentro do fogo em cima das
brasas, e só foi tirado do meio das brasas, minutos depois quase torrado agora
este se acabou mesmo – dizendo isto jogou o relógio num canto e voltando-se
para mim – vamos.
Saímos a andar pela rua, daquele momento em
diante não me faltou mais nada, nem “pira para me coçar, estava sob a tutela do
Coronel”.
Misto
de juiz, promotor, defensor, delegado e prefeito o homem é quem mandava e
resolvia tudo, e fora a estes encargos era também agropecuarista e comerciante.
--Senhor
Dankmar – tratava a todos com profundo respeito - estou esperando um caminhão
com mercadorias em Leopoldina, devo me ausentar por uns dias, mas o próximo
caminhão vira até a aldeia do Fontoura por dentro da Ilha do Bananal. O Senhor
me espere aqui que na volta nos vamos juntos até a minha fazenda São Pedro.
Enquanto aguardava a volta do coronel me
entrosava cada vez mais com seus filhos e amigos.
O sertanejo tinha um grande
numero de gado que criado solto nas largas os mesmos embraveciam e se
alongavam. Este tipo de gado só era campeado em vaquejadas especiais. Sempre
saiam em numero de dez a doze vaqueiros. Não faltava a rede de dormir, rapadura
e carne seca com farinha de puba. Na garupa um bom laço de couro de mateiro e
vestiam perneiras de couro bem curtido. Sempre levavam duas ou três juntas de
bois carreiros (sinueiros) para trazer de volta as rezes aprisionada. Eu mesmo
fui por duas vezes. Nosso ponto de parada era na Santa Fé, uma belíssima ravina
onde havíamos construído um curral e uma pequena casa. Ali dormíamos, e
partíamos para nossas caçadas.
Sempre levantávamos bem cedo, ao clarear do
dia, não só por causa do gado, mas também por causa dos índios. Preparávamos
nossos arreios tirando tudo que fosse supérfluo e tudo que fizesse barulho,
enrolávamos linhas nas rosetas das esporas para não tinirem e saiamos em busca
do gado bravo que sempre andava reunido em magote de vinte a cinquenta rezes.
Quando achávamos seus rastros frescos seguíamos calados até avistá-los, então
tomávamos chegada pelo lado contra o vento para que as rezes não nos sentissem
e chegávamos o mais perto possível, mas quando elas nos pressentiam era uma
debandada doida e saiamos todos em desabalada carreira cada um atrás de uma rês
desgarrada uns as derrubavam logo e as peavam
outros as laçavam e depois tinham que se defender das investidas amarrando-as
em arvores, outras acuavam dentro das capoeiras e enfrentavam os vaqueiros. Era
uma luta dura, mas ao final sempre voltávamos com muitas reses apreendidas. O
melhor eram os comentários, fulano caiu, fulano ficou enganchado em um galho ou
fulano teve que pegar a novilha à unha se não ela o pisava. Eram formidáveis
aqueles homens inclusive o grande campeão Antônio Petoco que em decorrência de
uma espetada de pau no pé teve tétano e morreu.
Eu mesmo levei muita paulada de galho pelo
corpo.
Assim o tempo ia passando e eu esquecera que
existia outro mundo lá fora.
Era por ai junho para julho de 1949.
Naquela
tarde de verão eu estava sentado com vários amigos em uma rodada escutando o
velho Lúcio contar casos de Nostradamus quando um rapaz de nome Roberto se
aproximou dele e disse:
--Seu Lúcio, eu preciso de um favor
do senhor.
--O que é que você quer?
--Quando o Senhor for para o
Fontoura eu queria uma carona de ida e volta.
--Primeiro você me deve desculpas –
ironizou o Coronel.
--Como assim?
--Você
se lembra daquele dia lá na praia quando o senhor pulou por cima de mim que
estava agachado dentro da água, tirando “tiuba”?
--Sim, mas foi sem querer, mas eu
sei que fui errado, eu não devia ser tão atrevido e o desrespeitei, me
desculpe, por favor.
--Assim que se fala, está
desculpado, quando eu for, te aviso, mas possivelmente será amanhã cedo -
terminou o pioneiro com um leve e amoroso sorriso nos lábios.
--Dankmar você esta lembrando sobre
o caminhão que eu ia trazer com mercadorias através da Ilha do Bananal?
--Sim me recordo, mas é uma
temeridade seu Lúcio, será o primeiro caminhão a chegar neste sertão.
--Mas chegará amanhã cedo, mandei um
bom guia para acompanhá-los e sei que conseguirá chegar à aldeia do Fontoura,
seu barco esta no jeito?
--Estará
pronto ao amanhecer do dia.
Eu havia comprado um barco com motor Penta
com 04HP (Cavalos força) e uma canoa para quatro mil quilos. Partimos ao
clarear do dia e quando o sol saía já estávamos chegando á aldeia do Fontoura
onde os crentes adventistas cuidavam da aldeia e o pastor Isaac Fonseca estava
lá.
--Bom dia minha gente,
seu Lúcio eu já soube da novidade, será que chegarão sem problemas? Inclusive
já expliquei para os índios o que é um caminhão e eles estão ansiosos para
vê-lo.
--Não se incomode
daqui para o meio dia eles chegarão.
Fomos para a casa de o Isaac Fonseca
conversar e eu aproveitei fui falar com os índios que não queriam acreditar que
tal coisa existisse, mas queriam ver, já era perto das onze horas quando o
Capitão Pereira dos Carajás alertou:
--Vem
vindo, escutem, levantem a cabeça...
Todos os índios fizeram o mesmo e eu também,
era um silêncio total quando o vento vinha, ouvia-se um ronco surdo do motor à
distância, súbito uma buzinada apavorou a aldeia, foi uma correria danada, as
mães arrastavam os filhos pelos braços e os jogavam dentro das canoas no porto
e começaram a abandonar a aldeia rumo à praia defronte, uns pulavam de cima do
barranco para dentro do rio e nadavam até a praia outros gritavam e pediam para
se acalmarem, pois o barulho sumira. Mas de repente a buzina e o som do motor
acelerado, agora bem perto, invadiram a aldeia o pânico foi geral, nos pulos de
cima do barranco eu vi um índio novo se jogar e cair dentro de uma canoa, mas
pelo visto não se machucara muito, em pouco tempo só restava na aldeia os
índios mais velhos e os guerreiros dispostos a enfrentar a fera que chegava
buzinando alto, eu cheguei a chorar de emoção logo o GMC entrou triunfante
dentro da aldeia deu uma roncada alta e apagou. Foi tal ver um campeão em uma
olimpíada a chegar vitoriosamente na fita de chegada. Estávamos orgulhosos e
também o Coronel que abraçava os chegantes.
A
estas alturas os índios já haviam inspecionado tudo e a maquina já tinha um
nome. BEUREOTU que queria dizer maquina de fogo que anda na terra e o motorista
REOTUDIRADICANDÔ – o que dirigi a maquina de fogo. Os índios foram chegando e
todo mundo queria buzinar, logo todos se acostumaram com o veiculo, crianças e
velhos e mulheres não mais os temiam, pois estava IRORO (morto ou parado), mas
o velho Coronel pediu que ajudassem a descarregar a mercadoria e a colocassem
em meu pequeno barco já encostada no porto, uns vinte índios começaram a
descarregar o caminhão e a carregar o barco, não dei conta de mandar parar de
por mercadoria logo o barco começou a afundar com tanta carga, foi uma correria
doida para não deixar molhar a mercadoria, tiramos a água do barco e com o peso
certo dei duas viagens a Mato Verde.
Foi um fato inédito e digno de
registro, o progresso caminhara sobre rodas foi uma apoteose inenarrável.
Comecei a sentir que eu perdi alguma coisa,
pois tinha medo do progresso.
O motorista
do caminhão passou dois dias conosco e depois voltou para Anápolis
carregado de couro.
Dois dias depois fui para a Fazenda São Pedro
e de lá para Cedrolândia. Eram doze léguas sertão adentro fui a cavalo.
“Cedrolândia
* Beira Rio... anos de 1950.
ou Porto Alegre do Norte MT”.
(Tapirapé) Duas vilas no sertão
Cedrolândia não ficava mais do que três
quilômetros da beira do rio Tapirapé, ali no Porto Alegre, suas casas na vila
foram construídas em forma de ferradura para dar mais segurança em caso de um
ataque de índios, casas simples de pau a pique e coberta de palhas. Começavam
brotar seus laranjais e suas festas eram as mais animadas de todo o sertão e
muita moça bonita para dançar, tanto Dionel Martins de Almeida e sua esposa
Maria Pereira de Almeida– José Domiciano e sua esposa Maria Luiza Pereira
Salles – Pedro Nonato – José Barula e sua esposa Nazaré – Leandro e sua esposa
Maria Angélica – Claro – Evaristo- Cassiano - “Chegaram e se fixaram em
Cedrolândia nos anos de 1950”. Já haviam anos antes explorados estas e outras
paragens e isto provavelmente a partir de 1926/1934/1950.
Beira
Rio; - anos de 1950- Domingos
Medeiros e sua esposa Nazaré Pereira
Campos - Cícero Laranjinha e sua esposa Maria Tereza Lima Gonçalves–
João Manoel – Urbano – Fernandes e Ciriaco;
(Comentários daquela época Domingos Medeiros primeiro veio para São
Salvador como vaqueiro do Lucio, depois veio morar em Cedrolândia, e poucos
tempos depois se mudou para a Beira Rio -.) (Ciriaco morava na Porto
Velho, veio para Beira Rio . mas voltou para sua localidade); Em 1926
a (1ª entrada) anos depois se seguiram varias outras, partidas de
Barreirinha no Pará e de Mato Verde no Mato Grosso o comerciante Manoel Martins
Costa abriu uma pequena loja na “Beira Rio” e seu empregado foi o Zé Batuíra. Todos estes e seus companheiros
eram muito religiosos e terços e festas era o que não faltava. Dali de
Cedrolândia para a beira do rio uma estradinha não deixavam errar o caminho e o
Domingão e o Ciriaco eram os outros grandes festeiros. Nos campos desde as
salinas, a Grota Bonita. O Mutum, a Azulona, o rio Sabino, o Gameleira, o
Xavantinho, o Corujão, a Santa Rita, a Santa Luzia e até o São Pedro e Empuca
Grande e Serra do Zeca Barros e o Urubu Branco, tudo era real, era o sertão tal
qual Deus o criou.
O rio Tapirapé era farto em peixe, tartaruga
e tracajás, os pirarucus aboiavam a todo instante e os enormes jacarés-açus
desafiavam mesmo a luz do dia. Lá na Serra do São João o sertanejo Lúcio olhava
as nuvens já enegrecidas que prenunciavam uma tempestade e se propôs a voltar
para a sua casa na fazenda São Pedro, iria tomar muita chuva, mas eram os ossos
do oficio Era mês de dezembro, três quarto da região alagava parcialmente,
varjões de terra massapé infiltrável retinha a água e há nestas condições de tempo
os índios se afastavam, as roças e os pastos floresciam e as águas aumentavam.
Mas
com a chegada do verão as águas baixavam, e o sertão bravio se abria para as
andanças de valentes guerreiros ardilosos que espalhavam o terror entre os
incautos seus escolhidos.
§
Capitulo 04.
Assim são conhecidos
os índios do grupo G.
Os índios Caiapós ou
Chucarramãe nunca morreram de amizades pelos nossos sertanejos e os consideravam
seus inimigos em potencial. Sai das margens do rio Xingu, de sua aldeia na
Barreira do Pequi, distante mais de duzentos quilômetros para molestar os
“Toris” ou “Caraíbas” onde quer que estejam. Era a luta dos mais fortes para
sobreviver, quase pretos, com rodelas de madeira no beiço furado, pelo tamanho
destas se sabia do perigo que cada um representava.
Chegada à seca, os sertanejos
se organizavam em grupos, não mais deixavam suas casas sem segurança e não
andavam sozinhos, carregava sempre a mão sua carabina 44 do papo amarelo de
repetição – 12 ou 16 tiros. E nunca as largavam nem para defecar no mato era
segurando a arma, dormiam com elas e viviam com elas. Não poucas vezes se ouviu
contar que alguém encostara a carabina em uma arvore por uns instantes e quando
a procurava não mais a achava e feliz quando não morria por ela, ás vezes os
índios gostavam de deixar uma borduna na troca com a arma.
Os cuidados aumentavam com as
incursões dos índios.
Num certo dia em Mato Verde...
Dois
meninos saíram pelas cercanias da vila de Luciara MT, para apanhar lenha e não
mais voltaram, organizou-se uma equipe de busca que logo encontram um deles
morto com a cabeça quebrada e o outro desaparecera, os índios o haviam levado.
Debalde foram as buscas, o outro menino só foi encontrado dez anos depois pelo
Orlando Villas Boas em um posto indígena, ele estava doente, em São Félix do
Xingu, e foi recambiado para seus pais, que eram o Antônio e Joana Barroso, o
jovem já tinha e ainda tem o nome de João Kimura, mas não conviveu com seus
pais biológicos e nem se adaptou nas novas cidades de Porto Alegre do Norte ou
Luciara, preferiu abandonar a sua família, ainda hoje mora entre os índios
Caiapós em São José do Xingu. Vive na
aldeia por opção própria e tem as orelhas e os lábios furados.
Caso idêntico partiu de Mato Grosso para
acontecer no Pará.
Os
índios Caiapós são grandes andarilhos que trilhavam de um estado para o outro
embora desconhecessem os limites que os entremeavam, e isto os tornava em um só
todo vasto e fechado sertão bravio a “Amazônia”.
Este
episódio teve a participação de um famoso e muito ardiloso sertanejo conhecido
como Tonhão,
os índios o temiam pela sua audácia e coragem. Este personagem que perambulava
pelos seringais na mata Xinguana, já estava de regresso ao Pará, a um dia de
seu destino Altamira quando soube do ocorrido com sua família foi onde seus
velhos e conhecidos inimigos, os índios Caiapós, tinham raptado duas sobrinhas
suas, assim se passaram os fatos:
Quando ainda
no começo da colonização da Amazônia já no lado do Para, os Índios Caiapós, ou
Chucarramãe ou ainda os Suias todos da mesma etnia viviam e ainda vivem em
constante peregrinação se aventurando meses a fio durante o período de estiagem
nas suas andanças por entre as matas, campos e cerrados muito longe de suas
aldeias sendo que uma delas, a maior, se achava encravada na Barreira do Pequi
na margem do rio Xingu ou Kuluene, no Mato Grosso, nestas jornadas se dedicavam
a fazer explorações, caçadas e presas especialmente jovens meninas e meninos,
fossem filhos de cristãos ou de outras tribos.
Assim também se comportavam algumas aldeias ao norte
do Estado do Mato Grosso do Pará e Amazonas.
Eram violentos e agressivos e
suas valentias eram identificadas pelo tamanho da rodela de madeira que usava
presa no lábio inferior, inicialmente era colocada uma pequena rodela,
aproximadamente do tamanho de uma moeda grande que eram presas em pequenos
furos feitos no lábio inferior que ia se dilatando até segurar a rodinha de
madeira que trazia um sulco em suas beiradas que seguravam o artefato para não
se desprender mostrando os buracos quando tiravam o artefato, com o tempo,
conforme ia aumentado de tamanho dependendo de quantas mortes o portador já
teria feito chegava algumas delas a ter o tamanho de um pires pequeno e
crescendo cada vez mais, são tribos de origem desconhecida e catalogadas como
Grupo G ou isolados, atualmente já devem ser conhecida as suas origens.
Até hoje ainda são os terrores
das outras aldeias e dos pioneiros desbravadores como os seringueiros, os castanheiros,
dos agricultores, os pescadores artesanais e os moradores das pequenas vilas,
tanto no norte leste mato-grossense como no estado do Para enfim na Amazônia
toda e em torno atacam sempre ao meio do dia quando o sol esta mais a pino, mas
fazem incursões noturnas para planejarem seus ataques e um deste aconteceu em
uma pequena vila então emergente no Estado do Pará, este relato é uma das
versões mais comentada.
*
Quando os índios atacam
O ataque aconteceu num pequeno povoado, nos
arredores de Altamira no Estado do Pará, raptaram duas meninas uma de nome
Perpetinha tinha apenas quatorze anos e Luizinha sua irmã mais nova tinha doze
anos.
Após o rapto sumiram mata adentro levando as
duas gurias.
Foram
organizados vários grupos de busca, mas sem sucesso, uma vez dentro da mata o
grupo de índios se dividiu em dois para despistar seus possíveis perseguidores
e assim aconteceu.
A família
das duas jovens resolveu pedir ajuda a um cunhado, um sertanejo que beirava cinquenta
anos conhecido como...
Tonhão...
Um
sertanejo na medida certa.
Tonhão também era conhecido como “mão de paca
assada” resultado de uma escaramuça com tribos indígenas, mas não gostava de
ser assim chamado e o povo o respeitava porque era muito valente, era o herói
daquelas épocas, bastante alto trajava uma calça feita de algodão, camisa do
mesmo pano, sua botina era de numero 44 que deixava um rastro muito grande o
que era muito conhecido e temido pelos índios, na cabeça um chapéu de couro
surrado ao modo nordestino, suas feições eram de aspecto rude e impenetrável
tinha os olhos mais negros do que jabuticaba, sua cor era morena escura de
queimado pelo sol e seus cabelos grandes balançavam nas costas, não largava um
minuto a sua belíssima carabina toda trabalhado em desenhos por ter sido um
lançamento especial e suportava quinze cartuchos no deposito anexado abaixo do
cano principal que era sextavado e de quase um metro de comprimento, conhecida
como “papo amarelo” devido suas peças de manobras serem de metal amarelo e
tinha uma afinadíssima mira de realce que podia, na mão de seu dono, atingir
facilmente um homem na cabeça até trezentos metros de distancia com um tiro
perfeito resultante dos cartuchos de calibre 44 que ele mesmo carregava. Tinha
uma “maquininha” que era mais parecida com um grande alicate no qual moldava os
chumbos derretidos para fazer a cabeça ou à bala depois de trocar a espoleta ele
colocava a pólvora branca conhecida por “mosqueta” porque era mais poderosa de
que a pólvora preta, sempre numa medida certa e finalmente colocava a cabeça de
chumbo ou a bala que e se agasalhava perfeitamente no cartucho de metal e a
seguir, com a mesma maquininha, apertava a casca do cartucho contra o chumbo da
bala prendendo-o perfeitamente. Estava pronto um cartucho calibre 44.
Dizem que dormia com a
carabina dentro da rede, sobre o peito, embaixo de um mosquiteiro onde sempre
armava uma forte corda que ficava atada junto ao teto do empanado isto porque
no caso de um ataque de índio enquanto dormia a borduna bateria contra a corda
sem atingi-lo.
Como complemento de suas armas
carregava na cintura um raríssimo Smith Wesson calibre quarenta e cinco, destes
que se colocavam as balas calibre 44 que serviam perfeitamente e uma guaiaca de
dois “andares” ou fileiras duplas eram para os cartuchos 44 tanto a de cima
como a debaixo, devia pesar um bocado, pois as balas rodeavam seu corpo só
deixando livre o lugar da grande fivela de prata, um segundo cinto de couro cru
segurava uma peça de couro a guisa de bainha em que guardava um facão “Collins”
cabo de chifre com uma lamina de aço puro de 22 polegadas de ponta direita e mais
afiada do que um navalha, sem falar na faca peixeira de 10 polegadas com
serrilha que carregava em uma bainha de couro de lobo junto as suas costas, uma
pequena cabaça de pescoço, a guisa de cantil, com água para beber que
dependendo da situação ou ficava atada ao cinturão ou a levava dentro de um
grande embornal que o sertanejo o impermeabilizara pelo lado de fora usando
leite de mangaba, uma seiva branca que espalhado sobre um pano tem a
característica de um plástico bem forte depois aplicava uma camada de enxofre
em pó para secar o látex e era ali que onde também agasalhava duas rapaduras,
farinha de puba e um pedaço de carne seca, um frasco com pólvora, outro com
espoletas e outros com balas prontas para recarregar e a “binga” que era
composta de um pedaço de lima de ferro, uma pedra de tirar fogo, usava mais
comumente uma lasca de cristal de rocha e uma ponta de chifre cheio de algodão,
bastava segurar o chifre com a mão e apoiar a pedra no beiço e riscar com o
lima que fazia soltar faíscas que incendiavam o algodão daí era só acender o
fogo. Na guaiaca pelo lado de dentro tinha um grande bolso onde levava fumo
desfiado e palha de milho cortada para os cigarros que dificilmente o consumia.
No pescoço, a guisa de enfeite ou advertência, um colar com duas peças um dente
humano (provavelmente de algum índio muito valente) e uma costelinha de onça,
deste osso solto que é encontrado na carne da pá das onças e que segundo a
lenda o amuleto faz livrar o seu possuidor das feras e das traições, pois ele
estaria com o espírito da onça encarnado em seu corpo.
O
Homem estava completo e preparado para tudo que desse ou viesse...
O resgate...
Tonhão foi chamado á casa dos pais das duas
meninas, afinal eram também suas sobrinhas.
--Tonhão, nós te conhecemos, é meu
cunhado e sabemos que só você pode trazer as meninas de volta se ainda
estiverem vivas...
--Vivas
elas estão porque os índios as levaram para morar na aldeia e não as matarão, e
acredito que fizeram isto com minhas sobrinhas para me provocar, eles me
conhecem e sabem que eu irei atrás deles, pelo menos por agora não vão
molestá-las, mas, não vai ser fácil trazer as duas, vocês me chamaram muito
tarde a estas alturas os índios já se dividiram e cada grupo levou uma das
meninas, e ainda deixam sempre dois índios atocaiados na retaguarda para se
livrarem de alguma surpresa.
--Nos
já estamos cientes disso, mas queremos que você vá atrás deles e traga uma das
meninas depois a outra se ainda estiver viva nos vamos organizar outra busca.
--Você vai nos ajudar?
--Qual é o outro jeito?
--Você vai cobrar pelo serviço?
--Deixa-me trazer as minhas sobrinhas ao menos uma por agora
depois se conversa sobre pagamento, eles levaram só as meninas ou mais alguma
coisa?
--Só as duas.
--Como elas estavam vestidas?
--Só de saia e blusa e de chinelos.
--Vou
partir de madrugada, mas não contem com nada por enquanto.
O galo
cantou, seria por perto das três horas da manhã, na sombra da madrugada aquele
homem talhado com a bravura dos sertanejos e forjado com a dureza dos diamantes
mais rígido do que o aço sumia na trilha da mata escura por entre os arbustos,
já estava a caminho, os índios tinham dois dias de dianteira por isto acelerou
a passada, mas a cada passo as surpresas se sucediam. Com o clarear do terceiro
dia, passou por uma grande clareira na mata e logo chegou a uma passagem feita
por animais para atravessarem uma grota que ainda estava com lama devido às
chuvas passadas, antes de atravessá-la parou e a observou, dois caminhos um
pela esquerda e um pela direita, ali os índios se separaram cada grupo levando
uma das meninas, decidiu optar pelo caminho da direita, pois o rastro da
criança era menor e assim deveria ser a mais pequena, a Luizinha, que certamente
iria sofrer mais na caminhada com os índios, os rastros denunciavam cinco
índios e uma criança, mas a um lado avistou outra pegada separada no caminho da
direita que voltava o fez deduzir que um
deles ainda estaria para trás, mas isto não o incomodou, o perigo poderia ser
durante a noite, pois o índio só estaria o vigiando para atacar de surpresa,
mas não teria coragem para enfrentá-lo de frente ou então seria uma manobra
para abalar o animo e a segurança do sertanejo visto que apenas quatro índios passaram
a grota e um deles voltou bem afastado das pegadas e assim tornou a atravessar
grota fazendo o quinto rastro compartilhando com os outros e assim seriam
apenas quatro índios, ou então preparam uma armadilha no meio daquela lama.
Cuidadosamente o rastreador pegou uma vara e começou a revolver a lama em meio
da passagem e para sua surpresa descobriu varias pontas de cerne de madeira bem
aguçadas enterradas na lama com a ponta para cima se ele entrasse por ali
estaria perdido porque certamente aquelas pontas lhe atravessariam o solado da
botina e ainda poderiam ter algum tipo de veneno, seria preciso alguma coisa
melhor do que aquela para impedir o avanço daquele caçador de índios e assim
era conhecido. Após dar uma volta para atravessar a grota seguiu a trilha
deixada pelos índios e notou que não estavam muito longe, agora o perigo seriam
as emboscadas que davam cobertura para o grupo seguir em frente. O dia avançava
e ao cair da tarde sentiu que alguma coisa estava errada, teria que avançar
mais um pouco afinal já entrava o quinto dia que haviam roubado a menina.
A
folhagem rasteira se acentuava isto porque a mata já não era muito fechada e
dificultou o rastreamento teria que abrir o caminho no facão, tornou a sair em
outra lareira onde ficaria exposto, mas teria que correr o risco e assim a
atravessou com o corpo ereto o que certamente impressionaria os índios se os
estivesse espiando, ao chegar à orla da mata tornou a encontrar a trilha e
achou bem no meio dela um cartucho vazio de calibre 20, os índios certamente o
estavam advertindo que também estavam armados.
Chegava à noite do terceiro dia e com ela
vinha um vento muito frio o que era normal para aquele período do ano afinal
estavam em julho, procurou um lugar para se agasalhar, não poderia seguir a
trilha durante a noite afinal era muito perigoso e lembrando os índios
murmurou:
--Todo
bicho que dorme no sereno não merece confiança – nesse caso eu também –
e deu uma pequena risada.
Já
estava escurecendo novamente na orla da mata alta, resolveu se agasalhar em
cima de um pé de pequi muito frondoso e os seus galhos eram muito resistentes e
lá de cima a vista dava para o descampado assim poderia vigiar melhor.
Logo
escureceu, e o sertanejo tal uma onça, havia encontrado uma forquilha de galhos
fortes que lhe deram um bom conforto, amarrou o embornal em um galho, se
agasalhou contorcendo o corpo tal um animal com o rifle atravessado sobre sua
barriga. Desta viagem não havia trazido a rede ou mosquiteiro, não poderia se
entregar a este luxo e tanto fazia dormir na relva ou em cima da uma arvores
lembrou-se de comer um pedaço da rapadura com farinha de mandioca puba e depois
bebeu um bom gole de água e se dispôs a descansar.
Os pássaros na mata começavam um barulho
mesclado de espanto e alegria, espanto por terem sentido algo entranho e
alegria por estarem a salvo no alto das copas e verem o nascer do dia, Tonhão
também se alertou e a claridade ainda era escassa quando ouviu barulho de
pisadas em baixo de sua arvore, era um índio do grupo, talvez o da retaguarda
que estava em busca dos outros que deviam estar acampados não longe dali. O
sertanejo levantou o rifle, armou-o silenciosa e rapidamente e apontou, mas não
quis atirar, em sua cabeça rondava a duvida “se eu o matar certamente escutarão
o tiro e matarão a menina, durante esta hora do amanhecer o tiro ecoaria muito
longe, tenho que pegá-los a todos juntos”, desengatilhou o rifle, o índio
seguia em frente e subitamente como que alertado por um instinto parou como a
sentir o ar e desconfiado seguiu em frente. Tonhão também era dotado deste
mesmo instinto e sabia muito bem que o índio sentira sua presença agora teria
que dobrar a cautela e não deixar que sua mente endurecida pelos desmandos da
vida cotidiana prejudicasse a estratégia que deveria usar acalmou-se, suspirou
e mostrando um trejeito de que não se importava com nada, desceu da arvore
colocou o embornal nos ombros endireitou o chapéu e pensando no próximo movimento
seguiu em frente.
Em sua cabeça registrava o seguinte
pensamento: Esta chegando à hora da onça beber água – raciocinava – amanhã ao
anoitecer os índios já deverá estar chegando ao rio e eles o terão que o
atravessar ai então a coisa vai feder, eu estou acreditando que a menina esta
atrapalhando a marcha deles andando devagar, será que é propositalmente para eu
alcançá-los? Se eles desconfiarem poderão matar a menina. Vou esperá-los do
outro lado do rio.
A trilha deixada pelos índios cada vez mais se
acentuava, ao que parece já não estavam se importando em deixar marcas e isto
não era bom.
Precisava parar para comer
alguma coisa e, se desviando mais de 500 metros do trilheiro buscou uma sombra
a beira de uma pequena fonte de água muito fria nascida na mata, pensou em
acender uma fogueira para assar um pedaço de carne seca, mas desistiu, estava
muito perto do grupo, não valia a pena arriscar. Tirou a faca e cortou um
pedaço da carne seca em tiras finas e quebrou um pedaço da rapadura depositando
uma mão cheia de farinha em cima do pano do embornal, ali estava seu almoço só
faltava apanhar água fria que brotava junto dele. Uma hora depois estava pronto
para seguir em frente e como já havia desviado da trilha continuou em frente
rumo ao ‘travessão de pedra’ no rio que tão bem conhecia, pois havia escutado
muitas histórias sobre o rio inclusive que lá seria a morada de Kananchue que
na língua indígena Carajás e outras quer dizer Deus. Era o único lugar mais
fácil para atravessar com uma menina, mas ele Tonhão atravessaria o rio na
“passagem braba” ou passagem das corredeiras que ficava meio dia de viagem rio
abaixo, isto é a passagem era mais difícil, mas ficava antes do travessão de
pedras que ficava rio acima depois da passagem braba que não estava mais muito
longe e faria a travessia nem que fosse a noite, pois no dia seguinte subiria
rio acima pelo outra margem e teria que estar, na parte da tarde, esperando os
índios atravessarem o rio na passagem do “travessão de pedra”.
Naquele quarto dia não parou nem para comer a
cedo da tarde já escutava o barulho das águas “brabas”, duas horas depois já se
encontrava junto ao rio, mas não se atreveu a atravessá-lo, primeiro precisaria
dar uma batida na margem para cima ou para baixo, pois os índios poderiam estar
de tocaia e matá-lo assim que entrasse na água, como já estava escurecendo,
após as buscas, nada encontrando que anunciasse a presença dos mesmos resolveu
que só atravessaria o rio durante a noite para evitar surpresa.
Sentando em baixo de uma arvore ficou atento
a barulhos e já tendo bolado um plano como o atravessaria, encostou-se a uma
arvore e se dispôs a se abastecer de rapadura, farinha e carne seca, depois ele
bebeu um longo gole de água, guardou tudo e esperou a hora chegar.
Uma meia lua iluminava o rio dando-lhe um faiscar
como se fossem milhares de estrelas que tremulavam nas águas com um brando
vento que soprava agitando levemente as superfícies, peixes pululavam e ao
longe escutou o esturro de uma onça que gorgolejava em busca de companhia, só
faltava o esturro de um jacaré-açu. Subitamente, tomando um impulso se colocou
em pé e caminhou para a margem do rio, pensou em tirar a botina e assim o fez a
colocando dentro do embornal junto com a rapadura, soltou o cinturão de balas
atravessou no pescoço junto com o revolver e entrou na água com as mãos altas
segurando a Papo amarelo. O sertanejo
conhecia bem aquele rio e sabia que era uma das passagens mais rasas embora
tumultuadas pela corredeira, mas já não tinha mais volta, agora teria que ir em
frente. Até o meio do rio fora bem sucedido, dali para frente à situação
começou a complicar, pois a água se tornara mais profunda chegando à cintura do
homem que lutava para não ser arrastado pelas águas, estava confiante porque já
não era primeira vez que ali atravessava, mas o rio queria lhe pregar uma peça,
subitamente afundou mais um pouco e o Tonhão pisou em uma pedra no fundo que
rolara desequilibrando o nosso herói que sumiu na água, mas instintivamente
manteve o embornal ao alto junto com a carabina e logo, tomando pé, novamente
voltou a caminhar logo chegando à margem todo molhado, mas a farinha e as balas
estavam intactas.
Subiu o barranco do rio que era bem íngreme e
se alojou em baixo de uma densa arvore de copa rasteira, tomou um fôlego,
verificou todos os pertences e não tendo perdido nada adentrou duzentos metros
pela mata achando um lugar mais limpo e seguro junto a uma enorme arvore se
acomodou, mas teria que usar o sexto sentido que o preveniria contra algo
anormal ou alguma intrusão, mesmo cochilando ele o alertaria.
Dormiu tranquilamente.
Logo o
dia clareou. Resolveu fazer um cigarro.
--É, eu tenho que chegar logo na passagem de cima, é lá que vão
atravessar o rio e eu os estarei esperando.
Quando
o sol estava a pino, chegou ao local pretendido, já era o meio do dia Tonhão se
abarrancou atrás de uma grande pedra e olhando para o rio viu que o travessão
estava de fora, seriam fáceis eles passarem por ali, deu uma olhada no rifle, e
manobrou a alavanca jogando uma bala na agulha...
--Agora é só esperar.
Chegava a tarde e nada de aparecer, Tonhão
começou a se inquietar...
--Será
que me enganaram e passaram na passagem de baixo?
Subitamente algo se mexera na outra margem do
rio e a seguir apareceu um índio depois outro e a menina e os outros dois
índios estavam estancados na margem como que não quisessem atravessar.
A tarde se ia e a noite se avizinhava Tonhão
logo deduzia...
--Eles estão desconfiados e não
estão querendo se expor e vão atravessar durante a noite, agora a coisa se
complicou. – monologou o sertanejo.
Era
noite de lua do quarto crescente quando eles se movimentaram para atravessar o
rio, Tonhão podia vê-los bem, primeiro vinha um índio e logo a seguir bem perto
dele a menina e quase colado na garota outro índio a amparava para mantê-la em
pé e mais atrás apenas um índio, portanto faltava um deles e era o que deveria
estar com a espingarda e este era o quinto índio talvez o mais perigoso, mas
porque ficara para trás? Certamente para dar cobertura aos seus companheiros
caso acontecesse alguma coisa a menina seria a primeira a ser atingida – tudo
isto passava pela cabeça do nosso sertanejo que acabou deduzindo que seria
melhor deixá-los atravessar e os pegar de surpresa quando estivessem em terra
firme, e eles teriam que dormir seria melhor aguardar.
Tonhão escondido viu os seis personagens
passar bem perto, já era noite e ele não quis se arriscar, mas resolveu
caminhar noite dentro, pois conhecia a trilha que deveriam seguir, era
conhecida como “Tapirapé” ou caminho da Anta e lembrou-se de uma clareira a
meio de distancia de onde estava agora e assim resolveu seguir a noite até
aonde pudesse, já estaria algumas horas adiantados, e, assim o fez, depois de
andar cerca de duas horas na mata escura estava cansado e achando um abrigo
deitou-se para descansar o corpo.
Os pássaros na mata anunciavam alvissareiro o
novo dia que estava raiando. A estrela da manha já ia alta e ele a podia ver
por entre os galhos das arvores. Era hora de partir.
Já o sol estava alto quando chegou à clareira
de pedra, assim era conhecida por ter varias pedras grandes e um enorme tronco
de arvore caído enfeitava aquele lugar, era quase uma parada obrigatória, havia
um olho d’água permanentemente gelada, e sombra para descansarem.
Tonhão tomou posição em uma parte alta de um
barranco e atrás de uma pedra que escondia bem o seu corpo, era uma distancia
de 150 metros e isto se eles não desconfiassem, pois o sertanejo havia
contornado a trilha bem por fora para não deixar rastos, esperou com o rifle de
bala na agulha.
Já era por volta do meio dia quando escutou
vozes, eram os índios que vinham chegando e pelo jeito de conversarem alto era
sinal que de nada desconfiavam.
As previsões de Tonhão se confirmaram quando
chegaram à clareira, os índios desceram os seus embornais de palha de buriti e
acendeu uma pequena fogueira, o que parecia ser o chefe era o que tinha uma
enorme rodela de madeira encravada em seus lábios, ele subiu em uma pedra com a
espingarda na mão e de lá dava ordens aos outros índios e ao mesmo tempo vigiava
os arredores foi quando a menina fez algo que eles não gostaram e um dos índios
começou a espancá-la dando fortes tapas no rostinho da criança e o índio chefe
lá de cima da pedra gritava para que fizessem calar a menina e então o outro
índio a agarrou por traz e tampou violentamente a sua boca, Tonhão não
conseguiu se controlar e empunhando o rifle apontou para o chefe que estava
sentado em cima de pedra e sussurrou em seus lábios:
--Segura
esta seu índio porcaria – e disparou.
A mata
balançou com o pavoroso estrondo da possante carabina, mas antes que o som se
explodisse o índio despencou de cima da pedra, abala lhe arrancara um pedaço da
cabeça, Tonhão não perdeu a calma e atirou seguidamente no índio que espantado
ainda segurava a menina, mirou e disparou novamente no índio ao lado da menina que vendo o índio
cair gritou e correu para cair mais adiante, um quarto índio que havia
escondido atrás de uma pedra tentou fugir para a mata, mas outra bala cortou
seu caminho, o quinto índio antes desaparecer entre as arvores deu uma parada e
olhou para Tonhão a quinta bala já estava na agulha, o sertanejo o mirou, mas
não atirou, foi quando a menina com a mão na cabeça gritou por socorro e o
sertanejo a chamou:
--Luizinha, sou eu seu tio Tonhão sua
mãe mandou vir te buscar corra para cá, esta vendo esta pedra grande?- dizendo
isto o Tonhão se levantou e a menina correu para ele, abraçando suas pernas e
chorando muito.
--O senhor demorou muito
para vir me buscar tio Tonhão eu estava com muito medo, o senhor achou minha
irmã.
--Não, os outros índios a
levaram, mas eu sei onde é a aldeia deles e voltarei para procurá-la.
--Vamos
para casa tio?
--A
caminhada de volta é difícil e vamos gastar uns oito dias ou mais se andarmos
bem depressa, pois um dos índios fugiu, ele não fará nada contra nos porque
eles só brigam quando são muitos, um só não tem coragem, mas como se costumam
dizer aqui no sertão “Todo bicho que
dorme no sereno não merece confiança”, mas pode avisar os outros que
encontrar por isto vamo-nos embora e enquanto andamos vá comendo um pedaço
desta rapadura, pararemos mais cedo e eu vou assar alguma coisa para nos
comermos.
E
assim fez e no outro dia ao clarear já estavam de volta, mas caprichosamente ao
passar nos vaus das grotas aonde a lama ainda aparecia Tonhão entrava de vagar
e sempre mexendo o pé para frente e para trás e para os lados fazendo assim uma
enorme pegada. Luizinha vendo aquele movimento espalhafatoso perguntou ao Tio.
--Porque deixa uns rastos tão grandes?
--Para os índios que venham atrás de
nos se espantarem, pois corre a noticia entre eles que eu sou um quase gigante.
--Você podia ter matado aquele índio
que ficou parado na beira da mata? Porque não matou?
--Porque ele deve voltar para a Aldeia e contar aos outros que
fui eu que vim atrás deles e assim cada vez mais terão medo de mim.
--Ou raiva – completou a jovem
--É isto ai, vamos lá – e seguiram em frente.
Já
inteirara os oito dias desde que partira, a vigem de volta foi longa, mas a
menina já estava acostumada a viver no sertão por isto criara uma grande
resistência no corpinho agora magro, no final do ultimo dia já havia escurecido
quando ouviram o latir de um cão e depois outras vozes, acabam de chegar à vila
e foram direto para a casa de Luizinha.
A vila
toda entrou em festa.
No dia
seguinte Tonhão se encontrou com os pais das meninas que foram logo lhe
perguntando?
--E a Perpetinha, você acha que ela ainda esta viva.
--Certamente, os índios a levaram para a aldeia para a criarem,
mas eu sei onde fica aldeia só que teremos que esperar uns seis meses, pois a
chuva já esta chegando e vai ser quase impossível ir até a aldeia e de mais a
mais, durante as chuvas os índios todos permanecem na aldeia e no começo do
verão os guerreiros saem todos em busca de caças e presas e na aldeia só fica
os mais jovens, as mulheres e os mais velhos, ai sim será uma boa hora para
resgatá-la.
Um ano e meio se passara e ainda chovia muito
assim quando a chuva parou ali pelo mês de abril, Tonhão procurou os pais das
meninas e conversaram:
--Vocês ainda querem que eu vá atrás da Perpetinha?
--Faz quase dois anos que ele se foi será que está viva? Agora
ela deve estar com dezesseis anos
--Só a achando para sabermos – respondeu o caboclo.
--Quando quer partir?
--Na próxima semana já terei ido, se
não me verem mais e porque já estou a caminho, a Aldeia do Pequi fica a uns 20
a 30 dias de viagem daqui é lá no leste do Mato Grosso, eu conheço bem aquela
região..
--Boa sorte companheiro, mas se quiser
eu posso ir com você - interferiu o pai da jovem.
--Não. Mais um só me atrapalharia muito, sozinho eu ando
mais depressa.
--Boa
sorte, vá e volte com Deus.
E
assim Tonhão se preparou para sua nova aventura.
As
munições foram renovadas, a carne um pouco mais do que o de costume, mas estava
bem seca, não aumentara muito que acostumava carregar para a não ficar mais
pesado, e assim antes do clarear do dia Tonhão ganhou a mata.
Passar por aquelas arvores já tão conhecidas,
os cipós, os riachos as grotas o cheiro da onça, o gritar dos pássaros e o
roncar dos mutuns pareciam festejar a presença do sertanejo, no terceiro dia
chegou à encruzilhada das rotas de fugas dos índios, na primeira vez escolheu o
caminho da direita e agora era a vez do caminho da esquerda dali para frente
morava o perigo. Com a chegada da noite encontrou uma arvore amiga, atou sua
rede feita de algodão com rendas primadas e dormiu com a carabina no peito, a
rede estava a mais de três metros de altura do chão assim era mais seguro.
Tonhão durante dois meses procurou vestígios e
rastros daqueles índios e o caminho certo para a Aldeia, atravessou rios e
riachos, em muitas arvores encontrou vestígio da desaparecida que havia gravado
a faca trechos que assim diziam “Perpetinha
passou por aqui” Ele sabia que estava perto de encontrá-la até então
não cruzara com os índios, mas numa tarde de sol muito claro começou a notar
diferença nos ramos rasteiros da mata, pés de coco rasteiros e piaçava
completamente sem palhas que haviam sido cortadas recentemente muitas madeira
tirada como varas eram usadas para construírem casas, começaram a aparecer
leves marcas de rastros em trilheiro, os índios habilidosamente ao caminharem
sempre era um atrás do outro para não deixarem muitas pegadas, ali onde ele
estava um tanto à frente, podia-se notar que uma área limpa estava aparecendo,
parecia que a mata tinha se acabado, pois as arvores altas havia desaparecidas!
O sertanejo preparou-se para o
encontro enquanto pensava - Será que Perpetinha minha sobrinha ainda vai me
reconhecer, pois já se vão mais de dois anos que não a vejo?
Avançou a curtos passos e
atento temendo encontrar um índio por ali, rastejou até beira da orla e
vislumbrou um limpo muito grande e mais ao largo um pequeno rio junto às casas,
as crianças brincavam e corriam uns cachorros muitos magrelos latiam e corriam
atrás dos indiozinhos, as araras que são as guardiãs da aldeia faziam um
barulho infernal como a querem avisar da presença de um intruso só vislumbrou
algumas mulheres velhas e outro tanto de idosos, resolveu se quedar ali para
ver o que se seguiria, isto é, se os guerreiros estivessem por perto certamente
ao entardecer voltariam, mas o que ele mais queria era ver se conseguia
enxergar a procurada, notou um indiozinho de cabelos loiros todo pelado andando
ao lado de uma mulher que trazia um picuá nas costas com um menino novinho de,
talvez, um ano de idade, a mulher que o carregava era de cor branca também de
cabelos loiros e estavam apenas a uns trezentos metros de distancia.
Tonhão lembrou-se que quando aquela
mulher era ainda pequena ele a ensinara a imitar um pássaro (Rolinha) com as
duas mãos na boca, talvez se ele desse este sinal ela poderia ainda lembrar-se
e saberia que ele estava ali. Tentou por uma vez, duas vezes e na terceira vez
a mulher que caminhava de costas para ele parou ao ouvir aquele som, sabia que
Rolinhas eram pássaros do cerrado e assim admirada ela escutou pela terceira
vez e se virou querendo saber de onde vinha aquele som e olhava diretamente para
Tonhão, mas ainda não o tinha visto subitamente Tonhão repetiu o cantar do
pássaro e ela entendeu que só poderia ser ele que estava ali por perto e assim
foi caminhando em direção mata sempre ouvindo o som e atrás dela vinha o menino
loiro de uns dois anos de idade, quando ela se aproximou mais Tonhão se
levantou e ela espantada quis correr, mas reconheceu o seu tio e foi caminhando
no seu rumo e já vigiando se alguém da aldeia estivesse vendo o movimento dela
e assim desconfiariam e o sertanejo poderia correr grande perigo.
Entrou pela mata e foi direta
aos braços do tio.
--Tio
que loucura o que veio fazer aqui? E minha mãe? Meu pai? E minha irmã ela voltou apara casa?
--Calma uma coisa de cada vez estão
todos bem e sua irmã Luizinha esta em casa e eu vim te buscar, vamos aproveitar
a saída dos índios e dar o fora.
--Meu tio, eu não posso ir, estou
casada com um bom marido e já tenho dois filhos, eles me tratam muito bem e
tenho sido muito feliz, conte para os meus pais que eles já têm dois netos
lindos como a natureza e que a vida para mim aqui é muito boa – e arrancando um
pequeno e fino colar de seu pescoço continuou – leve este colar e o de para
minha mãe e ela entenderá e se um dia Deus permitir ela conhecerá seus netos,
agora vá antes que os guerreiros cheguem – dando um beijo no rosto de Tonhão se
despediu - vá agora e muito obrigado meu Tio e conte para minha mãe os netos
lindos que ela tem.
Subitamente uma jovem índia
apareceu surpreendendo o sertanejo, mas Perpetinha tentou acalmá-lo dizendo:
--È
minha cunhada, pode confiar nela - mas a chegante olhava para Tonhão e ria
alegremente.
--O que ela tem – indagou o
sertanejo.
Perpetinha conversou com ela e
depois passou ao tio:
--Tio ele disse que já ouviu muitas
historias contada pelos índios nas aldeias a seu respeito e que ela pensava que
era só uma fantasia, mas agora que ela o conheceu está admirada e quer que você
lhe de uma lembrança para ela para poder mostrar para os filhos dela quando os
tiver.
--Mas, o que eu vou dar?
A indiazinha mostrou o colar no pescoço de
Tonhão e este compreendeu e tirando-o entregou nas mãos da jovem que ficou
irradiante de alegria.
--Eu tenho que ir, ah, de um recado a
seu marido que eu o vi me seguindo esta manhã toda até chegar aqui, ele é muito
esperto, mas é um bom índio, só espero que não tente me atrapalhar na minha
volta.
Mas
Tonhão não poderia mais demorar, passou a mão na cabeça dos meninos, acariciou
o rosto da jovem índia e beijou a face da sobrinha e completou:
--Que Deus proteja vocês -
embrenhou-se na mata, no caminho de volta fora bem mais rápido com apenas vinte
e cinco dias já chegava à pequena vila e foi direta a casa dos pais de
Perpetinha.
O final da história
A vila
em peso se ajuntou na casa.
--E aí meu primo achou minha filha?
Ela esta morta? Fale-me qualquer coisa?
--Você até parece sua filha que quer
saber de muita coisa ao mesmo tempo, sim, eu a encontrei ela te mandou entregar
este colar.
--È o colar que eu dei a ela, mas me
conte como o conseguiu?
--Perpetinha está em uma aldeia a
quarenta dias de distancia e mandou um recado para sua família ”Que não a
procurassem mais, pois ela estava casada com um marido muito bom e já tem dois
filhos e vivem muito felizes com sua nova família e que um dia vocês irão
conhecer seus dois netos”. Ela esta muito bonita e seus filhos são muito
bonitos também.
--Acreditem-na
ela vive muito feliz.
Lá na
aldeia Perpetinha ao chegar à sua cabana encontrou seu marido sorridente que a
abraçando e acariciando os filhos falou:
--Tonhão
esteve aqui?
--Sim, mas ele já foi embora e não
voltara mais, ele sabe que você o seguiu até aqui e mandou te disser que você
era um bom índio, você não vai atrás dele vai?
--Não ele já está muito longe e não
há razão para irmos atrás dele, pois ele nos respeitou, ele é um bom homem e
muito valente, eu o vinha seguindo até ele chegar aqui na aldeia, queria ver
qual era a intenção dele, eu a vi conversando com o seu tio e quanto a você
minha irmã vejo que ganhou um presente do Tonhão eu conheço este colar já o vi
no pescoço dele, guarde com muito carinho, pois é muito valioso e servirá para
alimentar muitas histórias.
--Você não chegou a pensar que eu
poderia ter me ido embora com ele?
--Não,
eu sei a esposa que tenho.
Com o passar dos anos aquela
aldeia e seus povos se integraram ao nosso modo de vida, mas até hoje mantém as
suas tradições e costumes.
Perpetinha faleceu bem
velhinha e foi enterrada segundo seus costumes.
Até pouco tempo atrás ainda
moravam naquela aldeia uns casais de loiros que foram muitas vezes visitados
por seus avós e familiares e muitos outros conhecedores desta história.
Esta historia realmente
aconteceu, há muitas versões sobre ela, mas esta é a que mais se assimila a
realidade, mas no fundo os resultados foram e sempre serão os mesmos e este
episodio acabou fundindo os dois estados, Mato Grosso com o Pará, afinal tudo
era e ainda são uma só TERRAS BRAVIAS.
*
Enquanto isso...
Aqui junto de Porto Alegre do
Norte ainda Beira Rio...
As mulheres só saiam em grupo
e protegidas sempre por um homem armado. Naquele dia ali na margem do rio Tapirapé,
junto do São João, nas pedras da Santa Rita, seis mulheres lavavam roupa, o
homem sentado na pedra vigiava atento, mas, outros olhos, às escondidas também
os vigiavam, eis que num minuto de desleixo ele larga o rifle em cima da laje
de pedra e entra na água para refrescar, foi o suficiente, oito índios Caiapós
– Beiço de Pau. Atacaram primeiramente o homem e o mataram depois perseguiram
as mulheres para as matarem, apenas uma delas escapou porque caiu na água com a
cabeça quebrada se esvaindo em sangue e eles pensaram que ela havia morrido
esta mulher só veio a falecer recentemente em 2012 e chamava-se Benvinda e
morou muito anos muitos anos em São Félix do Araguaia e depois se mudou
para o Estado do Pará.
*
Lá na fazenda São Pedro do Coronel
Lúcio que distava em apenas uns cinquenta
quilômetros ou pouco mais de Cedrolândia, o velho coronel, vivia sempre em constante desobriga,
visitando os amigos e parentes, e estas visitas sempre resultava em festa.
Era comum ver todos os moradores reunidos em volta do velho
desbravador e, este, com os olhos quase fechados, mascando um pedaço de fumo,
enquanto ia se despindo da camisa suada tirando a faca da cinta e passando
pelos braços, pelas costas e pelo corpo todo e a sacudia tirando o suor apegado,
diziam que era assim que ele banhava, mas eu mesmo o vi umas vezes banhando,
algumas vezes, no rio, de vez enquanto dava uma cusparada no chão da preta
masca e falava:
--Não
vai demorar muito tempo, vão começar a aparecer por aqui os que se dizem proprietários
destas terras e junto com eles virão os grileiros, gente perigosa, ai vamos
começar a ter problemas, por isto devíamos nos precaver, cada um requerer um
pedaço de terra, pois Nostradamus diz que – batia no livro que sempre carregava
- um dia o sangue vai correr no Brasil ate a altura do peito do pé e que este
mundo nosso não vai passar do ano 2000, por isto devemos cuidar bem do que é
nosso e não estragar o que Deus nos deu, é pecado até comer muito. Eu vou vender um pouco do gado para comprar alguma
terra, e vocês façam o mesmo.
--Mas Seu Lúcio, se a
gente vender o gado para comprar terra e depois não tem nada para por nela o
que adianta isto?
--Você
esta igual o caboclo que comprou uma botina nova, mas andava com ela nas
costas, ai perguntaram para ele porque fazia assim e ele respondeu que a sola
do pé Deus dava outra, mas a da botina Deus não dava, ora seus moços, vão-se os
anéis, mas ficam-se os dedos, pois...
“Chegará
o dia em que os pretensos donos destas terras virão e com eles os grileiros e
nos expulsarão das terras que tanto amamos e que com a nossa própria vida as
conquistamos”.
Era Natal de 1950.
--Coronel
- dizia o outro – está faltando café por aqui já faz muitos dias que não se
toma um gole, nem os vizinhos estão tendo, o senhor da um jeito para a gente
viu.
--Muito
bem seu Medeiros, mas é assim mesmo como o senhor deve lembrar o velho ditado
“na minha casa nada achei, fui à do vizinho pior encontrei, voltei na minha me
remediei”, vou mandar um saco de café para vocês (café em grão que teria que
ser torrado e depois moído).
Depois
vinham as festas, quando não eram em Porto Alegre eram em Cedrolândia, um lugar
era perto do outro.
Feiticeiros corriam as
léguas do Coronel, este quando sabia da existência de um feiticeiro que andasse
por ali, mandava-o buscar e aplicava-lhe uma bela surra com vara de pinhão.
--Quem
dá jeito em macumbeiro é vara de pinhão- ensinava o mestre Lúcio.
Um dia
apareceu por lá um “curador” cuja especialidade era ”tratar de mocinhas”. O Seu
Lúcio recebeu uma reclamação de um dos moradores:
--Coronel, um curador
desconhecido anda aprontando por ai, ele esteve lá em casa na Santa Lúcia e fez
o que quis com a Dominga.
--Vão
buscar o homem.
Quando
apareceram com o tal de macumbeiro mal encarado e metido a bravo o velho
foi logo ordenando:
--Então o Senhor é um
macumbeiro que anda aprontando por ai?
--Não, eu sou um religioso
viajante que entendo de tirar espíritos.
--E
só sabe tirar em meninas novas não é? Pois bem eu também sei tirar espírito de
curador macumbeiro – e olhando para os moradores que o cercavam determinou -
Tirem uma vara de pinhão e deem uma boa surra neste macumbeiro e depois enfiem
um palmo de fumo no traseiro dele e soltem-no bem longe daqui.
E assim o fizeram, o macumbeiro nunca mais
apareceu por aquelas bandas. Era o Coronel Lúcio quem falara e suas ordens eram
sempre executadas, assim conseguia manter seu povo unificado e lhe respeitando
afinal era um Líder, mas não demorou muito para que as previsões do pioneiro se
realizassem. Começaram a aparecer os que se diziam donos daquelas terras e com
eles vieram os grileiros. Foi o começo do fim.
Enquanto vivo mantinha seu
povo unido, mas a sorte do velho pioneiro estava selada e, em uma última
aventura amorosa jogou a sua última cartada.
Foi
assim...
Lúcio Pereira Luz tinha uma família criada
moda antiga do sertão. Quase todos eram rudes e duros como o pai. Adauta, uma
das filhas mais velhas do casal Lúcio e Silvina não eram exceção da regra,
casada com um capixaba Flavio Baptista, jovem e dinâmico moravam em um pontal
um pouco acima de Mato Verde chamado Pontal do Padre.
A tensão entre Adauta e o pai crescia assustadoramente,
pois enxergava o patrimônio do velho pioneiro se esvair nas constantes
contendas com sua última mulher. Constância insistia em casar civilmente com o
Coronel o que Adauta não concordava porque ele já era casado civilmente com sua
mãe e ainda estava vivia, (mas como diziam que o cartório aonde Lúcio se casara
pegará fogo queimando todo acervo), assim ele se julgava livre do compromisso,
mas o próprio Lúcio contestava que não havia sido por mando dele o fogo do
cartório. Finalmente o casamento aconteceu e durou muito pouco, ao abandonar o
velho coronel a mulher exigiu a metade de seus bens e o fez via judicial.
Poncidônio fora o articulador do plano e
passou a patrocinar a briga na justiça.
Enquanto o Coronel começava se aborrecer com
a mulher, um novo problema surgiu, e este problema tinha um nome “Romildo”, mas
isto já é outra história.
*
Os últimos dias do Coronel.
Lucio Pereira Luz
tinha uma família toda criado á moda do sertão, eram rudes e duros como o pai.
Dauta era uma das
filhas mais velhas do casal Lucio e dona Silvina e não era à exceção da regra.
Casada com o capixaba Flavio Baptista, moravam no morro do Padre, um pontal um
pouco acima da vila a beira rio que passou a se chamar Ponta Porã.
Um velho atrito
punha constantemente em briga o velho coronel e sua filha, pois tendo
abandonado a sua esposa Silvina, mãe de Dauta, já havia se amasiado com outras
mulheres, e finalmente a última de todas que era a lenha da fogueira.
Constância,
mulher nova e sabida tinha a orientação de seu tio Poncidônio e a felicidade
conjugal demorou pouco.
Finalmente o
casamento aconteceu e durou muito pouco, ao abandonar o marido a mulher exigia
a metade de seus bens e o fez via judicial. Poncidônio seu tio, e pretenso
amigo do Cel. Lucio fora o articulador de todo plano, inclusive fora ele que
incentivou e jogou sua sobrinha para os braços do seu então amigo e depois passou
a patrocinar a briga.
O Coronel homem
rude e embrutecido pela natureza hostil não conseguia assimilar o que seria uma
ação judicial, pois sempre fora ele quem decidira, não podia entender que uma
autoridade pudesse prejudicá-lo. Afinal era ele a vitima daquela trama.
Para o velho
Coronel a situação não era nada boa a ação prosseguia a todo vapor e a justiça
começava a tomar seus bens. O Juiz era o Dr. Odiles Freitas. Constância declara
o dobro do Patrimônio do pioneiro pretendendo assim ficar com tudo. Já velho e
doente cansado de tanta luta enfrentava agora a incompreensão das autoridades,
mas, mais teimoso que uma mula o desbravador não podia admitir que ninguém
tomasse o que era seu o que tanto lutara para conseguir, enfrentando as
intempéries das chuvas, o sol quente, os índios arredios, as feras e as doenças
que só mesmo um ser fundido na tempera dos mais duros aços poderia suportar por
tanto tempo, mas o que mais lhe doía era que aquela trama fora armada desde o
inicio por um homem que se dizia seu amigo o “Poncidonio” a quem dera guarida
muitas vezes quando foragido das escaramuças comunistas que participara no
Estado de Goiás e a este dera a mão de amigo e agora se tornava o seu algoz.
A maioria do
processo correu a revelia, quiças tenha sido verdadeiramente intimado alguma
vez, o velho não tomava conhecimento da tramitação judicial e seu arquiinimigo
disto se aproveitava e usando uma leva de policiais militares e vários Oficiais
de Justiça se dirigiram para a Fazenda São Pedro onde o velho e seu filho Liton
“Resistiam”, na realidade tudo era fantasioso, o objetivo daqueles eram se
assenhorear do patrimônio do velho coronel cujas centenas de cabeças de gado
estavam à solta e isto as tornava uma presa fácil para eles os dilapidadores. E
assim fizeram, deitaram e rolaram em cima dos bens do fundador. Apenas um filho
José Liton Luz estava junto ao pai defendendo-o e isto fez com que os
agressores tomassem mais cuidados.
Naquele tempo eu
trabalhava na Policia Federal em Brasília, tinha acabado de cursar a Academia
Nacional de Policia Federal e estava lotado no DTP quando uma nora e uma filha
do meu amigo Lucio me procuraram eram a Noemi e a Daily e me contaram tudo o
que estava acontecendo por lá e temiam um desfecho mais dramático informando
que Poncidônio era quem comandava as incursões e que programava a “invasão” da
Fazenda São Pedro e que tinham ordens do Juiz de Barra do Garças para carregar
todo o gado e que os policiais já andavam no campo arrebanhando as rezes.
Sabíamos que o
Poncidonio uma vez apareceu fugido lá pelo Mato Grosso porque era procurado
como um dos envolvidos com o militante comunista na revolta de Zé Porfírio em
Porangatu-Go. Resolvi dar uma mão ao velho amigo Lucio, levei as duas jovens ao
meu Chefe de Policia e o cientifiquei do ocorrido e este depois de ouvi-las
pessoalmente determinou a Barra do Garças que prendessem o militante revoltoso
Poncidonio para prestar contas a justiça.
Poncidonio foi preso
em Mato Verde pelo Major Moacyr Couto tendo sido recambiado para a cadeia
publica de Barra do Garças, e ali, desanimado começou a fraquejar na luta,
sozinho e abandonado e na ânsia do desespero veio a falecer. O inimigo de Lucio
Pereira Luz não triunfou sobre ele e pagou caro ter traído seu amigo.
Mas a justiça dos
homens não escutou os clamores do velho e pioneiro desbravador e fundador de
cidades e nem mesmo quis lhe entender. Adoeceu para morrer, triste,
acabrunhado, não mais se alimentava. Morreu como só os bravos morrem sem dar o
braço a torcer.
O
patrimônio do Coronel foi totalmente dilapidado e o que sobrou como as rezes
bravias e alongadas foram caçadas pelos seus próprios vaqueiros que se
locupletavam dos bens de seu ex-patrão e as vendiam, apenas algumas chegaram às
mãos de seus filhos. Pouca coisa restou daquele herói apenas um busto em meio a
uma singela praça na cidade que fundara, e uma rua com o seu nome e este foi
somado ao majestoso rio Araguaia resultando em uma fusão histórica que resultou
em “LUCIARA”. Lucio+Araguaia = dois expoentes extraordinários da obra de Deus.
Espero que seu nome fique gravado eternamente nos anais de nossa história
contemporânea.
O Limpo Grande.
Limpo
grande é uma grande campina que fica ao oeste de São Felix do Araguaia e se
estende até as margens do rio Xavantinho, durante o verão o capim brota verde e
se torna uma área preferida pelo gado e por animais, e ali se encontrava uma
“tropa” de Severiano Neves, eram cerca de dez éguas, quatro crias, dois cavalos
e um burro dezessete animais ao todo.
Severiano
me pediu que eu fosse até o limpo grande e trouxesse a tropa dele para mudar de
pasto, pois tinha noticias que os índios Xavantes e os Beiços e Pau,
isoladamente e as escondidas, andavam pela região e poderiam flechar seus
animais como vinham fazendo com outros, não sem ante me alertar do perigo.
--Os animais estão por perto
se você for buscá-los saia ao amanhecer do dia e estará de volta cedo da tarde,
mas cuidado se ver rastros dos índios ou fogo nos varjões, volte mesmo sem os
animais.
--Fique tranqüilo, eu já
conheço bem a região, e não vou me arriscar.
Quando o dia amanheceu eu já
estava a caminho o meu cavalo tinha o nome de “pensamento” por que era muito
ligeiro e arisco e na cinta o meu revolver calibre 38 de seis tiros marca “TA
Smith Wesson” de mira especial, o único defeito dele era ser cromado e brilhava
muito, eu sempre gostei de armas escuras ou pretas. Horas depois eu estava já
chegando a meu destino e pude ver ao longe uma leve fumaça de queimada e isto
alertou meus sentidos, resolvi me apressar, pois os índios não estavam tão
longe assim. Galopando sai a procurar a tropa e a avistei bem longe no limpo do
varjão e no rumo da fumaça. Quando me aproximei, depois de rodeá-los, fiquei
sem destino a tomar, pois a fumaça crescia em circulo e nos estávamos no meio
do fogaréu. Eu sabia que não podia sair pelo funil, isto é, os índios botam
fogo em circulo deixando um funil de escape, assim todas as caças pressionadas
pelo fogo tendem a querer escapar pelo funil que é a única saída sem fogo, mas
é lá que os índios estão de tocaia aguardando para flechar os fugitivos ou
sobreviventes, eles usam arcos grandes e flechas compridas próprias para uso em
área limpas e cerrados, pois são obrigados a disparar em longas distâncias e
não seria por ali que eu iria passar, tomei a resolução de enfrentar o circulo
de fogo, tentaria achar um local onde o capim fosse mais baixo e o fogo menor.
Assim fustiguei a tropa rumo ao retorno para casa e as incentivei a galoparem,
eu teria que aproveitar esta corrida enquanto os poldros ainda não estivessem
cansados. Logo chegamos à orla de fogo, por sorte achamos uma passagem onde as
chamas eram mais baixas, mas os animais cavalares têm mais medo de fogo do que
o gado eu gritava e os imprensava contra o muro ardente, nesta agonia o meu
cavalo de um pequeno salto e passou para o outro lado, e correu com se as
estivesse abandonando e deu certo, pois animais o imitando também vazaram a
cortina de fogo e passaram para o outro lado, mas uma das éguas, segura pelo
medo do seu potrinho não quis passar e eu tive que enfiar o cavalo de volta e
quase empurrar a égua para cima das chamas que começavam a crescer por acharem
pasto mais alto por sorte nesta empurra daqui e dali o filhote criou coragem e
atravessou mesmo devagar, mas não se queimou muito apenas chamuscou o cabelo da
barriga e a mãe sem duvida alguma deu um salto e se postou lá fora agora só
restava eu, mas não tive dificuldade o "pensamento" deu um salto que
quase me tirou da sela e partimos a galope rumo a nossa casa. Os animais melhor
dos que os homens, conhecem melhor o caminho de volta. Demorei a chegar por que
os potrinhos vinham cansados, e eu também, coloquei os animais num pasto
fechado e fui a pé dar contas da minha odisseia. Nunca mais me esqueci deste
episódio, afinal era um sertão bravio.
*
A Serra do Magalhães.
A história original desta
serra data de tempos da colonização do leste mato-grossense e não foi
encontrado nenhum registro pelo autor, todavia os sertanejos destes tempos idos insistiam na veracidade deste
episodio em que um expedicionário de
nome Pimentel Barbosa que pretendia abrir um posto indígena nas margens do rio
Xavantinho em suas penetrações no Estado de Mato Grosso, havia se arranchado,
temporariamente, com um grupo limitado
de quinze homens naquela pequena elevação junto ao rio e teve a visita de índios xavantes mas não
conseguiram consolidar um contato mais direto em razão dos índios estarem,
supostamente amedrontados, em virtude do forte armamento dos caraíbas assim o
chefe da expedição determinou a seus comandados que recolhessem todas as armas
em caixão que depois foi cadeado. Apenas o cozinheiro ficou de posse de um
facão. Os índios assim quando os viram
desarmados investiram contra eles e os mataram, note-se que relata a historia
que o cozinheiro era um homem valente e lutou bravamente conseguindo matar
vários índios com o facão, mas foi vencido e os índios lhes cortaram um braço e
uma perna para comerem, não que fossem canibais, mas acreditavam que um homem
valente igual aquele quem comesse de sua carne se tornaria também um bravo
valente lutador. Os corpos foram encontrados amontoados uns sobre os outros com
as bordunas ao lado,
e, Pimentel teve muitas fraturas por todo o seu
corpo.
Eu pessoalmente vi nos
arquivos da FBC em Brasília algumas fotografias tiradas de corpos mutilados por
índios, pressupondo que fossem de outras refregas, mas que confirmavam o mesmo
costume.
Foram-me
relatadas e confirmadas uma historia de um fato acontecido por volta da mesma
época que um pesquisador de origem suíça chamado Herbert Magalhães Affer, a
serviço do então SPI. (Serviço de Proteção aos Índios) por volta de 1938,
esteve na vila de Mato Verde, hoje Luciara, e junto com o sertanejo Cel. Lúcio
Pereira Luz, fez uma penetração às margens do rio Xavantinho para manter
contatos com os índios Xavantes. Não sendo bem sucedido na primeira viagem
ficou de retornar em 1939, mas só chegou em 1941 e após muita insistência o
Coronel Lúcio e mais uns companheiros resolveram acompanhá-lo nesta expedição.
Assim fizeram. Acamparam em um limpo as margens do rio Xavantinho tendo como
paisagem ao fundo uma linda serra. Certo dia ficou no acampamento o suíço, o
cozinheiro Sulino e Raimundo, Lúcio saiu para pescar tartarugas a certa
distancia do acampamento, mas a sua vista. Foi quando inesperadamente os
índios, que já os haviam cercado, escondidos atrás de doze touceiras de galhos
e palhas e que esperavam a saída de Lúcio, atacaram o acampamento pegando o
pesquisador de surpresa dormindo dentro da rede e coberto por um mosquiteiro,
os golpes de lança e borduna o mataram tendo uma das lanças entrada boca
adentra levando junto o pano do mosquiteiro, o cozinheiro Sulino ao ver o que
acontecia correu rumo ao rio gritando pelo Lúcio enquanto que Raimundo
encostado em uma arvore recebe uma pancada no ombro e corre também rumo ao Lago
do rio onde estava o Coronel, este quando deparou com a tragédia deu vários
tiros por cima dos índios que debandaram largando a vitima e as armas do crime,
porque por força de sua cultura entendem que as armas é quem eram as
criminosas. Naquela época houve sérios comentários que o Coronel era quem
engendrara morte do pesquisador, mas com a vinda dos peritos do Rio de Janeiro
que desenterraram o corpo e este estava incrivelmente mumificado, talvez por
ter sido enterrado em terra argilosa, ficou tudo apurado que teriam sido
realmente os índios que o matou. Os restos mortais foram recambiados para São
Paulo. Aquela serra tão pacata por duas vezes se manchou de sangue humano, muitos
homens e índios morreram e hoje se chama simplesmente “Serra do Magalhães”.
*
Furo das Pedras- MT.
+Rio Araguaia+
Ali
comecei aprender quase tudo sobre o Padre Pedro em conversa com os moradores
desde São Félix eu vinha acumulando dados sobre o mesmo e cheguei a seguinte
conclusão; “Padre” Pedro Casaldaliga havia chegado da Espanha e começado sua
vida de prelado por Conceição do Araguaia, participou da famosa guerrilha do Araguaia
em Xambioá da qual falaremos mais tarde, assunto que trataremos nos capítulos
deste livro, e viu que aquele sertão ali a sua frente
era um grande potencial humano adormecido e em estado latente, urgia implantar
naquelas mentes desavisadas e desprovidas de qualquer base filosófica e de um
melhor conhecimento de nossa história social a “Conscientização das Massas”.
*
A Serra do Caracol.
A serra do Caracol distava de São Félix do
Araguaia em 14 quilômetros rumo oeste, era a fazenda de João Irineu, uma serra
encaracolada e a abundância destes moluscos deram origem ao seu nome, foi
também palco de uma grande tragédia como veremos adiante.
*
Serra do São
João
O Manganês ou minério de ferro, possivelmente
volfrâmio, é fartamente encontrado na Serra do São João sob a forma de um
cascalho redondo e brilhoso no tamanho de uma ervilha, e em seu âmago o metal
preto se revela e quando se usa um imã são atraídos e ficam presos ao mesmo.
O deposito deste mineral é de dimensões incalculáveis, e
são encontradas por toda a serra. Uma riqueza para os nossos municípios e para
o Estado, necessita de uma exploração racional.
Nestas
imediações, segundo testemunho de um pioneiro de nome Marco, foi encontrado
muito minério de prata e ouro sendo este último fartamente confirmado por
explorações de garimpos recentes que
encontraram ouro pouco abaixo da superfície em forma de pepitas e pó com bons
resultados, mas foram fechados pela comunidade indígena.
*
Serra do Urubu
Branco.
Junto a Serra do São João, ali nas imediações
da BR 158 na altura dos municípios de Confresa, Porto Alegre do Norte e
Luciara, neste Estado de Mato Grosso, situa-se uma belíssima elevação que levou
o nome de Urubu Branco, antigo retiro do colonizador Lucio Pereira Luz, fica aqui o registro de suas características: No topo da Serra há um
grande lajeiro de pedra, o que se pressupõe ser um achado arqueológico, onde
estão gravadas, na superfície da rocha
vários rastros de animais pré históricos e tipos de letras desconhecidas, e
ainda vários poços feitos na rocha de
relativa largura com um fundo limpo mostrando a alvura da agua ali estocada. Há
também uma caverna encravada na rocha com uma entrada das dimensões de uma
porta, ou mais um pouco, esconde em seu
amago possíveis mistérios não desvendados porque até hoje ninguém, pelo que se
sabe, se atreveu a entrar naquela gruta.
Necessário se torna uma profunda pesquisa feita por arqueólogos ou paleontólogos
e outros especialistas em virtude que poderá ser encontrados vestígios de uma
civilização antiga. Anexo a este vai o
relato de um retirante de nome Gonçalo, cuja posse ficava a cerca de quinze
quilômetros da serra: “Da minha chácara eu avisto o tope da serra do Urubu
Branco e todo ano, por volta do mês de maio aparece uma Luz muito forte em cima
da serra que fica a noite toda e esta luz é tão forte que clareia os meus pés
de frutas aqui em casa e até criam
sombras, vá passar o mês de maio lá em casa e certamente verá o que eu estou
lhe contando”.
A Gruta Luminosa.
Alguns índios me afirmaram que junto à foz do
rio Suia Missu com o Xingu, do lado direito existe um pequeno morro e nele uma
gruta muito grande que ainda trás vestígios antigos de civilizações remotas
como plantas de diversas espécies habilidosamente plantadas em desenhos
originais como arcos, logotipos, e indicam a entrada da gruta e lá dentro podem
se ver muitas pequenas pedras luminosas espalhadas pelo chão ou nas paredes da
caverna eu perguntei porque eles nunca trouxeram uma.
--Não
se pode pegar nelas, elas queimam a mão da gente, os índios usam uma vara que é
rachada em uma ponta, abrimos com uma trave e colocamos sobre a pedra a trava
se solta e prende a pedra e assim a gente a usa para caminhar e enxergar lá
dentro.
--Tem
muita pedra?
--Tem
bastante e o fogo não apaga nunca.
--Fogo?
Como assim?
--Fogo
igual uma luz muito forte, mas não tem muito calor.
--É
difícil achar esta gruta?
--Faz
muito tempo, mas um dia levo você lá.
*
O Muro de pedra.
Um índio Kalapalo me
contou que muitas léguas distantes rio Xingu abaixo rumo ao oceano, antes entrar
na correnteza da cachoeira grande, tem um pequeno rio que desemboca no rio
Xingu e lá existe um paredão de pedra como se fosse um muro, mas não é muito
alto, pois na época da cheia as águas o encobrem e este muro vem da terra firme
e entra rio adentro, não é pedra comum, pois é colocada uma encima da outro bem
reto. Parece um muro muito grosso de pedra quase da largura de meus dois
braços, mas tem que se prestar atenção porque lá tem muita pedra pelo meio do
rio.
--Parece
que foi feito por cristão, igual como fazem casa.
--Seriam
resquícios de uma civilização antiga?
As duas valetas.
Na sequência registrei o
ultimo relato do velho índio que julguei importante, afirmava ele que muito
dentro da mata, do outro lado do rio Xingu existe duas valetas muito grandes e
cavadas no solo há muitos anos e uma fica exatamente no rumo e direção da
outra, cada valeta (segundo Leonardo também me confidenciou) tinha cerca de
dois quilômetros de comprimento por quarenta metros de largura e foi desbancada
em três secções sendo a sua fundura em cerca de vinte metros e as duas estão
longe uma da outra aproximadamente outros dois quilômetros, mas dentro de um
alinhamento impecável uma com a outra. Muita arvore grande já nasceu dentro das valetas, mas a sua forma permanece
secularmente original. Obs. Quem as
teria feito? Não se tem a menor ideia. Corria uma versão entre os sertanejos e
o próprio Orlando de que as valetas teriam sido feitas por primitivos
habitantes para resguardá-los de um intenso clima frio daquela época.
Mas,
a teoria mais aceita é que esta duas valetas foram resultado do Segundo Grande
Impacto de um asteroide contra a Terra quando extinguiu os Dinossauros, uma
farpa ou lasca do bólido deve ter causado esta
ranhura no solo.
A Igreja de pedra.
Eu estava visitando o Padre Francisco
na sua morada na Barra do rio Tapirapé junto à aldeia dos índios Carajás e
Tapirapé, pois queria informações sobre uma cidade perdida que os
índios Tapirapé comentavam, falei com o padre Chico e ele mandou chamar um índio
que conhecia a história e a mensageira foi á francesinha Denise U la la.
Pranchui,
o índio Tapirapé acabava de chegar e nos cumprimentou.
--Agora
que o índio chegou padre eu tenho uma noticia para você, o Liton esteve voando
lá por Santa Terezinha e me disse que tem uns aviões grandes trazendo gente e
falam que são os donos daquelas terras?
--Então
é isto, mas é impossível aquela terra é da Prelazia de Conceição do Araguaia,
mas eu vou lá ver isto, Pranchui mostre ao Dankmar a sua pedra.
--Aqui
esta seu Dequimá, veja que beleza - disse o índio tirando uma pedra de cristal
de sua sacola de couro de anta junto com outros apetrechos, um pedaço de lima,
uma ponta de chifre, cheia de algodão queimado e a pequena pedra de cristal,
admirei a beleza da mesma, pura e sem uma rachadura, limpa mesmo.
--Onde
a encontrou – perguntei
--Lá
no pé da Serra do Roncador, a serra desbarrancou e uma pedra muito grande rolou
e enganchou em uma arvore, a pedra é da minha altura e muito bonita a gente
pode ver a cara da gente dentro dela e eu peguei este pedaço pequeno que estava
no chão, eu a uso para tirar fogo. Assim quer ver?
Segurou a pedra entre os dedos da mão esquerda
colocando por baixo dentro da palma da mão a ponta de chifre com algodão e com
a mão direita riscou a pedra com o pedaço de lima, uma centelha de fogo caiu
dentro do chumaço de algodão, soprou a seguir criando uma pequena brasa, que
logo passou fogo para uma palha de milho seca.
--Pranchui me fale da Igreja de
Pedra é essa?
--Uns doze dias
de viajem até a Igreja de Pedra.
--Conte como é esta
igreja de pedra eu quero ouvir de sua boca, o negro Valentim já me a contou,
mas por alto.
--Lá na serra a que
chamam do Roncador existe um paredão cheio de buraco, onde moravam muitos índios
“Tatuiaras”, é lá onde o vento assobia e ronca forte, parece muito com janela e
porta, em cima de uma porta tem umas coisas escritas eu não sei o que é?
--Porque chamam igreja de
pedra?
--Porque
tem escrito de cima das portas que parece escrito de padre, lá dentro tem um
poço redondo que não tem fundo a gente joga uma pedra e não escuta ela bater lá
em baixo, tem umas bancadas parecendo mesas e muitas entradas, parecem caminhos
só que a gente não entrou neles, o sol aparece lá dentro por um buraco e parece
passar bem em cima das mesas, um dia eu levo vocês lá, agora não os Caiapós
estão andando lá e tem roça deles lá perto, foram eles, assim os índios mais
velhos me contaram – continuou o Tapirapé Pranchui- os índios Chucarramãe que
botaram muito fogo e fizeram muita fumaça e os Tatuiaras tiveram que sair lá de
dentro para brigar e assim os mataram, quase a todos a flechadas todos, mas os
meninos e as mulheres novas e velhos não se sabe como sumiram, pois os índios
fizeram escadas e invadiram tudo mas não
acharam mais ninguém, parece até que foram para algum lugar muito escondido e
seguro lá dentro da serra quase todos
fugiram, só lhes tomaram algumas poucas
mulheres, eu acho que é lá que os Caraíbas ou os Toris e quase todos os
índios mais velhos a chamam de vários
nomes “Cidade Perdida” , “Cidade que
ronca” ou ainda “Cidade escondida” um dia eu levo vocês lá, agora não
concluiu o velho índio..
--Você sabe dizer como
eram estes índios “Tatuiaras’?
--Nunca
vi um deles, mas os mais velhos me contaram que eram índios altos e traziam uma
roda de fogo no meio da testa.
--Roda de fogo?
--Sim – e com a mão
mostrou que o cabelo deles eram partido e forma de um V de cabeça para baixo e
– entre este um O redondo – mostrando com a mão fechando dois dedos – pintado
com urucum bem vermelho.
--Idêntico aos índios
Juruna – que são remanescentes dos Maias ou dos Astecas ou mesmo dos Incas.
Comentei a que o Padre Jentel confirmou:
-- Acertou
na mosca Dankmar.
--Vamos
combinar para a minha próxima viagem? Está certo
Mas a coisa ficou só na conversa, pois nunca
tivemos a oportunidade de irmos explorar estas maravilhas escondidas.
*
Se estes eram os sítios
buscados pelo explorador inglês ele andou muito perto, pois esteve em suas
imediações, acredito até que Sir Fawcett antes de morrer tenha merecidamente os
encontrado realizando assim o seu sonho, bem que ele merecia, quem sabe?
--E
o Coronel Fawcett? O que teria aconteceu com ele?
Vejamos a seguir:
E com
isto acontecer o medo dos índios aumentou, pois sabiam que o revide dos brancos
seria perigoso e assim o colocaram dentro de uma canoa, com todos os seus
pertences, inclusive a carabina e empurraram para o meio do rio e a canoa
desceu as águas com ele deitado dentro já bastante mal, mas, muito mais rio
abaixo outros índios da mesma aldeia que vinham voltando de uma pescaria,
avistaram a canoa rodando, encostaram-se a ela e viram que o inglês estava
morto, puxaram a canoa para o barranco, enterraram-no com seus poucos pertences
e ficaram com a carabina dele.
Em
meados de 1952, Orlando Villas Boas saiu procurando noticias do homem e quando
chegou á aldeia Kalapalo a primeira coisa que viu foi à carabina a reconhecendo
imediatamente e apertou os índios para que explicassem a presença daquela arma
ali na aldeia, e estes, lhe contaram a história toda e o levaram até onde o
haviam enterrado.
Orlando
desenterrou os ossos, alguns pequenos pertences como faca, botões metálicos
pertencentes ao vestuário do inglês e a carabina personalizada e os mandou para
São Paulo. Muito alarde foi feito, tanto na imprensa nacional como na
internacional, a Inglaterra mandou peritos para confirmarem, foram feitas
diversas perícias inclusive da arcada dentaria e DNA - mitocondrial a que a
família Fawcett se recusou a fazê-lo, não queriam deixar o mito de seu
desaparecimento cair por terra, era imperiosa sua abdução por alienígenas que
se presumia habitarem o interior da serra do roncador, ou divagando-se ainda
que tivesse sido raptado ou sequestrado ou ainda convidado por elementos de uma
civilização perdida a partilhar de sua convivência. Seja lá o que quer que
tenha acontecido eu pessoalmente acredito e tenho absoluta certeza que
Explorador Inglês morreu no Xingu baseado nos relatos dos índios Kalapalo ali
onde foram encontrados as suas ossadas e uns mínimos pertences pessoais a sua
faca e sua carabina personalizada. O coronel Percival Fawcett, partiu para
recônditos lugares do nosso universo e ali, talvez, ele continua explorando
novos mundos. “E que esteja bem feliz na companhia de Deus”.
(Obs. Cláudio Villas Boas participou
desta busca junto com Orlando).
O primeiro casamento civil de São Felix
do Araguaia MT.
Aos 14 de março de 1953, me
casei com a jovem Maria Paciente da Silva na cidade de São Felix do Araguaia
tendo sido o “primeiro” ato oficial de um casamento civil registrado no
cartório do Registro Civil tendo sido escrivão Guilherme Pereira Luz que lavrou
registro no livro numero 01 ás folhas 08 tudo de seu próprio punho numa
caligrafia invejável. A maioria dos moradores se fez presente e todos assinaram
como testemunha no livro. Lembro-me de: Cesária, Edilia, Nega, Aracy,
Severiano, Zé Martins, Sindô, Ateneu, Bento, Maria Dias, Lupercio, Leocádio,
Tertuliano e Zé Lagoa e vários outros.
A
23 de dezembro de 1953 nasceu na Fazenda São Pedro na ilha do Bananal o nosso
primeiro filho Aleixo; A 21 de abril de 1955 nasceu a primeira filha mulher de
nome Ruth em Luciara; A 06 de agosto de 1956 nasceu meu filho Paulo em Luciara;
A 20 de julho de 1958 nasceu minha filha Miriam em São Felix do Araguaia; a 27
de setembro de 1959 nasceu em Luciara a minha filha Enilda; A 06 de novembro de
1961 nasceu em Brasília o sexto
filho Daniel; meu sétimo filho Joel
nasceu a 22 de fevereiro de 1965, em São Felix do Araguaia, e a 23 de julho de
1968 nasceu Maria Aracy em Brasília.
Rememorando o passado
sai em cima de uma foto minha que relata o tipo de vida que eu vivia em Luciara
nos anos 1953 a 1956. Recém-casado (no civil e foi o primeiro casamento
registrado em São Felix o Araguaia), Pai de duas crianças esperando as outras
seis, e emprego nunca ouvi falar que existisse, então para enfrentar a vida
virei “mariscador”, nome dado aos caçadores regionais. E escolhi a Ilha do
Bananal para minhas caçadas jacarés e onça. Arranjei um parceiro á altura
do difícil trabalho e desempenho, meu cunhado Mariano e lá se fomos nós. Lago
do Mamão, Lago do 47, Lago do Coqueiro Só
e vários outros. A noite eu
iluminava o lago e podia contar cerca de trinta ou mais jacaré-açu, acima de
três metros e meio até cinco metros, mas a cauda não se aproveitava para
nada. Nem gosto de me lembrar das
eternas companheiras as piranhas que ficavam roendo em baixo da canoa que nada
mais era o que um caixão de defunto de tão parecidos e sofisticados, mas
aguentavam. Hoje penso nestas loucuras na qual eu ficava quatro a cinco meses
nessa labuta, metodicamente eu voltava a minha casa. Tudo isto para não deixar nada
faltar. Mas me sai bem e ao final me sentia orgulhoso o bastante para ser feliz
com minha família. Já relatei estas histórias nos meus livros, hoje junto uma foto que estava perdida há
muitos anos e resolvi publica-la como
testemunha de minha luta. Eu era magro cheguei a pesar 55 quilos. Mas sobrevivi.

Dankmar (o autor) e três Jacarés-açu de 4 metros e meio.1954.
§
Capitulo 06.
A Prelazia de São
Felix do Araguaia MT...
Em 27 de agosto de 1971 foi
nomeado bispo prelado e em 23 de outubro recebeu a ordenação episcopal passando
a ser Don Pedro Maria Casaldaliga Plá o Bispo da Prelazia de São Felix do
Araguaia, o nome Maria em homenagem a Virgem Maria, mas ninguém seria melhor do
que a gentil e astuta raposa para explorar a delicada situação social da
emergente pastoral de sua Igreja Particular que vivamente delineava a
atualidade do tema “Viver entre os
pobres, com eles e sendo um deles, reivindicar uma repartição mais justa e
igualitária dos bens particulares e das riquezas, pretendendo que todos os
homens nasçam iguais e conclamá-los a luta pela classe na defesa de suas posses
era a sua tríplice missão: “Evangelizar a palavra de Deus, administrar os
sacramentos, e servir de pastor e pai dos marginalizados”. E. em 2.000
recebeu o titulo de Doutor Honoris Causa pela UFMT. Permaneceu na função até 02 de fevereiro de 2005 .
Uma cruzada apocalíptica teve início e uma
guerra violenta foi declarada. Era o poder econômico latifundiário apadrinhado
pateticamente a leis obsoletas e do outro lado os posseiros regidos pela batuta
de Casaldaliga e seus agentes pastorais. Muita gente foi massacrada nesta luta
desigual e sem quartel. Padres e posseiros foram sacrificados, grileiros e
fazendeiros tombaram. Erravam-se dos dois lados, mas eram os ossos do oficio. Antes
os posseiros temiam os fazendeiros, hoje estes os temem. Antes aqueles lhes
ofereciam guerra, hoje pedem a paz.
Leis foram sendo renovadas inteligentemente
protegendo os pioneiros, mas a confusão se generalizou quando começaram a chegar
levas de nordestinos, mineiros e de outras bandas do Estado de Mato Grosso,
gentes na maioria, sem tradição de agricultura, mas que buscavam ansiosamente
um pedaço de terra para se estabelecer e se misturaram aos pioneiros nativos da
região. Habilidosamente o Bispo passou a organizar seus marginalizados e
orientá-los a não receberem títulos de terras definitivos fossem de
particulares ou do Estado sob a alegação de que eram falsos e instigava-os
através de seus agentes pastorais, a luta aberta contra seus “pretensos”
benfeitores. Com o apoio do Bispo os marginalizados De simples homem do campo o
sertanejo passou a condição de rebelde e revolucionário e eram treinados para
isto numa situação que a própria sociedade impôs ao Marginalizá-los. Para estas
centenas de renegados pela sociedade latifundiária o Bispo era a única
esperança, sem ele estariam perdidos. Eles o tinham como um enviado de Deus.
Hoje são uma força crescente em busca de uma liberdade quase evangélica e sabem
muitos bem que são a pólvora do barril reacionário as espera da mecha ardente,
foi assim que começaram, mas isto nós veremos mais adiante nesta sequência de “anos
de conturbação social”
§

Leonardo Villas Boas (de boné) e o rio Araguaia
Capitulo 07.
Tempos
de aventuras...1954/55/56/57 e 58
Naquela manhã de 1954, abordo do barco “Brigadeiro Aboin” íam três
homens, Leonardo Vilas Boas, Enzo Francisco Pisano e Dankmar.
O rio Araguaia estava muito
seco, era por ai, mês de setembro, e, aquele barco de calado fundo começava a
raspar seu casco na areia. No leme do barco eu fazia de tudo para não encalhar,
bem a minha frente um enorme banco de areia anunciava cuidados, bati na
campainha pedindo para reduzir a marcha do motor, mas os gritos de um e outro,
não deixavam se ouvir nada, nem escutaram a campainha bater nem viam o enorme
banco de areia se aproximando. Os dois companheiros discutiam calorosamente, Enzo
descendente de italianos, tanto gesticulava como gritava, Leonardo já rouco e
muito enfezado parecia estar em outras terras, mas eu não me incomodava com
isso, já estava bem acostumado isto se repetia quase todos os dias e os dois
eram grandes amigos dizem que fundaram a Fundação Brasil Central. (FBC).
--Discutiam sobre
qualquer coisa, tinha que haver motivação para beberem uma caipirinha feita da
boa Ypióca, e desta feita era sobre suas atuações quando da abertura da estrada
rumo Roncador - Xingu eles estavam na altura de Vale dos Sonhos ao passarem por
uma vala, Enzo ia à frente abrindo a picada e Leonardo mais atrás rematando o
serviço foi quando Leonardo com um golpe cortou uma grande volta de um cipó que
balançou, atravessou a grota, e foi pegar bem na nuca do italiano que caiu
estatelado e sem fôlego.
--Você aquela vez quase
me mata.
--Você é muito mole
italiano burro. Retrucou Leonardo depois de uma bebericada.
--Estou te falando para
largar mão desta ideia de comprar terras, isto aqui vai virar um tumultuou só
com tanto picareta se dizendo dono de terras - inflamava Enzo.
--Mas se nós comprarmos
não tem picareta bom para tomar, precisamos garantir nosso futuro e não vai ser
com este barco e o emprego da FBC, que vamos conseguir sobreviver.
--Você vai arranjar é uma
terra com sete palmos de fundura.
--Não seja idiota
italiano burro.
--Burro é a tua avó. - E
dizendo isto Enzo pulou para dentro do rio.
Para sorte dele estávamos junto do banco de areia e estava raso.
--Entre logo cretino.
--Não entro, podem ir
embora e me larguem aqui.
Diminui o motor e fiquei segurando o barco
bem encostado nele.
--Deixe-o
aqui, e vamos embora.
--Esta
ficando doido Enzo? Vamos entre logo se não vamos encalhar e ai sim é que vamos
passar um bocado de dia preso na areia e fazendo muita força.
--Só entro se ele me
pedir desculpa.
--Está bem italiano você
ganhou, desculpe e entre logo – disse Leonardo estendendo a mão para o
companheiro.
Mas o barco havia se afastado
um pouco e Enzo teve que caminhar uns cinco metros para poder entrar, nisto um
grito violento do italiano nos pôs em polvorosa. Leonardo ia pular na água, mas
Enzo o impediu.
--Não entre, espere –
Enzo estava branco feito um papel.
--O que foi?
--Pisei
numa concha (galho) de espinhos - dizendo isto se encostou ao barco vimos que
ele estava para desmaiar, nos o puxamos para dentro enquanto o barco descia
desgovernado nas águas, o colocamos em cima da mesa do centro e quando vi o pé
direito do mesmo todo cravado de espinhos de tucum, alguns deles estavam
apontando pelo lado de cima no pé junto aos dedos, Leonardo deu um bom gole de
Ypioca para o enfermo e pegando um alicate jogou pinga nos lugares mais
expostos e começou a arrancar espinhos com a ponta do alicate, no começo cada
espinho arrancado era um berro depois foi se acostumando, acredito que o pé
ficou dormente, já no piloto apontei o barco para uma praia
alta e encalhei só a proa. O barco se prendeu e fui ajudar na extração
dos espinhos que ficou mais dolorosa quando os que estavam de fora se acabaram
começamos a esgravatar a pele procurando outros. Tiramos aproximadamente uns
setenta espinhos grandes. Ele havia pisado em cima de uma palha de Tucum que
estavam no fundo do rio, só não fez mais estragos porque deve Ter pisado na
ponta aonde os espinhos são mais curtos, os do meio chegam a ter cinco a oito
centímetros de comprimento. Começamos a viajar e pouco depois estávamos
chegando á barreira do Pacifico que fica um pouco abaixo do Furo das Pedras. O
italiano estava dormindo em uma rede e totalmente bêbado.
--Vamos
parar no Pacifico por uns instantes – pediu Leonardo.
--Já
vamos encostar, vá lá para a proa. - pelo comando abaixei a aceleração do
Caterpillar e o coloquei em ponto morto, tínhamos impulso suficiente para
encostarmos ao porto.
--Está amarrado, vamos
descer um pouco.
Subimos a ladeira do porto até onde estava a pequena casa do velho
Pacifico e sua mulher, ele nos recebeu.
--Leonardo, Dankmar
venham entrem a mulher esta doente e acamada.
--Vamos
lá ver o que ela tem - disse Leonardo e eu comecei a ficar com medo, será que
ele vai querer receitar a doente?
--Como vai a senhora
dona.
--Vou mal seu Leonardo,
estou com dor no corpo todo, acho que é reumatismo.
--O que a senhora esta
tomando?
--Me ensinaram que
raspasse a caninana e pusesse na pinga que era muito bom, eu fiz, mas parece
que piorei.
--Mas é lógico, pinga só
pura nada de mistura, mas eu vou lhe dar umas pílulas que tenho lá no barco
tome uma de manhã outra ao meio dia e outra à noite durante uma semana e estará
curada.
--Obrigado seu Leonardo,
mas será que é só reumatismo?
--Você esta com a “arca
caída” mande benzer, e não pegue em coisas pesadas.
Depois de medicar a
velha nos despedimos e eu fui com Leonardo para a casa dele em Furo de Pedra
depois iríamos para Mato Verde, mas quando estávamos contornando a praia da
curva grande, abaixo da vila, passamos pelo barco Frei Chico que ia lavando o
passeio de tão carregado.
Eu
invejava Leonardo em quase tudo, era dinâmico, trabalhador, muito inteligente
afável e bom amigo, só não o invejava em uma coisa, na mulher que tinha. Sua
esposa, ou melhor, sua mulher podia estar rindo a vontade, lá do porto quando
chegávamos escutávamos suas risadas, mas quando Leonardo entrava em casa era
outra coisa a mulher brigava demais, era muito nervosa, mas os filhos que ele
tinha com ela que eram a Marisa, Marina e Álvaro, prendiam o velho amigo.
A
minha esposa também se chamava Maria, Maria Paciente, filha de sertanejo, eu a
conheci na barreira de São Pedro na ilha do Bananal, talvez um pouco impetuosa,
e de idade nova. Dias felizes, ao menos para mim se passaram. Enzo ficava mais
no barco do que na casa em breve viajaríamos rumo a São Félix do Araguaia e ali
cada um tomaria seu destino, eu deveria subir o rio das Mortes até Xavantina
para ir buscar, de barco, um caminhão, Leonardo pretendia ir também, pois
estávamos os três a serviço da Fundação Brasil Central. Enzo ainda ficaria na
sede da FBC em Santa Isabel do Morro.
Bem perto de Furo das Pedras,
cerca de uma légua, ficava Santa Terezinha onde o padre Jentel era o ator
principal de uma guerrinha que se aproximava. A Linha Aérea Nacional, com seus
aviões Douglas DC3 faziam a linha para Goiânia via Cristalândia ou Gurupi
estavam instalando um grande projeto agropecuário. Eu e o Leonardo éramos
constantemente procurados pelos moradores daquela região que agora viam chegar
os que se diziam donos daquelas terras e sentiam medo do futuro.
Sebastião Barbeiro era um deles, posseiro, dono de
barco e comércio também morava na pequena vila. Aldenor Milhomem e sua grande
família eram todos pequenos produtores e moravam por ali, fundaram aquele
lugar.
Um
dia nos reunimos e sob o tema “terra e posse” iniciamos um bom debate, muita
gente estava presente em meio à rua que ficava na beira do rio, só Aldenor
discordava de quase tudo e resumia:
--É
só meter umas balas nestes vagabundos que eles nunca mais voltam para atentar a
vida da gente.
--Mas Aldenor – moderava
Sebastião que era outro violento – nos não vamos dar conta de matar a todos
eles, vamos ouvir a opinião do Leonardo e do Cavalcante.
Cavalcante era um sujeito já
de idade, maçom, e muito moderado e também muito conceituado, sua esposa também
se chamava Maria, e, como veremos, não foi muito feliz.
--Bem,
o que eu tenho a dizer que é assim mesmo sempre foi e sempre será – comentava
Cavalcante – sabíamos que estas terras sempre tiveram donos, quando não o
Estado, algum particular e como nunca nos interessamos em comprar, agora os
donos as reclamam e a violência não vai adiantar, só se resolverem vender lotes
pequenos ou doar.
--Nada
disto ira acontecer – interrompeu Leonardo – eu conversei com um dos donos e
ele me informou que há um projeto enorme sendo instalado e não vão poder
modificar, mas alegam que vão dar emprego para muita gente.
--Vamos falar com os
donos, acho bom ir eu o Leonardo e o Sebastião – finalizou o maçom.
--Por que então não
vamos?–concordaram em ir ao dia seguinte a Santa Terezinha, mas o destino
haveria de intervir e traçava outros rumos.
Naquele mesmo dia eu soube pela esposa de
Cavalcante que ele havia adoecido e estava acamado com febre, ele tivera uma
discussão com o cunhado sobre problemas financeiros da loja que o jovem tomava
conta e que estava desviando muita coisa da mesma, inclusive o dinheiro, mas
pouco depois ele chamou a esposa e o cunhado e os perdoou tudo pedindo que
esquecessem tudo e começassem uma vida nova. Maria chorou de alegria vendo tudo
terminar bem entre o marido e o irmão.
--Vou matar uma leitoa
para comemorar a paz que voltou a esta casa - arrematou a esposa.
Cavalcante estava muito fraco,
mas dentro daquele jovem um ódio inusitado tomava conta. Aproveitando-se da
saída da irmã ele de posse de uma faca peixeira cuja lamina tinha trinta
centímetros, volta ao quarto e sufoca com a mão o velho e desfere um golpe
mortal na garganta e a seguir muito outros que impiedosamente furavam o corpo e
atingiam o colchão.
Cavalcante morreu sem dar um
grito. O cunhado deixa a casa e foge rumo a Santa Terezinha, é a única saída
por terra.
Dado o alarme, todos se
revoltam e procuram o assassino, mas tem-se noticias que teria fugido para
Santa Terezinha, vários motores foram acionados, mas todos entram em pane e
custam a pô-los em movimento quando chegam a Santa Terezinha o bandido tinha se
evadido ninguém soube para onde.
Eu os vi muitos anos depois e
estavam juntos Maria e seu irmão, soube também que fora ela quem custeara e
promovera pessoalmente a fuga do assassino. Cavalcante fora enterrado. Restava
esquecer.
*
Dias depois
funcionamos o motor Caterpillar do barco Brigadeiro Aboin e seguimos rumo rio
acima, só que a Maria Villas Boas ia também.
Por volta do meio dia tornamos a passar pelo
barco Frei Chico do Tônico Bosaipo que voltava chapadinho de mercadorias e
gente, era uma visão empolgante escutar o martelar daquele Bolinder de um
cilindro e a alegria dos passageiros acenando as mãos. Neste dia dormimos em
uma ilha em meio ao rio numa praia muito branca e grande, junto ao lago do
Jatobá. Ao nosso lado a aldeia Carajá do Crisostis (Crisostemos) e chegamos a
Mato Verde antes do almoço, fizemos uma pequena parada e seguimos rumo a São
Félix onde chegamos às cinco horas da tarde.
Decidimos que Enzo seguiria para Leopoldina
que já se chamava Aruanã - GO. Leonardo ficaria coordenado os trabalhos da FBC
e eu deveria seguir rumo a Xavantina..
O tempo passava e eu fui me
adaptando a aquela situação, já estava me tornando um verdadeiro sertanejo. Com
o meu retorno à pequena vila de Mato Verde continuei a trabalhar em meu pequeno
barco e um motor Penta de 12 HP e em março de 1955 tive que ir até Santa
Terezinha ver se arrumava uma passagem nos Douglas da Linha Aérea Nacional
cujos donos Hilton e Wilton Machado já eram meus amigos e o motivo da viagem
era levar meu filho Aleixo para Goiânia para tratamento medico, pois eu havia
dado a ele como lombrigueiro umas pílulas de Quinino e ele botou muito verme e
ficou muito fraco que nem a cabeça conseguia sustentar por muito tempo e nem
ficar em pé. Fui a Goiânia tratei de meu filho, de minha esposa e de mim mesmo
que lá cheguei com uma malária muito forte, em poucos dias regressamos e eu
para pagar a duas viagens de ida e volta, tive que assumir o compromisso de
transportar materiais da serraria e do locomóvel pertencentes à companhia que
estariam no porto em Leopoldina que distava em 155 léguas de distancia. Fiz
três viagens pesadas, mas paguei o meu compromisso. Para tanto viajava a noite
toda sozinho no piloto, eu e Deus.
Numa destas viagens eu ia levando o volante e
uns eixos da caldeira só o volante pesava mais de mil quilos, se o barco
batesse em algum toco e afundasse nunca mais sairia do fundo rio e para
terminar meu compromisso passei a navegar a noite, ia sozinho só eu e o
Criador.
Eram altas horas da madrugada
quando na escuridão da noite avistei uma luz muito longe, era uma pequena
fogueira acesa em uma praia e assim resolvi dar uma parada para aliviar a
tensão. Rumei direto para a luz, sempre desviando dos baixios, pelos muitos
anos na região e sempre navegando pelo rio eu já era um profundo conhecedor do
canal e sabia onde tinha pedras ou tocos espalhados pelo canal, assim desviando
de tudo me encostei à praia bem perto de onde o fogo estava aceso, aportei
encalhando a proa da embarcação e desci para me encontrar com o outro viajante
e caminhando pela praia fui ao encontro do mesmo e o reconheci:
--Pedro
Rico?
--Ele
mesmo – respondeu e foi até a minha pequena embarcação e quando viu a carga se
espantou e continuou - você é doido varrido? Se este barco afundar você vai
junto com ele e ainda mais tem muita coragem em viajar numa noite escura como
esta!
--São
os ossos do oficio – respondi e passei o resto da noite conversando com meu
amigo e olhando o céu estrelado.
Partimos
ao clarear do dia cada uma para seu rumo.
§
Ingressando nas fileiras da FBC – 1959/1960
Leonardo Villas Boas já
meu bastante amigo aportou com seu barco o Brigadeiro Aboin em Luciara, foi até
minha casa e ele e o amigo Enzo, formalmente me convidaram para ir trabalhar na
Fundação Brasil Central em Santa Izabel do Morro na Ilha do Bananal.
Após acertar com minha esposa
resolvi aceitar a oferta, afinal eu já estava com cinco anos de casado, com
quatro filhos e a vida continuava muito irregular e ali na FBC eu poderia dar
mais conforto a família e assim o fiz e comecei a trabalhar, e periodicamente regressava
para minha casa para passar uns dias com a família.
Estávamos em 1959 apesar de ainda morar em Luciara
eu tinha minha vaga garantida na FBC na Ilha do Bananal, Voltei para o meu serviço na FBC na Santa Izabel do Morro na Ilha
do Bananal onde tinha a Aldeia de índios Carajás e o Posto do SPI.
Foi por apresentação de
Leonardo, ao então Presidente da FBC o jornalista Jorge Ferreira que era dono
da Revista “O Cruzeiro” que me fixei no serviço.
Comecei a trabalhar na
Fundação Brasil Central - FBC no Centro de Atividades da Ilha do Bananal, como
pertencente ao quadro de funcionários, meu primeiro serviço seria na
administração. E ali fiquei e, em 09 de agosto de 1960 fui nomeado encarregado
do Posto Bem-vinda.
Naquela
época, 1960, começou-se a construir o Hotel JK na Ilha do Bananal uma grande
obra do Presidente Juscelino.
O
material da construção do hotel vinha de
Goiânia, Brasília e de outros lugares, por caminhões, para o Porto da Bem-vinda
na Ilha do Bananal e de lá era transportados em balsas que suportavam ate
setenta e duas toneladas cada uma para o porto de Santa Izabel.
Depois com entrar o período da chuva mudamos
o porto de desembarque para Luiz Alves, mas antes tivemos que fazer um aterro
na estrada até barranca do rio. Assumi o transporte via balsas que já eram três
e continuei a morar em Santa Izabel onde minha família estava finalmente
residindo e sempre íamos a Brasília pelos Aviões da FBC que de inicio eram três
Douglas C 47.
Havíamos nos mudado definitivamente para Santa
Izabel do Morro na Ilha do Bananal em 1960 e ali permanecemos por longos nove
anos ate 1972, excluindo-se um bom período de licença sem vencimentos, neste
meio tempo.
Passei a comandar a sede do Posto da FBC em
Santa Izabel do Morro, Leonardo e Enzo estavam sempre ausentes em viagens a
serviço e uma delas seria a ida via rio das Mortes acima, até Xavantina para
trazer um caminhão pelo rio e nesta eu tive que ir afinal éramos a elite da FBC
na região.
*
Rio Manso... Ou “Rio
das Mortes”.
Foi no mês de novembro de
1960...
Rio Manso ou rio das Mortes
rio tem sua barra com o rio Araguaia três léguas acima de São Félix. Já
esperávamos as primeiras chuvas do ano o que viria a facilitar a nossa missão
que era trazer um Caminhão GMC 1948 em cima de dois barcos ajoujados de
Xavantina a São Félix do Araguaia, não havia estradas naquele tempo o rio era a
única alternativa, mas para isto teríamos que enfrentar vários travessões de
pedras.
Meus colegas de viajem eram
Clarismundo e varias mulheres que queriam uma carona até Xavantina.
No dia marcado para a viagem
levantei cedo e fui para o barco pronto para partir, Leonardo estava lá de mala
pronta e também o Juvêncio um amigo e grande piloto fluvial.
--Nos
vamos também – afirmamos Leonardo – Eu e o Juvêncio.
--Ótimo
e estas mulheres? O barco não tem toldo se chover vão se molhar.
--Elas
estão sabendo – respondeu Juvêncio olhando para Tônica que era sua esposa.
--Vamos
sair às dez horas tenho que providenciar mais comida - determinou Leonardo –
estas mulheres também vão, elas fazem as suas próprias despesas.
Às dez horas eu já estava pronto, o Juvêncio
não aparecia e as mulheres já tinham embarcado meia hora depois chegam os dois
e demos inicio a viajem.
Naquele dia fomos dormir muito
longe dentro do rio das Mortes em uma praia muito bonita. À noite conversando
com Juvêncio perguntei:
--Porque
chamam este rio de Rio das Mortes?
Uma triste historia...
“Faz muitos anos, um
batelão dos padres, cheio de gente, vinha descendo o rio que estava muito cheio
e correndo, o batelão se desgovernou e batendo em um tronco virou jogando os
passageiros nas águas turbulentas e cheia de piranhas vermelhas. Vários padres
morreram afogados. Duas mulheres e dois homens e um padre se salvaram subindo
em arvores”.
“Uma das mulheres
estava grávida” e nos dias de dar a luz e seu marido que também havia se
salvado resolve entrar na água e nadar até encontrar terra seca e ir à busca de
socorro, mas foi infeliz porque as piranhas o devoraram bem a vista dos outros
e sua mulher não suportando a tragédia abortou o menino que caiu na água e
também foi devorado. Outro homem, mais cauteloso, esperou a noite e entrando bem
devagar na água conseguiu sair em busca de ajuda e esta só chegou três dias
depois Os que sobreviveram passaram quatro dias sem comer e dormindo nos galhos
das arvores. Daí a origem do nome “Rio das Mortes” – finalizou.
--É...
Eu conheci esta mulher – disse uma das viajantes. --Água não tem cabelo para se agarrar – completou.
--Temos
uma longa viajem pela frente pela frente – disse Leonardo – eu vou dormir.
--Amanhã
passaremos por uma vila chamada Santo Antônio.
Fomos todos dormir.
Capivaras passeavam pela praia e gritavam ao
sentir a nossa presença, peixes pulavam a noite toda, enfim era o sertão. Só a
luz do fogo que denunciava a vida.
Mal clareava o dia já havíamos
partido. Ainda cedo avistamos as casas da vila Santo Antônio, fizemos uma
rápida parada e seguimos viajem rumo ao travessão “Capitariquara”.
No
terceiro dia de viajem de longe escutávamos o ronco das águas no travessão que
era um amontoado de pedras em meio do rio que deixava apenas um canal estreito
e violento entre duas grandes rochas. Eu ia ao piloto do barco e Juvêncio ao
meu lado, Clarismundo cuidava do motor de popa Arquimedes de 12 hp.
--Joga
para o remanso e encoste-se àquela pedra, vamos ter que passar no cabo – afirmou
Juvêncio.
As águas agora puxavam ao
contrario e o barco tomou um rumo violento contra as pedras, quase me apavorei,
dei uma guinada raspando outras pedras, diminui a velocidade e fui encostando o
mesmo na pedra maior que ficava logo abaixo do canal, ela é quem tumultuava a
águas. O barco sobe a proa na pedra e para. As mulheres rezavam e pediam por
todas as virgens santíssimas.
Leonardo havia descido e amarrado à corda em
uma pedra.
--Ficou
com medo Dankmar? – perguntou Leonardo.
--Pra
falar a verdade fiquei sim, com um pouco de medo.
--Isto
é bom, é sinal de responsabilidade, vamos passar para aquelas pedras mais acima
e puxar, você funciona o motor e sobe.
--As
mulheres que fiquem quietas – asseverei.
Clarismundo funcionou o motor e a estas
alturas Leonardo e Juvêncio já puxavam o comprido cabo ajudando o barco a
vencer a corredeira. Quando joguei o barco no canal a água entrou pela proa, o
motor disparou ao ser levantado a popa, mas logo a mesma se estabilizou e ouvi
o estalo, mais parecia um tiro de rifle 44, o leme se quebrou sobrando só o
cabo que estava segurando e rodou rio abaixo, só restava o leme do motor, com o
estrondo as mulheres gritaram apavoradas. As duas enormes pedras formavam
aquele canal violento, mas as forças das águas concentrada o trazia-o de volta
ao leito. O motor foi acelerado ao máximo e agora agarrado apenas no timão
tentava equilibrar e manter o rumo.
Nunca na minha vida ouvi tanto nome de santo:
--Valha-me
Nossa Senhora do Bom Parto.
--Nos
acuda mãe Santíssima.
--Nossa
Santa Luzia da Fumaça nos proteja.
Entre as lamurias e o
tumulto das águas a força de vontade vencia e o barco subia polegada por polegada,
mas subia.
Não demorou muito começávamos a sair daquele
corredor da morte e o travessão Capitariquara, começava a ser vencido.
De súbito entramos em um remanso superior que
nos impulsionou para um lado, quase em cima de outra pedra, mas a etapa pior já
havia vencido. Finalmente conseguimos ultrapassar e o motor pode ser reduzido e
encostamos o barco em uma praia junto da ressaca. Mal paramos as mulheres se
atiraram para fora do barco e tremiam não por estarem molhadas, mas de susto.
Leonardo
começou a rir dizendo:
--Esta
foi boa tomara que seja a última.
--Ainda
temos o travessão dos macacos, mas ele é bem mais fácil confirmou Clarismundo.
--Para
mim chega – gritou Tônica a mulher de Juvêncio – o resto da viajem eu vou a pé.
– seu marido a repreendeu com um olhar severo.
Finalmente
vencemos o travessão dos macacos e chegávamos ao porto de Xavantina. Foi um
alivio. As mulheres como que por encanto sumiram sem se despedir, depois desta
eu acho que elas não voltariam conosco. Afinal foram quase seis dias de viagem
Leonardo como velho servidor da Fundação
Brasil Central e era tido como um dos sertanistas mais atuante me apresentou a
seus irmãos Orlando e Cláudio.
Tiramos aquele dia de folga e aproveitamos
para apreciar o belíssimo GMC 1948 que deveríamos levar para São Félix. A
maioria dos moradores daquela região nunca tinha visto antes um caminhão ou
outro veiculo de roda, movido a motor. A não ser bicicleta. Ia ser um Deus nos
acuda.
Cinco dias depois já havíamos preparado o
ajoujo atrelando dois barcos, um distante do outro aproximadamente em três
metros.
Colocamos o caminhão em cima. Era uma
verdadeira arapuca, mas estava feito. No outro dia cedo desceríamos o rio rumo
a nossa origem, São Felix do Araguaia.
Para nossa sorte o rio tinha
enchido bastante e os travessões se alisaram somente uma ponta de pedra ficou
de fora no travessão do Capitariquara, passamos entre ela, jogamos os dois
barcos na corredeira e a ponta de pedra deslizou pelo meio, foi um susto
danado, pois a corredeira era violenta, mas saímos ilesos e com o caminhão
firme em cima.
Com quatro dias de viajem
chegávamos a São Felix por volta do meio dia.
Foi uma parada, uma loucura, o
povo a beira do rio esperando tirarmos o caminhão, preparamos duas grandes
pranchas e o motorista improvisado que era o Clarismundo funcionou o motor, que
depois de aquecido deu dois balanços com a testar se rodava, e se arrancou de
dentro do barco, quando o pessoal viu o caminhão avançar saíram de perto e o
chofer pensando que as pranchas estavam caindo se arrancou com fogo no rabo
jogando tudo para traz, mas saiu ileso. Finalmente a fera GMC 1948 estava
roncando em terra firme e virgem, pois até então era o primeiro veiculo de pneu
e motor a pisar por aquelas bandas.
Foi um dia de festa, muita
festa com passeio de caminhão e muita pergunta.
Era época de eleição e eu fui
a Luciara com o caminhão para ajudar no transporte de eleitores, mas o pior era
que ao chegar a uma tapera naquele mundo de campos e varjões muito grande eu
buzinava na frente da casa, mas os moradores saiam correndo pelo fundo até que
um criasse coragem e chegasse perto do caminhão depois iam se familiarizando
com o veiculo e se atreviam a subir na carroceria do mesmo o pior eram que as
famílias queriam ir todas e a dificuldade era colocar os meninos na carroceria,
era um Deus nos acuda, a bichada esperneava e gritava, mas acabava entrando e
depois de juntar um bocado de gente eu ia para a cidade para despejá-los em
frente ao grupo escolar aonde se realizavam as votações. Mas é ai que a porca torce
o rabo, quem diria que eles queriam descer? Foi outro trabalhão fazê-los
entender que eu teria que ir buscar outras pessoas.
--Depois
damos outra volta... Está bem?
Foi o melhor presente de Natal que ganhei em
toda a minha vida,. Palavras simples que dizem muito, obrigado amigo Orlando,
obrigado Marina e Noel. E... um..Feliz
Natal... Dankmar e Maria.
A última carta de Leonardo Villas
Boas... me escreveu...
Meu amigo Dankmar.
Minha querida amiga Maria, e meninos.
Sigo para São Paulo para operar o coração, mas sinto que não voltarei,
já estou sentindo muitas saudades de vocês todos, não se apoquentem comigo eu
estarei bem, se cuidem, vocês ainda tem muitas coisas para fazer. .
Adeus e abraços do amigo de
sempre.
Leonardo. 02/02/1961
In-memoriam,
“Leonardo faleceu em
1961 durante uma cirurgia quando o Doutor Zerbini o operava do coração em São
Paulo”.
.“Orlando Villas Boas
faleceu em São Paulo, dias antes do
Natal a 13 de dezembro de 2002.”.
*
O entrosamento... Outubro de 1962.
O Presidente da República Jânio da Silva
Quadros era um habitual frequentador do Posto Diauarun onde Orlando comandava.
Muito amigo dos irmãos Villas Boas passava dias em visita, era comum vê-lo
dormindo as sombras de arvores em uma rede de labirinto. Foi a pedido de Orlando o decreto que criou o
Parque Nacional do Xingu tempos depois veio a ser regulamentado, isto em 1968,
inicialmente seriam vinte quilômetros da cada lado do rio por uma extensão de quarenta
quilômetros de comprimento.
Como funcionário da Fundação Brasil Central,
lotado na Ilha do Bananal, onde era encarregado do serviço de transporte na
Operação JK, fui colocado à disposição do Parque Nacional do Xingu, a pedido de
Orlando Villas Boas para substituir seu irmão Cláudio que era o então
encarregado do posto Diauarun no Parque Nacional, nas margens do rio Xingu,
aonde se encontravam aproximadamente dezessete nações indígenas diferentes
habitam a região do Parque Nacional do Xingu entre elas os Kuikuros, Kalapalos,
Nafukuá, Matipú, Meináku, Aweti, Waurã, Iawalapiti, Kamaiurá, Trumai, Suia,
Juruna, Txikão, Kayabi, Metoktire, Menragnonti, e Kreen-Akôre...
A seguir: Posto Diauarun ás
margens do rio Xingu.
Devo
fazer especiais menções aos índios Trumai uma das nações indígenas mais
inteligentes deste planeta especialmente as mulheres que são dotadas de uma
sutileza sem par, humildes e habilidosas. O deposito de mercadoria que Orlando
mantinha ali no Posto era um verdadeiro armazém geral, havia de tudo desde
armas, munições, salsichas importadas enlatadas, panos, facões, enfim tudo que
você pensar ali tinha inclusive oito maquina de costuras Singer novas em folha.
Resolvi recambiá-las para uma sala improvisada e comecei a reorganizá-las e em
pouco tempo eu já estava costurando alguns panos, devo ter descoberto algum dom
para alfaiate, mas varias índias Trumai que olhavam se interessavam por elas e
eu comecei explicando a algumas coisas e o seu funcionamento e para meu
espanto, no outro dia, já tinha índia costurando, daí para frente não param
mais, foi uma notável experiência.
As casas do Posto a exceção do barracão de
mercadoria e do refeitório que eram de madeiras, eram todas de pau a pique e
cobertas de palhas, inclusive o local de atendimento médico. Tudo era rústico,
mas confortável a maneira primitiva, pelo menos não chovia dentro, só algumas
goteiras. O nosso cozinheiro era um jovem índio Kalapalo que fazia suas tarefas
e serviço completamente pelado, mas, para melhorar as coisas dei um calção para
ele vestir, logo depois estava com ele jogado no ombro e me alegou que não o
usava porque arranhava muito, e lá se foi rumo ao rio para lavar a panela de
arroz que fizera no almoço e me parece que só enfiou dentro da água, passou a
mão e voltou do mesmo jeito com resto da comida ainda pregada no fundo, era ai
por volta de duas horas da tarde quando dois fortes tiros estrondearam ao
longe, após uns minutos tornaram a se repetir, a aldeia ficou assanhada foi
quando Pionin chegou me dizendo:
--Deve
ser índio brabo chegando, acho que é o Raoni Caiapó, toda vez que ele vem aqui
faz este barulho para por medo nos outros, mas não assuste, ele age assim só
para pedir muita coisa aqui no Posto, mas o Orlando só dá o que ele precisa. O
Caiapó logo apareceu, era Raoni trazendo um veado morto com a barriga inchada
me oferecendo para comer, recebi a caça agradeci e dei a eles algumas roupas e
cartuchos para sua espingarda calibre 28, mas por ele levaria o armazém todo,
mas não demorou a ir embora.
Eu esperava por Valentim que não chegava.
Deveria vir junto com o Cláudio que reassumiria o posto, isto depois de quase
quatro meses, pois havíamos sido designados para montar um posto avançado no
território dos índios Kamaiurá a margem do rio Tatuari, mas teria que esperar o
retorno de Cláudio, Álvaro ou Orlando para assumirem o posto.
*
Miscigenações culturais, positivas ou
negativas?
Evolução natural da raça indígena e a
expansão de seus valores culturais nas suas vidas tribal me fizeram catalogar
as espécies que, segundo meu entendimento apenas duas as nações se sobressaíram
de maneira mais acentuada a ponto de demonstrar um avanço expressivo no aspecto
cultural.
Eram
estas: Os índios das tribos Trumai e os Juruna.
Como já mencionado anteriormente as índias
Trumai eram e ainda são possuidoras de um alto senso de assimilação e
adaptação, pude chegar a esta conclusão quando tendo tirado oito maquinas de
costuras manuais do deposito de Orlando comecei a organizá-las e elas, ali
estavam observando cada movimento e cochichando entre si, quando uma das
maquinas ficou pronta me dispus a fazer uma demonstração de costura e depois
escolhendo uma daquelas mulheres a convidei para costurar um pedaço de pano que
já estava no ponto preparado restava apenas acionar a maquina.
E assim o fizemos, a coloquei
na cadeira, ensinei-a a movimentar a maquina com o pé e a segurar o pano que ia
sendo costurado, e tive que trabalhar a tarde toda ensinando as outras
mulheres. Para meu espanto no outro dia lá estavam elas com pedaços de panos e
dentro de uma semana, podia-se dizer que já eram costureiras.
*
Índios Juruna.
Os índios Juruna, tanto os homens grandes e como as mulheres tem o cabelo
aberto na fronte em forma de V invertido e entre eles, em suas testas, as
marcas em forma de um anel vermelho recheado de cor púrpuro e idêntico ao sol,
lembram os Incas e os Maias, são taciturnos, prestimosos, mas de pouca
conversa. Nota-se neles o mesmo poder de assimilação dos Trumaim.
Suas medidas antropométricas
avaliadas a vista tinham todas as características do povo andino sensivelmente
comparado pelos traços fisionômicos e corporais, com os Maias, ou Incas ou os Astecas se revelam muito diferente de
nossos índios de origem tupis-guaranis ou grupos isolados e seu linguajar é
típico pouco se assemelhando ao Caribe ou Aruaque.
É
uma esplendorosa nação que não se pode deixar extinguir, no meu entender, eles
são os últimos remanescentes das civilizações que desapareceram como os
“Atlantes”.
(Antigo Posto Capitão Vasconcelos)
No alto Kuluene, ás margens do rio Tatuari, e
não longe do grande lago “Kamaiurá” está localizada uma grande aldeia Kamaiurá,
Sariroa e Canato, dois irmãos, eram os Caciques e os Grandes pajés, uma dupla
de fazer inveja. Por solicitação de Orlando Villas Boas eu fui junto com o
velho amigo o negro Valentim montar um posto avançado, dentro do Parque
Nacional do Xingu que passou a se chamar Posto Leonardo Villas Boas. O rio
Tatuari é de uma água límpida de fazer inveja a qualquer cristal podiam-se ver
os enormes cardumes se arrastando vagarosamente, e também a abundância de
poraquês (peixes elétricos). Em torno à aldeia á mata do Xingu nos advertia de
sua imaculidade e no lado norte haviam reconstruído e melhorado um campo de
pouso para aviões, fora disto só as saídas espirituais.
Tenente Haroldo da FAB fazia
seus voos quinzenais em seu NA (North Americam) para inspecionar o
abastecimento de gasolina naquela região, era um habilidoso piloto e, em uma destas
viagens trouxe a sua esposa Lídia para passar alguns tempos no Posto.
Eu e o Valentim pusemos a mão
ás obras e fomos instalando tudo que se fazia necessário, encanamentos, rede
elétrica do motor de luz Fiz um velho trator à gasolina de dois pistões e que
ainda usava magneto, e que parecia ter vindo de muitos séculos atrás,
funcionar, cuspiu carvão e sujeira por todos os lados logo o apelidamos de
Cadilac, foi mais uma mão na roda, e por falar em rodas as dele eram de ferro
com pontas de tração.
Foram quatro meses que
passamos dentro daquela enorme aldeia indígena, onde tudo era paz e tranquilidade,
mas exigia habilidade para se conviver harmoniosamente com os índios, era
preciso aprender a respeitar seus costumes, pois eram extremamente sensíveis,
mas quando se entrosava em seu meio social nada mais faltava, eram muito
amorosos, mas muito radicais.

A beleza das Índias Kamayurá

A beleza das Índias Kamayurá
Numa noite estrelada de julho
me juntei á uma dezena de índios ao pé de uma grande fogueira, era noite de
“Pajelança” e o pajé Canato e Sariroa estavam a postos fumando seus cigarros ou
charutos, de folha de cafezinho, e como não eram de boa combustão segurava em
suas mãos um tição sempre acesso, e puxavam grandes tragadas. E já “trolados”
Canato balançava o corpo, não demorou muito o índio deu um grito que acordou a
mata toda e disparou em uma vertiginosa carreira por ela adentro. Algum tempo
depois pudemos ouvir o seu grito muito dentro da mata rumo rio acima, depois
ainda correndo passou pela cabeceira da pista e deu outro grito e sumiu mata
adentro rumo rio abaixo sempre gritando.
Depois de ter corrido umas duas horas ele
voltou à aldeia ofegando acentuadamente, indo cair junto à fogueira quando foi
segurado pelo seu companheiro e irmão Sariroa que ficara a sua espera e começou
um dialogo no qual o pajé contava que andara por mundos distantes e estivera
com índios que morreram, e mandavam recados e falavam sobre as doenças e as
curas que poderão fazer, e num súbito repente, ainda sentado no chão, ele se
virou para a Lídia e a agarrou sofregamente pela cintura e encostou sua cabeça
na altura do estômago da mulher e numa mistura de grumece e mordida cuspiu
sobre a mão uma masca de capim que estava em sua boca e disse olhando para a
jovem espantada:
--Aqui
aldeia não é bom para você à comida de índio faz mal, é bom ir embora, olha – e
mostrou em sua mão a masca de capim - olha o que eu tirei de dentro de você.
Saímos
de junto da fogueira e meio afastados comentei:
--Foi
por causa daquele “enroladinho” que você não aceitou.
--Sim,
foi mesmo, mas de qualquer forma o Haroldo só vem daqui a oito dias, eu já
estava ficando cansada desta vida aqui, e você quando vai voltar?
--Dentro
de um mês no máximo, já esta fazendo muito tempo que estou fora de casa, mas
amanhã eu vou falar no radio com Santa Isabel e avisarei Leonardo que já
estamos terminando os serviços e se deverei voltar para o Posto Diauarun ou
para São Felix do Araguaia onde minha esposa e filhos me aguardavam.
Já vinha amanhecendo, fui descansar um pouco,
mas não demorou nada Valentim me chamava:
--Acorda
paulista, veja se funciona o Cadilac para carregarmos umas pedras.
Dois meses depois havíamos terminado nossos
serviços, e eu peguei uma carona com o Tenente Haroldo no NA, era um avião
militar para duas pessoas, o piloto e o mecânico, mas como não tinha eu fui em
seu lugar. Passamos pelo Posto Pimentel Barbosa dos Índios Xavantes, na margem
do rio das Mortes onde o sertanista Ismael Leitão e a sua esposa Sara eram os
encarregados, duas pessoas maravilhosas, de lá seguimos para Santa Isabel,
naquela mesma tarde eu estava minha casa em São Felix do Araguaia, ainda meio
tonto com tanta pirueta, subidas e descidas e todo ralado de tanto me segurar
na ferragem apertada do banco de traz.
Valentim havia seguido em
outro avião para Santa Isabel e de lá seguiu viagem de barco até sua casa na
barra do rio Tapirapé eram apenas 35 léguas, mas nestes dias que passamos
juntos, quase seis meses pude gravar muitas de suas histórias e lendas, o velho
negro era de uma subtilidade incrível, os verbos saiam espontaneamente e as sequência
se alinhavam e as histórias iam chegando, embora tenha perdido muitos detalhes
tentarei recompô-los em meu próximo livro.
“O negro
Valentim”. em...
Voltando
as atividades.
Um novo Presidente assumira a FBC era ele o
Sr. Andrade Lima e na sua primeira visita na Ilha me deixou como lembrança um
jocoso ditado “Meu nome é Lima se não me tratar com jeito eu amargo”. Mas,
apesar dos pesares ele deu continuidade aos trabalhos e designou uma professora
Eunice Noleto, para Diretora da nossa Escola, só que não consegui engrenar com
ela era que era grosseira e altiva e não me reconhecia como chefe do Centro de
Atividades. Resultado... Eu a demiti e comuniquei a Brasília. Seguidamente o
Presidente me chamou em Brasília e numa conversa reservada determinou que eu
voltasse atrás no meu ato demissionário e eu lhe disse que não voltaria a que
ele me respondeu:
--Eu
sou o Presidente e posso transferi-lo para outra base da FBC.
--Sim,
eu sei, mas o senhor é quem sabe o que deve fazer.
--Pois
bem, como eu sou uma pessoa boa e o seu currículo é muito bom eu vou lhe dar
uma oportunidade, pode escolher para onde você quer ser transferido.
--Escolher
para que? Qualquer lugar que o senhor me mandar eu vou satisfeito, não existe
lugar pior do que a Ilha.
Resultado:
voltei para a Ilha. E ali fiquei junto com a minha família por nove
gostosos anos de paz e tranquilidade e muito amor.
A construção da pista de pouso
estava quase pronta só faltava a ultima camada de asfalto para encobrir as
farpas do cascalho da superfície o que tornava a pista uma lixa para os pneus
dos aviões.
Os
oitenta tambores de MCO-O para dar o ultimo retoque na pista que cobriria as
quinas áridas do cascalho que ainda aparecia foram perdidos, pois colocaram
fogo na área junto ao posto da FAB onde estavam os tambores que alguns deles
com o calor do sol vazaram piche e o fogo atingiu os tambores que voavam as
alturas e explodiam jogando seu liquido quente para todo o lado. Parecia a
queima de fogos de artifício nos festejo de São João. Ninguém se feriu, mas o
estrago foi grande. E assim não se terminou completamente o asfaltamento da
pista o que chegou a estourar pneus dos Douglas DC47 na sua frenagem ao pousar,
mas mesmo assim ficou operacional, pois os pilotos passaram a pousar com mais
segurança e foram poucos os casos não causando nenhum acidente.
A FAB construiu seu destacamento e instalou o
Radio Farol SBSY, passou a controlar os voos e o atendimento ao CAN (Correio
Aéreo Nacional) e da VASP que passou a pousar duas vezes por semana naquela
localidade e também supervisionava os três aviões C47 da FBC. Terminamos a
construção do Hospital e as casas do Centro de Atividades.
Relevam-se os nomes de alguns
militares que por ali passaram: O Tenente Temponi, Sub Oficial Tabagira e o
Sargento Barbosa,
Cabo Oseas.
*

Sub Oficial Tabagira, Sgto. Barbosa,
Ten. Temponi e cabo Oseas
se preparando para Pescaria.
Capitulo 08
Anos de conturbação social 1967a 1974
A
Guerrilha do Araguaia.
Um processo lento de
amadurecimento político-social começava a se instalar em nosso país, mas
estavam apenas no inicio, muitos ainda iriam tombar para manter vivo o direito
de igualdade, liberdade e democracia, tão pretendida por aqueles jovens. A
igreja teve um papel fundamental na evolução destes processos.
Padres foram presos por
participarem desta revolução como mentores dos Guerrilheiros do Araguaia: O
Bispo de Marabá Don Estevão, Frei Gil, Padre Roberto, Irmã Maria, Casaldaliga e
Padre Canuto inclusive Adauta Baptista Luz.
Desta luta que durou três anos
participaram muitos jovens, mulheres e homens experientes. Eles tinham um
objetivo e se regiam pela sigla ULDP – União pela Liberdade e pelos Direitos do
Povo, a organização que dirigia politicamente o movimento guerrilheiro, e o
regulamento das Forças Guerrilheiras do Araguaia. Era a época da ditadura.
Eles começaram a chegar vindos
pelo rio Araguaia no dia 25 de dezembro de 1967, rio cheio, o estirão do
cinzeiro misturava água e céu, não se via as margens, parecia o oceano, um
barco encosta-se à margem esquerda no local conhecido por Faveiro, três pessoas
ali ficaram Mário, uma mulher chamada Maria, e um jovem de nome Joca. Depois
vieram o Zé Carlos, Alice, Beto e Luiz. Osvaldo morava mais acima um pouco,
negro sabido era oficial da reserva, mudou-se depois para perto da cachoeira de
Santa Izabel, ele mais outros amigos Cid, Zeca, Glenio, Geraldo e Sueli. Paulo
Rodrigues morava em Leopoldina (Aruanã) GO. Fazia viagens em barco vendendo
mercadoria tendo por companheira uma mecânica chamada Doca, seu barco tinha o
nome de “Carajás” e sua rota se estendia entre Leopoldina até Conceição do
Araguaia, certa feita mudou-se para o Caiano. Outros foram chegando Pedro, Ari,
Áurea, Diná e seu marido Antônio e também o médico João Carlos Haas Sobrinho,
Elvira, Sônia, João Carlos, Chaves, Victor, Nunes, Zezinho, Landins, Piauí,
Victor, Kleber, Bérgson, Tuca, Janete, Mariadina, Lia, Cristina, Rosa, Zélia,
Angelina, Idalicio, Alfredo, Nelito, Gil, Maria Lúcia, Flávio, Amauri,
Valquiria, Manoel - todos se transformaram em lavradores e fizeram suas roças
vivendo e aprendendo com os sertanejos.
Na época da ditadura a
repressão era violenta, e a policia militar abusava dos ribeirinhos e junto com
os coletores de impostos extorquiam-nos até ultima gota, maltratavam-nos, e
muitas vezes ao prendê-los os matavam. O povo sofria muito. Não bastasse isto
os grileiros de terras que começaram a chegar trazendo seus pistoleiros e
capangas tirando o sossego de todos e vinham dispostos a expulsarem os velhos
moradores de suas posses dentro do seu pretenso latifúndio, milhares de
hectares de terras eram grilados e tal um rolo compressor esmagavam todos a sua
frente e ainda tinham o apoio das autoridades, estes empreendimentos eram
financiados pelo incentivo fiscal. Da
mesma maneira ocorreram em outras regiões os posseiros se viram obrigados a se
transformarem em rebeldes numa marginalização imposta pela própria sociedade,
eram eles o “Barril de pólvora a espera da mecha ardente”. E a igreja os
amparou. “Uma nova era de ajuste social teve começo, mas num país aonde o fiel
da balança tendia em pender a favor dos mais afortunados em detrimento dos
menos favorecidos mostrando o lado dos que tudo tem e dos que nada possuem”, e
estes últimos eram a mecha ardente esperada, começaram-se então as
manifestações daqueles que logo se intitulariam “Guerrilheiros do Araguaia”, e desencadeou-se uma luta desigual
entre as forças armadas e os rebeldes. Foram sacrificadas muitas pessoas, civis
e militares, até uma filha do Cel. Lúcio foi presa quando levava comida para os
padres. Adauta foi recambiada para Campo Grande e lá ficou por vários meses. As
autoridades atentaram um pouco tarde para a realidade o vírus de uma nação
livre e democrática já estava disseminado, não havia mais retorno e o futuro
estava implantado. Natal de 1973. Após três anos de vitórias e derrotas, a
situação se modificava, as Forças Guerrilheiras do Araguaia espalharam-se por
recônditos caminhos, para outros lugares muito além das selvas, ninguém mais
poderia aniquilá-los, mas deixou escrito com sangue a busca por uma liberdade
quase evangélica.
O sino rachado.
Na pracinha de Mato Verde erguia-se uma
velha igreja e ao seu lado, entre dois paus, um pequeno sino de bronze. O
badalar do sino convocava os fieis a se reunirem, e outras vezes anunciavam um
falecimento ou uma urgência qualquer. Não sei por que os padres nunca gostaram
de Mato Verde que depois veio a se chamar Luciara, mas mesmo assim o Pedro
Elias misto de mocinho de banguê - banguê e padre tinham também sua igreja
particular. Sua esposa Raimunda mais conhecida como “Dica” era quem organizava
os terços e as ladainhas, faziam leilões e tudo mais.
Na
outra igreja velha lá da praça que estava para cair, se reuniam os fieis e ia
tudo muito bem até que...
Naquela linda manhã de Domingo, o vento geral
anunciava a chegada do verão, o rio já bastante seco mostrava suas lindas
praias de uma alvura sem macula e o sol trazia um calor confortante digno de um
dia de folga. O encarregado de chamar os fieis para ali fora bater o sino, mas
quando pega na cordinha e da a primeira pancada com o badalo se espanta com o
som abafado, surpreso examina o sino e
exclama:
--O sino está rachado – grita alto – este não é o nosso
sino.
Em poucos minutos a igreja
estava cheia de curiosos e alguém explica:
--Quem trocou
o sino foi o Matos lá de São Felix falaram
--Roubaram a
igreja?- perguntou o encarregado - não, a santa estava lá – então o que foi?
--O Matusalém lá de São Félix veio
aqui ontem á tarde e trocou o sino levando o nosso lá para São Félix e deixou o
sino rachado disse uma menina que testemunhara o ocorrido.
Estava
tudo explicado, organizaram uma comissão para ir a São Félix destrocar os sinos
e assim o foi feito, logo o barco saia rumo rio acima eram apenas setenta e
dois quilômetros, levaram o sino rachado e não contaram conversa destrocaram os
sinos e voltaram.
§
Capitulo 09 .
Um Francês no
Brasil...
Ali, no Estado de Mato Grosso, na
barra do rio Tapirapé com o rio Araguaia, entre dois morros ficam as aldeias
dos índios Carajás e dos índios Tapirapé.
Contornando o varjão da beira
do lago chegava-se um vastíssimo mangueiral onde ficava a aldeia dos índios
Tapirapé e ali residiu o Padre François Jaques Jentel, mais conhecido por padre
Chico, o Padre Foucault que permaneceu por longo tempo e as três freiras
irmãzinhas de Jesus. Vez por outra, quase no final da história, aparecia uma
missionária francesinha de nome Denise.
Entre as duas aldeias moravam
a já comentada velha e antiga moradora que ali havia chegado com sua família em
1926 eram estes o Elói Pinheiro e Dona Inês Pinheiro e seus filhos e filhas.
O nome da aldeia dos índios Carajás era Posto Indígena Heloisa Torres e o negro
Valentin e sua esposa Joaninha eram os encarregados.
Aquele homem magro, de andar
ligeiro, queimado de sol e simples como um peão do trecho era o Padre Chico e
aquelas três mulheres, eram as irmãzinhas de Jesus, freiras abnegadas que
dedicavam junto com Padre suas vidas aos índios Tapirapé e Carajás, eram
educadas como uma flor e humildes como só os simples sabem ser e na ajuda o
pobre e bondoso Padre Foucault.
As três casas, duas, eram de pau a pique e
outra de madeira, todas cobertas de palha, eram a igreja e duas residências,
sendo que uma servia de ambulatório e dormida das irmãzinhas e da francesinha
Denise, e a outra para os dois padres, isto quando Foucault ou outro aparecia,
nos fundos um galinheiro e dois canteiros de verduras, destes feitos com
forquilhas e suspensos.
No ar, uma tranquilidade
incrível, parecia que o resto do mundo nunca existira ali tudo cheirava a amor,
carinho e abnegação e até os pássaros alegres pareciam festejar aquela benção
divina, nunca mais senti um torpor tão maravilhoso em minha vida como aquele
ali.
Como eu havia dormido na casa de Dona Inês,
ainda estava cedo para fazer uma visita a meu amigo, mas, ali estava eu.
--Padre...
--Dankmar,
que surpresa agradável, entre, irmãzinhas olhem quem esta aqui!
--Bom dia seu Dankmar –
cumprimentaram a três de uma só vez e muito alegres.
--Como vão às coisas por
aqui Padre?
--Com exceção do caso da
família do Valentim que quase morrem envenenados pela própria filha, o resto
esta bem, mas fiquei sabendo de algo de anormal lá por ”Saint Terezin”, mas vou
lá hoje ver o que esta acontecendo.
--Eu fiquei sabendo o
caso do Valentim, mas eles já estão recuperados graças a Deus, eu vim aqui para
conversar um pouco contigo sobre os acontecimentos em Santa Terezinha e se
possível irei junto.
--Esta bem. Se não
sairmos hoje, amanhã cedo sairemos, nos vamos por terra e é longe.
--Enquanto conversamos as
irmãzinhas vão fazer um almoço bem cedo e você fica conosco.
--Eu também irei –
remendou o padre.
Aproveitei fui revisitar a
família do negro Valentim que estava muito fraca e se recuperando da tragédia
do envenenamento, e também fazer uma visita para Dona Inês, João Pinheiro me
emprestou uma égua arriada para a viagem e voltei bem cedo, no outro dia para a Aldeia Tapirapé.
O Padre Jentel já estava de
pé.
--Vamos tomar um lanche e
seguir viagem Dankmar.
--Mas aonde esta o seu
animal? Você vai a pé?
--Vou
sim desça logo.
Desci, tomei um lanche
rápido e montei e o padre Chico já estava andando no rumo da trilha e eu o
segui e lá se fomos nós, o Padre ia à frente de mochila nas costas e marcando o
caminho e com sua sandália de látex ponteava o trilheiro. Francamente nunca vi
ninguém andar tão ligeiro, às vezes eu tinha que trotar a égua para
acompanhá-lo. Quase matou a égua de cansada. Chegamos a Santa Terezinha já era
de tardinha, o Padre parecia que nem tinha andado e a égua quase chega
empurrada, afinal eram sete léguas ou 42 quilômetros como quiserem e no meio de
trilha e arbustos misturados com lagos, pantanais e areões um verdadeiro rály.
Durante a viagem fiz uma
retrospectiva da vida de Padre Chico “O Padre Chico, como era conhecido, morava
a muitos anos junto da aldeia dos índios Tapirapé, simples, humilde, e muito
pobre, ele e as irmãzinhas se dedicavam exclusivamente aos índios Tapirapé e
Carajás cuja aldeia não distava mais do que dois mil metros. Era o Posto
Heloísa Torres, aonde o nego Valentim e sua esposa Joaninha eram os
encarregados, bem perto morava Dona Inês com sua família, eram toda uma só feliz
família Nas noites limpas de lua cheia podia se ouvir as índias Tapirapé ao
redor de uma fogueira a cantarem lindas, suaves e melodiosas cantigas
indígenas. Nunca mais eu ouvi nada igual, os índios Carajás faziam suas festas
Aruanã e com estes procedimentos aproximavam-se culturalmente as duas raças,
porque não dizer as três raças, eu mesmo aprendi a fazer arco e flechas, Não
parecia às turbulentas cidades de pedra do mundo lá de fora. O padre Foucauld tentando levantar um canteiro colocava três forquilhas de cerne e uma de pau
branco, eu e os índios o ensinamos que com uma forquilha ruim o canteiro iria
cair, ele entendeu foi até o mato e trouxe uma boa, Mas estavam para começar as
modificações, e o Padre Chico viria isto assim que chegássemos a Santa Terezinha.
Ali
em cima daqueles morros de areia os casarões construídos pelos padres da então
Missão de Conceição do Araguaia impressionavam pela sua imponência realçando a
grandeza do rio Araguaia. A velha missão ficava junto ao rio, e pareciam
resistir às intempéries dos tempos, pois eram bem antigos. Um movimento
inusitado parecia ter transformado aquele monte de areia quente em algo
inexplicável.
Às quatro horas da tarde fomos
á casa de Napoleão que era o encarregado daquele conjunto de casarões da
Prelazia de Conceição do Araguaia para zelar da missão.
Batemos na porta, demoraram a
atender, finalmente Verônica a esposa de Napoleão aparece bocejando, estava
dormindo.
--Padre Chico!
--Estava dormindo irmã?
--Deitada, padre,
cochilando.
--E Napoleão esta? Sim,
já se levantou, mas entrem - e continuou.
--Seu Dankmar esta aí
também? Á quanto tempo não lhe vejo.
--Boa tarde padre, boa
tarde Dankmar – falou Napoleão aparecendo.
--Mas o que esta
acontecendo Napoleão? Indagou Jentel.
--Padre... – gaguejou
Napoleão – Sua benção.
--Ulala
me conte logo depois te abençoou.
--Chegaram aqui uns
homens dizendo que são os donos de todas estas terras e que vieram de Conceição
com uma ordem do Bispo, eles estão lá na casa grande, vamos até lá agora.
--Mas
o que esta acontecendo aqui? Tornou a se
impacientar o Padre-quase gritando.
O calor do meio dia explodia
sobre aquelas areias quentes e as poucas árvores não faziam sombra alguma. O
rosto do Padre Chico se transformou como de água para o vinho, via-se
claramente a indignação à raiva e a revolta em seus olhos. Já não era mais o
pacifico Padre Chico, agora era o rebelde Padre François Jaques Jentel.
O
encontro inesperado com a civilização vinda sobre asas de aviões, o movimento
de gente estranhas em seu território ascendeu-lhe na alma uma chama apagada há
muito tempo.
--Vamos ver o que esta
acontecendo – explodiu enquanto
caminhava na areia quente rumo ao casarão.
No casarão um homem alto e
simpático muito bem vestido e com um sorriso no rosto apareceu à porta
cumprimentando:
--Olá,
- estendendo a mão ao Padre que não correspondeu --Meu nome é Humberto Machado
e sou o proprietário da Linha Aérea Nacional.
--Tem uma carta para mim
– cortou o padre – por favor, me entregue logo quero vê-la.
--Aqui
está Padre.
Jentel procurou uma cadeira leu a carta umas quatro vezes e parecia não
acreditar.
--Como é que vão chegando
e se apossando da missão sem antes ter falado comigo, aqui tinha muita coisa
importante guardada – zangou.
--Eu
tive ordens de chegar e me arranchar com minhas coisas afinal as terras são
minhas e eu não podia ficar no tempo ou embaixo de uma arvore com tanto
instrumento.
--Muito bem veremos o que
vai acontecer, - terminou o Padre virou as costas e saiu.
No outro dia ainda cedo, dois
aviões Douglas sobrevoaram e desceram na pista, com eles vieram muitos homens,
e também Hilton Machado, irmão de Humberto era um dos mais fortes proprietários
da empresa e trouxeram muitas ferramentas, começavam a colonizar.
Deste dia em diante o Padre
Jentel tumultuou a vida de todos, organizou cooperativas, associações e
promoveu uma pequena revolução. Lutou muito para defender os antigos pioneiros,
organizou grupo de posseiros fundou sindicatos e passou a congregar centenas de
trabalhadores rurais que chegavam de todos os cantos do país, estava declarada
a luta aberta pela terra que não era de ninguém.
Mas
o Padre era muito habilidoso, e amigavelmente se misturou aos proprietários com
a finalidade de saber quais seriam seus movimentos.
--Muito bem – dissera a
Hilton Machado - Já que o Bispo recomendou que lhes desse todo apoio é o que
farei.
--Inicialmente só
precisamos desta casa, logo vamos construir dentro de nosso projeto. Discutiram
por varias horas, mostraram os mapas e falaram a vontade de tudo que o padre
queria saber.
--E
ai padre tudo bem – perguntei.
--Nem triste nem alegre -
foi á resposta lacônica
Mas
seus olhos continuavam brilhando com uma nova chama, sua voz se tornou firme
quando me segurando pelo braço disse:
--É chegada a hora!
Certamente agora começarão a chegar os grileiros, pistoleiros, garimpeiros e
mulheres vadias, isto aqui vai bagunçar a vida dos sertanejos, só Deus para nos
livrar desta.
Mas a minha maior preocupação
era com Padre Jentel ou Padre Chico como queira, foi quando fiquei sabendo que
a Linha Área Nacional já não eram mais as proprietárias daquela encrenca. E que
a em breve a Codeara assumira o comando, fiquei apreensivo, pois sabia muito
bem que Codeara, a Companhia do Desenvolvimento do Araguaia, o BCN – Banco de
Crédito Nacional e o Cartório Medeiros da Capital de São Paulo eram intimamente
ligados, ainda mais tendo adquirido certo volume de terras de Michel Nasser lá
de Campo Grande, embora aquele houvesse reservado uma pequeníssima área de
5.935 hectares para assentamento dos antigos posseiros.
Foi à
pólvora do barril explosivo chamado Jentel.
*
Mas
necessário se torna retroagir ao passado para unirmos partículas de ficção da
história para assim construir e consolidar a “historia de baixo” onde o mito e
a realidade muitas vezes se confundem, mas deixam aflorar conteúdos dinâmicos
de fatos surrealistas que realmente aconteceram.
“Mais uma vez isso não nega
que o passado “real” tenha existido, apenas condiciona nossa forma de conhecer
esse passado, só podemos conhecê-lo por meios de seus vestígios, e de suas
relíquias. (HUTCHEON.1991 152)”
E
assim persiste ainda, a amarração da história na obra, por meio de documentos
como o trecho do livro “Rio Araguaia de Corpo e Alma” citado a seguir:
“Conta a história que
um DC-3 da Nacional Transporte Aéreo, comandado pelo piloto Hilton Machado, fez
um pouso de emergência nas praias do Rio Araguaia, no local onde nasceria o
Vilarejo de Santa Terezinha. O passageiro Holck e o comandante – hoje proprietário
da Votec – ficaram encantados com o local e combinaram adquirir terras a partir
das margens do Araguaia e nelas implantar atividades pecuárias. Um comerciante
vindo de Campo Grande (MS) Michel Nasser, se associou ao projeto e os três
juntos requereram em 1957 terras do Estado e conseguiram uma gleba de 1,5
milhões de hectares [...] divisões sucessivas da gleba original terminaram
sendo a Confresa de Jose Augusto Leite Medeiros e Jose Carlos Pires Carneiro e
a Codeara do grupo financeiro e banqueiro BCN (BORGES, 1987:380)”
‘ É
perceptível ainda, a ligação da história na obra, por meio de documentos como a
ata abaixo que gerou a origem nascitura de uma nova era não só econômica, como
político-social que veio a se chocar com os costumes dos nativos regionais
quebrando o elo de sua cultura secular:
Eis a integra:
“Assembléia Geral Extraordinária -
Primeira convocação. São convidados os Srs.
Acionistas a se reunirem em AssemblÀs 10 horas do próximo dia 16
(dezesseis) do corrente mês, na sede social, a Avenida Franklin Roosevelt
n." 137, 12.° andar, nesta Capital, a fim de tornarem conhecimento e
deliberarem sobre: a) Proposta da Diretoria para a criação de uni organismo
destinado a implantação de um núcleo de
colonização e desenvolvimento
do Vale do Araguaia;
b) Outros assuntos de
interesse social, relacionados com ou decorrentes do item anterior.
Os titulares de ações ao portador deverão depositá-las na sede social, com a
antecedência de três dias, de conformidade com os Estatutos. Rio de Janeiro, 6
de novembro de 1957. A Diretoria: Hilton HMachado, Diretor Presidente: Cari Heinrich Holck,
Diretor-Superintendente; Humberto Machado era responsável pelo desenvolvimento
das atividades sociais prefixação do elemento humano rente a ao solo, o
aproveitamento econômico da região, assim como a elevação do nível de vida,
saúde e instrução, bem como o preparo técnico dos habitantes da zona do Vale do
Araguaia, cumprindo-se, assim, os dispositivos estatutários contidos no artigo
segundo e seu parágrafo primeiro. Concretizando, pois, o assunto, vem esta
Diretoria submeter à deliberação da Assembléia Geral a presente Proposta, que
será acompanhada do respectivo Parecer do Conselho Fiscal, ao qual, previamente
se a encaminhara. Por esta Proposta, e recomendada a criação de um organismo
destinado a implantação de um núcleo de colonização e desenvolvimento do Vale
do Araguaia, o qual terá por finalidade estabelecer condições próprias a
fixação, naquela zona, do elemento humano, facilitando aos colonos e imigrantes
o arrendamento e aquisição de áreas de terra, de que se tornarão, futuramente,
proprietários, assim como proporcionando-lhes os meios indispensáveis a sua
educação. saúde e bem estar. Para tal fim, torna-se necessário modificar os
atuais Estatutos da Sociedade, de modo a permitir ampla flexibilidade na
atuação do novo órgão a ser criado e que a Diretoria propõe seja denominado de
Colonização e Desenvolvimento do Vale do Araguaia por bem caracterizar seu objetivo.
§
A
Codeara assume o comando, no lugar das Linhas Aéreas Nacionais Subsidiárias do
Banco Nacional de Credito – BCN com sede em São Paulo.
“Assim, toda
região ocupada por índios e sertanejos passou, oficialmente, a pertencer a
grandes empresas. O governo desconsiderou absolutamente a presença dos
moradores que, embora sem título de propriedade, há décadas viviam naquela
região. Pe. Francisco Jentel, que desde os inícios da década de 1950 trabalhou com
os Tapirapé ao lado das Irmãzinhas de Jesus e, por fim, como vigário de Santa
Terezinha, sentiu concretamente as imposições dessas companhias. Depois de
presenciar o fracasso da CIVA, depara-se de frente com a CODEARA. Em 1965,
fundou com camponeses de Santa Terezinha, a CAMIAR, fortalecendo os
trabalhadores para enfrentarem a CODEARA e reivindicar seus títulos de
propriedades junto ao IBRA. Defendendo os trabalhadores, com a CODEARA Jentel
travaria uma luta que resultaria na sua expulsão do país (Dutertre, Casaldaliga
e Balduino, 2004 :18)”.
Barra do Tapirapé era um local bonito, o nome
rio Tapirapé quer dizer “caminho de anta”, logo na entrada era o “Posto
Indígena Heloísa Torres”, dos Índios Carajás, e quem o gerenciava era o negro Valentim
e sua mulher Joaninha. Ao contornar a curva entrava-se em um lago e ali moravam
a Dona Inês e seus filhos, João Pinheiro, José Célio, Luciana, Natividade,
Oleriano, Raimunda e o Francisco, gente boa e amável passamos três dias com
eles e bem perto ficava a aldeia dos Índios Tapirapé, lá as freiras irmãzinhas
de Jesus e o padre (Chico) François Jaques Jentel e Foucault eram os
missionários que zelavam dos índios Tapirapé, todos franceses.
No retorno de Santa Terezinha
fui para a casa de Dona Inês, devolvi a égua já descarnada ao João Pinheiro,
agradeci, dormi sofregamente sonhando com a revolução que se aproximava e cedo
do outro dia fui visitar o negro Valentin na casa principal que era a sede do
Posto onde morava com sua família, ainda me lembro daquele sorriso eterno que o
negro tinha no rosto, e da magia humilde de pura bondade de sua esposa, eles
não sabiam o que fazer para nos agradar, eu fui logo intervindo:
·
--Calma
meus amigos nos ainda vamos ter muito tempo para conversarmos e falarmos de
outros mundos lá de fora. --Eu
mesma estou com uma saudade louca de passear em Leopoldina, Goiás Velho,
Goiânia, faz tanto tempo que não vamos lá fora - murmurou tristemente a esposa
Joaninha.
Tomamos café com um bolo chamado
“Mané pelado” feito de mandioca, o Antônio Pereira, também estava terminando
seu café e logo após vendeu um bocado de coisas para o Chefe do Posto, os
índios também compraram algumas miçangas e na maioria trocavam por enfeites,
boneco de barro, cocares, arcos e flechas, enfim tudo que fosse arte indígena o
Antônio Pereira as comprava a troco de mercadoria, era este o seu negocio, ele
vinha de Goiânia com suprimentos e os trocava por enfeites que levava para
Goiânia e os revendia, era, ao que parecia, um negocio rendoso. Da casa de
Valentim voltamos a pé para a casa de Dona Inês, era no máximo uns mil metros,
de longe ouvíamos o som de um violão e alguém cantando “Foi na casa de Mané Pedro - numa noite de São João - Toquei moda de
viola e cateretê lá do meu sertão – cantei modas paraguaias para alegrar o
coração – eu fiz muita veia chorar e muita moça sentir paixão...”.
·
--Oi de casa - gritei.
·
--Vamos entrando minha gente, por favor -
convidava o cantor ainda com o violão na mão.
Entramos naquela humilde, mas,
bem zelada casa, e seus moradores foram aparecendo um a um e sempre nos
cumprimentando.
Ficamos muitas horas
conversando, nos éramos dois, eu e Savarú, Antônio Pereira ainda estava na
Aldeia Carajás, ao entardecer encostou o barco no porto da Dona Inês e ali nos
arranchamos. Estivemos apenas resto da manhã seguinte hospedado na casa da
velha pioneira. Logo zingamos rio acima. O pequeno barco do adventista
ia atolado de enfeites indígenas e ele lá traz, junto ao piloto, mentalizava o
lucro que teria e sorria, e nos outros seguíamos rumo aos nossos
afazeres, eu teria um encontro com o
Prefeito de Luciara do qual eu era Secretário Geral e senti no âmago de minha
alma que em breve eu estaria envolvido nesta difícil e perigosa pendenga.
Para melhor ilustrar o ator principal do relato seguinte necessário
se faz retroagir.
Depoimento de Dom
Thomas Balduino:
Foi na vigília de Natal de 1954 que o pe.
Francisco Jentel chegou, pela primeira vez, ao pequeno povoado de Furo de
Pedras, ás margens do rio Araguaia.
Apresentou-se discretamente àquela comunidade de pobres lavradores, na hora em
que estavam reunidos para celebrar a boa nova do nascimento de Jesus. Com eles
rezou a missa. No dia seguinte, 25 dezembro, atingiu a aldeia Tapirapé.. Os
índios estavam muito reduzidos em numero, dizimados pelas doenças e
desnutrição. Com eles já estavam as irmãzinhas de Jesus, concretizando o projeto
de convivência na plena comunhão de vida e situação. O primeiro ato do pe.
Jentel foi celebrar o Natal com os índios e as irmãzinhas. E lá ficou morando e
era chamado de Pranxiko e tinha 32 anos de idade e não falava nada em
português, mas cedo aprendeu ambas as línguas inclusive Tapirapé. Etc.etc.
Uma luta desigual teve
inicio, mas nem sempre o mais forte vence, preparamo-nos para ela... De um lado
a Prefeitura na pessoa do autor desta obra e do Padre Francisco, do outro lado o
BCN em peso com o irascível Dr. Murat e
o cauteloso Dr. Seixas – Estava armada a
briga...E, os índios Tapirapé e Carajá,
os posseiros e o povo de Santa Terezinha torcia por nós...
“CODEARA X Padre Chico”.
A Codeara assume o comando, no lugar das
Linhas Áreas Nacionais.
Subsidiaria do
Banco Nacional de Crédito –BCN - com sede em São Paulo, era regida sob a batuta
de Armando Conde, e tinha na sua direção o Dr. Luiz Gonzaga Murat um
extrovertido executivo e o Doutor Seixas, maleável como as rochas. Na fazenda
quem manobrava era o capataz Silveira e o Salomão, homens violentos talhados
para este difícil encargo que era dominar a região, só que tinham um espinho
atravessado em suas gargantas, um simples padre chamado Padre Chico que era um
osso duro de roer.
Jentel organiza e cria a Cooperativa Mista do
Araguaia, seu secretário particular o jovem Reis passou a Presidente da mesma,
novo, lutador líder incontestável da nova geração era a medida certa para a
luta que se iniciava.
A Vila crescia desordenadamente assustadoramente, bares, armazéns, açougues,
cabarés, e farmácias se instalavam. A previsão do padre Chico se realizava. Mulheres da vida fácil chegavam a toda hora
em barcos carregados de peões arrebanhados nos mais longínquos recantos do
nordeste era uma constante.
Estava
satisfeito o ditado popular “Um lugar para ser bom tem que ter cinco” P “=
Padre – Peão – Policia - Puta e Pinga”
Surgiram então os primeiros atritos entre
Codeara e os peões posseiros e o Padre
Jentel sempre defendiam estes últimos. Muitas vezes a Policia Federal teve que
intervir.
Os
“gatos” que contratavam e traziam os peões que se embrenhavam mata á dentro
para as derrubadas, os que escapavam da maleita, não escapavam da faca ou do
tiro.
*
Naqueles
tempos assim eram qualificados os peões:
Peão do trecho.
1–Peão Urutu
2- Peão Paraquedista
3- Peão Macaco
4– Peão Liso
5- Peão Mambira
6- Peão Gente
O Peão Urutu
(cobra), normalmente bem vestido, chapéu Panamá na cabeça, botas de cano
longo, costeletas, cinturão largo e usava sempre um radiozinho a pilha. Sempre
era muito respeitado, gostava de andar armado com faca ou revolver, adorava frequentar
cabarés e era sempre tido como valente, mas, se portava sempre bem com as
‘mulheres’. Gosta de ficar devendo muito nas pensões em que se hospedava, mas
quando arrebanhado, paga as contas, depois de dar um belo tombo no patrão, no
mato bom trabalhador.
Peão Paraquedista,
normalmente é um homem solitário, só carrega uma mochila, não tem amigos, e
gosta de trabalhar sozinho, sempre ao ser arrebanhado pelos Gatos necessita de
dinheiro para mandar para a mãezinha que esta longe e doente e para pagar as
despesas na pensão e ainda comprar umas roupas, Sua especialidade é fugir dos
patrões quando são recambiados para as fazendas. Usam dentro da mochila uma ou
duas câmaras de ar de bicicleta dobradas e cheias de ar em meio às roupas.
Quando o carro que o transporta esta em alta velocidade e que a estrada seja em
meio a cerrado fechado ou mata, ele acrobaticamente pondo a mochila no peito
pula do carro e cai no chão sobre a mochila, daí num salto espetacular põe-se a
correr se embrenhando na mata. Quando o carro consegue parar ele já esta muito
longe.
Peão Macaco, e similar
do peão paraquedista, só usa uma mochila com poucas coisas, e nas costas, e,
quando a viatura vai à alta velocidade em meio à mata ele, tal qual um Tarzan
da um pulo agarra um galho de arvore que passa e malabarescamente cai de pé e
foge mata adentro - Dizem que peão macaco não pode ver um galho que da vontade
de pular.
Peão
Liso, este é o mais difícil de todos, pois sempre anda em grupo de cinco ou
seis, se hospedam em boas pensões, gastam muito nos bares e com o mulherio.
Gostam de pegar grandes empreitadas, mas sempre querem muito dinheiro adiantado
para pagarem suas despesas e quando estão prontos para partir ai é um Deus nos
acuda quando aparecem quatro faltam dois, saem dois em busca dos outros e ai
some os quatro e ai o “Gato” só falta ficar doido para ajuntá-los, uns estão no
bar bebendo, outros enrolados com as mulheres, normalmente o Gato usa a policia
para ajuntá-los quando já estão bêbados.
Peão Mambira, o mesmo
que tamanduá, que é conhecido por sua vagarosidade, mas ao entrar em uma moita
de mato sabe se esconder e fugir rapidamente. O Peão Mambira age assim mesmo,
sempre com o machado ou foice na mão entra para o mato e começa a trabalhar o
fiscal esta escutando o bater do machado, de repente para, o fiscal vai até o
local do serviço e só encontra o machado no chão o peão já sumiu na mata, por
tal motivo são fáceis de arrebanhar e não são exigentes, os Gatos resolvem o
problema fazendo-os trabalharem com outros grupos, mas no fim sempre acontece o
mesmo. Tempos depois aparece em outra fazenda e diz que fugiu daquela porque
estava sendo ameaçado. E torna a dar o golpe. Muitos morrem por estes motivos.
Peão Gente é o homem
honesto e trabalhador que cumpre a sua palavra.
Assim eram arrebanhados:
Caminhões cheios de homens, mulheres e crianças, cruzam as estradas
rumo ao sertão mato-grossense – eram os Paus de Arara.
Sempre desviando o mais possível dos grandes centros, para evitar a
repressão por parte das autoridades, os motoristas e os
“gatos’ os conduzem de maneira mais rápida
possível, ao ponto mais próximo de sua meta final”.
Os
arrebanhadores de peões.
Os “Gatos” são chamados os empreiteiros,
homens rudes e não raras vezes violentos, que são especialistas no tráfico
interno de pessoas, ou seja, o proxenetismo.
Munidos de boas quantidades de dinheiro,
estes homens saem por cidades nordestinas, onde o desemprego é uma constante
realidade e ali faz o arrebanhamento de trabalhadores, como o vaqueiro
arrebanha o gado.
Seus
escritórios são os bares, sua clientela os peões.
--Peguei
uma empreitada na Fazenda Marimba do Doutor Oscar lá em Mato Grosso que só
vendo, desta vez eu me aprumo mesmo, vou tirar a barriga da miséria.
--É
donde hei? – pergunta um peão.
--Lá
juntinho do rio Fontoura, é uma beleza, o cheimm, o rio Suia passa perto também,
bem dentro da terra do patrão, e tem peixe pra da cum pau, até o pirosca passa
o dia aboiando na fonte de lava roupa.
--E
a caça nem se fala, oia o compadre Cirso mato quatro
porco junto do barraco dele, ele
subiu num pau e jogou o gogo em baixo e os porcos ficarão estraçaiando o carção
dele e enquanto isto ele ia matando um por um...
--Puxa
sô, a maleita? Ouvi dize que dá em até macaco?
--Mentira
danada, oia cumo to forte mais que menino.
--E
a cumo você pegou essa empreitada companheiro?
--Peguei
a quatro mil o alqueirão, mas é mole, num tem pau grosso e o patrão não deixa
derrubar Jatobá.
--É, pode ser né, eu vou
pensar.
--Quanto da proce paga
pra gente?
--Bem,
como ocê é um cumpanheiro bom vo paga três mil por alqueire.
--To
feito vai o cumpadre Cirso u Doca e o Raimundo Parafuso, e vou leva a menina
Rosinha pra cozinhá pra gente, tem perigo não a bichinha não é muito arisca
não, e é boa cozinheira.
--É isso ai,
companheiro bota a turma pra trabaia.
O Peão pensa: ”Dá pra derrubar vinte
alqueirão por mês é isto da os sessenta mil dividido por quatro, a menina tem
que ganhar também da quinze mil para cada um. Vigeeee é dinheiro demais num
precisa nem fasê a conta”.
--Quanto é que nois vai
saí?
--Nu fim da semana num
sabe, Eu estou hospedado na pensão da Ritinha aquela maranhense ajeitada, viúva
nova, não dá pra saí ligeiro.
--Vo precisa de um pouco
de dinheiro pra deixa em casa e comprá umas traias.
--Num tem problema, ocê
passa amanha cedo lá na pensão que eu vo bate um contratosinho, atoa ocê sabe,
só pra garanti, quem é vivo é mortal, ocê assina e eu te arranjo um pouco da
mufunfa.
--Entoncês vamo tomá a
saideira – termina alegre o peão
Cinco
dias depois o caminhão cheio de gente, agora era o “pau de arara”, sai rumo ao
sertão mato-grossense. Oito a dez dias de viajem puxados, poeira e muito
balanço, cansados chegam ao ponto final a “Caseara” bem na margem do rio
Araguaia, daí para frente a viajem é feita de barco. Finalmente pega outro
caminhão e chega á fazenda do destino. Ali a coisa muda de figura, a mata é
grossa, o broque é difícil, e a maleita da até em macaco, a morte campeia solta
com um sorriso no rosto, mas não há mais como voltar, já estão devendo muito.
Rosinha passou a ser propriedade do patrão agora serve de empregada domestica e
é mandada, depois de muitos dias, para a casa de Goiânia, ainda esta muito
bonita, mas um pouco buchuda, a regra é esta, pai pode ser qualquer um menos o
patrão. Um pesadelo transformado em realidade dura e crua, era a vida e o
destino dos mais fracos.
--Cumpadre ocê teve noticia do nosso pessoal que foi para o Mato
Grosso?
--Vi falá que mataram o Cirso, que o
cumpadre Raimundo ta trabaiando notra fazenda num sei quar, do cumpadre Juca
nem noticia, só sei que Rosinha se perdeu lá na cidade de Goiânia, us outros
devem tar pur lá, mais nem noticia, sarô tudo tomara que a Rosinha vorte pra
casa. Fiz até uns versos para ela.
--Quem ta é a mãe dela que chora todo dia.
--Me fale destes versos cumpadre? ..
“Flor do sertão”.
Menina sapeca,
Cria do Sertão,
Rosa, flor desabrochando,
Brinca, ri, e sofre desde
então,
Diamante na vida forjado,
Agora moça nova bonita,
Rapariga meiga, seio
arrojado,
Gazela ligeira e arisca,
Flor menina, flor do prado.
Na vida doce da ilusão,
Agita dentro á mocidade,
Tal fêmea busca o seu
ninho,
Um fogo interno a invade,
Inquieta o corpo lança,
Nas sendas das aventuras,
Perde-se por promessas e
juras,
Perde-se pela grande
cidade.
Hoje flor mulher,
No jardim da amargura
Olha pela porta e espera,
Um amante sequer,
Triste coitada anseia,
Por uma noite de amor
desespera,
Fervelhe o sangue na veia.
Não sabe mais orar,
Nem tem forças para pedir,
Resta apenas lembrar,
Aquela menina alegre a
sorrir,
Sapeca correndo a brincar.
Magra, abatida pela sorte,
Rosinha, pobre desventurada,
Lembra sua terra longe,
Tempo de criança encantada,
Triste pede descanso na
morte,
Talvez deixando esta vida
Amargurada,
Bem no fundo do chão,
Terá paz sua alma
torturada.
Hoje, vestido rasgado,
Filho sem pai, nascido do
amor,
Terá o mesmo destino negro?
Cheio de ódio e pavor?
Não... Não... Rosinha vai
voltar,
Agradece a Deus lhe Ter
atendido.
Fica ai Rosinha,
Junto com o teu verdadeiro
amor,
Se ainda sonhas com doces
aventuras,
Sonha com teu travesseiro,
Agradece ao Senhor que te
amparou,
Pensa nas outras que não
mais voltarão,
Vede como sois felizes,
pois Ele te Amou,
E elas, as outras Rosinhas?
Certamente Ele também as
perdoou,
Na parede um quadro,
Que enfeitando a felicidade
dizia Assim:
“Se a Rosa morasse no
vale”,
Ele estaria cheio de amor,
E este mundo seria um
paraíso,
Repleto desta flor.
Jentel
aprendera tudo sobre a Codeara, sabia muito bem seu compromisso de compra e
venda com Michel Nasser dizia na Sexta clausula: “Fica reservada uma área de
cinco mil e quinhentos e noventa e dois hectares de terra para assentamento dos
posseiros de Santa Terezinha” e dizia mais que se caso a área fosse
insuficiente o vendedor indenizaria a compradora no excedente.
O
Bispo Don Thomas Balduino, então prelado de Conceição do Araguaia, havia
recorrido ao Presidente da República que por sua vez passara a atribuição ao
Ministério da Agricultura e este encarregara o IBRA (Instituto Brasileiro de
Reforma Agrária) para resolver o assunto.
Começou ai uma luta que durou
mais de seis anos, Padre Jentel X Codeara. Um exigia que a área fosse demarcada
em determinado local, o outro não aceitava o Padre só queria o que fosse bom
para os posseiros e a Codeara só queria o que fosse bom para ela. Estava
difícil de decidir.
Durante este período de
transição Jentel viajava muito e sempre pelo seu retorno trazia grandes
novidades. Recebia muito auxilio de fora e com isto os posseiros e os índios se
beneficiavam. Chegou até a ganhar um avião monomotor que ficou com a Prelazia
de Conceição.
Uma nova era viria a modificar
muita coisa naquela região, Luciara ganha um novo prefeito José Liton Luz filho
do Cel. Lúcio Pereira Luz.
Uma das metas do prefeito era resolver
o problema dos posseiros do então distrito de Santa Terezinha, uma reunião foi
convocada e o padre Jentel participou ativamente trazendo mapas e cartas
aerofotogramétricas, documentos e fotos foram expostas abertamente e o problema
discutido chegando-se finalmente a uma conclusão “convocar a Codeara. Para uma
reunião de cúpula”.
Como Secretário Geral da
Prefeitura, e assessor direto do Prefeito, fui incumbido de representar a
municipalidade e o Padre Jentel os posseiros e no dia marcado lá se fomos nós,
eu o Chico.
*
Eu, o Padre Chico e a cidade de Rio de
Janeiro.
Padre Chico já velho viageiro para o Rio de
Janeiro tinha seu hotel preferido, o Hotel Gloria e lá nos hospedamos.
Na parte da tarde saímos para darmos umas
voltas pelo aterro da Gloria, a beira mar, Cinelândia e praias, afinal a
reunião fora marcada para nos encontramos na sede do IBRA no dia seguinte pela
manhã, fizemos uma boa caminhada e conversamos muito olhando as beldades da
cidade maravilhosa, era época que as mini-saias estavam no auge da moda e de
vez enquanto passava uma garota e eu aproveitava para mexer com o padre.
--Olha
padre que belezura.
--Bobagem na Europa esta
pior do que aqui e na França nem se fala bom mesmo é nosso interior onde
moramos porque ainda ha respeito ao pudor e comportamento.
--Será?
--Bem, melhor do que
aqui, é.
--E você só usa esta cruz
na lapela, ninguém vai saber que você é padre.
--O que faz as pessoas
não é a roupa, quero dizer não é o traje que faz o monge.
Eu
costumava chamá-lo de “Padre Francisco, ou Jentel”, nunca gostei de chamá-lo de
Padre Chico, fomos até o Cristo Redentor e na volta passamos por um prédio
chamado “Caritas”.
Nota de esclarecimento...
“A Caritas Brasileira faz parte
da Rede Caritas internacionais, rede da Igreja Católica de atuação social
composta por 162 organizações presentes
em 200 países e territórios, com sede em Roma, Organismo da CNBB –Conferencia
Nacional dos Bispos do Brasil, foi criada em 12 de novembro de 1956 e é
reconhecida como de utilidade publica Federal”.
*
--É aqui que conseguimos o dinheiro
que precisamos e também muitas outras coisas. Temos muitos amigos na Europa que
nos ajudam e a “Caritas” distribui, espere aqui fora um pouquinho - e dito isto
entrou no prédio.
Então era ali a mina de ouro
do padre, aguardei um bocado de tempo, e quando voltou não aguentando mais a
curiosidade eu perguntei:
--Como é que vem este
dinheiro e as outras coisas?
--De avião, de navio,
outros os trazem pessoalmente.
--Você viaja muito para o
exterior?
--Já fui à Alemanha, França
e até na Argélia.
Não entendi porque ele disse até na
“Argélia”, também não perguntei, voltamos para o Hotel e após um banho fomos
jantar, vi que Jentel estava apreensivo.
--O que há Francisco?
--Oh,
nada, não se aborreça, mas não acredito que consigamos alguma coisa, já vim
aqui tantas vezes e nunca deu nada certo - respondeu tristemente o francês.
--Não vamos desanimar
agora, esperemos para ver o que acontece – e como queria mudar de assunto –
continuei – ----Escuta padre você não usa batina?
--Uso, mas não estamos na
missa agora, estamos num restaurante.
--Gostei da bronca, assim
esta melhor, mas hoje você vai pagar a conta.
--Não tenho um centavo –
respondeu – não trouxe dinheiro, deixe no hotel.
--Mas eu também não
trouxe.
--Pendure.
Tive que pagar e voltamos ao hotel, mas o
padre saiu em seguida, e pouco depois, atendi um telefonema que era para ele:
--Quero falar com o Padre
Jentel.
--Denise?-
perguntei ao reconhecer a voz da francesinha, louca de bonita que era a
secretaria do padre em “Saint. Terezin”.
--Sim,
Jentel esta ai Dankmar?- perguntou com um jeitinho bem danado.
--Não, foi visitar uns amigos, mas
disse que voltava logo. (tomara que o prendam por ai, aquele padre sortudo,). .
--Informe a ele que cheguei
hoje e preciso lhe falar, ele sabe onde estou.
--Muito bem, mas apareça
por aqui.
--Sim claro eu vou ai –
desligou aquele pedaço de mau caminho.
Deu vontade de entregar o
padre e não contar nada para ele, mas assim que chegou, com muita relutância,
babujei:
--Sabe quem ligou para
você?
--Não,
quem foi?
--Denise.
--Esta brincando.
--É talvez eu esteja, mas
ela não, e esta te esperando.
--É serio?
--Ela disse até que você
sabia aonde encontrá-la.
--Ulala – disse e já
estava saindo.
Chegou no outro dia às sete
horas da manhã quando eu já estava tomando o café.
--Passou bem à noite?
Perguntei.
--Claro, na casa de uns
amigos.
--Denise estava lá?
--Claro que estava –
respondeu sem pestanejar.
Saímos direto para o IBRA.
Fomos recebidos pelo Dr. Mário
um dos assessores do Presidente do órgão, que após nos anunciar retorna
dizendo:
--O
General Sérgio quer falar com o Senhor Dankmar, quanto ao Padre é favor esperar
aqui e aguardar.
Meneei a cabeça, olhei para
o padre e entrei.
--Bom dia queira se
sentar – formalizou aquele homem atrás da mesa e continuou – o Senhor deve ser
o representante da Prefeitura Municipal Senhor Dankmar.
--Sim, respondi secamente
– eu represento a Prefeitura e o padre representa os posseiros.
--Muito bem, acredito que sua
viagem se prenda ao que o Doutor Murat me comunicou pelo telefone, mas
infelizmente ele não pode vir, mas o Doutor Seixas que é o Diretor Técnico da
Codeara veio em seu lugar.
--Muito bem, mas a que
hora será a reunião?
--A reunião será ás
quatorze horas de hoje, aqui mesmo no IBRA, mas o Padre Jentel é considerado
“persona não grata” e não poderá participar.
--Mas o Padre representa
os posseiros e não vejo como se chegar a um final sem a participação dele –
protestei.
--Ele
que passe uma procuração para o Senhor e estará tudo certo.
--Vamos
ver se ele concorda – terminei levantei, me despedi prometendo voltar no
horário marcado e falei com Jentel:
--Jentel,
eles querem que você substabeleça a procuração para eu representar também os
posseiros.
--Não
vai ser por isso que não vai haver reunião, vamos a um Cartório agora.
Foi feito o que o General pedira, mas que o
padre gostou isto ele não gostou. No horário combinado lá se fomos os dois eu e
o Chico rumo ao IBRA, pouco depois fui chamado em uma ampla sala com uma mesa
muito grande no centro e lá estava o Doutor Seixas mais dois advogados, dois
engenheiros do IBRA e outro que não fiquei conhecendo, mas lá de casa eu estava
sozinho no meio daquelas feras, mas o padre Chico estava na sala ao lado,
certamente com o olho na fechadura e o ouvido na porta, lembrei-me dos
posseiros e resolvi enfrentá-los, um velho pensamento de Jentel me veio a
mente: “Nunca vire as costas aos pobres, pois estará virando as costas para
Deus”.
--Boa
tarde para todos – cumprimentei.
--Boas
tarde – responderam alguns.
Após
as apresentações o General Sérgio, Presidente do IBRA tomou a palavra.
--Solicito
às partes que sejam coerentes e este assunto tome uma solução definitiva -
olhou para todos e prosseguiu - Já que o padre não participa, creio haver uma
viabilidade de entendimentos – concluiu quase cansado.
--Sempre foi intenção de
a Codeara fazer esta doação, mas não víamos uma solução viável para o problema,
mas agora, com interveniência da Prefeitura, o elo que faltava, estamos
dispostos a cumprir a nossa obrigação a Codeara fará a doação e a Prefeitura se
encarregara do assentamento dos posseiros – discursou o Diretor Técnico a
seguir abriu um enorme mapa em cima da mesa, era a planta do projeto
agropecuário da Codeara, e mostrando um canto em cima na planta me diz - aqui
esta o local que escolhemos para a área a ser doada, é uma ótima posição, mata
de primeira, muita água e estrada fácil – concluiu.
Se ele conhecia pessoalmente a área eu não
sei, mas que eu conhecia isto eu sabia, por ai entendi o porquê da resistência
do padre, o pessoal da Codeara não era mole.
--É
muito bom mesmo Doutor Seixas, ótimo, mas, a que eu estou informado o IBRA fez
um belo trabalho escolhendo uma área, e eu gostaria de saber qual é esta área,
talvez tenha mais condições do que esta aqui tão longe e sem via de acesso, e,
eu jamais me oporia à capacidade de trabalho do IBRA - poderiam me mostrar à
área?
--Claro
eu mesmo fiz o trabalho todo – respondeu um dos engenheiros ali presente abriu
uma planta enorme e mostrou o seu trabalho a área estava situada, bem aonde nos
interessava.
--Muito
bem, é uma ótima área, não vejo porque não concordar com um trabalho como este
afinal o IBRA é o órgão indicado para fazer o levantamento, não há o que
contestar a não ser que a Codeara não considere o IBRA capacitado para este
trabalho – perguntei ao Doutor Seixas. (joguei-o na fogueira).
--Absolutamente,
achamos o IBRA totalmente capacitado para este trabalho.
--Então,
já que estamos todos de acordo será aqui sugiro que se lavre uma minuta do
acordo – terminei.
--Mas,
temos um problema nesta área é a aguada – interferiu o Diretor.
--Problema
nenhum, vamos usar a aguada em conjunto e os senhores nos reporão a terra na
margem acima, o que diz? Mas terão que fazer a demarcação e a mudança dos
posseiros e ainda indenizá-los nas benfeitorias que deixarem na outra área.
--Bem,
por nós não há problemas – concordou a Codeara.
--Então
vamos fazer a minuta do que ficou assentado e depois assinamos.
Feita a minuta do acordo, lida e
achada aprovada todos concordarem? – perguntou o IBRA:
Todos
concordaram. Disse adeus a todos e sai, estava doido para respirar um pouco e
me ver livre.
--Como
foi?– perguntou Jentel.
--Tudo
bem, a Codeara concordou em doar a área que o IBRA demarcou e terá que
indenizar os posseiros nas benfeitorias remanescentes e abrir estradas e fazer
as mudanças dos posseiros.
--Neste
pau tem abelha – ironizou Jentel acho que é bom demais para ser verdade.
No
outro dia cedo passamos pelo IBRA para pegar a cópia da minuta, o General
Sérgio havia viajado, mas o Doutor Mário nos atendeu:
--Eu
não sei como aconteceu, se o Doutor Seixas ou o General levaram a minuta, só
sei dizer que desapareceu lá de cima da mesa, mas o que foi dito será mantido e
a doação será feita no dia cinco de março conforme o combinado.
O
padre me olhou e sorriu e eu entendi o que ele queria dizer.
Voltamos para Mato
Grosso.
No dia anterior ao marcado
para a doação nos chegamos a São Paulo, eu, João Neton irmão do Prefeito e o
próprio.
Ao convite do Zezinho dono da
empresa de ônibus Reunida nos hospedou em belíssimos apartamentos em sua
garagem.
Às
duas horas da tarde fomos para o escritório da Codeara que ficava no Edifício
Francisco Conde no BCN da Rua Boa Vista, subimos pelo elevador e logo nos anunciamos
ao Dr. Luiz Gonzaga Murat então Diretor Presidente da Codeara e genro do
Armando Conde, ao nos receber apresentei meus companheiros:
--Este
é o nosso Prefeito José Liton Luz e seu irmão João Neton Luz.
--Muito
prazer – cumprimentou a todos.
--O
Senhor vai amanhã para a reunião no Rio de Janeiro para doação da
área?
--Mas que reunião é esta?
Que doação é esta? – perguntou quase colérico.
--Dr.
Murat o senhor sabe muito bem que tivemos uma reunião no Rio com o IBRA e o
Doutor Seixas e ficou assentado que no dia cinco, amanhã, a Codeara faria a
doação da área dos posseiros assinaram.
--Amanhã
o Senhor Dankmar pode passar por aqui e pegar uma cópia e vamos marcar outra
reunião para a escrituração da doação em São Paulo, creio que dia cinco de
março estaria ótimo se todo para a Prefeitura – falei me contendo para não
explodir.
--Em primeiro lugar o
Doutor Seixas não é a Codeara, nós temos centenas de acionistas que teremos que
consultá-los, portanto não vai haver reunião nenhuma e muito menos qualquer
doação – vociferou o branquelo Diretor.
--Não
gostei do seu tom de voz Doutor Murat – respondi – nesta história toda dizem
que o padre está embrulhando, mas o embrulhão aqui é o senhor, e de outra vez
quando mandar alguém representando a Codeara para uma reunião mande um homem
que tenha responsabilidade e não um elemento qualquer, eu não tenho mais nada
para conversar contigo – sai esquecendo meus amigos lá dentro e bati a porta
com bastante força.
Retornei para o
apartamento e esperei pelo Liton, já eram quase cinco horas da tarde quando
chegou rindo:
--Sabe quem estava lá
atrás da porta no escritório?
--Não.
--O Salomão, o bate-pau
lá da fazenda e o Doutor Murat disse que você é muito atrevido em chamá-lo de
embrulhão e ainda mais dentro do escritório dele
-- É, mas não
tem nada não amanhã vamos continuar a briga, eu e Jentel voltaremos para o Rio
de Janeiro e veremos o que o General vai falar.
No outro dia quando chegamos
ao Rio fomos direto ao Hotel Gloria sabem quem estava lá? O padre Chico.
--Cheguei
– disse ele.
--É, estamos vendo –
respondi. Mas fiquei alegre.
Fomos para o IBRA e o
General Sérgio nos recebeu a, inclusive Jentel.
--Lamento profundamente o
desaparecimento da minuta, mas tudo que ficou combinado aqui na minha presença
será cumprido, entrarei em contato com a Codeara e ela terá que manter o
estabelecido, logo nos comunicaremos com todos os senhores a data da última
reunião que faremos – terminou muito sério o Presidente do IBRA que estava
visivelmente aborrecido.
Retornamos ao Hotel e depois
bem mais tarde saímos para jantar, achamos um restaurante que era em uma adega,
ficava no subsolo. Conversamos e rimos muito naquele dia, restava voltar para
Mato Grosso e aguardar.
Foi uma longa espera, e a
resposta nunca veio e assim, decidimos voltar ao Rio de Janeiro, não poderíamos
deixar a coisa esfriar e lá se fomos nós de novo, eu e o Chico.
O General novamente nos
recebeu bem, mas olhava o padre sempre com reserva. Aconselhou-nos a ter
paciência e que aguardássemos os resultados das providências que ele estava
tomando.
Saímos a perambular pelas
dependências do IBRA e lá ficamos conhecendo o Doutor Bertoni, Chefe do Cadastro
do IBRA, e também Conselheiro da SUDAM, explicamos a ele o pé em que se
encontrava a situação e ele, muito surpreso, comentou:
--Como
é que a Codeara no último relatório que apresentou a SUDAM ela pediu a
liberação das verbas atestando já terem feito a doação inclusive declararam que
já abriram as estradas de acessos à área e outros benefícios.
--Mentira, muita mentira
– delirou Jentel raivoso.
--Não é verdade Doutor
Bertoni, nada disto aconteceu até agora – garanti.
--Mas
então façam uma carta ao General Bandeira de Melo que é o Presidente da SUDAM,
(Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) e expliquem a atual situação
sugerindo a retenção das verbas como medida acauteladora até que se concretize
a doação e eu garanto a vocês que farei a leitura na próxima reunião que é no
fim desta semana - nos confidenciou aquele cidadão.
--Só
me falta uma maquina de escrever, pois papel timbrado da prefeitura eu tenho.
--E nos sabemos escrever
– ajudou o padre.
E assim fizemos, escrevi a
carta, assinei e a entreguei ao Conselheiro Bertoni, do jeitinho que ele nos
ensinou.
--Agora eu sei que a
coisa vai ferver – vaticinou o clérigo.
Não
havia outro meio a não ser pressionar a Codeara, e havíamos arranjado um grande
aliado.
Começamos a mexer os
pauzinhos.
Retornamos ao Hotel.
--Vamos sair um pouco?–
perguntou o padre.
*
A Bela Mansão...
“Sem Fim”
Este era seu nome,
Pegamos um táxi e lá se
fomos nós rumo a Petrópolis, embora fosse noite, podia-se notar o esplendor
daquela mansão que havíamos chegado grandes jardins cercados de grades de
ferro, fonte luminosa e iluminações artísticas realçavam num jogo místico a
beleza do conjunto, e no portão de entrada sob um arco florido de plantas o
nome em bronze polido “Sem Fim”. E um pouco ao lado umas casinhas a guisa de
guarita abrigavam dois religiosos, possivelmente padres, que fiscalizavam as
entradas e ao verem Jentel o saudaram exaustivamente.
Entramos em um enorme
corredor que nos levou ao que parecia ser um salão de refeição, dezenas de
enormes mesas e muitas cadeiras, junto a uma enorme cozinha com muitas pias e
bancadas de mármore, fogões embutidos, armários e varias geladeiras e freezer,
dali saímos em uma sala que parecia uma grande biblioteca, escutava-se a
confusão de muitas vozes conversando a mesmo tempo, fomos nos aproximando,
passando por muita gente nos corredores e portas, e finalmente entramos em um
salão onde estavam reunidas pelo menos umas duzentas pessoas, ao lado uma porta
ondulada em forma côncava dava entrada a um grande auditório onde estavam na
maioria reunidos os presentes. O salão estava repleto, a frente um palco e um
quadro negro, aonde faziam inúmeras anotações, vários conferencistas sentados
aguardavam sua vez de se pronunciarem, ao que parecia a coisa ia longe. Dr.
Bertoni era um deles que explicava a forma de distribuição das verbas
arrecadadas pelo IBRA e repassadas pelo governo federal a CONTAG e outras
entidades. O padre Francisco me apresentou para varias pessoas, era gente que
entrava e gente que saia, que resolvi sentar perto de um grupo enquanto Chico
se entrosava com os outros, eram todos religiosos de todas as categorias e
espécies e de todo os lugares do planeta, ali estavam alemães, italianos,
espanhóis, holandeses, e muitos outros a discutirem não sei o que, foi quando
um deles em um péssimo português me perguntou:
--Você esta aonde?
--Eu
vim com Padre Jentel e estamos no Araguaia.
--Mas que ótimo, quero
conhecer Jentel.
--Já ele aparece por aqui
e você de onde veio?
--Da Itália.
--Tem visto permanente –
perguntei meio desconfiado.
--Não
padre, nós padres não precisamos, eu vim fazer um curso de doenças tropicais e
espero ficar por aqui para sempre, ninguém pede documento para padre não é
verdade?
--Sim até hoje, não ouvi
ninguém nem perguntar de onde o padre vem.
--Pois então não há
perigo.
--Claro que não – Seria
melhor me comportar como um deles antes que desconfiassem.
--Dankmar – me chamou o
padre Jentel chegando junto com outros homens -- este aqui é o nosso
encarregado na “Caritas” ele foi muito perseguido pela revolução, esteve preso
e foi muito torturado, mas agora esta bem.
--Espero
que continue tudo bem contigo – respondi apertando a mão do homem.
Outros me foram apresentadas
eram as natas que a revolução andara atrás, a maioria era lideres sindical do
nordeste. Fiquei preocupado afinal o que fazia aquele povo ali todo reunido?
Jentel me deixou em outra saleta pequena e perto de uma geladeira cheia de
cerveja, era o que me estava faltando e logo fiz companhia para outros dois ali
sentados quando chegou um terceiro procurando:
--Sabe-me dizer onde
estão fazendo vales?
--Não, não sei. - mas a
idéia não era de todo má.
--Amigo de Jentel? – procurou um deles.
--Sim, estamos juntos.
(afinal meu padre era famoso mesmo) e vocês são daqui do Rio?
--Não
eu sou Búlgaro e este é italiano, mas já estamos no Brasil a mais de dez anos.
--E daqui vão para aonde?
--Não sabemos ainda, mas
tanto faz.
--Com licença vou
procurar Jentel. – me desculpei e sai achei Jentel conversando com Bertoni que
nos procurava para dar uma carona de volta ao Rio.
--Dr. Bertoni vai nos
levar até o Hotel, vamos?
--Porque
não – Respondi afinal eu estava doido para sair dali.
Logo seguíamos de volta ao
Rio de Janeiro, íamos a um carro grande, nunca mais esquecerei aquela
experiência.
Voltamos para Mato Grosso,
eu e o Chico.
Os
resultados não se fizeram esperar...
E numa tarde
chuvosa um avião monomotor sobrevoou Luciara, no intimo eu sabia que era a
Codeara.
Meia hora mais tarde entrou
na Prefeitura o Dr. Olímpio Jaime, advogado de Goiânia e muito amigo de Liton e
meu conhecido, não se fez de rogado foi entrando direto gabinete adentro, onde
eu conversava com o prefeito.
--Boa Tarde meus amigos
como vão passando?
--Muito
bem doutor, que bons ventos o empurram para Luciara?
--Bons ventos nada Liton,
o pessoal da Codeara estão fulo de raiva com vocês porque fizeram aquela carta
para a SUDAM.
--Mas porque doutor?
--Vocês
embananaram a vida deles agora estão com todas as verbas suspensas e me
mandaram aqui para acertar a doação e levar um ofício seu dizendo que aquela
carta foi um equivoco ou um mal entendido.
--Você
tem que acertar com o Dankmar, ele quem fez a carta, só ele resolve, quem
começou isto tudo foi ele e só a ele cabe á resposta.
--Marque
o dia da doação o mais rápido possível e eu levo a carta em mão assim que
receber a escritura eu a assino e entrego para eles - respondi.
Dr. Olímpio Jaime olhou para
o Liton como a perguntar e agora? Como fica? Liton simplesmente abriu os braços
como a dizer eu não sei fica do jeito que está.
--Tudo bem – interveio o
advogado – de hoje a quinze dias a reunião será em São Paulo na sede da Codeara
e o Doutor Murat exige que o prefeito vá pessoalmente.
--Nada feito, eu não vou
ele vai – terminou Liton apontando para mim.
A conversa se prolongou até
bem tarde da noite e ficou tudo acertado, dia e hora para doação e a entrega da
carta. No outro dia cedo o advogado voou rumo a Capital de Goiás.
Finalmente a
doação.
No dia anterior ao marcado eu já
estava em São Paulo, e como não tinha boas recordações do escritório da
Codeara, ligue para o IBRA e pedi a interveniência do Dr. Roberto Canot de
Arruda, então supervisor do IBRA para que arrastasse a reunião para sua esfera,
lá no IBRA eu estaria seguro e assim foi feito e ficou marcada para as 14.00 do
dia seguinte.
Cheguei ao IBRA exatamente
na hora aprazada, quando Dr. Roberto me procurou:
--E o prefeito não veio?
--Não, eu mesmo é que vou
resolver isto.
--O Doutor Murat hoje vai
perder a criança.
--Farei tudo para
ajudá-lo – respondi – vamos lá.
--Chegaram todos, já
estão esperando.
A porta se abriu e eu entrei
de pasta na mão, cumprimentando todos os presentes.
--Boas tardes senhores. –
achei uma cadeira vazia bem longe do Murat e me sentei.
--Mas, e o prefeito? Porque não veio?
--Infelizmente
são muitos os afazeres e ele me delegou, desde o inicio poderes para
representá-lo como o Sr, já sabe Doutor Murat. Mas se o senhor insistir em
brigar posso me retirar dando meia volta para Mato Grosso – terminei secamente.
--Nada disto, já que
estamos todos reunidos vamos terminar esta história, o General esta ansioso
esperando o resultado no Rio de Janeiro e eu tenho que ligar para ele.
--Por
mim esta tudo bem, eu peço apenas que leiam a minuta e em seguida a escritura.
--Se
me permitem vou ler o conteúdo da minuta e do livro de registro, não é muita
coisa – falou um simpático senhor de boa idade, sentado em frente a um monte de
livros. E fez a leitura por duas vezes.
Era exatamente o combinado no IBRA - Rio agora eu sabia quem estava com a
minuta e terminou dizendo – é isto senhores e esta pronta para ser assinado,
primeiro a Codeara assinaria, depois a Prefeitura e a seguir o representante
dos posseiros e demais da diretoria do IBRA e CODEARA. – terminou e ficou
olhando como a pensar “quem vai ser o primeiro?”.
O Doutor Murat mostrou
intenção de relutância foi quando Doutor Seixas interveio:
--Se você quiser, eu
assino primeiro.
--Ora
bola – resmungou o Diretor Presidente e pegando sua caneta assinou e empurrou o
livro para o tabelião que passou para mim que assinei duas vezes, por mim e por
Jentel e a seguir todos assinaram - está terminado, agora queremos o oficio
insistiu Murat.
--Mas, eu quero a
escritura, só vou lhe dar o oficio depois que me entregarem a escritura -
respondi.
--Nós vamos mandar a
escritura pelo correio – insistiu o nervoso Doutor.
--Não é preciso, Senhor
Dankmar o senhor vem comigo até o Cartório eu lhe entrego a escritura ainda
hoje, posso lhe garantir – amenizava o cartorário.
--Eu confio no senhor –
dizendo isto tirei o envelope da pasta, abri e assinei embaixo da assinatura do
prefeito e entreguei ao avexado Dr. Luiz Gonzaga Murat.
--Tudo bem – dizendo
isto, levantou-se e saiu sem se despedir de ninguém.
Agradeci a todos, especialmente
o Dr. Roberto, um grande homem e fui com o simpático senhor rumo ao cartório
Medeiros e pouco depois de duas horas e meia recebia a escritura pronta. Agora
era só voltar para Mato Grosso, mas desta vez eu ia só, mas com a missão
cumprida.
Passei por Barra do Garças e
registrei a escritura no Cartório de Imóveis e fui para Luciara
Finalmente estava tudo
sacramentado, mas, comecei a pensar em Jentel “já que esta briga acabou logo
ele vai arranjar outra e arrumou mesmo”.
Missão cumprida o resto agora era com o prefeito.
Ao chegar a Luciara a
noticia correu “a doação fora feita”, no mesmo dia o Padre chegou e só
acreditou depois de ver a escritura e o registro o padre deu um suspiro
profundo que eu nunca pude entender, seria alivio ou uma decepção por uma briga
que acabava.
Mas ele como que
adivinhando meus pensamentos disse:
--Se você pensa que a
briga acabou está muito enganado ainda faltam doar a área da cidade de “Saint
Terezin”.
--Calma padre da uma
folga.
--É,
mas não vai ser fácil você vai ver... - e virando as costas lá se foi o padre
rumo ou Saint Denise “sei lá”.
§
“A
guerrinha de Santa Terezinha”... 1972 a 1974 A cabeça do padre já ia
maquinando novas encrencas e isto fez com movimentasse a sua massa, Santa
Terezinha parecia um formigueiro humano.
Os associados se reuniam constantemente em assembleias e deliberavam
muitas melhorias. A força da união os mantinha coesos. Estavam bem
“conscientizados”. Comentava-se naquela
ocasião que muitos jovens haviam chegado ao baixo Araguaia, ali por Xambioá,
diziam que eram agentes pastorais e que se falava em guerrilhas e também se
comentava a intervenção do exercito.
O processo de urbanização da cidade de Santa
Terezinha tramitava na sua fase final e a Codeara já havia elaborado um plano
da futura cidade, nos traçados velhos, pouca coisa seria respeitada. O Padre
Jentel, também elaborara um projeto urbanístico da nova cidade respeitando os
velhos traçados para não prejudicar os moradores antigos e este tramitava na
Câmara de Vereadores de Luciara.
apoiava que respeitava o velho traçado ou o que a Codeara apoiava e que
não respeitava quase nada.
Nestas alturas dos acontecimentos o padre Francisco resolve construir um
ambulatório para os pobres, e escolhe um local que pertencia ao velho traçado
da cidade, isto é, ficava em uma esquina na divisa dos dois traçados. Para a
Codeara a construção ficava no meio de uma rua nova, para o Padre Chico não
ficava e para a Prefeitura tanto fazia, estava armada a confusão.
Teimoso, sem escutar as
advertências da Codeara que já
Só que
ai não se sabia mais qual prevaleceria, o que o Padre queria mandar na cidade,
pois julgavam que as terras eram suas, enquanto que o Chico achava que aquilo
pertencia ao povo, e não deu ouvido e mandou começar a construção.
Novas advertências foram
feitas e não ouvidas, o que o padre queria era fazer a obra e os alicerces
subiam.
Um dia a Codeara
mandou um monte de homens e um
trator de esteiras, derrubaram
tudo, abriram um buraco no chão e enterraram os escombros, cobriram de terra e
alisaram o chão não ficou nem sinal do ambulatório. Nada restou.
Manoel Quitandeiro, um dono
de venda em Santa Terezinha, havia trazido de Anápolis – GO. Um construtor para
fazer os serviços, era crente, e com ele vieram vários parentes. Roberto era
seu nome.
--Seu
Manoel – dizia o crente – a coisa parece que vai ferver e eu sou crente e não
posso me meter em confusão, acho que vou largar tudo e dar no pé.
--Que
nada seu Roberto, isto ai num dá nada, vá ganhar o dinheiro do padre, homem...
--Mas pelo o que eu estou
vendo vai sair chumbo voando por ai e este bichinho não tem endereço certo...
O
Padre estava revoltado, neste mesmo dia convocou uma reunião geral. Era em 11
de fevereiro o dia da Grande Reunião.
O velho casarão fervilhava
de posseiros, estavam em “Assembléia” era cerca de quatorze horas quando
começaram:
--Estávamos construindo
um ambulatório para vocês, e este dinheiro gasto era de vocês mesmo, resultados
da Cooperativa, mas a toda poderosa Codeara não deixou e destruiu tudo, vocês
sabem muito bem, agora eu pergunto: Fazer o que? Construir de novo?
--Sim vamos construir de
novo – era a voz geral.
--Mas agora há o risco de
uma agressão maior e vamos ser necessários nós reagirmos, vocês estão de
acordo?
--Sim estamos todos de
acordo vamos prosseguir e resistir.
--Então
amanhã cedo, todos com as ferramentas que tiverem pás, enxadas, picaretas e
vamos trabalhar para nos preparar para recebê-los.
E assim o fez, no outro dia quase cem
homens trabalhavam sob a orientação de Jentel, uns abriam as valetas que
serviriam de trincheiras, outros enchiam sacos de areia e os empilhavam fazendo
um muro, alguns preferiram abrir buracos nas paredes das casas vizinhas cujos
proprietários se evadiram, a noticia correu ligeira e a Codeara tomou
conhecimento do que o padre estava fazendo e solicitou em Barra do Garças a
vinda de policiais militares. Enquanto isto os candidatos a guerrilheiros
também levantavam as paredes do ambulatório, os crentes ficavam com um olho na
colher e outra na entrada da rua. As mulheres preparavam a comida e levavam
para os homens nas trincheiras e assim ficaram por vários dias e nada da
policia aparecer. Até que numa quinta feira o vigia lá do campo deu o aviso “A
Policia chegou”, mas nestas alturas muitos dos posseiros tinham saído, mas
chegavam os índios Tapirapé para ajudar. O Povo de Santa Terezinha torcia pelo
Padre.
--Vamos
aguardar até chegarem bem perto e deixem-nos começarem.
Não
demorou muito a apareceram duas caminhonetes cheias de soldados e trabalhadores
da Codeara e vinha também um trator de pneus com uma lamina na frente, quando
chegaram junto da construção pararam a comitiva e o capataz Silveira pulando de
cima do trator no chão, gritou.
--Estão escondidos ali
atrás vamos pegá-los.
Foi a conta para começar o
tiroteio, armas de todos os calibres e marcas de fabricação caseira começaram a
cuspir chumbo, o primeiro atingido foi o Silveira bem no dedo da mão, o segundo
foi o tratorista, ambos desapareceram
num instante. Na caminhonete da frente vinha o Capitão Moacir comandante
da Policia Militar que diante da surpresa de tanta bala teve que abandonar a
viatura escorando no soldado Amaro e nos dois crentes, mas deixou dentro do
carro sua bolsa e sua arma Bereta.
Foi uma debandada doida a
Policia não pode reagir porque não via ninguém em que atirar e tentaram ir
buscar a caminhonete do Comandante que ainda funcionava, mas quando um pretenso
herói se aproximava uma chuva de bala o fazia voltar. O carro apagou porque
acabou a gasolina e com a vinda da noite á coisa se complicou. Resolveu esperar
o dia amanhecer. E no outro dia quando a policia voltou não encontrou mais
ninguém e nem o Padre Jentel que tinha fugido para Goiânia.
O Padre Jentel foi preso e
posteriormente expulso do Brasil, e quando da busca que o exercito deu na
Prelazia de São Félix do Araguaia, por estar o Bispo envolvido com os guerrilheiros
de Xambioá, acharam a arma do Capitão Moacyr pendurada na parede com etiqueta.
“Lembranças da guerra de Santa Terezinha”
O Padre François Jaques
Jentel, nasceu a 29 de agosto de 1932 na cidade de Meriel, na França e já
estava com 32 anos quando chegou como padre na aldeia Tapirapé no encontro das
águas do rio Tapirapé com Araguaia.
Soube depois que o Padre
François Jaques Jentel, ou Padre Chico ou ainda Padre Francisco, foi preso
acusado de subversão, e conduzido para o Quartel Militar em Campo Grande,
levado a julgamento no dia 21 de maio de 1974 e condenado a dez anos de prisão,
mas foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar. Já em liberdade voltou à
França para junto de sua família. Ao retornar para Brasil em 12 de dezembro de
1975 quando saia da casa de D. Aloísio
Lorscheider em Fortaleza, acompanhado de um padre, quatro civis se
precipitaram sobre ele e o colocaram a
força num carro que tomou direção desconhecida foi preso
deportado para a França num decreto assinado pelo Presidente Geisel e o
Ministro Amando Falcão isto em Janeiro de 1976. Morreu na sua terra natal de
hemorragia interna no dia 01 de janeiro de 1979, três anos depois de sua
expulsão no seu exílio onde sempre sonhava voltar Brasil. Nos meios
governamentais, espalhou-se o boato de que teria havido um acordo tácito entre
as autoridades religiosas e o governo, segundo o qual o padre Jentel teria sido libertado da prisão de
Campo Grande em troca de seu compromisso
de deixar definitivamente o Brasil; sua volta significava o desrespeito
a esse acordo.
Boas lembranças e muitas
saudades de um matreiro rebelde e simples padre e grande amigo que viveu para
os pobres e índios entre e eles como um deles, era a sua vida, ali guardava a
sua alma e seu coração... Mas seus feitos ficaram guardados nos corações
daquele povo humilde
Um dia na sua humildade ele
me disse:
”Cristo veio ao mundo porem
muito pobre, pequenino e aparentemente fraco, mas tinha em seus olhos a Luz do
Céu”.
”Virar as costas aos pobres é o mesmo que
virar as costas para Deus”.
Chico... a bruxa continuava solta.
Não bastasse a refrega do Padre e
assim...
Capitulo 10.
“A Raposa do Araguaia”...em...
“Tempos difíceis”..
Mas... Que
basicamente, em muito contribuíram para o despontar do emergente Município de
Porto Alegre do Norte MT.
O Grupo Yanmar do Brasil e
a Fazenda Piraguassú.
A nova administração japonesa, representada
pelo grupo Yanmar do Brasil, tinha outros pensamentos de como conduzir as
terras adquiridas do grupo Medeiros – Meireles - Frenova. Estes reivindicavam
duzentos e cinquenta mil hectares de terras, mas já haviam abocanhado mais de
quatrocentos mil hectares, posteriormente venderam para o Érico Ribeiro,
produtor de arroz do Rio Grande do Sul “cinquenta e um mil e quatro hectares
(51.000.04)” que foi batizada como Vitória do Araguaia e mais “setenta e duas
mil hectares (72.000.00)” para o Grupo Japonês Yanmar do Brasil que passou a se
chamar de Piraguassú S/A.. A Yanmar vendeu, fez doação e distribuiu
aproximadamente vinte e um mil e sessenta hectares. (21.060.00). e ainda doou a
área do município de Porto Alegre do Norte em torno de 5.553,40 Klms² ou seja
aproximadamente 1.147.00 hectares.
A Piraguassú sentiu os problemas dos antigos ex-proprietários
que tinham um passado muito tumultuado e cheios de violência, uma triste
herança legada aos japoneses. Depois de implantada a nova fazenda levou algum
tempo para assimilar os fatos e, estes, cientes da tradição daqueles, resolvem
se comportar de outra maneira e sob a orientação do Dr. Vicente Hayaschida
partem para o compromisso de assentarem os posseiros existentes, para tanto
elegeram uma área de terra entre o rio Tapirapé e o rio Sabino margeando a BR
158, área esta detentora de uma mata exuberante e muito rica em madeiras de lei
e preciosamente contemplada com um solo fértil das quais o INCRA desapropriou
dezenove mil e duzentos e hectares (19.200.00) que ganhou o nome de Projeto de
Assentamento Piracicaba em 1980, onde foi assentada cento cinquenta e uma
família.
Na continuidade o INCRA é convocado para
fazer o levantamento.
A cada posseiro, considerado
como tal pelo órgão, seria doada uma área de terra de acordo com os módulos
regionais. Feito o levantamento os posseiros começaram a serem convocados para
receberem seus tratos de terras, mas uma nova problemática se apresentou, para
legalizarem seus títulos necessitavam de documentos pessoais e estes não os
tinham. Tudo foi providenciado, brotaram as identidades e as escrituras
começaram a ser passadas tudo sob as expensas da Piraguassú.
Ia tudo muito bem até que no
fim do mês de junho estava em Porto Alegre do Norte para cumprir uns mandados
judiciais e senti que muitos posseiros remanescentes das refregas anteriores
ainda estavam escaldados não acreditavam
nas boas intenções dos japoneses, e não queriam receber a titulação, assim
agiam orientados pelo “Cascão” e outros agentes pastorais sob a alegação de que
os títulos eram falsos.
O
Dr. Norman Joestyng, advogado de Barra do Garças contratado para fazer os
acordos, redigir os contratos e a distribuição dos títulos tentava em uma sala
no Hotel a argumentar com Alberto cuja história já vinha da administração
anterior da “A Frenova S. A”.
Para melhor assimilarmos os graves acontecimentos que se seguiram
voltaremos ao inicio da primeira administração:
O Grupo Medeiros, proprietários do Cartório Medeiros lá de São Paulo, se
instalaram às margens do rio Tapirapé na então vila de Porto Alegre do Norte
MT. Era a Frenova S. A –
O administrador do Grupo, Plínio,
homem dado à violência era talhado para aquele tipo de trabalho sujo, ardiloso
e matreiro, começou pressionando os velhos posseiros a venderem suas posses.
Naquele sertão longínquo e sem fronteiras a voz do mais esperto
prevalecia e assim os moradores antigos começaram a sucumbir, primeiro foi o
José Domiciano, depois o Alberto do Ciriaco (Alberto Gomes de Abreu) que vendeu
sua posse e se mudou para a fazenda Porto Velho e assim outros foram caindo.
Mas a coisa se complicou quando um dia deram um tiro que quase arranca a
orelha do administrador Plínio. Os patrões resolveram substituí-lo e mudaram a
sede para mais longe da vila, para o outro lado do rio Tapirapé, onde hoje é
Confresa para evitar maiores problemas que poderiam acontecer...
O
Jornal Vale do Araguaia de São Felix do
Araguaia em sua Edição nº 8 do dia 20 de janeiro de 1981 em sua pagina 5, o
então Prefeito de Luciara, Sebastião Gomes de Souza declarou o seguinte: E aconteceu, inclusive abusos de direito como o provocado pelo posseiro
Alberto Gomes de Abreu, mais conhecido
como Alberto do Ciriaco, que posseiro de uma área, quando ainda a fazenda era propriedade dos Medeiros, negociou a sua
posse com os mesmos indo morar na
Fazenda Porto Velho, onde residiu por vários anos.
Com o passar dos tempos e a venda da Frenova que se
transformou em Piraguassú, Alberto vendo na mudança dos donos uma nova
oportunidade para voltar a velha posse, assim o fez.
E, novamente houve negociações, eis que os donos, ao
invés de usar de seus direitos, resolveram entrar em nova composição com
Alberto do Ciriaco, com este recebendo uma doação de 110 hectares a escolher o
lugar e que ficou após acertos, que seria na região do Varjão Redondo, bem
junto ao povoado.
Foi concedido ainda um prazo de um ano para Alberto se
mudar e recebeu, ainda, 5 mil cruzeiros em dinheiro com contrato assinado. Após
tudo acertado o mesmo retornou a sua posse antiga e começou a ampliar os
serviços. Após decisão Judicial, então Alberto foi expulso da terra e os posseiros
fajutos, liderados por “Cascão” resolveram fazer uma reunião para decidir a
respeito. E decidiram.
Juntaram ele Cascão e mais 14 elementos, embarcaram em
numa C-10 e, fortemente armados, foram para a Fazenda Piraguassú onde,
friamente assassinaram ao fiscal Gildo Mendes, o Capixaba, e em seguida foram
para Porto Alegre do Norte comemorar a “façanha” com foguetes, tiros e grande
bebedeira O delegado de Luciara, Estevão Rodello, que presidia a Policia Civil,
em nosso município, sabedor do fato, efetuou a prisão de Cascão.
Os liderados de Pedro Casaldaliga Plá, bispo da
Prelazia de São Felix do Araguaia, em numero aproximado de 200 pessoas.
Cercaram a delegacia para derrubá-la e matar o delegado e os policiais de
serviço e exigiram a soltura de Cascão que foi feito pelo delegado, com medo de
represálias. Etc.
O texto
acima será narrado, a seguir, de uma forma cristalina e esclarecedora eis que o
autor deste livro estava presente a estes acontecimentos.
“A Fazenda Piraguassú”, ou a administração representada pelo
grupo Yanmar do Brasil, tinha outros pensamentos, separados do grupo
Medeiros-Meireles-Frenova, A Yanmar vendeu, fez doações e distribuiu
aproximadamente vinte e um mil e sessenta hectares. (21.060.00), como já
relatado.
A Piraguassú sentiu os
problemas de ambos antigos proprietários que tinham um passado muito tumultuado
e cheios de violência, uma triste herança legada aos japoneses. Depois de
implantada a nova fazenda levou algum tempo para assimilar os fatos e, estes,
cientes da tradição daqueles, resolvem se comportar de outra maneira e sob a
orientação do Dr. Vicente Hayaschida partem para o compromisso de assentarem os
posseiros existentes, para tanto elegeram uma área de terra entre o rio
Tapirapé e o rio Sabino margeando a BR 158, área esta detentora de uma mata
exuberante e muito rica em madeiras de lei e preciosamente contemplada com um
solo fértil.
O INCRA é convocado para
fazer o levantamento.
A
cada posseiro, considerado como tal pelo órgão, seria doado uma área de terra
de acordo com os módulos regionais. Feito o levantamento os posseiros começaram
a serem convocados para receberem seus tratos de terras, mas uma nova
problemática se apresentou, para legalizarem seus títulos necessitavam de
documentos pessoais e estes não os tinham. Tudo foi providenciado, brotaram as
identidades e as escrituras começaram a ser passadas tudo sob as expensas da
Piraguassú.
O Dr. Norman, advogado de Barra do Garças
contratado para fazer os acordos, redigir os contratos e a distribuição dos
títulos tentava em uma sala na casa onde estávamos hospedados argumentar com
Alberto:
--O Senhor é o Alberto Gomes de Abreu?
--Sim, ele mesmo.
--Eu
sou advogado da Piraguassú e estou aqui para acertar tudo com cada posseiro e o
senhor é um deles, temos que fazer um acordo embora o senhor já tenha sido
indenizado pela administração anterior e assim mesmo voltou a sua posse, nos
vamos lhe doar um trato de terra de cento e dez hectares no “Varjão Redondo”
junto com a Veronilha e ainda vamos lhe gratificar com mais cinco mil cruzeiros
em dinheiro, o que me diz?
--Que
acordo? Vocês são todos enganadores
--Mas,
Sr. Alberto, a Piraguassú está doando as terras de graça para os posseiros,
como vão prejudicá-los se os estão documentado e assim passando-os de posseiros
a pequenos proprietários - explicava calmamente o advogado.
--Espera ai Alberto –
interferi – o moço ai só quer lhe ajudar se você não quer esta tudo bem.
--Dequimá é que a gente já esta escabreado com esse povo, e a
esmola quando é grande dá pro santo desconfiá.
--Alberto foi até a Fazenda
Piraguassú e acertou tudo recebeu a segunda indenização, assim também os outros
pioneiros quase todos receberam suas escrituras e passaram de posseiros a
proprietários e isto não agradava muito ao agente pastoral e certamente nem ao
Bispo.
--Alberto não cumpriu o que
combinou com a Fazenda e retornou a sua posse e começou fazer pequenas
benfeitorias A Fazenda ingressou com uma ação em juízo e foi reintegrada na
posse e a área desocupada só restando os escombros de uma velha tapera
abandonada deixada por Alberto que meses depois foram queimadas pelos serviçais
da Fazenda que preparavam a lavoura, mas a fatalidade fez Alberto voltar e daí
gerou um conflito com a Fazenda que estava construindo uma cerca para zelar de
sua plantação de araruta.
Mas a flâmula do laicato se
preparava para separar a Igreja de Cristo das instituições, e, a exemplo da
famigerada revolução francesa, a cegueira e as apostasias se avolumaram
rompendo as barreiras para o que veio, depois, a ser conhecido como: “O caso
Capixaba, mas no fundo motivada pela esquizofrênica desculpa da Posse do
Alberto”.
O engenheiro metalúrgico
Rudolfo Alexandre Inattio, mais conhecido por “cascão”, ostentando a bandeira
do laicato e o presidente do Sindicato dos Trabalhadores, Francelino Dias
Silveira, o “muriçoca”, carregando o estandarte da classe, na ausência do
Líder, manobravam acreditando na mística da redenção do marxismo, esqueciam que
em tempos como os nossos que pequenos erros se mudam facilmente em grandes
catástrofes, tentavam imitar o líder espanhol, mas estavam muito longe disto e
os resultados não se fizeram esperar.
Poucos posseiros restavam para
receber suas terras, e, eles vieram atentar para isto um pouco tardiamente,
agora urgia interpor entre estes, pois a “lenha da caldeira reacionária eram os
marginalizados pela sociedade” assim pensavam e assim agiram.
Foi quando...
.
O engenheiro metalúrgico
(assim se intitulava) Rudolfo Alexandre Inattio (Inacio), mais conhecido por
“Cascão”, ostentando a bandeira do laicato e o presidente do Sindicato dos
Trabalhadores, Francelino Dias Silveira, o “muriçoca”, carregando o estandarte
da classe, na ausência do Bispo e Líder, manobravam acreditando na mística da
redenção do marxismo, tentavam imitar o espanhol, mas estavam muito longe disto
e os resultados não se fizeram esperar.
Foi quando... Porto Alegre do Norte MT.
Dia 17 de dezembro de 1979.
O dia marcado Para morrer.
Um homem estava marcado para
morrer, seu nome era apenas “Capixaba”, conforme denúncia do Promotor Público
assim se passaram os fatos: (transcrita na integra)
“No dia 17 de dezembro de
1979, sob a orientação do Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Porto Alegre do Norte MT, se reuniram quinze homens, entre eles o agente
pastoral Rudolfo Alexandre Inattio, mais conhecido por “Cascão”“. Combinavam
irem ao dia seguinte até onde a Fazenda Piraguassú estava construindo uma cerca
e paralisarem os serviços da mesma. E assim o fizeram, e, na hora aprazada, 10
horas da manhã de 18 de dezembro, ali chegaram todos de arma em punho e
determinaram que o empreiteiro Lauderino Evangelista paralisasse os serviços,
no que foram atendidos, em face de coação exercida. Mas, não satisfeitos,
coagiram também o fiscal “capixaba” a embarcar no carro que os conduzira afim
de que o mesmo se entendesse com “muriçoca”, que era o presidente do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais. O fiscal se negou a acompanhá-los foi quando um dos
“posseiros” gritou peguem o “homem” e num ato continuo “capixaba” recuou
instintivamente em atitude de defesa, mas Joacyr o “posseiro” estronda sua
cartucheira calibre vinte e o balote criminoso rasga a carne do empregado da
fazenda e quer lhe soltar a vida. “Capixaba” tomba ferido, e querem enfeitar a
tragédia, para tanto vão até o corpo agonizante do capataz e tiram de sua
cintura o revolver que não puxara, e, com ele atiram dentro da boca do
moribundo dizendo:
--Não
gosto de ver ninguém estrebuchando.
Outro empregado da fazenda, o menino Raimundo chora amparado
pelo velho posseiro Izidio, mas, matador não se contenta e quer matar mais:
--Você também seu
moleque vai morrer – e enfia o revolver no menino.
--Deixa-o em paz, é
só um menino – interfere o velho posseiro.
Todos embarcaram na caminhonete
e rumam para o povoado a fim de festejar o crime, mas no caminho, combinaram
irem direto para o Sindicato bater uma declaração:
--Precisamos
todos testemunhar que agimos em legitima defesa que o “Capixaba” quis nos
atirar e nós nos defendemos – ensinava o mestre “Cascão”. E de fato, ao
chegarem ao povoado, foram até o Sindicato e lá redigiram a tal declaração:
“SINDICATO DOS
TRABALHADORES RURAIS DE PORTO ALEGRE”. 18/12/1979.
DECLARAÇÃO A QUEM DE DIREITO
“Uma turma de trabalhadores do Porto Alegre do Norte foram
hoje pedir para parar o serviço da cerca que a Fazenda Piraguassú estava
fazendo na posse do Sr. Alberto Gomes de Abreu, apesar do pedido que houvesse
sido feito no dia 17 de dezembro no salão de aula com a presença do Senhor Nito,
administrador da referida Fazenda, o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais do município, o Delegado Sindical de Porto Alegre Romualdo Oliveira
Guimarães e cerca de trinta trabalhadores”. Nessa reunião foi pedido para serem
suspensos os serviços da cerca e o Senhor Nito não atendeu dizendo que a
fazenda mandava e os empregados obedeciam. Hoje dia 18, os trabalhadores
resolveram ir ao pé do serviço para suspendê-lo. Lá encontramos os seguintes
funcionários: Lauderino Evangelista, Raimundo Rodrigues da Silva, Pedro de Tal,
residentes em Porto Alegre. Chegando lá conversaram com o empreiteiro e o
empreiteiro atendeu ao pedido para parar os serviços. E disse para os
trabalhadores irem se entender com o fiscal conhecido na região como jagunço
“capixaba” O. “Capixaba” disse que não parava o serviço e nem viria a P. Alegre
para atender ao pedido dos trabalhadores. Ele não atendeu e tirou o revolver
para atirar nos posseiros, que estavam presentes. “Ai em nossa legitima defesa
os posseiros tiveram que se defender, testemunharam o fato os empregados da
fazenda citada anteriormente e o seguinte posseiro abaixo relacionado”.
A
seguir, na apócrifa declaração vem á assinatura dos participantes e dos
empregados que foram coagidos a assinarem.
Esta
declaração faz parte dos autos e do inquérito policial instaurado a respeito e
tem como indiciados Rudolfo Alexandre Inattio, Joacyr Ferreira da Silva e
outros – vitima João Milton Benedito, vulgo “Capixaba”. Autuado a 18 dias do
mês de dezembro de 1979 pela Delegacia de Policia de Luciara MT.
Após terem assinados sob coação
os funcionários da fazenda foram liberados. A
Policia de Luciara fora avisada.
Chega a Porto Alegre o Delegado
de Policia acompanhado de dois policiais militares. Cascão um dos indiciados é
preso e também Moacyr irmão de Joacyr, o resto dos posseiros envolvidos se
encontram foragidos, fogem para a mata.
O Bispo Don Pedro Casaldaliga
Plá da Prelazia de São Félix do Araguaia MT. É avisado e não tarda a chegar ao
povoado, já vem acompanhado do Bispo de Porto Nacional, do Deputado Estadual
Dante de Oliveira e ainda do advogado da Comissão de Justiça e Paz da Prelazia
de São Paulo Dr. José Roberto Leal.
Daí para frente
estas anomalias foram “sua matula de todos os dias” no dizer do sertanejo.
E
ali estavam eles mais de duzentos homens, todos camponeses, reunidos à espera
da palavra do clérigo. Ali estava a sua “Massa conscientizada” e Porto Alegre
do Norte, no fim do Estado de Mato Grosso, quase na Divisa com o Estado do
Pará, bem às margens do lendário rio Tapirapé, estavam em “festa” uns sorriam,
outros choravam, um homem fora morto, seu nome era apenas “Capixaba”.
O
vilarejo se remoça com inusitado movimento de aviões, caminhões, carros
pequenos, a cavalo, a pé de todas as formas começam a chegar sua massa
conscientizada por ele Bispo, convocada, cozinhas foram organizadas, muitas
vacas mortas, sacos de arroz e feijão empilhados, uma organização quase
perfeita.
A
versão apresentada por Cascão corre de boca em boca, mentira para seu líder o
Bispo, e agora o martelar constante a transformava em realidade.
Em
frente da cadeia, mais de duzentos homens armados de foice, facão, machados,
espingardas exigiam a libertação dos dois prisioneiros. O Delegado estava
coagido ante a massa convulsionada e não teve alternativa a não ser soltar os
indiciados que estavam presos. Para depois abandonar a cidade e ir a busca de
reforços. Assim o fez. Chega
outro grupo de policiais militares vindos da sede da comarca, o inquérito foi
instaurado e a testemunhas e vários indiciados são ouvidos.
Centenas
de posseiro acompanharam o desenrolar dos depoimentos. Os indiciados na maioria
continuavam foragidos.
Acalmada a situação todos
regressam a suas origens e o cadáver foi sepultado.
Ali estava a famosa e astuta Raposa do
Araguaia, carregando um peso incomensurável de amor e de dignidade, o lendário
Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, Don Pedro Maria Casaldaliga Plá,
como que a evocar a sua própria alocução: ...
...“Morrerei de pé como
as arvores (me matarão de pé) de golpe, com minha morte, minha vida se fará
verdade”.
(Uma pausa para retrocedermos a sua infância:...”Quando ainda menino, aos doze anos
de idade, Pedro já anunciava aos quatro ventos o desejo de ser missionário,
estudou no seminário La Gleva, na cidade de Vic, na Catalunha. Em 1952, aos 24
anos, em Barcelona, Casaldaliga foi ordenado Padre. Perambulou pelo mundo
através do continente Africano para vir cair finalmente no Brasil, tinha então
40 anos quando desembarcou no Rio de Janeiro, em 26 de janeiro de 1968. Depois
de sete dias de caminhão, cruzando, pontes e estradas precárias, e atoleiros,
Casaldaliga chegou a São Felix do Araguaia e se deparou com os conflitos
fundiários e a absoluta ausência do Estado”).
Os autos sobem ao Juízo da
Comarca, e até esta data, trinta anos depois nunca mais se ouviram falar desse
processo, ninguém foi punido e o mesmo foi extinto por decurso de prazo.
O bispo dera uma demonstração de força
e poder ao reunir em menos de três dias cerca de duzentos ou mais “posseiros”
vindos de todos os recantos, desde Cascalheira, a Santa Terezinha e, estavam
dispostos ao que desse e viesse. Era a sua massa conscientizada.
Mesmo
assim a nova administração não para de doar e indenizar os antigos
proprietários e finalmente doou a área do patrimônio urbano de Porto Alegre do
Norte MT. Acordou com o INCRA a desapropriação de uma gleba que se denominou PA
Piracicaba onde as maiorias dos posseiros estavam assentadas
Mas
a flâmula do laicato agitando ostensivamente manobrava as massas problemas e
desacreditando os proprietários.
Foi o inicio dos atritos, os velhos posseiros se recusavam a
abandonar algumas de suas posses fora da área do assentamento, mas pouco a
pouco, com paciência e esforço sobre humano foram sendo resolvidos os problemas
pelos japoneses, até que restando apenas algumas pequenas áreas de terras junto
ao patrimônio urbano. O exemplo já citado PA Piracicaba junto à cidade de Porto
Alegre do Norte, que foi palco de tantas lutas entre os posseiros e
proprietários anteriores já foi desapropriado a mais de trinta anos e ali moram
mais de cento e cinquenta famílias tendo o INCRA já cadastrado a todos, feitos
as medições e fornecido ajuda financeira, mas até hoje ainda não receberam os
títulos de propriedades,
A presença dos Japoneses
trouxe enormes benefícios para o
Munícipio que despontava, doaram
o total da área urbana e a rodeou de
pequenas chácaras, e ainda uma pequena área denominada lote 19 que foi doada
para a “Associação dos Moradores do Bairro Aeroporto” num total de seiscentos e
quarenta lotes (640) promoveu a titulação e distribuição de áreas com até 110
hectares a dezenas de posseiros e ainda os indenizou em seus eventuais
prejuízos não deixando de mencionar a Gleba Piracicaba com seus 141 assentados,
para que estes fatos se concretizassem
estiveram a sua frente os seguintes espontes: Dr. Goto, Dr. Vicente
Hayaschida, Sumioshi Nito, Keizo Tukuriki,
Hiroshi e George. A estes os agradecimentos da atual geração.
Mas para o Bispo o tempo de provação
ainda estava por começar e por um destes caprichos do destino tristes dias lhes
estavam reservados, tudo começou assim...
Ribeirão Cascalheira MT - Junho de 1976...
O padre João
Bosco Burnier estava de passagem por Ribeirão Cascalheira MT. (Ribeirão Bonito) junto com o Bispo
Casaldaliga. Não sabia ele o que o destino lhe reservava.
Assim começou esta triste
história, uma tragédia que abalou o Brasil.
Um jovem rapaz, filho do
posseiro Jovino, morador em Cascalheira, se divertia a valer. Ali, na zona do
baixo meretrício as sombras da noite prenunciavam algo diferente. O ar estava
carregado, lá fora um cachorro uivava, era um sinal de mau agouro, que
inquietava a alma dos mais sensatos.
Alegre,
já fora de si, o jovem bebia e tanto jogava fora como dava para os outros,
gritava e cantava, tinha passado dos limites, estava completamente bêbado.
--Manda
uma galinha assada aqui pró-bichão e desce duas cervejas e uma pinga. – exigia
A
galinha demorava, mas as bebidas vinham logo. Já eram altas horas da noite, os
habituais já se retiravam, o dono do cabaré pede para o jovem acertar as
contas.
--Por
hoje já chega, tenho que fechar, vai acertar a conta?
Mas
acertar como? O rapaz estava mais duro que beirada de sino.
O soldado
Félix ali presente resolve intervir e prende o bêbado e toma-lhe um revolver
que ficaria na garantia da divida. O batuta dorme na cadeia.
Abraão o
bate pau da policia instiga o soldado para no outro dia cedo irem cobrar do
velho posseiro Jovino, pai do preso.
--Amanhã
cedo vamos dar um arrocho no Jovino que ele paga a conta do filho.
--É,
mas o Jovino não é mole não, é preciso ter cuidado.
--Brabo
eu sei que ele não é eu nunca vi uma bagunça dele - interfere Abraão.
--É
isto ai, mas vou levar o fuzil, você vai comigo Abraão?
--Claro
que vou.
Jovino o pai do
desastrado rapaz aguarda em sua casa o retorno do filho, não quer ir a
delegacia pedir por ele, mas pede a terceiros para intervirem, mas todos tinham
medo da policia.
Na rua naquela
manhã fatídica, andando juntos lá vão Felix levando seu fuzil e Abraão o
bate-pau, rumo à casa do posseiro, entram na casa e começam a pressionar o
velho Jovino:
--Seu
filho está preso e está devendo uma nota lá no Cabaré, e viemos aqui para você
pagar a conta – O soldado.
--Mas,
eu não tenho dinheiro e não tenho culpa disto – respondeu calmamente Jovino.
--È,
mas ou você paga ou vamos prendê-lo junto com seu filho, disse o soldado - e
ato seguido levantando o fuzil o manobrou jogando a bala na agulha.
Um
só estampido foi ouvido, Jovino ao se sentir e se ver ameaçado e sabendo que
Félix ia matá-lo sacou de uma garrucha de um tiro que trazia na cinta e
disparou o único projétil acertando a testa do militar que caiu com o fuzil na
mão, a esta altura dos acontecimentos Abraão apavorado corre pelas ruas
gritando:
--Jovino
matou o Félix.
Jovino foge para as matas e
vai aparecer, tempos depois, muito longe dali, em Canabrava do Norte aonde
faleceu de morte natural.
Comunicado o fato para a sede
da Comarca de Barra do Garças, vem um pelotão da PM comandada pelo tenente
Costa Neto. O tenente Lepesrteurs vem também. Abrem-se o inquérito e buscam
pelo Jovino, mas não consegue o encontrar.
--Testemunhas foram
ouvidas chegando-se à conclusão que fora Abraão quem gerara os acontecimentos.
--Os oficiais regressam
para Barra do Garças, ficando em Cascalheira o Cabo Juracy, Cabo Messias e
vários soldados e estes resolveram continuar as investigações e a prenderem
Jovino a qualquer custo, duas mulheres são detidas, são elas a Santana e a
Margarida, já idosas, as duas eram irmãs e nora do foragido.
--Elas
sabem onde ele esta, estão levando comida para ele lá no mato, vão ter que
contar – era a ordem geral entre os PM.
Retidas na cadeia as duas
mulheres são barbaramente seviciadas, agulhas são enfiadas em seus seios,
embaixo das unhas, braços abertos em cruz e fuzis enfiados em suas orelhas, e
batem em seus rostos, estavam ajoelhadas e em baixo de seus joelhos tampinhas
de cerveja viradas para cima. Uma delas havia dado a luz a uma criança a menos
de um mês e menino estava no chão da cela chorando, a mãe pedia:
--Deixe
meu filho mamar, pelo amor de Deus!!!
--Então
fale onde está o bandido, senão. – e apontava o fuzil na criancinha.
Era
de 15 para 16 de julho de 1976.
Cai à noite e todos têm medo de
chegar perto da cadeia, tudo cheirava a álcool. Tarcísio Dairrel um agente
pastoral que residia em Ribeirão foi levar água para as duas mulheres. Nesta
mesma tarde prendem também um oleiro sob suspeita que tenha ajudado o criminoso
a fugir. Tarcísio ao chegar junto da cadeia escutou os gritos das mulheres e
não teve coragem de chegar mais perto, volta à casa paroquial e conta para o bispo
Don Pedro o que estava se passando. O Bispo resolve ir até a cadeia interceder
pelas mulheres, o padre João Bosco resolve:
--Pedro
eu vou também.
--Deixa
que eu vá só – insistiu o Bispo.
Mas João Bosco
estava decidido a ir.
Na porta da cadeia
naquela noite escura, estavam dois soldados, o cachorro ainda uivava tudo era
prenuncia do mal, o calor era intenso.
Pedro chega e fala
ao Cabo Messias que ali estava junto com o soldado Ezy:
--Soltem
as mulheres, não podem judiar tanto delas assim.
--Olha
bispo comuna você é um crápula saia já daqui senão...
João Bosco tentava
argumentar, uma tapa explode em seu rosto, gritos e xingos acompanham um
pavoroso estampido que espanta a noite, o cão se calara, já não uivava mais, só
a voz do criminoso.
--Foi
só pra assustar.
João Bosco recebeu
a bala na cabeça que lhe rasga o cérebro e quer soltar a vida.
Pedro
o ampara e reza por ele, ali não havia medo e nem ódio, só silêncio, tristeza e
muito calor humano, levado para a casa se deu conta da gravidade, uma hora
depois faleceu, estava escrito que deveria morrer no lugar de Casaldaliga.
Aquele
padre, como toda estrela que risca o céu e cai, o Padre João Bosco Burnier foi
riscado da terra para cair no céu, morreu como só os heróis morrem dando a
própria vida por tentar ajudar quem dele precisava.
A cadeia foi derrubada pelo
povo e em seu lugar ergueram uma igreja em louvor aos “mártires da grande
caminhada” e uma placa grava o acontecido “aqui mataram o Padre João Bosco
Burnier, morto pela Policia de Mato Grosso”.
Quando a coisa aperta...
Eu, como Oficial
de Justiça da Comarca de Barra do Garças estava em casa quando recebi o chamado
do Juiz de Direito o Doutor Flávio José Bertin e ainda mais naquela hora da
manhã fiquei desconfiado, devia ser algum rabo de foguete, mas como sempre nas
horas de aperto era eu quem levava chumbo, assim fui direto ao gabinete
do Juiz lá no Fórum e quando abri a porta fiquei surpreso, nunca esperei ver
tanta autoridade reunida. Estava ali todo o alto comando da PM de Mato Grosso.
--Ai esta o homem – disse
o Juiz me apontando para os militares.
--Pois não Dr. Flávio,
bom dia para todos – cumprimentei, pensando o que será que houve?
--O Coronel quer falar
consigo.
--Estou
as suas ordens Coronel.
--O
Dr. Flávio nos garantiu que o Senhor é o homem exato para resolver um grave
problema para nós, O Senhor sabe o que aconteceu lá no Ribeirão Cascalheira?
--Por alto, sei que
alguém matou um padre e a situação esta preta por lá.
--Exatamente,
pelo o que se sabe até agora, um policial matou o padre João Bosco Burnier e a
situação lá esta melindrosa e não temos jeito de mandar buscar as vitimas que
pelo se conta foram seviciadas por elementos da nossa corporação, que já se
encontram recolhidos no quartel aqui em Barra do Garças, mas há necessidade de
instalarmos urgentemente um IPM e necessário se faz ouvir as testemunhas, mas
não queremos mandar um destacamento para lá no momento seria uma imprudência,
pois não queremos tumultuar mais a situação, mandar um Oficial seria
contraproducente face ao sentimento de revolta em que o povo de lá se
encontram, mas uma pessoa como o Senhor familiarizado com o pessoal da
Cascalheira poderia ser bem recebido e trazer as três testemunhas que queremos
ouvir.
--Só isto – perguntei, é
muito fácil, eles arranjam a encrenca e me põe no fogo, mas...
--Você deve trazer de lá
estas pessoas, e como o avião do Estado só tem lugar para mais dois, traga
primeiro as duas mulheres e depois traga o homem – falou o Juiz.
--Mas doutor se eu
trouxer estas mulheres quem vai me garantir que elas serão recambiadas de
volta?
--O mesmo avião que as
trouxer as levará e têm mais, as mulheres ficarão sob nossa custódia o tempo
que permanecerem aqui você as acompanhara durante todo tempo.
--E quem é o piloto do
Estado?
--O
Milton já esta te esperando no campo.
--Então até mais tarde
senhores – me despedi e sai para o campo.
No campo Milton já estava com o
avião pronto e como era cedo do dia dava tempo de ir e voltar.
--Outro abacaxi hein?
Vamos descer direto ou vamos sobrevoar primeiro?
--Vamos fazer um rasante
para alguém ir buscar nós lá no campo.
--Não se incomode com
isto, lá vai ter gente demais.
Sobrevoamos o
Ribeirão Cascalheira, um corre... corre
danado lá em baixo, será...
Descemos no campo
da Betumarco, era o campo em uso, quando o Milton rolou o avião o campo estava
cheio de gente junto à entrada de estacionamento. Mas quando desci do avião
ouvi um Ohhhhh... Bem comprido realmente eu acho que para aquele povo foi uma
decepção esperavam algum graúdo e chego eu, Acho que estavam esperando pelo Governador
do Estado. Vieram todos ao meu encontro, estavam meio frustrados, mas não fazia
mal eram meus amigos de longas datas.
--Só vieram vocês –
perguntou o Fritz que era o dono do Posto e dono do caminhão.
--Só nós, porque estavam
esperando a Vera Fischer? Brinquei com o amigo.
--Vamos descer e
conversar sobre o que vim fazer aqui – Milton já havia fechado o avião, juntos
fomos para a cidade. Ao passar pelo bar do Isidoro, não tinha jeito não, tinha
que parar para tomar uma cerveja e dar satisfações a uma dezena de amigos, mas
o Milton estava impaciente:
--Rapaz isto não é
campanha política não viemos buscar as mulheres.
Acabei de tomar a cerveja e
pedi ao Fritz para me levar até onde estavam a Santana e a Margarida. Elas
estavam do outro lado do Ribeirão, paramos o caminhão bem na porta da Santana
que me reconheceu:
--Seu
Dequimá foi o Senhor que chegou naquele avião?
--Foi
Santana, eu vim lhe buscar.
--Vão
prende a gente de novo? Seu Dequimá eu num aguento mais estou muito fraca.
--Ninguém vai lhe prender Santana,
o Juiz da Barra quer falar contigo e com a Margarida, os soldados já estão
presos e devem ser punidos
--Depois
eles se vingam da gente Dequimá, aqui num tem justiça não.
--Ué
então vamos deixar estes homens soltos? Nada disto você vai comigo e a
Margarida também. .
Nisto a Margarida
já vem chegando com uma sacolinha em baixo do braço.
--Falaram
que o Senhor veio nos buscar para dar depoimento lá no Juiz da Barra do Garças?
--Isto
mesmo Margarida.
--Comadre – disse a Margarida para a
Santana – nos tem que ir hoje e amanhã a gente volta, o Juiz ta chamando a
gente e nos vamos, podemos confiar no Juiz e no Dequimá.
--Então
vamos.
Depois das duas
mulheres subirem no caminhão do Fritz e eu íamos subindo também quando outra
mulher me agarrou pela camisa e puxando falou:
--Seu
Dequimá eu preciso falar contigo, é urgente,
Era a Iolanda a
mulher do Penalva, um aventureiro metido a tudo que havia sumido de Ribeirão de
tanta encrenca que arrumara.
Pedi para o Fritz
me esperar um pouco enquanto ia à casa de Iolanda e lá chegando ela me mostrou
duas latinhas que mais pareciam latas de cervejas, só que eram diferentes.
--O
Senhor sabe o que é isto aqui – perguntou
--Sei,
são duas bombas de gás lacrimogêneas não detonadas tentei explicar.
--Foi
o que eu pensei - disse a mulher e continuou - no dia que a policia chegou aqui
eu estava em casa sozinha com meus dois filhos, o Penalva desde há muito se
foi, e acredito que contaram para a Policia que o criminoso estava aqui em
casa, assim ele jogaram estas duas latinhas pela janela e correram e eu me
apavorei e sai correndo levando meus dois filhos comigo, não sei como não
atiraram em nós, ai eles invadiram a minha casa e não acharam nada e me
largaram de mão e eu voltei e fui tirar água do poço quando uma das latinhas
saiu no balde ai eu tirei a outra e enterrei as duas que agora estou te
mostrando.
--Me de estas duas
latas eu vou levá-las e entregá-las para o Juiz.
--Seu Dequimá não dá para o Senhor
me tirar daqui.
--Esta bem Iolanda, manhã
eu venho trazer estas mulheres e levar outra testemunha, na ida acho que da
para você ir.
Sai direto e fui para o campo o Milton e as
duas mulheres já estavam esperando.
--Pronto, podemos voltar.
--Espere
ai que isto ai?
--Só
duas latinhas que estou ajuntando
--Desde quando?
--Ora
piloteiro – respondi - agasalhando as em baixo do banco - vamos embora.
Depois que
decolamos fiquei apreensivo e se estas latas estourarem com a pressão? Mas já não havia o que fazer agora era só
rezar para que nada acontecesse. Quando chegamos à Barra do Garças foi um
alivio, desci do avião e tirei as latinhas foi quando o Milton se deu conta do
que eram:
--Você é doido, trazendo
duas bombas dentro do avião?
--É, mas não aconteceu
nada.
--Mas podia ter
acontecido e nos iríamos morrer.
Como já era de tardinha, passei pelo Fórum
deixei as duas bombas entregando-as para o Juiz e comentei:
--As duas mulheres estão
lá fora no carro.
--Leve-as
para uma pensão bem isolada, não
diga a ninguém onde estão e fique de plantão o tempo todo e amanhã bem
cedo as traga aqui para serem ouvidas.
--Tudo
bem.
Deixei as duas
mulheres na pensão da Ingrace, uma amiga minha e as recomendei ao máximo, no
outro dia bem cedo as levei para o Fórum e as introduzi no Gabinete do Juiz que
ainda não havia chegado.
Logo depois
chegavam os militares e ficaram na ante
sala quando me apresentei o Coronel perguntou
--Trouxe as vitimas?
--Sim estão no Gabinete
conversando com o Juiz.
--Avise o doutor que os réus já
estão aqui.
O Dr. Flavio mandou chamar a
escrivã e mandou o Comando Militar entrar na sala.
--Vamos ouvir as
duas mulheres, primeiro a Santana, depois a outra mulher, e ainda faremos uma
acareação para que elas indiquem e reconheçam seus agressores.
--Façam uma fila
aqui e só respondam o que lhes for perguntado – ordenou o comando para os
soldados.
--Santana qual destes homens a
agrediu?
--Aquele ali – mostrou Santana –
me bateu e ameaçou matar o neném e espetou agulha no meu seio e aquele outro
também. As duas identificaram oito soldados junto com os cabos, e contaram tudo
os que lhes fizeram alguns soldados a despeito de estarem presentes seus
superiores ainda ameaçaram as vitimas precisando o Juiz corrigi-los.
As mulheres foram
liberadas e eu voltei com elas para o Ribeirão no outro dia trouxe a ultima
vitima, que depois de ouvido foi liberado, arranjamos uma passagem de volta e
dinheiro para as despesas. O soldado foram todos expulsos e Ezy foi preso para
ser processado civilmente, mas transferiram sua prisão para a cadeia de Aragarças
- GO, sob o pretexto de que a cadeia da Barra seria reformada e colocaram o
soldado Milhomem de plantão à noite Ezy abriu um buraco na parede e fugiu para
nunca mais ser encontrado. Também ninguém foi atrás dele.
Deste rolo danado quem levou a
pior foi o Padre João Bosco Burnier que morreu inocentemente no lugar do Bispo
“como Ezy dissera ao atirar - Cala a boca Bispo comuna”.
O Sargento Abdias
e soldado Carlinhos não estavam lá, mas foram punidos e expulsos também, poucos
tempos depois, quando a poeira abaixou todos foram readmitidos na policia e
ainda estão por ai.
O Dr.
Flavio mandou chamar o Tenente Costa Neto e mostrou-lhes as duas bombas que
eles haviam jogado em uma casa que só tinha mulher e crianças e em termos
comuns "comeu a cara dele”.
Dei
carona para a Iolanda que se mudou para sempre de Ribeirão Cascalheira. Este
era e ainda é o nosso sertão.
De
cinco em cinco anos grandes romarias relembram este episódio brutal, desta
triste pagina da história de nosso Mato Grosso.
.
HISTÓRICO –
De 1926 a 2012 foram oitenta e
seis anos de lutas e sacrifícios e os nomes gravados neste livro “Terras
bravias” que listamos abaixo, eram seres humanos típicos de suas épocas, e
usavam ao máximo o seu grau de compreensão embasado em suas próprias conclusões
porque eram eles os fabricantes de leis, costumes e regulamentos, eram gentes
simples e humildes que não visavam enriquecimento, e sim o que somente
almejavam era conquistar seu palmo de terra para criarem suas famílias
ensinando-os a respeitarem a natureza, pois dela sobreviviam, e a amar e
respeitar as dádivas de Deus. Eram homens que preferiam a morte a serem
humilhados. Com dignidade, bravura e a própria vida conquistaram os sertões
tendo como únicas estradas as águas dos rios e ribeirões que ainda eram hostis
e eram de “Terras de Ninguém”.
Desta explosão de conquistas
destes rudes sertanejos homens que preferiam a morte a serem envergonhados,
deles nasceram na sequência muitas outras cidades, como Luciara, Porto Alegre
do Norte, São Felix do Araguaia, Chapadinha, Alto da Boa Vista, Suia Missu, São
Jose do Xingu, Santa Cruz do Xingu, Serra Nova, Bom Jesus do Araguaia,
Canabrava do Norte, Confresa, Canta Galo, Vila Rica, Mandi, Pontinopolis, Santo
Antônio do Fontoura, Santo Antônio do Rio das Mortes, Santa Terezinha, Nova
Floresta e uma dezena de povoado estão brotando nestes sertões bravios e também
muitos Assentamentos Rurais PA. Comunidades estas que despontam trazendo em seu
bojo a herança de um passado de conquistas e amor a terra, e hoje se projetam,
unificados, como um dos maiores celeiros de grão do Estado de Mato Grosso,
quiçá, no futuro, do Brasil.
E, é aqui neste rincão
Mato-grossense onde os homens tem geneticamente encravados em seu âmago e
forjados com a dureza do aço inquebrantável os resquícios vivos da grande
herança legada por aqueles br
*
Alguém um dia
ensinou...
“A todos os homens de boa vontade
incumbe à imensa tarefa de restaurar as relações de convivência humana na base
da Justiça, verdade, amor e liberdade; as relações das pessoas entre si, as
relações das pessoas com suas respectivas comunidades políticas, e dessas
comunidades entre si, bem como o relacionamento de pessoas, famílias,
organismos intermediários, e comunidades políticas com a comunidade mundial.
Tarefa nobilíssima, qual a de realizar verdadeira paz segundo a ordem
estabelecida por Deus. Bem poucos na verdade, em comparação com a urgência da
tarefa, os beneméritos que se consagram a esta restauração da vida social
conforme os critérios aqui apontados. A eles o nosso apreço, e um fervoroso
convite a perseverarem em suas obras com renovado ardor. É um imperativo do
dever, é uma exigência do amor. Cada cristão deve ser na sociedade humana uma
centelha de luz um foco de amor um fermento para toda a massa. Tanto mais será,
quanto mais na intimidade de si mesmo viver unido com Deus. Assim estaremos
unidos numa luta social por um mundo melhor, não deixando de lembrar que a sociedade humana não estará bem constituída e nem será
bem fecundada a não ser que lhes presida uma autoridade legitima que
salvaguarde as instituições e dedique o necessário trabalho e esforço ao bem
comum”.
(Tristão de Athaide)
Galeria
dos Desbravadores de Sertões
“O autor, meu especial amigo
Wolfgang Dankmar Gunther foi agraciado a 08 de maio de 2002, pela Assembleia
Legislativa do Estado de Mato Grosso com o meritório Titulo de “Cidadão
Mato-grossense” pelos 56 anos de serviços prestados no desbravamento,
colonização e desenvolvimento do Leste do Estado de Mato Grosso. O autor, ainda
jovem, chegou ao vale do rio Araguaia com a Bandeira de Piratininga em junho de
1948. Se fixou em São Felix do Araguaia mais precisamente no médio Vale do rio
Araguaia junto com os irmãos Villas Boas, Lucio Pereira Luz e Severiano Sousa
Neves, Antônio de Mello Bosaipo, o negro Valentim, Enzo Pizano, e outros heróis
esquecidos, foram estes homens os precursores do progresso no ainda bravio
leste Mato-grossense. Dedicou também nove anos de sua vida como encarregado do
Centro de Atividades da Fundação Brasil Central na Ilha do Bananal em Santa
Izabel do Morro. No Parque Nacional do Xingu substituía Cláudio Villas Boas
periodicamente no posto Diauarun, participou ativamente da construção do Posto
Leonardo Villas Boas no alto Tatuari, e da criação do Parque Nacional do Xingu
merecida esta honraria. “Aos meus amigos e companheiros da Assembleia
Legislativa do Estado de Mato Grosso os meus sinceros agradecimentos pelo
merecido reconhecimento“. Este livro foi escrito para rememorar a Historia do
leste de Mato Grosso, a saga dos seus primeiros colonizadores, desde 1934. Como
mato-grossense lhe agradeço penhoradamente o fato de dedicar seu tempo e seu
esforço em registrar em livro, e assim perpetuar para as gerações futuras, para
Historia de nosso Estado, a luta de mais de uma geração de homens dedicados a
povoar uma terra e em levar para ela o progresso e o desenvolvimento que, até
então, lhe haviam sido negadas”.
“Os
Desbravadores”.
Entre o período de 1910 e
2016, objeto de narração histórica deste livro já decorreu 106 anos, poder-se-á
sentir o impacto, à época, causado entre
os sertanejos que almejavam a conquista de novas terras para implantar seus
costumes e trabalhos e do outro lado às nações indígenas vendo o avanço dos
“toris” ou “caraíbas” colocando em risco sua cultura e a segurança de seus
familiares. Mas ao que parece, era uma imposição do destino.
Tentaremos assimilar os
propósitos e fatos neste histórico inserido analisando minuciosamente a
evolução dos mesmos para assim chegar a
uma conclusão se valeu a pena ou não. No entanto...
Para mim Wolfgang Dankmar Gunther conviver nos
sertões de Mato Grosso desde 1948 até 2017. foi um longo caminho repleto de
duras aprendizagens que me locupletaram de experiências. Foram 69 anos de
sertão, mas de uma vida saudável e pura em meio a natureza, aos índios e aos
sertanejos nossos pioneiros, razão deste livro.
Vi
pessoalmente coisas muito lindas, jamais sonhadas neste mundo selvagem em seu
estado natural, não sei se vou dar conta de as narrar com o mesmo entusiasmo e
alegria dos momentos vividos especialmente com personagens que mencionarei nos
meus relatos, pois sem estes eternos companheiros nunca existiriam estas
histórias.
Foram
paisagens, fatos, lutas, vitórias e derrotas, alegrias, dores e sofrimento que
tornaram a minha alma em um destes sertanejos mais rígidos do que o aço,
ensinando-lhes a temperança e ministrando-lhes a fibra dos invencíveis, brutos
e ríspidos iguais aos melhores diamantes em sua tempera inquebrantável,
humildes como as pombas, mas violentos como
as serpentes, destas
intempéries é como foram
forjados
os nossos Pioneiros, passei e vivi momentos inesquecíveis ao lado deles que
olhos humanos jamais tornarão a ver e os ouvidos não os escutarão de novo.
“Muitos destes sertanejos ainda estão por ai, agora
em 2017, com a idade bem avançada. quiças tenha Deus permitido que ainda possam
recordar de um passado brilhante cheio de amor, carinho aonde e quando os
filhos viviam a vida toda junto aos pais. A estes sertanejos eu dedico
merecidamente este livro”. Wdgh
Capitulo 01
“Terras Bravias”.
e
“O Último Bandeirante”.
Raízes deste
episódio 1910 a 2018.
Navegando nas
memórias...
*Tudo
começou em. 1910...26...35...47..50..52..54..64..até..2018...
Com a penetração do rio
Araguaia pelas frentes colonizadoras, em meados do século XIX, pequenas cidades
ribeirinhas foram sendo criadas e povoadas por migrantes vindos do norte/nordeste
brasileiro. O rio Tapirapé então passou a ser explorado e uma expedição que
estava à procura de caucho (um tipo de seringa) chegou até aos Tapirapé por
volta 1910 causando-lhes grandes
perdas populacionais *Mas o que mais agravou a vida dos índios Tapirapé foram
os ataques dos guerreiros Caiapós contra a aldeia Tapirapé de Tapi-itãwa e raptavam as
crianças e as mulheres e lhes incendiavam as casas.
A fim de evitar encontros ocasionais, durante este período as incursões dos pioneiros em busca da “terra prometida”
se tornaram limitadas e mais cautelosas,
mas progressivamente foram se instalando em suas posses.
Em
agosto de 1926 chegaram à barra do
rio Tapirapé com o rio Araguaia, na divisa do Estado de Mato Grosso e Ilha do
Bananal no Estado de Goiás (hoje Tocantins), o pioneiro Pio José Pinheiro e sua
esposa dona Inês, com eles vieram Sebastião Pereira, Ciriaco. Jose Domiciano e
outros, no inicio se instalaram junto ao morro da barra, mas a grande enchente
do ano de um mil novecentos e vinte e seis fizeram com que na junção dos rios
Tapirapé e Araguaia a água corresse entre os morros vazando por dentro e os
obrigaram a se mudar e, então habitaram ás margens do lago Tapirapé aonde se
formou um grande mangueiral que mais tarde ficou sendo a aldeia dos Índios
Tapirapé. Daí, ele Sebastião e um companheiro partiram para o rio Gameleira no
alto Tapirapé, Ciriaco e um amigo foram para a localidade de porto velho junto
ao rio Xavantinho, e o Pio e a Inês ficaram entre os morros na barra. Os índios
Carajás moravam na ilha do Bananal e no verão mudavam para a praia da ponta sul
da Ilha Grande e em 1941
mudaram-se definitivamente para a barra no lado do rio Araguaia no Mato Grosso,
trazidos por Antônio Wanderley Chaves.
Anos de 1934.
Barreirinha é uma pequena
cidade no Estado do Pará ás margens do Rio Araguaia. Ali moravam estes colossais
aventureiros vindos do Goiás e do nordeste, o espírito de aventura campeava
solto na alma daqueles homens rústicos que andavam em busca de sua terra
prometida.
Na primeira visita em 1935 de Baldus (Herbert Baldus Antropólogo teuto-brasileiro) a região, os
índios Tapirapé somavam a 130
pessoas e, 12 anos mais tarde, em 1947 havia somente 59 Tapirapé.
Depois
de um destes ataques ocorridos em 1947 pelos
índios Caiapós a população Tapirapé se dispersou, uma parte dos sobreviventes
foi acolhida pelo pioneiro da região Lucio Pereira Luz. E
posteriormente foram recambiados pelo SPI para a aldeia “Orokotâwa” (Aldeia do Urucum)
dos Índios Tapirapé.
*
Lúcio Pereira Luz era um deste, liderava a
maior parte dos pioneiros, casado com Dona Silvina, tinha o filho José e as
filhas Donatilha, Dauta e Benedita e não
dando certo o casamento se juntou com Inês e teve o filho Valdemar, depois se
juntou com Maria Gruvira e teve o filho João Neton, tempos depois passou a
conviver com Dona Otildes e teve os
filhos, José Liton, Dorly, Daily e Dalila, tempos depois largando a mulher
passou a viver com Raimunda Pinheiro que estava grávida de seu primeiro marido
e teria um filho que se chamaria José Célio, depois vieram José Lúcio, José
César e Jose Augusto, a última mulher chamava-se Constância e esta colocou sal
na moleira do velho Coronel e lhe complicou a vida.
* Histórico de
Lucio Pereira Luz
“Lucio Pereira Luz, Paraense de nascimento,
nascido a 15 de abril de 1894 em Barreira de Santana PA”. Era filho de José da
Luz Reis e de Francisca Pereira de Miranda, ambos maranhenses, e tinha os irmãos: Leopoldo, Osório, Ranulfo e
Raimundo, e também as irmãs: Jardelina, Antonia, Otilia e Fabriciana.
“Lucio
Pereira Luz faleceu no dia 19 de novembro de 1970 durante o voo que o trazia
doente do hospital de Mineiros GO. foi sepultado junto a seus familiares em
Luciara”.
*
“A Expedição”
Começavam a se organizar para a partida.
Nos
meses de março e abril, daquele ano, o rio Araguaia ainda estava cheio, Lúcio
deu inicio aos trabalhos:
--Vamos atrás do José Xavier para
fazer a relação das pessoas e famílias que vão conosco e das provisões para a
nossa expedição.
--Lúcio...
Vamos esperar mais uns dias a chuva passar.
O
vento soprava forte balançando as palhas da casa e grossos pingos d’água caiam
em cascata.
--Já
mandei derrubar a minha roça eu plantarei muito milho, muito arroz, mandioca e
abóbora e se chover desse jeito teremos muita fartura – sonhava Severiano.
--Pode
sonhar amigo, eu já conheço o lugar já fui lá no ano passado com o Pedro
Madalena, que ficou me esperando, a mata é de primeira e a minha roça já esta
derrubada e é por isso que eu quero chegar logo de mudança e tudo para plantar,
para plantar o futuro de minha família.
--Saiba, eu vou fundar um povoado
onde eu e todos os meus poderemos viver para sempre - concluiu Severiano Neves
- palavra de piauiense.
--Eu
fundarei a minha cidade – completou Lucio -
Horas depois a chuva tinha passado e ambos se
dirigiram à casa do “secretário”. José Xavier era o tipo do sertanejo estudado,
era quase um rábula, tinha boa caligrafia, e fazia bem as contas especialmente
para o lado dele, Lúcio sabia que os outros mal assinavam os nomes.
--José...
Eu quero que você organize, no papel, a nossa viagem eu te dou mais ou menos os
rumos e você faz a previsão, como você já sabe, eu já estive lá e sei o que
vamos precisar.
--Muito
bem, primeiro os nomes de quem já concordou ir.
--Eu
sei que eu vou e o Severiano também.
--Muito
bem Lúcio Pereira Luz e família, Severiano Souza Neves e família, Pedro Nonato,
Joaquim Rosário, Ananias Vasconcelos, Roxo, Antônio Silva Mundim, Francisco
Gomes, Altino Pereira Luz e você José Xavier, João da Silva o “Fogaça”,
Melquiades, Raimundo Vasconcelos o "Branco” são os da frente -
afirmou Lucio e confirmou Severiano.
--Nem
pensar que certos elementos que não gosto vão conosco, vai ficar muita gente
por aqui ainda – zangou o sertanejo.
De fato muita gente em Barreirinha tinha o
Lúcio como um líder, mas outros o invejavam e se o odiavam era bem escondido,
pois temiam o homem.
Quando por um acidente o cartório onde foi
feito seu primeiro casamento com Dona Silvina pegou fogo, ele, sem ligar para o
ocorrido comentava: “não tendo documento não tem casamento”.
Nos dias seguintes todos se
movimentaram, uns calafetavam os batelões, outros ensebando os arreios,
limpando as armas, carregando os cartuchos e afiando as facas e facões e as
mulheres preparando as “matulas” e ensacando mantimentos. Era uma atividade
febril.
Era “12 de abril de 1934”.
Finalmente
chegou o dia marcado para a partida.
Mal o
dia clareara já se escutava o gado berrando e os vaqueiros com seus gritos
movimentavam as rezes pondo-as a caminho por uma pesada rota, margeando o rio acima,
até então desconhecida rumo à barreira aonde à mata era verde. Seriam muitas
caminhadas e ainda chovia bastante, o gado parecia que não ia sofrer, o pasto
era abundante e eles não tinham pressa. Os outros começaram a movimentar seus
batelões e canoas que balançavam com a entrada apressada de seus ocupantes.
Estava dada a saída e Lúcio em pé, na proa do
batelão com seu rifle 44 de papo amarelo cano sextavado e longo balançava-o
sobre a cabeça se despedindo. Fogos e tiros encheram o porto da pequena cidade.
Muitos os desejaram boa sorte. Outros
tinham inveja por não terem a coragem de participarem.
--Vão
com DEUS gritou alguém bem alto.
Margeando
o rio escutava-se o berrante e o clamor do gado, nos barcos todos tentavam se
agasalhar e ajudar a empurrá-los contra a correnteza rio acima, uns com remos
outro com zingas e outros com ganchos com os quais usavam as arvores
ribeirinhas para dar impulso. As canoas pequenas que tais gazelas seguiam na
frente, foram logo sumindo da vista dos moradores de Barreirinha. Já estavam a caminho.
--Bem,
agora estamos por nossa conta, Dona Dauta e Dona Bené não se descuidem – disse
o pioneiro Lúcio as suas duas filhas mais velhas.
--Pode
deixar papai, não vai acontecer nada.
Como o rio tinha muita água, aqueles tipos de
embarcação, os batelões eram largos e de poucos calados, próprio para andarem
em águas rasas, assim, tiveram que por uma travessia no rio, desviando-se das
correntezas para pegar os remansos rasos do outro lado. A viagem então começou
a render, almoçavam as merendas preparadas durante as noites enquanto dormiam
com os batelões amarrados em arvores nos poucos lugares secos que encontravam,
acendiam uma grande fogueira e se revezavam na vigília.
Chuva fina e mosquitos os acompanharam
durante os vinte e oito dias que levaram para irem de Barreirinha ao local
pretendido.
Os ganchos que prendiam aos arbustos
para puxar os barcos e as zingas os ajudaram muito para encurtar a viajem e
finalmente em maio de 1934 chegaram os primeiros habitantes ao lugar que então
foi batizado como Mato Verde e ali acamparam definitivamente. Era ainda cedo do
dia quando desembarcaram em um barranco limpo que tinha como fundo uma
belíssima Mata Verde.
No singelo e rude
porto, um pequeno grupo de índios Carajás que ali habitavam em um torrão
(pedaço de terra alto e enxuto) denominado “Torrão dos Carajás”, que ficava uns
mil metros abaixo junto à barranca do rio. Oito casas e um barracão dos índios
solteiros enfeitavam a pequena aldeia composta por apenas oito (08) famílias
num total de trinta e nove (39) índios que eram comandados pelo cacique mais
conhecido como Manoel Joaquim Andori. No período do verão se mudavam para a
praia da ilha em frente ao porto onde desembarcaram os chegantes quase todos
tinham uma boa noção dos palavreados usados pelos cristãos e o porto estava em
festa, índios e seus novos irmãos se confraternizavam. Já conheciam Lucio de
outras viagens anteriores e tinham uma grande estima por ele, era o começo de
um novo mundo cheio de amor e esperança. Anos depois, na aldeia de São Domingos
o capitão era o carismático índio José Caolho Antuire.
O raiar
de uma nova era.
As primeiras ordens do dia foram dadas pelo Lúcio:
--Agora
vamos descarregar os batelões e as canoas e armar acampamento, os índios nos
ajudarão dormiremos com os rifles dentro de nossas redes, se bem que os índios
Carajás são nossas sentinelas, amanhã começaremos a nos organizar, estamos em
terra hostil, mas os índios bravos não andam por estas bandas durante o período
chuvoso, mesmo assim manteremos sempre um olho aberto, nunca andem sozinho,
sempre acompanhados de dois ou três companheiros e pelo menos levem um índio
Carajá com vocês.
§
Explosão nascitura.
Era
o dia 10 de maio de 1934 –
Nascia a vila de “Mato Verde”.
“Aos bravos desbravadores de sertões
e fundadores de cidades, Coronel Lúcio Pereira Luz e seus companheiros o nosso
apreço e registro de seus feitos heroicos”.
Certidão
de nascimento: Vila de Mato Verde.
Nascida a 10 de maio de 1934.
Localização: Margens do Rio Araguaia
Estado de Mato Grosso.
Filiação: Lucio Pereira Luz e seus
companheiros;
“Fundamos
uma vila que se tornará em uma cidade e ela se chamará MATO VERDE – e aqui
viveremos como uma só família, cristãos e índios e que Deus nos abençoe” -
gritou o Coronel Lúcio Pereira Luz levantando seu famoso rifle e todos
aplaudiram dando vivas.
Nascia Mato Verde... José Liton
Luz, filho de Lúcio Pereira Luz e de
Otildes era o filho mais novo da cidade que surgia, foi o primeiro filho da
terra.
*
Uma pausa,,,
Entrementes,
ao nascer da vila de Mato Verde...
Chacina
no rio das Mortes - 1934
No ano da fundação de Mato
Verde ou Luciara, isto em maio de 1934, dois padres salesianos que frequentavam
aquela localidade e tinham se instalado no Morro do Padre a cerca de dois
quilômetros da nova vila, rio acima,
foram a primeiro de novembro
daquele ano assassinados pelos índios Xavantes no rio das mortes, como veremos
a seguir:
O
Pe. Sacilloti e o Pe. João Fuchs tinha suas desobrigas estendidas de Araguaiana
no rio Araguaia por este abaixo até Mato Verde e depois subiam o rio até a
embocadura com o rio das Mortes e por este adentro ate Santa Terezinha já no alto Rio da Mortes ou rio Manso e vice
versa.
Mato
Verde que havia sido habitada por Lucio Pereira Luz e mais uma boa leva de lavradores
e vaqueiros, era uma pequena vila apenas a uns dois mil metros do Morro dos
Padres que ficava na mesma margem, uma volta rio acima.
Os dois padres tinham por companhia um Bororo
Luiz que era o motorista e piloto de sua embarcação, e vez por outra a presença
do Coadjutor Pellegrino. Que segundo se supõe foi vitima de uma devastadora
chaga que o vitimou. Lembro ainda que haja muitos anos atrás eu mesmo por
varias vezes, e por vários índios Karajas da aldeia de Santa Izabel, os ouvi
comentarem que não dormiam nas praias do rio das Mortes porque elas causavam
feridas nas peles como queimaduras. Anos depois, por algumas vezes vinham os
aviões anfíbios ”Catalinas” da charqueada de Araguacema e ali pousavam e
enchiam sacos de areia e decolavam. Falava-se em areia monazítica
Trechos do Boletim da Missão Salesiana:
“1934 — O primeiro mês de 1934 continuou com os nossos em
Mato Verde na evangelização dos Carajás da margem esquerda. Pelo fim do mês por ordem dos Superiores, voltaram a
Araguaiana para um descanso. Aos 30 de outubro decidiram descer até Mato Verde,
na frente da ilha Bananal, onde num alto barranco construíram um rancho e no dia
3 de dezembro foi inaugurada a nova missão de S. Francisco Xavier
assistindo à Missa um bom grupo de índios Carajás”. (o grifo é nosso).
Noticiaram-se, naquela oportunidade que 34 dias após as mortes dos padres,
outros salesianos vindos de Araguaiana oficiaram a nova Missão dando assim
prosseguimento aos trabalhos dos padres sacrificados. *
RETROAGINDO...
“Os
índios Xavantes depois da primeira pacificação pelo exercito ainda em Goiás,
desde 1775 viram-se diminuindo a tal ponto que fugiram atravessando o rio Araguaia na barra do rio
das Mortes, onde se fixaram a esquerda
do rio das Mortes desde 1840
rejeitando qualquer tentativa de aproximação. Quando os Pe. João Fuchs e
Pedro Sacilloti, tentaram se aproximar
dos Xavantes foram trucidados”.
Assim
se passaram os fatos:
“*01 de Novembro de 1934 — Festa de todos os Santos foi o
dia glorioso da morte dos nossos dois heróis. Na embarcação que descia de Santa
Teresinha no rio das Mortes eram sete pessoas: os dois Padres, o bororo Luis Kapuceva.
(motorista), Militão Soares de Cocalinho,
Nestor Coelho do Maranhão, o garimpeiro holandês João Schiller e o moço Serafim
Marques de Araguaiana.
Bordejando rio abaixo, eis que pelas 3 horas da tarde, o
moço Serafim entreviu na margem direita dois Xavantes parados, em observação.
Padre Sacilloti e o bororo Luis saltaram na ubá que levavam consigo e
encostaram, enquanto a lancha descia lenta no meio do rio com o motor apagado.
O barranco da margem era íngreme e muito alto: trepando com as mãos e pés
chegaram em cima; ninguém! Avançando um pouco subiram numa árvore e de lá
descortinaram à distância de cem metros na orla da floresta uns 50 Índios
escondidos na folhagem.
Pe. Sacilloti chamou
então os demais que viessem. Avançaram os dois Padres e o bororo; chegados bem
perto. Pe. Sacilloti falou aos Índios em Carajá, mas eles responderam em tom
ameaçador. Então Pe. Sacilloti virando-se pediu aos companheiros que trouxessem
os presentes. Militão, Nestor, e Luis voltaram à embarcação, enquanto o
holandês, que não tinha entendido, continuou a avançar.
Quase no mesmo instante ecoou o grito de P. Sacilloti “Os
Xavantes atacam!” O que aconteceu naqueles momentos ninguém viu, mas é certo
que os dois Padres desde muitos meses previam à hora do sacrifício e
serenamente o enfrentaram: sine sanguinis effusione non fit remissio!
Os camaradas fugiram desabaladamente, enquanto entre os
gritos dos selvagens sibilavam os cacetes e as bordunas. Chegados à lancha, o
holandês armou-se de seu “Winchester” automática e encostou outra vez no
barranco chamando forte “Padre Sacilloti, Padre Fuchs!”; fora do éco, silêncio
absoluto.
Não avançou por
estar sozinho e porque começava a anoitecer; chamou os demais, mas estes se
recusaram pela escuridão. Bem lembrado da recomendação do Padre, não atirou nem
quando lhe pareceu que passassem perto duas sombras; ficou toda a noite
ancorada no meio do rio; no dia seguinte exploraram o terreno; a uns 500 metros
do barranco encontraram os dois cadáveres, um junto do outro, ambos com o
crânio fraturado.
Transportados na margem, foram enterrados à beira do rio a
meio metro de distância e foi levantada uma cruz, sinal de nossa redenção.
Terminada a cerimônia, o bororo se ajoelhou imitado pelos demais, e rezaram uma
Ave Maria, para o descanso eterno dos dois Padres, imolados para a conversão
dos Índios Xavantes. “Meses depois os restos mortais foram transportados a
Araguaiana no cemitério que já acolhia os despojos de Pellegrino: lá foi
construída uma decorosa capela para lembrar aos fiéis os heróicos missionários
dos Xavantes”.
Esta é a origem do nome Morro dos Padres em Luciara.
*
Continuemos...
Ao cair da tarde
Ainda
cedo da noite algumas fogueiras e seus improvisados assados já haviam
alimentado os viajantes que já tinham armados suas barracas de vara e palha de
piaçaba, e se agasalhavam com suas famílias, era a primeira noite de uma nova
cidade.
Os
cachorros corriam festejando a liberdade, os patos, marrecos e galinhas
aproveitavam a lua clara e andavam circulando junto às cozinhas improvisadas e
muitos peixes trazidos pelos Carajás estavam sendo assados em jiraus e os
meninos, índios e toris brincavam alegremente.
Não choveu e o céu se abriu como a cumprimentá-los dando boas
vindas, as estrelas e a lua faziam companhia aos novos moradores, seria assim
daí por diante.
Cada
grupo deu um turno de guarda, jantaram e foram dormir em busca de seu merecido
repouso.
No
outro dia cedo antes do dia clarear, os homens no acampamento já estavam
reunidos discutindo e traçando seus próximos passos, como iriam começar a
explorar a região e onde se instalaria definitivamente, Lúcio pediu que todos
se calassem porque tinha ouvido qualquer coisa, um som no ar do clarear do dia.
--É
o gado que vem chegando - gritaram entusiasmados.
--Devem
ter dormido aqui perto, vamos improvisar um curral de varas, precisamos dar
leite para esta molecada - comentou Ananias Vasconcelos.
Logo
os homens se juntaram e de facão e machado na mão começaram a improvisar um
pequeno cercado para por o gado.
Três horas depois o som do
berrante estridente já soava quase dentro do acampamento e se ouviam os gritos
dos vaqueiros e o tropel do gado acelerado.
--Viva!
Até que finalmente chegaram, tiveram muita dificuldade?
--Quase
nenhuma seu Lúcio, apenas perdemos dois bois e uma bezerra, de índios só vimos
os rastros.
--Ainda
bem, coloquem o gado no pastoreio, seus homens devem descansar agora tomaremos
conta cada um do que é seu.
--É
isso ai – concordou Nena – eu por mim vou tomar um banho, arranjar um jeito de
tomar um pileque e dormir um pouco.
Passaram o dia agasalhando os pertences,
fazendo barracos melhores e explorando a vizinhança. Enquanto isto um café
cheiroso tomou conta de todos.
À noite
continuaram as reuniões interrompidas pela chegada do gado.
--Sabemos
que o Sebastião Pereira que ainda esta na barra do Tapirapé onde o Pio e a Inês
estão morando ele quer subir o rio com o Ciriaco e ficar ali pelas bandas do
Urubu Branco na Gameleira, o Domingo Medeiros e o Ciriaco querem ficar no porto
junto a Cedrolândia onde o Dionel, Jose Barula, Leandro, o José Domiciano,
Inocêncio Borges, Pedro Nonato, Cassiano e Pedro Madalena estão nos esperando
para tocarem fogo nas roças.
O
Pedro Nonato, Joaquim Rosário e o Pedro Abel tiveram que atravessar para a Ilha
do Bananal no Furo de Pedra de lá chegaram a Mato Verde se juntando aos outros,
era um caminho mais seguro.
Lúcio
ficou em Mato Verde e sua nova morada era na margem do rio Tapirapé, teve o
nome de Fazenda São Pedro, o José Pinheiro acabou se instalando na Santa Rosa,
também as margens do Tapirapé, João Colodino foi para Bom Jesus do
Tapirapé. Sabino Brito se instalou no Bom
Jardim, junto com Veronilha, Melquiades foi para o Mutum junto da grota bonita.
Anos depois chegava a Mato Verde Raimundo Pereira Luz o Mundico que era marido
de Dona Rosa, José de Barros Lima chegou em 1936. Severiano, Zé Martins, Leó,
Maria Dias, Bento, Ateneu, Lupercio, Sindô, Tertuliano, logo estariam se
instalando rio acima em sua própria cidade que já a estão chamando de São Felix
do Araguaia.
--O
nosso povo habitou todo este sertão, agora se encontram espalhados por todos os
cantos, cada um em sua posse, nosso sonho esta se realizando - vaticinou Lúcio.
Depois
de discutirem muito, foram dormir, acordaram cedo no dia seguinte, antes do dia
clarear.
--É
nestas horas que os índios Xavantes gostam de atacar - comentou Lúcio – temos
que ficar atentos para os sinais, eles quando estão querendo atacar ficam
imitando o Mutum ou o Jacurutu, quando
escutarem muitos pássaros cantando de uma só vez pode por a bala na agulha da
arma, pois os índios Caiapós gostam de atacar ao meio dia quando o sol esta a
pino é uma hora em que ninguém espera e são mais violentos do que os Xavantes
temos que zelar das nossas armas, pois estes beiços de pau (Caiapó) adoram
roubar armas dos “toris ou caraíba”. Todo cuidado é pouco.
--Vou
ficar uns tempos por aqui, os animais precisam se recuperar da viagem - disse
Severiano.
--Como
quiser.
--Eu
vou dar uma explorada, amanhã saio por ai.
--E
eu vou junto disse Lúcio.
--Vamos
pela beira do rio, margeando a mata.
--Vamos olhar o gado?
Ambos
montaram a cavalo e foram para os varjões onde o gado estava pastando reunido,
pelo caminho conversavam.
--Isto
aqui vai ser uma bela fazenda, com tanta água, matagal, pasto, caça a vontade e
muito verde.
--Olha
só que beleza de pradaria, os campos se perdem de vista nunca vi nada assim
antes.
--Nos
devemos voltar imediatamente para Barreirinha para trazer o povo que quiseram
vir.
--O
gado esta um pouco magro, a viajem foi apertada.
--Logo estarão roliços de gordos.
O dia
passou rápido, logo amanhecia o dia da viajem de exploração das terras, cinco
homens já havia arriados seus cavalos e de matula nas garupas se despediam
prometendo voltar em três dias, já era perto do meio do dia quando saíram rumo
ao desconhecido.
--Vamos
em frente sempre margeando o rio – orientou Severiano
Seguiram
por quilômetros de varjão onde os veados campeiros os olhavam desconfiados e se
aproximavam bem perto para cheirá-los era o desconhecido, nas margens dos
lagos, esgotos e rios, os Jacus e os Mutuns abundavam, os patos selvagens
voando por cima pousavam nas praias aos milhares, já estava entardecendo,
rodearam capões de matas sempre enxergando as arvores altas da beira rio quando
chegaram ao esgoto de um lago que desembocava no rio Araguaia, acamparam em uma
praia enxuta bem dentro da baixada.
Os
índios Carajás habitavam do outro lado do rio na Ilha do Bananal em uma aldeia
chamada Fontoura, e não demorou muito tempo um índio em sua canoa apareceu remando nas águas do
esgoto e ia rumo ao grande rio Araguaia. Ao avistar os homens brancos parou a
sua canoa e perguntou num péssimo português:
--Ocês
moradô donde?
--Mato
Verde - respondeu Lúcio - e eu sou Lúcio.
--Onde
fica isso Mato Verde? Ocê Lucio eu conhece, Carajá fala ocê bom, eu Pereira,
capitão Pereira, eu cacique da aldeia do Fontoura lá na Ilha do Bananal.
--Nois
moradô novo, Mato Verde fica meio dia de viajem rio abaixo. - Tem peixe ai na
canoa? Vamos trocar?
--É
eu troca por rapadura, mas eu aviso vocês toma cuidado Xavante ta perto eu vi
rasto deles, são muitos, cuidado.
--Obrigado
amigo.
Depois
da troca, e um longo papo, Pereira foi embora e os homens foram assar os
peixes, neste mesmo dia o esgoto passou a se chamar “esgoto do lago Fontoura”,
mas era do lado de Mato Grosso.
No
outro dia, muito antes do clarear, Joaquim Rosário que estava de vigia chamou a
todos.
--Escutem... Os Jacurutus e jacus se revezavam nos cantos
e eram muitos.
--São
os índios – falou Severiano. – vamos dar uns tiros para cima que eles vão
embora.
--Não
– asseverou Lúcio - nada de tiros, temos que aprender a conviver com eles e não
será hostilizando-os que o conseguiremos, vamos aguardar eles se aproximarem.
Os cinco homens estavam em meio à praia limpa, e atentos, ao redor
a mata do rio. Logo os índios se fizeram aparecer. Lúcio levantando a carabina
falou as únicas palavras que sabia em Xavante:
--Uachuadi.
Uachuadi... (amigo.)
--“Ia
mamã heto Terezaçu” (Sou o cacique me chamo Terezaçu.) - e continuou:
--Uachichi? (como chama você?).
--Eu
me chamo Lucio e este outro se chama Severiano- e este outro chama Roxo-
falando e indicando através de mímica.
O
índio que parecia ser o chefe deles, todo pintado de vermelho e preto, um olhar
penetrador e muito sério com arco e flechas na mão subitamente levantou o arco
e disparou uma flecha que foi se enterrar quase entre as pernas do pioneiro,
apenas dois metros adiante a frente, estavam a uma distancia de uns trinta
metros um do outro. Lúcio não pensou duas vezes deu um tiro com sua carabina de
calibre 44 que levantou poeira meio longe do índio que nem piscou e tornou a
gritar abaixando a arma:
--Uachuadi...
Uachuadi... (irmão)
Hummmm. - Resmungou o índio abaixando o arco
e se aproximando de Lúcio dizia por mímicas que ele era o chefe, e numa demonstração
estranha abaixou, pegou um graveto de pau no chão e enfiou na boca da carabina
do Lucio o que valia dizer que não queria briga e sim paz. Daí por diante,
todos se acalmaram e uns tentavam entender o que os outros diziam, mas os
índios estavam vidrados nas armas, Havia perto de trinta índios. Ganharam
presentes dos pioneiros, como facas, facões, rapaduras e sem mais nem menos
foram saindo e sumiram da vista. Enfim tudo terminara bem, pelo menos neste
primeiro encontro improvisado quase depenaram os toris.
--Severiano
comentou: Foi uma temeridade sua atirar nos pés daquele índio.
--Tínhamos
que mostrar que não estávamos com medo, só assim eles nos respeitará.
--Você
acha que eles vão nos seguir?
--De
agora em diante dormiremos nos descampados, bem no limpo dos varjões, assim
poderemos avistá-los se aproximando.
--Hoje
dormiremos na praia em frente à barranca do rio Araguaia, assim só teremos um
lado para vigiar.
--É,
parece que nos largaram, te juro que fiquei apreensivo - comentou Roxo.
Seguiram pelas limpezas de uma barreira que
logo a chamaram de Barreira da Cotia, tal a quantidade destes pequenos
roedores. Chegaram às margens de um bonito lago, junto ao rio e o chamaram de
Lago de Pedra ao rodearem a planície saíram em cima de uma lagoa de arroz bravo
que era uma maravilha. Ao entardecer estavam junto a um morro de areia bem
acima da curva do rio onde ficava do outro lado do rio a grande Aldeia Carajás
de Santa Isabel do Morro, pela primeira vez pousaram onde seria no futuro uma
grande cidade que se chamaria de São Félix do Araguaia.
--Um
dia voltarei para erguer a minha cidade aqui neste lugar - disse Severiano
--É
um belo lugar - Comentaram.
--Nesta
noite não acenderam fogo porque temiam também os índios Carajás que eram ótimos
canoeiros, embora não fossem tão hostis.
--Estamos
com índio de todos os lados, de um lado os Xavantes, do outro os Caiapós, mais
em cima os Tapirapé e agora os índios Carajás.
No dia
seguinte montaram a cavalo, e após sondarem as redondezas iniciaram a volta, a
lua já ia alta quando chegaram ao acampamento em Mato Verde.
--Foram
bem de exploração?- perguntaram.
--Tudo
bem só um pequeno problema, mas foi resolvido e será sempre assim daqui para
frente. – Quase ninguém entendeu a mensagem, mas para Lúcio tanto fazia.
As vilas no sertão eram construídas em forma
de ferradura para melhor e defenderem dos ataques dos índios. Nos primeiro 16
dias de instalados, mataram 11 onças pintadas e seis suçuaranas.
O restante da boiada só chegou por volta de
1935.
Fatos inéditos marcaram o nascimento daquela
cidade, a exemplo a dona Francisca Miranda, mãe do Lúcio é quem ditava as
ordens e os costumes das novas terras e no dia de sua chegada fez as mulheres
dançarem de saia arribada batendo as nádegas umas nas outras, era uma simpatia
originaria dos congados da África para com isto evitar ataque dos índios.
Lucio e mais dois companheiros desceram a
Barreirinha.
No dia 15 de julho de 1934 o
Coronel Lúcio, e seus companheiros Severiano e Joaquim Rosário voltavam de
Barreirinha onde conseguiram recrutar mais famílias, a pequena cidade ficou
quase deserta quando cerca 23 famílias e 304 cabeças de gado e seis canoas,
quatro ubás e dois batelões levando mais galinha, cachorro, porco, peru, bode
chegavam à terra prometida para colonizar e cada um teria seu pedaço de chão
para formar suas fazendas. Mudaram-se 103 pessoas entre grandes e pequenos.
Manduca
jovem, devia ser simpático porque se engraçou dele duas viúvas e como estavam
indo as turras Lúcio mandou improvisar um ringue onde no mastro, ao centro e ao
alto tinham dois cortes de tecidos de
seda, duzentos mil réis em dinheiro, e dois vidros de perfume e um par
de sandálias e talco. Intimou as duas a disputarem, no tapa o homem
cobiçado e quem ganhasse levava tudo, o homem e os presentes. E logo teve
início uma luta sem quartel, era tapa, coice e mordida de todo tamanho até que
uma, cansada, entregou os pontos e a outra saiu de braço dado com seu homem, os
presentes e muita palma e viveram bem por muitos anos. Mas o dia não terminara
para Lúcio saíra a tarde naquele dia
quando ao descer do cavalo para urinar foi mordido por uma cascavel no dedo, de
que jeito eu não sei, mas que foi picado isto foi, tirou o facão e cortou a
ponta do dedo fora.
Mato Verde continuou a crescer e veio a se
chamar Luciara em uma homenagem ao fundador e ao rio Araguaia. Em 12 de julho de
1961 a Lei nº 1.503 criou o distrito de Luciara então Mato Verde.
Luciara
foi emancipada como Município pelo Decreto Estadual-Lei nº 1.940 em 11 de
novembro de 1963, com uma área originalmente de 4.290,50 Km2. Seu primeiro
Prefeito eleito foi o seu fundador Lucio Pereira Luz e Vice Prefeito Raimundo
Miranda de Souza.
*
Sete anos e treze
dias depois...
Em 23 de maio de 1941 Severiano Souza Neves
procedente do Piauí, e um grupo de amigos deixaram Mato Verde e fundaram
sua própria cidade. Primeiramente subiram o rio por 12 léguas e se instalaram
provisoriamente em Santa Isabel do Morro na Ilha do Bananal, mudando-se posteriormente
para uma barreira rio acima, mas quando a Ilha do Bananal foi transformada em
Parque Nacional e estava localizado bem no centro do grande vale do rio
Araguaia, a ilha do Bananal é considerada a maior ilha fluvial do mundo
perfazendo uma área 1.957.312 hectares, divididos entre o Parque Nacional do
Araguaia com 562.312 hectares e o parque indígena com 1.395,000 hectares por
estas razões as famílias pioneiras viram-se obrigadas a abandonar a Ilha e
atravessando o rio Araguaia construíram suas moradas, no lado de Mato Grosso,
no local onde hoje se acha instalada a cidade de São Felix do Araguaia.
A
20 de novembro de 1942 a povoação foi batizada com o nome de São Felix, por Don
Luiz e Don Tomas Câmara, a primeira igreja foi construída em frente ao rio
próximo ao local onde é hoje o Hotel Araguaia, era coberta de palha e tinha as
paredes amparadas por um couro de gado. A Prelazia foi fundada em 1970, sob a
orientação do atual Bispo Don Pedro Maria Casaldaliga Plá, da ordem dos
Claretianos. A festa popular era a do padroeiro São Félix, defensor dos
pioneiros contra os ataques dos índios e era comemorada em novembro. Por
motivos da época das chuvas se iniciarem em setembro e se estenderem até abril,
o mês de novembro era propicio ás festas, mas pelo fato de São Félix não ser
considerado Santo, na totalidade da expressão, pela Igreja, levou a prelazia a
adotar como padroeira a N.S. da Assunção festejada em 15 de agosto, e, a 13 de
maio de 1976, pelo Decreto Estadual n 3.698 teve seu território desmembrado do
município de Barra do Garças quando foi
então criado o Município de São Félix do Araguaia.
De
Severiano só restou apenas uma rua com seu nome, uma ponte sobre o rio
Xavantinho e nada mais, mas, isto já é outra história. .
*
Anos de 1941 - Nasce a Vila de...
“São
Félix do Araguaia MT”.
20 de novembro de
1942-A Missa do batismo.
“De Severiano Souza Neves uma grata
recordação como um grande herói. O orgulho do Piauí. Ele e seus companheiros
eram Pioneiros Desbravadores de sertões e Fundadores de cidades, a eles o nosso
apreço e registro de seus heróicos feitos”.
*
No tempo e na história. Anos de 1943.
Assume como encarregado do Posto Indígena
Heloisa Torres na aldeia dos índios Carajás, Valentim Gomes e sua esposa Joaninha. Ele, exímio pedreiro,
construtor, eletricista e encanador. O homem era pau para toda obra, sua
primeira missão seria construir a sede do Posto indígena fabricando
artesanalmente tijolos de adobe, madeira serrada no “gurpião”, cobertura de
palha, e tudo mais foi feita ali mesmo na barra do Tapirapé, ela, uma agradável
Enfermeira.
Os
índios mais conhecidos eram os Tapirapé, Pranchui, Cantariô, Marco, Cantidio,
Leônidas, José Cabelo Ruim e Penacho. . Os mais conhecidos índios Carajás eram:
Savarú, Wererremhy e Manoel Tucano. Em
1948 o Bispo Don Luiz visitou aquela região indo até a fazenda São Pedro onde
morava o Coronel Lúcio Pereira Luz.
O
Posto Indígena do qual era encarregado tinha o nome de Posto Indígena Heloísa
Torres, do SPI – (Serviço de Proteção aos Índios). Partindo de Leopoldina no Estado de Goiás distava em 155 léguas ou
930 quilômetros rio Araguaia abaixo e para ali chegar gastavam-se seis dias de
viagem de barco a motor. Toda obra que ali existia eram: uma casa de residência
feita de adobe e coberta de palha, um curral, uma casa pequena a guisa de posto
de saúde, e um pequeno pomar de frutas especialmente manga.
Vindo
não sei de onde, o negro Valentim já ali morava a cinco anos Serviço de
Proteção aos Índios, como já mencionamos tudo ali fora construído por ele e desnecessário
é afirmar o estado de total abandono em que viviam, pois dependiam em tudo da
sede em Goiânia, naquela época viajando-se pelo rio Araguaia de barco até
Leopoldina e depois para Goiânia levavam-se no mínimo doze dias de viajem rio
acima.
O rádio quase nunca funcionava, e era na base
de bateria que vivia descarregada.
A sorte nunca foi boa companheira para aquela
família humilde e dedicada, o sofrimento e as dores eram seus companheiros, seus únicos vizinhos, era o Padre Chico, Padre Focault, as três
Irmãzinhas de Jesus, Dona Inês e sua família, os índios Tapirapé e os índios
Carajás.
Raras
vezes um barco a motor por ali passava um destes era o que nos regularmente
andávamos o do Antônio Pereira um crente adventista que morava em Goiânia e seu
comércio era trocar ou vender mercadorias por enfeites indígenas. O outro mais
vezeiro era do Tônico Bosaipo, o barco Frei Chico, ou Frei Francisco, que fazia
a linha de Leopoldina até Santa Maria no baixo Araguaia num percurso aproximado
de duzentas e vintes e duas léguas, mas, constantemente chegava até Belém no
Estado do Pará descendo a cachoeira de Santa Isabel em menos de quarenta
minutos depois, na volta, para subir levava de três a quatro horas puxado no
cabo de aço tal a violência das águas, era um barco muito conhecido pelo forte
batido de seu motor, e pelo seu pioneirismo no transporte fluvial, comentavam
que por ele foram habitadas as margens do rio Araguaia e Tocantins, havíamos
descido nele e todos já estavam nos esperando, porque o som cavo de sua batida
vinha suavemente pelo canal do rio abaixo ou acima, desde muito longe os índios
sabiam que o barco havia saído, e assim sabiam quando chegava.
Valentim
era o responsável pelas duas aldeias, mas o Padre Chico era quem cuidava dos
Tapirapé. Estes índios desde há muitos anos atrás vinham fugindo das matas do
Xingu onde eram constantemente perseguidos e atacados pelos índios Chucarramãe
ou Caiapós ou então pelos índios Suias do beiço de pau, assim eram chamados
porque usavam rodelas de madeira em seus lábios furados e pelo tamanho delas se
conhecia a ferocidade de seu dono.
Já, os Tapirapé eram, em tempos remotos,
conhecidos como índios do “Pitão-Antã” ou, “índios do beiço de pedra”. Era seus
costumes usarem enfeites e adornos trabalhados em pedra sabão ou alabastro em
seus lábios e orelhas. Os índios Carajás também tinham este costume o que
podemos considerar como uma aproximação cultural entre estas tribos de
características tão diferentes, sendo o Carajá considerado “um grupo isolado”
por não se ter qualificado as suas origens e nem coincidências de
características antropométricas, já o Tapirapé vem do grupo tupi-guarani. Estes
enfeites de pedra alguns tinham a forma de um pequeno remo, outros com forma
arredondada alongada e se encaixavam na parte inferior dos lábios eram
conhecidos como “Panhetás”, outros adornos tinham a forma de um pilão e quando
um índio morria todos seus adornos eram enterrados juntos ou colocados em
grandes jarros de barro (urnas) e os familiares levavam sempre alimentos para
não faltar nada na “grande caminhada”.
Um final imerecido...
E vergonhoso...
Valentim e a esposa, aposentados, velhos e
cansados, mudaram-se para Goiânia. Eu os visitei, numa casa pobre vivendo
miseravelmente com um pequeno salário para sustentar a sua esposa e dileta
companheira de tantos anos de lutas e sacrifícios. Certa feita, ele Valentim,
ao sair para fazer uma pequena compra
teria que passar por um antigo pontilhão da estrada de ferro, fraco e abatido
caiu por entre os trilhos de uma altura de quase quatro metros e se machucou
bastante Ela estava magra, abatida e paralítica em uma cama de (campanha)
morrendo a míngua, e ele, ao seu lado olhava e chorava, simplesmente chorava
como uma criança, meu coração se entristeceu e meus olhos se encheram de
lagrimas, naquele dia eu também morri um pouco, era a paga dos homens para dois
heróis que dedicaram suas vidas aos índios e aos seus semelhantes. Não se
apoquentem, meus amigos os seus nomes e a sua história estão gravados em nossos
corações.
Vão com Kananchue, ELE os está
esperando.
*
Capitulo 02 .
“A Bandeira
Piratininga”. Anos de 1948.
Era 12 de junho de 1948...
No trem que eu ia para a
cidade de Anápolis no Estado de Goiás, ia também a “Bandeira de Piratininga”,
ou mais conhecida simplesmente como Bandeira Piratininga sem o “de”, uma
organização oficial do Estado de São Paulo, a última das Bandeiras mostrava
realmente a saga de um povo que tinha nas veias o sangue dos desbravadores tudo
era muito arrojado, mas, minuciosamente programado. Era um grupo de jovens
paulistas comandados pelo rígido sertanista e jornalista Willy Aurelli eram
estes: Darcy, Gunnar, Weber, Takaki, Garmenia, Lito, Barros, Paulo, Osmar,
Peter, sargento Avelar, Sampaio, Clovis, Pedro e Dona Jacy e Dankmar o último
integrante.
Durante o trajeto fizemos uma
profunda amizade e ele acabou me convidando para fazer oficialmente parte da
equipe. Seu destino era São Felix do Araguaia no Estado de Mato Grosso, cuja
missão era encontrar e manter um contato pacifico com os arredios índios
Xavantes era isto o que eu mais queria.
Chegamos no final de nossa
viagem de trem, a movimentada e poeirenta cidade de Anápolis –GO.
A minha primeira prova seria
ir a Goiânia, capital do Estado e arranjar junto ao DERGO (Departamento de
Estrada de Rodagens do Estado de Goiás) dois caminhões para levar a carga da
Bandeira de Anápolis a Leopoldina a margem do Rio Araguaia.
Com dois
Ofícios em mãos, não tive dificuldade, naquela época a Bandeira Piratininga era
muito famosa e conhecida, fui muito bem recebido e atendido pelo Governo do
Estado de Goiás e logo voltava a Anápolis com dois caminhões os carregamos e
seguimos viagem ao começo da aventura passamos por Goiânia a nova Capital que
surgia depois por Goiás Velho a antiga capital do Estado de Goiás e de lá rumo
ao tão esperado rio Araguaia, que em sua margem ainda no Estado de Goiás,
cravejava a pequena e linda cidade de...
“Santa Leopoldina do Araguaia”-
Hoje Aruanã – Estado de Goiás
Ali, ás margens do rio, na divisa de Goiás
com Mato Grosso sob a sombra de um frondoso pé de Tamboril eu olhava fascinado
o tremular das águas, e, em seu porto a velha vila guardava ciumentos os restos
de três embarcações a vapor, uma caldeira de ferro maior e duas menores,
que pertenciam aos barcos: Araguaia, Mineiro e
Colombo que, teimosamente pareciam querer resistir ao tempo, como a lembrar
“Viemos de Cuiabá para o Araguaia em dezessete carros de bois para conduzirmos
Couto Magalhães na sua pioneira tentativa de priorizar a hidrovia no rio
Araguaia” fechei os olhos e fiquei a sonhar relembrando como tudo poderia ter
acontecido, cheguei a ver aquelas embarcações todas novas e inteiras
resfolegando fumaça em suas chaminés, elas faziam parte da Empresa de Navegação
a Vapor do Rio Araguaia, era por volta de 1890,
à chamada Hidrovia Araguaia - Tocantins, que fora criada para fins de navegação
comercial e sua criação remontavam as últimas décadas de XVIII, cem anos depois
se criou à referida empresa, que somadas a ela foi implantada uma estrada de
ferro que, partindo de Nazaré dos Patos ou Tucuruí, às margens do rio
Tocantins, terminasse no ponto denominado Praia da Rainha ou em suas
proximidades, as margens do mesmo rio, de uma linha de navegação a vapor de
Belém ao ponto denominado Praia da Rainha, de linhas de navegação a vapor nos
rios Araguaia e das Mortes em suas seções navegáveis devendo estender-se aos
afluentes desse rio bem como ao do Tocantins. A Estrada de Ferro Tocantins e as
linhas de navegações citadas foram criadas no pressuposto de que seriam auto
sustentásseis e levariam certo progresso às regiões por elas servidas porem,
naquele tempo, a pequena densidade demográfica e o subdesenvolvimento das
regiões abrangidas, levou essas iniciativas ao fracasso. No baixo Araguaia e
Tocantins, a navegação teve um relativo desenvolvimento, devido às plantações
de cacau, café e castanha do Pará que existiam na região, mesmo assim com o
declínio das atividades uns numerosos contingentes populacionais, procedentes
dos castanhais localizados nas áreas de Marabá e Tucuruí, ainda permaneceram no
Vale do Baixo Tocantins e Médio Araguaia, vivendo da agricultura de
subsistência, de uma limitada atividade pecuária, da pesca artesanal e da
Castanha do Pará e opcionalmente do caucho extraído das seringueiras.
Dos restos dos barcos a vapor, só sobraram às
caldeiras de ferro das embarcações e algumas peças e 113 anos após ainda teimam
em sobreviver, saibam que hoje elas fazem parte de um belíssimo jardim a beira
rio na cidade de Aruanã antiga Santa Leopoldina do Araguaia, depois Leopoldina
e agora Aruanã no Estado de Goiás. Ali condicionadas pelo então Prefeito Rolf
Hornschuch.
Foi
ali onde tudo começou bem na barranca do rio embaixo de um frondoso Pé de
Tamboril, que pela primeira vez vi o majestoso rio Araguaia.
![]() |
Santa Leopoldina do Araguaia.GO. ARUANÃ. |
O começo...
Eu era outro Dankmar, tudo
mudara dentro de mim, já não era aquele paulista que havia recém chegado de São
Paulo, eu tinha me tornado um membro da Bandeira Piratininga. Acordara cedo
naquele dia. No rio a movimentação já era grande, uns desciam para banhar,
outros para lavarem os rostos ou escovar dentes e alguns só para ficarem
olhando os barcos. . As mercadorias da Bandeira já estavam sendo baldeados para
dentro de dois barcos ancorados, a nossa turma e alguns índios Carajás
ajudavam. Estava embevecido, olhava os pássaros revoando, os peixes a riscarem
as águas, os botos arfando sobre a superfície e mais um pouco abaixo, acerca de
quatro mil metros, o roncarem das águas no travessão de pedra parecia gritar
uma advertência para que os homens não maculassem o que rio abaixo escondia. Do
outro lado, já no Estado de Mato Grosso, uma vegetação espessa como uma
barreira verde parecia esconder em seu seio misteriosos perigos de uma
fascinante violência, eu me perguntava “O que haveria por traz daquele muro
verde?” Certamente um mundo deserto e sem mínguem, só índios e onças.
Muitas
coisas passavam pela minha cabeça. O meu pensamento ia bem mais além, e lá por
traz, rumo ao pôr do sol, aonde chegaria? E o que eu acharia? Certamente muitas
serras, matas, mistérios, lendas? Era um mundo sem dono, eram realmente...
“Terras de Ninguém”.
Parei
de pensar quando escutei um bater ritmado de um remo no “beiço” de uma canoa
acompanhada por um cantar sofrido e monologo, mas bonito, era um índio Carajá
que chegava ao porto, desci o barranco e fui para a beira d’água encontrar-me
com ele que logo aportava bem perto de mim, e descendo puxou a “ubá” mais para
fora da água e com um largo sorriso me cumprimentou:
--Olá Tori.
--Oi.
--Você mora aqui?
--Não – respondi -Cheguei
ontem de São Paulo, e você onde mora? --Djaram (eu) mora lá na Aldeia Carajás
da barra do rio Tapirapé, é muito longe, cinco dias de viajem de barco motor.
--Nos
vamos descer para São Felix do Araguaia, eu estou junto com a Bandeira
Piratininga, naqueles dois barcos ali que estão carregando - falei mostrando-os.
--Huumm o
piloto daquele motor é o Kurichira é um índio Carajá meio doido cuidado com ele
e do barco grande é o Arutana, piloto bom.
·
--Como assim? – perguntei
·
--Ele estava no morro de São Félix há muito
anos quando os índios Kurussas (Xavante), bateram na cabeça dele com corroté
(porrete) e ele, mesmo com a cabeça quebrada caiu na água do rio e nadou até a
Aldeia que fica uma légua abaixo lá os outros índios tiraram ele da água, mas
nunca ficou bom de todo.
·
--Obrigado pela informação, mas vou
chegando até lá para ajudar carregar os barcos, nos vamos descer hoje ou amanhã
cedo não sei ao certo - agradeci e sai, não sabia eu, naquele momento, que
aquele índio de nome Savarú se tornaria um dos meus grandes amigos.
Todo pessoal estava se aprontando para
embarcar, mas antes iríamos almoçar como sempre o subchefe Darci falava mais
que todo mundo e distribuía ordens:
·
--Você, Nito, Garmenia, Weber, Dankmar,
Clóvis e – apontando para outros dois disse – vocês também vão neste Barco.
·
--Espere Darci, interrompeu Willy - o
Dankmar vai neste meu barco, ele é bom mecânico e posso precisar dele, também o
Paulo, Weber e Osmar, os outros vão com você.
“A Grande viagem”.
A viagem com destino a São Félix do Araguaia,
120 léguas rio Araguaia abaixo, teve inicio, em tempo de estiagem, as praias
alardeavam uma alvura sem mácula e estavam em toda a sua plenitude, o rio
caracolava por entre elas parecendo querer encurtar o caminho, nosso barco, tal
um dançarino habilidoso conduzido pela mão do piloto ia contornando os bancos
de areia. Pássaros de todas as cores povoavam as margens e fiscalizavam as
águas. Nossos barcos um tinham um motor de popa Archimedes de 12 HP, a gasolina
o outro um motor de centro Penta de 10 HP. O segundo barco que era o maior
estava mais carregado e o nosso grupo estava dividido, conforme o acertado, no
barco menor ia o Chefe da Bandeira, Dankmar, Paulo, Weber, Osmar e também a
Dona Jacy mulher do comandante Willy, eu ia sentado o tempo todo na proa
olhando as maravilhas e tomando no rosto a brisa suave, no piloto o índio
Arutana todo tranqüilo.
Logo
após a saída, por volta do meio dia, uns quilômetros abaixo o travessão de
pedra começava a roncar mais alto logo estávamos em cima dele, o piloto
habilidosamente jogou o barco no canal central entre duas grandes pedras em
meio um turbilhão de borbulhas, quando menos pensávamos já tínhamos passado e o
rio voltava a sua calma. Novas paisagens foram aparecendo naquela tarde cheia
de sol, passamos por uma fazenda chamada Dumbasinho, e ao anoitecer avistamos a
vila de Cocalinho na margem de Mato Grosso, neste dia dormimos na praia em meio
ao rio.
Fizemos um rodízio do plantão, mas aquela
calma do anoitecer, a brisa suave, as estrelas cintilantes como nunca as havia
visto antes, o riscar dos peixes sobre as águas e o canto dos pássaros noturnos
me fizeram ver outro mundo que eu não conhecia, mas lá no fundo do coração
batia uma saudade de casa, adormeci ali mesmo na cama de areia que havia feito,
Alguns companheiros se dedicaram a pescar. No outro dia, mal a luz do sol
começara aparecer já estávamos acordados, necessário se fazia aproveitar o dia
todo para render a viagem, assim sendo pouco parávamos, saímos cedo acampávamos
já escuro da noite, tomamos nosso café com bolachas e embarcamos rio abaixo, e
logo a seguir passamos bem junto a uns moradores, negros remanescentes dos
quilombos, fugido da escravidão, e os vi bem de perto, eram bem pretos com
cabelos em caracol e barbicha, o local se chamava Travessão Riuna, o Willy
autorizou uma rápida abordagem naquele improvisado porto e todos nos descemos
para terra firme enquanto o segundo barco passava ao largo rumo ao ponto de
encontro que seria em frente a São José dos Bandeirantes uma pequena vila no
lado goiano, fomos recebidos por uns homens de origem quase negras, altos e
farta cabeleira e barbichas encaracoladas e desalinhadas alguns deles pareciam
ter saído da pré-história, seus contornos antropométricos eram primitivos,
crânio meio alongado e largo, cavernas oculares profundas, em nada se
assemelhavam nas suas características ao homem moderno e muito sim aos homens
da idade da pedra lascada, pouco falavam e eram muito desconfiados, verificado
o problema no casco sobre um pequeno vazamento foi ordenado o reembarque e
assim nos despedimos daquele instante que em voltamos e vivemos por alguns
minutos a milhares de anos no passado, foi algo inesquecível e que nos marcou
profundamente e infelizmente, não gravamos fotograficamente aquelas históricas
imagens, mas temos certeza que ainda neste ano de 2017 se encontram, ali,
vestígios ou traços daquela inominável raça.
Em seguida passamos pela barreira Anhanguera onde morava o Henrique
alemão, um ex-membro da Bandeira Piratininga e a seguir avistamos umas moradas
do lado de Goiás que se chamava Piedade onde morava outro alemão de nome
Alfredo, mais abaixo despontou o povoado de São José dos Bandeirantes, neste
segundo dia dormimos em uma enorme praia bem ao meio do rio. Foi outra noite
maravilhosa, mas um inesperado susto quase me fez correr, eram lá pelas tantas
da madruga e eu como sempre havia feito a minha cama na areia um pouco retirado
do acampamento, sempre fui muito solitário, de repente comecei a escutar uns
leves pisados na areia, eram muitas, e viam no meu rumo, levantei a cabeça bem
de vagar, mas não conseguia ver nada e as pisadas iam chegando cada vez mais
perto e mais fortes de súbito vi que estavam quase em cima de mim ai sentei e
dei um grito, foi pior, o grito delas foi bem maior, eram umas oito ou mais
capivaras que vinham pela praia rumo ao rio e como a noite estava escura elas
também não me enxergaram e nem eu a elas, sei que vinham na minha direção todos
se espantaram e quase fui atropelado na disparada doida para se jogarem na
água, numa noite silenciosa como aquela foi um barulho infernal que acordou
todo o acampamento, mas depois do susto passado foi só risada, mas eu quase me
assombrei. Fui dormir mais perto do fogo. (anos mais tarde, junto com meu irmão
Rolf o mesmo fato tornou a se repetir, em outra praia).
Ao clarear do dia, pudemos ver os rastros das
capivaras, eram doze entre grandes e pequenas.
Zarpamos deixando gravada a primeira
aventura.
Naquele terceiro dia de viajem passamos por
Luiz Alves, uma pequena vila no Estado de Goiás. Logo depois Willy, lá na proa
do nosso barco junto comigo me disse:
·
--Dankmar daqui a pouco você vai conhecer a
maior Ilha fluvial do mundo a Ilha do Bananal, ela começa bem naquela curva
onde se forma o braço menor do Araguaia que é o rio Javaé, a nossa direita,
muito poucos brasileiros tiveram até hoje este privilégio.
Logo aparecia a curva e avistamos a forquilha
do rio se separando, do lado esquerdo o Araguaia do lado direito o Javaé.
Formavam uma ilha com 600 quilômetros de comprimento por 085 quilômetros em
média, de largura, um verdadeiro estado, metade da ponta sul era um Parque
Nacional a outra metade da ponta norte uma Reserva Indígena dos Carajás.
Na praia, um casal de Cervos, nos olhava
passivamente como a não se importar com a nossa presença, centenas de patos
selvagens banhavam, entre os marrecões e os colhereiros com suas penas rosadas,
gaivotas alardeavam com seus gritos e mergulhavam nas águas ricas de peixe, daí
para baixo o rio se estreitava um pouco e suas águas corriam mais e começavam
umas sanhas devoradoras de assoreamento, as águas batiam contra as barreiras e
faziam rolar grandes arvores para dentro do rio, praias inteiras estavam sendo
carregadas, mudando de lugar para abrir um canal mais fundo para o rio. Não
eram fatos constantes, mas, começavam parecer, preocupado comecei estudar
aquele fenômeno e cada vez que parávamos analisava a cor da água e seu
componente fazia gráfico, media canais com uma vara e fui anotando tudo, quanto
mais descíamos o rio mais mudanças apareciam.
Fizemos uma parada na Barreira de São Pedro
na ilha do Bananal, fazenda esta de criação de gado de propriedade de Ubaldino
Rios, residente na cidade de Goiás Velho, antiga capital do Estado. A barreira
alta e firme pouco sofria com a força da água foi quando cheguei à seguinte
conclusão: “Imaginei uma pequena mina em uma colina na nascente deste rio. Por
todo ano, varias vezes, a chuva caia em forma de pingos sobre um declive, uns
captados pelas raízes, outros formando pequenas poças, alguns penetrando por fendas
no leito rochoso e se juntando a pequenas aglomerações formando um tênue filete
de água em busca de uma forma de vida maior e alguns se evaporando, começa ai o
ciclo inicial da vida do Planeta Terra. Nós sobrevivemos em razão deste simples
toque divino. Esta nascente brotada naquela colina gera o filete de água que em
algum ponto mais abaixo se junta a outras nascentes alimentando um riacho que
desce em direção ao seu destino. Mesmo no período das secas estas minas
dificilmente perecem e juntando-se a outros riachos, já como rio continua seus
caminhos em direção ao fundo do vale carregando água drenada de centenas de
quilômetros quadrados de terra e finalmente, num abraço apertado, dão forma a
esta bacia hidrográfica e juntos empurram e carregam 660 milhões de toneladas
de fragmentos para os oceanos por ano, e ali estava ela, bem na minha frente,
não podemos deixar de lembrar que muito mais que isto é o montante de terra
retirado pelos rios e que são carregados por tempos a lugares indeterminados e
novamente despejados sobre a terra formando os chamados deposito aluviais, e
isto tudo aqui por baixo de nosso barco, passei a observar que a água só tem
poder de sucção e de empurrar, mas, ela, por si só não pode talhar, para este
trabalho ela depende principalmente dos fragmentos de rocha, assim como a mão
usa o limatão para moldar ferro o rio usa a areia e as pedras para cavar seus
canais, notei que enquanto pedaços de rocha e areia estão fazendo escavações à
água empurra, golpeia e suga o produto deste trabalho para o fundo do canal ou
para os lados. Assim ela dissolve os minerais da rocha e a lama e este rio não
é exceção desta regra”.
A natureza tende a fazer com que os rios
endireitem seus canais tomando uma linha reta por tal motivo estamos vendo a
águas golpeando com violência, escavando por baixo solapando os barrancos,
derrubando arvores e abrindo novos caminhos e ao mesmo tempo formando lindas
praias, é o seu trabalho. Mas continuarei minhas pesquisas oportunamente por
enquanto voltemos a nossa viagem, pois a coisa aqui na Fazenda São Pedro de
repente melhorou muito quando passamos a conhecer seus moradores.
Aleixo Paciente da Silva era o gerente da
Fazenda tinha sua esposa Joaninha Paciente da Silva, e quatro filhas de nomes
Jeronima, Maria, Raimunda, Noemi e um filho ausente de nome Mariano. Ao lado da
casa, mais abaixo, uma pequena aldeia de índios Carajás, nada mais do que duas
ou três casas, o cacique era um índio que tinha o nome de Cachoeira. Pensei que
havíamos chegado ao paraíso e não fui só eu, todos pensavam assim, fomos bem
recebidos compramos umas rapaduras, conversamos muito, especialmente com as
meninas depois nos despedimos e seguimos viajem. Sinceramente senti que deixava
ali alguém muito importante para mim e foi mesmo, pois, anos depois, a 14 de
março de 1953 eu me casava com a jovem Maria Paciente, foi o primeiro casamento
civil de São Félix do Araguaia, mas, isto já é outra história para contar.
Neste terceiro dia dormimos na praia do rebojinho, o barulho infernal das águas
contra as pedras e a barreira, dava um tom de inquietude, e os peixes pareciam
estar em guerra uns a cata de outros à movimentação do redemoinho facilitava a
caçadas dos peixes mais lentos, a pescaria só não foi boa porque peixe de
superfície sempre tem muitos espinhos e as “cachorras” predominavam. No outro
dia partimos cedo era nossa meta chegarmos a São Félix, passamos por Barreira
de Pedra, barra do rio das Mortes e logo avistamos a pequena vila, ao fundo vislumbrava-se a Serra do Caracol e
mais para o oeste quase rumo norte a Serra do Magalhães.
*
Os nossos dois barcos
manobravam para acostar nas rudes entradas do improvisado porto, em cima, na
rua desalinhada viam-se as treze casas que margeavam o rio Araguaia no lado de
Mato Grosso eram de construção rude a exceção da casa de Severiano que era de
adobe e coberta da telha e ficava bem em uma esquina que era a saída e a
entrada da vila para o sertão. Na proa
eu e Willy esperávamos melhor aproximação com a terra firme para lançarmos as cordas para amarrarem o
barco quando num sussurro profundo e triste Willy comentou:
--Faz quatro anos que estive
aqui!
--Boas ou más recordações -
perguntei.
--Meu
irmão Aurélio esta enterrado aqui.
--Sim,
eu sei.
Chegamos a São Felix do
Araguaia. MT.
Uma
verdadeira multidão já nos aguardava no
porto, alias, eram muitos os lugares para encostar barcos, foguetes estralavam
por todos os lados e tiros eram disparados às dezenas, de todos os tipos de
arma, fora uma recepção e tanto.
Nosso barco bem manobrado aportou bem perto de
outro barco da região notei que o nome era muito interessante “Frei Chico” era
um barco grande porem com um só motor de centro que era uma maquina estupendo e
de um só cilindro, era um “Bolinder” a que chamavam de cabeça quente, pois para
ele funcionar era preciso aquecê-la a
maçarico, a seguir um enorme tubo de ar comprimido dava inicio a movimentação
era impossível acionar a sua partida a mão, só o volante devia pesar quase mil
quilos, também para movimentá-lo tanto fazia por óleo Diesel, óleo de jacaré ou
óleo de peixe era a mesma coisa, sei disto porque inicialmente o observei por
dois dias, mas quando o Tônico Bosaipo seu proprietário o funcionava, a cidade
toda parecia tremer tal um terremoto... Tuuuummm. Compassivamente, mas
continuamente, fiquei apaixonado pelo barco eu teria que fazer uma viagem nele
e para isto eu fui me entrosando com o Comandante Tônico.
Willy
fora levado para a casa de Severiano Neves o piauiense que fundou aquela vila
que veio a se chamar São Felix do Araguaia, pois tinham muito que conversar,
afora os problemas existia o lapso de tempo de ausência, mas uma pequena
multidão os acompanhou. Realmente o Chefe era muito querido por aqueles
sertanejos e uma vez instalados, tomaram um cafezinho que a esposa de Severiano
a Dona Edilia havia feito e iniciou-se uma longa conversação e eu sempre
entrosado estava ali presente pude testemunhar o desenrolar dos históricos
depoimentos notei o semblante abatido e senti que Willy internamente remoía
lembrando a distancia de quatro anos que volvia sobre o mesmo roteiro e pisava
novamente a terra que tantas lagrimas
soubera. Logo adiante o tumulo de seu irmão e os farrapos de recordações
dolorosas.
Acolhida amiga. Depoimentos
dos sertanejos.
**Recordações afluindo, Azafama alegre dos primeiros momentos de
desembarque. Lugar apropriado para instalação de um bom acampamento. Sombra e
água fresca (porto da manga).
Foi logo depois que viemos ter conhecimento das graves novidades. Os
Xavantes estavam depredando tudo, vindo das brenhas, aterrorizando os
moradores, muitos dos quais já tinham debandado à margem oposta do rio, pondo a
largura da imensa via fluvial de permeio aos índios agressores. Os
remanescentes viviam dentro da incomensurável angustia da eterna ameaça. Os
retirantes da localidade de Caracol, lá estavam seminus por terem perdido tudo
quanto possuíam, olhos ansiosos e interrogadores rolando as órbitas
escancaradas.
Com essa delicadeza comovedora própria dos sertanejos, nada me foi dito
logo ao desembarcar. Todos se desdobraram em gentilezas e auxílios. Foi ao
tomar o café na residência de Severiano que a coisa me foi narrada e sem
rebuços me foi dito ser eu, naquele momento, o salvador enviado por Deus,
graças às preces que diariamente eram feitas!
Aos poucos, vindos de muitas direções, caboclos rijos foram penetrando
na vasta dependência, acocorando-se ao longo das paredes. Rostos endurecidos
pelas intempéries, sulcados pelos ventos e pela chuva, feições esculpidas
toscamente, mascarando corações generosos e almas nobilíssimas, Mãos nodosas
como cepos, rodando pelas abas largas,
os vastos chapéus de carnaúba ou de feltro desbotado. Pés descalços,
artelhos esparramados, trazendo ao
calcanhar a espora enorme, tilintante.
Facões nas cinturas estreitas, às vezes acionados para o esfarelamento de fumo
em corda. Em breve lá estavam Zé Lagoa, espécie de patriarca da vila Lagoa, que
lhe herdara o cognome; João Irineu, Piaçaba,
João Vermelho, Pedro Brito, Zé da
Rocha, João da Luz, Anicetro Oliveira,
Juvenal, Raimundo, Zé Ferreira, Anselmo Alves,. Homens de peso na comunidade.
Pequena multidão ficara do lado de fora, espremendo as cabeças pela angusta
janelinha ou metendo os corpos juntinhos e estivados em pé, na soleira da
porta.
--O primeiro surto de Xavante deu-se vai para um ano – começou
Severiano – Apareceram de súbito e depredaram as roças. Nada aconteceu com o
pessoal a não ser um grande susto. A maioria deles estava por estas bandas e
foram poucos que viram a bugrada. Solicitamos imediatamente auxilio do Posto de
Aproximação do rio das Mortes, mandando um “próprio” para narrar o sucedido Mas
de lá nada veio a não ser uma vaga promessa. Ficamos esperando pelos
resultados. Mas nada mais houve tornamos a colocar o animo em paz. Eis que faz
justamente uma semana, os índios, e desta vez em numero enorme, tornaram
surgir, assaltando e carregando tudo! João Irineu aqui esta e poderá narrar os
pormenores do que lhe coube.
João Irineu, caboclo de força descomunal, todo eriçado de pelos negros,
valente como ele só, mas de uma bondade
infinita, cospe no chão, enfia o todo de
cigarro atrás da orelha e narra:
--Foi de manhãzinha, sol ainda piscano de sono... Abri a porta e dei de
cara com uns oitenta Xavantes, metidos pra lá
da cerca. Ao meu aparecer gritaram qualquer coisa. Levei um sustão dos
grandes... Gritei prus fiios que acudiram
e pra muié que tava fervendo a água prô café. “Xavante minha xente!
Cuidado com eles. Nisso a bugrada pulou a cerca e veio prú meu lado, agitando
flechas em sinal de amizade. Me
cercaram. Empurraram um arco e uma
porção de flechas em minha mão e foram entrando de roldão, casa adentro. Foi um
rôr de pestes! Começaram catando tudo: facões, machados, ferramentas, bilhas de água, panelas, redes, roupas! Gritavam possessos. Segurei
minha carabina. Tava que nem xabia o qui
fazé. Empurrei minha muié pru quarto e
tranquei a porta. Já um índio safado tinha suspendido a saia dela....Tou
aqui...tou morto! Pensei! Os meninos estavam oiando sem nada dizé Os índios
deram com as sementes de arroz e foram tirando tudo. Depois tentaram entrar no
quarto. Ai eu falei “entra não seu cara de mamão que aqui tu não tira nada! Tú
vai tira é bala disto aqui. E bati a mão no cano da bicha. Um deles meteu na
boca da arma um graveto e sorriu prô meu lado cumu prá dize: “atira não cristão!
Nóis num qué brigá”.
--Não demonstraram atitude agressiva?
--Sinhô não! Tavam alegre inté essa peste dos quinto! Quando foram
simbora mi deixaram só com a camisa do corpo. Foi intô que larguei a roça e vim
com muié e fiios prá esta banda. Lá tão
os meus porcos, minhas galinhas, meu
gado, tudo largado sem água...
--Que susto heim?
--Fartão de susto sinhô sim... Mas eu achei que o xavante tá feito qui nem criança. Tira
da xente aquilo que ele pensa que a xente fais com facilidade assim cumu
ele fais a flecha e arco... Pois que deu em troca de um mundão de porcaria.
Há quem solte alguma risada. João Irineu retira da orelha o tôco
apagado e acende-o com a binga. Entra na conversa Zé Lagoa, piscando seu único
olho bom. Tipo escarrado de velho sertanejo. Linda cabeça para um pintor
impressionista que desejasse fixar na tela fisionomia tão insólita.
--Tava eu mais minha xente no rancho lá da roça quando chegaram os
pelados. Um mundão de índio! A muierada inté assusto, dispois ficou assanhada qui nem égua no
cio...Tavam os bugres tudo de côco a
mostra. Oiei prus côco do capitão e vi
que tavam longo,, .Pensei “u home tá cum medo! Tá de côco corrido!”. E tava mesmo puis qui tava cum os ôio aqui e
acolá, virando a cabeça prús lado. A muierada começou a rir baixinho e falar
nas oreia delas. Eu tava cum meu ôio são nos côco do índio... Quando vi que
ficava pequeno intô dixe cumigo: O cabra safado perdeu o medo. Te aguenta Zé
Lagoa!”.
--E aguentou?
--Senão! Fiquei picando fumo maginando coisa,. Os índios furo oiando
pás muié. Falava: “pfi-on” “pfi-on” Que qué dize Muié... muié....Um deles
quix agarrá a potranquinha la da casa e
intô eu falei: “óia qui seu macaco! Te fais de bexta que te arrebento a fachada
da cara!” o índio parece que compreendeu
e largou de banca o gostosão.. Ai eu
deixei que tirassem tudo. Levaram foices, levaram pás, levaram machados,
levaram tudo Deixaram a xente cum
vida, que é bastante i agora tamo sem
ferramenta sem podê trabaia, cum as roças pur lá, prás banda dos bugres.
--Vamos da um jeito seu Zé
Lagoa...
--Xeito? Pois sim... O único xeito é arrebenta cum ele todos! Aqui tá a
Romana do Raimundão. Que fale a muié e
mecê me dirá si tou ou não cum razão!
Dona Romana (valha o nome) é uma senhora já entrada no meio do século.
Grosso bócio afeia-a ainda mais. Só tem dois dentes, enormes, pedidos na
imensidão das gengivas escuras. É um
pouco dura de ouvidos e fala como se tivesse um acesso de asma. Traz os cabelos
revoltosos represados num lenço sujo e brilhá-lhes o olhar intensamente.
--Tava mexendo no panelão preparando a cumida pro Raimundo, quando
senti uma pancadinha nas costas...Uai...pensei comigo - O Raimundo num é dado a carícia...Oiei e
quaxi cai de xusto! Lá tava um brutão de índio cum o cabelo vermeio de fogo,
oiando pra eu! Logo adispois foram entrando mais bugre, oiando e falando. Logo
começaram carregando tudo. Eu tava zonza e gritei pelo Raimundo ”me acuda
marido que bugrada tá me matando!”.
--Tava não sinhá Romana- intervém um dos ouvintes.
--Quaxe! Tava lá tava no papo de xavante!
--Xavante num qué muié veia...
--Gracidinho... Deixa cunta aqui ao capitão ou num deixa?
--Deixamos.
--Pois... Adispois de carrega tudo, o tar de índio de cabelo de fogo
agarra meu panelão “Não sinhô” fui logo gritando “Deixa meu panelão seu
bandido”. Garrei na alça e puxei do meu lado. Ele agarrou e puxou. Intô meti os
dentes na mão do bruto.
--Cade dente siá Romana – interrompe outro.
--Dente? Cá tão os dois, que valem pur trinta! Ferrei o dente n mão do
pelado. Ele me deu um safanão e arrancou o panelão. Levantei e vuei em riba
dele! “Larga a panela seu marvado! Peste do inferno, larga meu panelão qui num
tenho outro! Cumu vou fazé comida pru Raimundo? Larga? Mas o home num largou e
vieram outros e mais outros e levaram o panelão! Dispois me mostraram a estrada
e falaram “motô”... motô”. vaisimbora...vaisimbora! e eu fuisimbora
--Mercê perdeu o panelão mas sarvou as virtudes “siá’ Romana!
Uma gargalhada explode. A mulher arfa de indignação. Olha para os
presentes e cospe com raiva.
--Ocêis sum pió que xavante!
Cessa i riso e a Romana aproveita para embarafustar rumo a cozinha onde
mulheres apinham-se junto ao fogão. Agora é o Aniceto quem fala:
--To aleijado da mão esquerda, cumu vosmicê tá veno... Tou cum oito
fiio e a muié pejada. Axim mesmo tava trabaiando na roça que é linda. Vieram os
xavantes. Me carregaram tudo de marvadez. Inté a roupa do corpo de nois tudo.
Ficamo pelado cumo quando nascemo! Ficamos tudo com a vergonha de fora! Dispois
carregaram com o fiio mais veio e eu
falei comigo: ”Lá vai o meu filho! Minha Nossa Senhora me acuda!”. Metemo o pé na estrada e aqui o Severiano
arranjou roupa pra nois.
--E o filho?
--Vortou graças a Deus. Lá tá ele e pode fala!
Olho em direção a um rapagão espigado e forte. Sorri e desnuda linda
dentadura.
--Passou um mau bocado então?
--Ora sí passei. Os xavantes me levaram prás bandas de lá, maginei que
tava frito!
Andei muito e dispois me fizeram sentá.
Um deles arrancou as pestanas e a sobrancelha. Doe muito, mas aguentei
firme! Num vo sorta nem um pio, falei comigo!
Os xavantes gostaram. Falaram muito e dispois me mostraram o caminho de
vorta e disseram: “motô... motô” e eu...meti o moto na estrada.
Lá então esses homens que vivem a vida minuto a minuto, na luta eterna
contra todos os elementos adversos, abanando as mãos em férias, pela perda das
ferramentas. Com as quais fecundavam a terra que lhes davam o sustento.
--I agora mercê é capais de dizé o que vamos fazé sem os ferros?
--Assim de momento nada posso dizer.
Pretendo porem, apelar as altas autoridades. De mais a mais enviarei
despachos ao Serviço de Proteção aos Índios para que sejam tomadas as
necessárias providencias.
--Confiamos no senhor – disse-me Severiano.
Com isso atirou a pesada carga de uma incumbência jamais sonhada, sobre
as minhas costas.
(AURELI/GUNTHER-1948)
****
Saímos juntos daquela
parafernália de problemas, e agora o que fazer? Eu ia monologando quando Willy
se voltando me disse:
--Leve os barcos para
acamparem no Porto da Manga e peça ao Darcy para vir até mim.
Já estávamos na cidade há quatro dias e o comandante
Willy já havia nos apresentado a quase todos os moradores, passei a
conhecê-los, na primeira casa o Zé Martins, depois seu irmão Leócadio,
Lupercio, Maria Dias, Severiano Souza Neves que era o chefe fundador da vila,
seu genro Ateneu, Sindô, Bento de Abreu Luz, Tertuliano, Piaçaba, João
Vermelho, João da Luz, Anicetro Oliveira, Juvenal, Pedro Brito, Raimundo, Zé Rocha,
Zé Ferreira, Anselmo Alves e muitos outros eram mais ou menos treze casas a
beira rio e umas seis casas na beira da lagoa. Onde residiam o Zé Lagoa, José
Martins, Amâncio de Melo e outros.
Resolveu o comandante nos dar uma folga, por
equipe de 10 dias cada, e aproveitei para ser o primeiro e me engajar na
aventura daquele barco que mais parecia uma arca de Noé. O Chefe autorizou
desde que no dia marcado eu me apresentasse, ou seja, 02 de julho.
*
Tonico Bosaipo... E
seu barco “Frei Chico”.
A
Arca do comandante.
Ela carregava de tudo, passageiros, bode,
cabra, porco, galinha, gente doente, mercadorias comestíveis, peles de jacarés,
pele de onça, sal, açúcar, café em coco, tábuas de mogno, só dava confusão até
funcionar o motor depois todos os bichos se calavam com medo e ficava quietinho
cada um em seu lugar, o Tônico, lá da proa, tal qual um comandante, e era assim
que ele era chamado: “Comandante Tônico Bosaipo”, sim senhor, e aí de quem não
o respeitasse, ele era a imagem viva dos grandes lideres, depois de ter
hasteado a bandeira brasileira bem no mastro final da popa, ordenava a um ou
dois porcos d’água (marinheiros) para recolher a prancha e empurrar a proa do
barco para fora, o Bolinder, de marcha à ré e depois ao comando a frente
levantou um belíssimo bigode de água na proa, riscando rio abaixo, rumo a
Marabá, sua rota original era até Belém, lá se fomos debaixo de uma foguetada
danada, era foguete para chegar e era foguete para sair. Era assim em todo
lugar que aquele homem chegava com seu barco, me disseram que faziam mais festa
para ele por onde andava do que para Barata (Governador do Pará) Tinha um
maravilhoso poder de arregimentação. Dizia o povo ribeirinho que o Araguaia foi
colonizado pelo mestre Tonico e seu barco que já era uma lenda.
A previsão da viajem era de um mês e eu não
poderia ir com ele até o fim, voltaria em outro barco, apenas uns oito dias de
passeio. Impossível esquecer uma viagem assim.
Eu
começava a ver um novo mundo, cheio de esperança não cabia em mim tanta alegria
e uma paz agradabilíssima tomou conta de meu coração me fazendo entorpecer ante
aquela maravilhosa paisagem. Levantei a cabeça e olhando para traz, lá da proa
do barco eu via São Felix se afastando rapidamente, quando a campainha foi
acionada pelo piloto Juvêncio soando três vezes foi a toda força a frente e um
apito surdo e longo repetido avisava que já estávamos de viajem.
O
mestre Tônico veio para a proa e sentou-se ao meu lado e começou:
·
--Afinal de onde você veio? Parece que
entende de tudo um pouco, já sabe quase tudo a respeito do motor.
·
--Eu sou do Estado de São Paulo, São José
do Rio Pardo e fui criado pelos meus avôs que eram alemães trabalhando dentro
de uma oficina.
·
--Isto explica tudo, o que pretende fazer
por aqui?
·
--Viver e aprender de tudo que puder.
·
--Então comece aprendendo a pilotar, vá lá
para a popa ajudar o Juvêncio.
Era por volta das cinco hora da tarde e umas nuvens
negras e carregadas vinda do norte pareciam subir pelo rio acima, Juvêncio
estava preocupado e eu também.
--Comandante é bom aportarmos
naquela praia alta em frente à barreira da Cotia o tempo esta fechando e o
vento vem muito forte.
·
--Atenção... Preparar para aportar.
O
barco virou o rumo para a praia alta e logo aportavam, os marujos pularam em
terra de corda e zingas nas mãos para amarrarem o barco, desceram a prancha e
os passageiros que eram ao todo doze com os dois doentes, vieram para a praia,
os doentes ficaram dentro do barco em suas redes.
·
--Amarrem bem e não acendam fogo, apagar
motor.
·
--Motor apagado e cilindro fechado – gritou
o ajudante de maquinista.
·
--Vamos aguardar o que vai acontecer.
E aconteceu mesmo, o vento
virava para o sul, depois para oeste, relâmpago iluminavam tudo em meia hora o
céu estava escuro e fechado e um enorme temporal com muito vento veio para cima
de nós.
·
--Todos segurando o barco – gritou Tônico.
O
grande barco balançava igual uma canoa de papel na fúria do vento, de repente
um enorme estalo tal um tiro de carabina, umas das zingas que seguravam o barco
na proa se partiu em duas e o barco abriu a proa forçando a popa a arrancar a
outra zinga.
·
--Vamos, pulem para dentro do barco, temos
que funcionar o motor - gritava Tônico em meio aos estampidos dos relâmpagos.
Os raios que caiam mostravam como estávamos nos afastando rapidamente da praia
rumo à barreira se fosse de encontro a ela estaríamos perdidos, mas ainda
estávamos longe, e, eu e o Tonico dentro do barco, no piloto Juvêncio tentava controlar,
na casa de maquinas.
·
--Não dá para acender o maçarico para
esquentar a cabeça, o vento não deixa, vamos tentar dar partida a frio, você
Dankmar pegue sua camisa molhe ali na gasolina e de um cheiro na entrada de ar,
vai dar certo o motor ainda esta quente você Juvêncio fica no piloto.
·
--Em meio minuto eu estou pronto – gritei -
Pronto, pode experimentar.
·
--Lá vai – o mestre soltou a alavanca do ar
comprimido, descomprimiu e abriu o pistão e quando o motor embalou soltou de
uma vez foi uma pancada lá no fundo como quem não queria nada, mas prosseguiu
se movimentando.
·
--Tire o cheiro.
·
--Pronto – gritei quando vi o tão perto que
estávamos da barreira, e eu todo molhado da água que as ondas jogavam dentro do
barco, mas o velho motor deu uma segunda batida, uma terceira e firmou a
aceleração foi quando a campainha deu três batidas pedindo toda força e o
mestre Tônico levou o acelerador ao fim bem devagar o barco parecia ter criado
vida foi quando ouvimos as vozes dos dois doentes: Graças a Deus, Graças a Deus
--foi ai que me lembrei deles, mas agora com a força do motor o barco
enfrentava as ondas de frente cortando-as ao meio e já rumava de volta para a
praia e todo orgulhoso enfiou a cara na areia até encalhar, estávamos salvos,
mas eu estava tremendo, e não era só de frio.
·
--Muito bem alemão, assim é que se faz -
comentou o Comandante Bosaipo me dando uma tapa nas costas que parece doer até
hoje, mas eu gostei e me senti orgulhoso, muito orgulhoso mesmo.
Acendemos uma bela fogueira, com lenha
molhada, deu trabalho, mas pegou e os velhinhos doentes se esquentaram e
trocaram de roupas, enxugaram as redes e só de madrugada estavam dormindo
calmamente, partimos assim que o dia amanheceu e logo passamos pela Aldeia do
Fontoura, depois em Mato Verde que era ainda uma pequena vila fizemos também
uma pequena parada e seguimos para a Barra do Tapirapé, Fomos pernoitar em
Santa Terezinha, o porto não era muito agradável, mas fomos bem atendidos pelo
Napoleão e pela sua mulher Verônica. Soubemos que o Padre Pedro estava lá no
casarão no morro de areia.
Combinei passar uns dias em Furo de Pedra uma
pequena vila mais abaixo um pouco, eram umas poucas casas, mas era também
parada obrigatória dos barcos, para mim estava bom. O barco Frei Chico seguiu
sua viajem e eu fiquei.
Quando o vi partir e escutei seu apito meu
coração encheu-se de tristeza. Foi uma visão inesquecível, até parecia que o
rio Araguaia estava com ciúmes daquele barco e o protegia mesmo a distancia, e
que queria guardá-lo só para ele.
*
Os índios Xavantes e a...
A
Bandeira Piratininga em ação.
Após
as incansáveis anotações eu estava pensando em voltar para São Félix, meu prazo
de dez dias estava se esgotando. Segui viagem com o adventista Antônio Pereira
e no nono dia eu chegava à cidade de Severiano Neves, fui correndo me
apresentar ao Comandante Willy.
Nestes
dias que estive viajando pouca coisa mudou, o pessoal da Bandeira estavam
instalados uns mil metros rio acima no “porto da manga”, tinham descarregado os
dois barcos e armados varias barracas inclusive a estação de rádio já estava
funcionando, o nosso operador Clóvis já estava bem “alto” eu encontrei varias
garrafas secas jogadas no mato e era da famosa aguardente “Chora Rita”. Clóvis
tentava colocar a estação em contato com São Paulo, mas era uma chiadeira
absurda, e logo começou a sair uma fumaça do transmissor e ele desligou.
Pusemos o nome de “Radio Fumaça”. Mas ele
conseguiu mais tarde se comunicar com alguém. Não sei com quem, pois era quase
sempre no código Morse, raramente conseguia falar. Willy só apareceu no
acampamento depois do almoço. Finalmente me qualificaram como armeiro de um
monte de fuzis velhos e descalibrados doados pela policia militar de São Paulo,
cada tiro que se dava numa coisa se acertava em outra e às vezes muito perto do
pé, mas estava bom assim mesmo, não estávamos ali para matar ninguém, era só
não mexer nas armas. Willy veio acompanhado de um índio Carajás que se chamava
Rorrori e trazia um tamanduá mirim amarrado em uma corrente e o bichinho manso
vinha andado atrás (puxado).
--Escutem todos, este
tamanduá vai ser a mascote de nossa Bandeira e o Clóvis como não tem quase nada
para fazer vai ficar sendo o responsável por ele.
--Eu? Mas chefe eu não sei
cuidar destas coisas.
--Agora vai aprender, e
entregou a corrente com o meleta e tudo mais.
Clóvis
sem saber o que fazer saiu arrastando o tamanduá.
Mas o bichinho não queria ir para onde o
outro queria levá-lo e foi só risada dentro do acampamento. Finalmente o amigo
o amarrou em uma raiz junto de sua barraca, eu pensei (pelo menos pinga ele vai
aprender a beber e do jeito que tamanduá gosta vai virar um pau d’água).
Vários
dias se passaram sem que nada de anormal acontecesse, a não ser os anormais dos
meus companheiros que trocavam tudo por uma garrafa da pura cachaça, fosse
Chora Rita, Tatuzinho, Ipioca, Praianinha, Chora na rampa, qualquer coisa que
quase fosse 100% álcool. Uma noite, ali pelas oito horas, Willy vinha vindo da
vila para o acampamento em companhia do Darci quando em meio à trilha um
tamanduá de pé os encarava foi uma gritaria doida.
--Clóvis seu irresponsável
venha aqui agora, como deixou o tamanduá fugir?
--Mas como? Agora pouco ele
estava deitado ali Chefe!
O pessoal
resolveu dar uma mão para o amigo e todos começaram a cercar o bichinho até que
Clóvis o agarrou pelo meio, mas a fera estava brava e arranhou o radio operador
todinho, outros os ajudaram, um pegava na mão outro na perna e lá se foram de
volta à corrente foi quando novos berros estrondearam:
--Chefe venha cá agora -
gritava Clóvis
--Mas? O que é isto, dois
tamanduás?
--O tamanduá é este aqui
amarrado na corrente, e vocês me obrigaram a pegar um tamanduá bravo na marra,
e agora?
--Não sei - respondeu Willy
-visivelmente abalado.
--Ora seu Clóvis solte este
animal, um já é demais – disse eu em tom bem de brincadeira.
--É isto mesmo, o que
esta esperando? Solte-o, concordaram todos.
--Vai bichinho e nunca mais
apareça por aqui senão vai virar espetinho – vaticinou o Clóvis soltando-o
O
chefe e Darci voltaram para a vila sem falar mais nada.
O tamanduá da Bandeira devia
estar bem troado nem sequer viu seu companheiro ou sua companheira. Os bichos
têm uma grande tendência para beberem álcool, as raposas e só colocar uma
vasilha com pinga perto do galinheiro que as que vierem amanhecem todas
deitadas por perto de porre absoluto, os elefantes gostam de cerveja, as antas
de álcool, enfim o que eu não sei é de algum que não gosta.
Fomos dormir.
Meus companheiros, como já disse, gostavam
muito de beber, mas só a cachaça pura, eu os adverti muitas vezes. A exceção do
Lito o uruguaio e de Garmenia o argentino, estes não bebiam, mas fumavam muito,
certa noite estes dois me chamando para um lado comentaram:
--Nos vamos embora hoje de
noite, já compramos uma canoa e vamos descer o rio.
--Vocês estão doidos –
comentei - o Willy vai mandar atrás de vocês.
--Nos não vamos levar nada da
Bandeira, só nossas coisas particulares, pois não toleramos ver este homem
vendendo todo material que nos foram doados e com muito sacrifício nos os conseguimos
lá em São Paulo, agora vende como se fosse mercadoria de comercio - Zangou o
argentino.
--É verdade confirmou - o
uruguaio – eu também não aceito por isto vou-me embora.
--Mas às vezes o dinheiro é
para cobrir as despesas - tentei remediar.
--Pode até ser, mas já
decidimos, partiremos agora.
--Boa viajem e se cuidem -
recomendei.
Na
calada da noite os dois embarcaram em uma pequena “ubá” (canoa indígena) com
seus pertences e sumiram na escuridão do rio, era muita coragem. Fui dormir
sabendo que no outro dia cedo o frege ia ser grande.
Acordei com o grito do Willy e o barulho da
corneta que mais parecia o céu que vinha caindo.
--Darci vá atrás destes dois
desertores, pegue um barco e leve uns homens contigo e me os tragam amarrados.
Não
gostei nada daquilo vendo uns companheiros irem atrás de outros.
Ali
pelas onze horas eu escutei o barulho do barco a motor que voltava, e assim que
surgiram na curva do barranco vi os dois companheiros amarrados no mastro da
proa do barco, aportaram e trouxeram os dois homens para fora do barco e em
terra os apresentaram ao chefe.
--Aqui
está os dois, meu comandante o que faço agora?-
Perguntou Darci.
--Deixe-os amarrados até
eu decidir o que fazer com estes covardes.
--Então o senhor vai ter
que decidir agora. - falei – porque não vamos tolerar ver nossos companheiros
humilhados deste jeito.
--São desertores, merecem
serem punidos.
--Chefe... Todos que
estão nesta Bandeira são voluntários, e não pode obrigá-los a continuar se não
quiserem nos vamos soltá-los - e voltando-me para Kleber determinei –
desamarre-os já.
--Chefe nem pense em
fazer uma besteira vai ficar ruim para todo mundo – ameacei como querendo
adivinhar seus pensamentos.
--Então porque tiveram
que fugir? Porque simplesmente não pediram para irem embora? Pois bem -
continuou Willy – O barco Frei Chico esta saindo amanhã para Conceição do
Araguaia, eu vou arrumar passagem para vocês com o proprietário Tônico Bosaipo,
mas até lá, amanhã cedo, vocês estarão detidos e confinados no acampamento não
poderão nem ir á vila – determinou o líder da expedição e virando as costas
voltou para a vila.
Todos ficaram muito surpresos com a nova
atitude do chefe, só eu que não confiava nela.
Passamos o resto do dia pescando eu fui à vila
e falei pessoalmente com o meu amigo Tônico:
--Você voltou depressa.
--Não pude ir até
Conceição peguei um frete de volta.
--Vai descer amanhã?
--Desta vez eu vou até
Conceição, me parece que o Willy quer que eu leve dois rapazes que deixaram a
bandeira, ele me disse que os dois eram meio comunistas e criadores de caso,
não me decidi ainda se vou levá-los.
--Os dois rapazes são duas
pessoas finas e muito boas e ai contei toda a história para o Tônico. Leve-os e ajude os meus amigos.
--Assim sendo eu vou
levá-los.
--Por favor, não comente com o Willy que
conversamos sobre isto, certo? – pedi
--Fique tranquilo.
Naquela mesma tarde, eu estava quieto dentro
de minha barraca quando ouvi o Willy conversando com o radio operador.
--Passe um telegrama para São
Paulo e peça para avisarem as autoridades de Conceição do Araguaia para
prenderem dois comunistas que vão fugindo no barco Frei Chico um uruguaio de
nome Lito e um argentino de nome Garmenia e diga que estão armados e são
perigosos.
--Mas, assim eles vão prender
os dois, chefe – interveio Clóvis.
--É para prender mesmo, vamos
comece a passar agora a mensagem vamos, estou esperando.
--São Paulo esta me ouvindo
em código Morse, vou informá-los.
Eu sei que o telegrafou funcionou um bocado,
mas só que ninguém entendia nada.
--Chefe... Já enviei a
mensagem.
--E a resposta? Perguntou
Willy.
--Vamos ter que aguardar o tempo
esta ruim de mais.
--Que ruim nada, o céu está
limpo sem uma nuvem – berrou Willy.
--Aqui pode estar, mas lá em
São Paulo não sei não.
--Vou voltar mais tarde,
trate de saber o resultado - disse o mandão e se mandou para a vila.
--Clovis? – perguntei - você
mandou a mensagem?
--Enviei só que ninguém
recebeu não tem ninguém no ar.
--Puxa, estou aliviado.
--Você acha mesmo que eu
faria uma coisa desta?
--Creio que não. - começamos
a rir.
Willy tinha um ódio maluco de bebidas, em sua
primeira expedição seu irmão Aurélio Aurelli morreu de malária complicada pelo
uso, não excessivo, mas indevido de
álcool. Lá no cemitério de São Félix do Araguaia, junto ao morro, bem em baixo
de um pé de pequi, existe a sua sepultura e meu nome está gravado em cima.
Severiano e sua família, dona
Edilia, a dona Nega a minha amiga era cega, a Suely e a Amojacy, se tornaram a
minha família.
Programava-se uma viajem pelos
sertões para entrar em contato com os arredios índios Xavantes, era esta a
verdadeira missão da Bandeira Piratininga, já não se podia haver mais delongas,
pois apenas passaram-se dois dias nos afazeres do acampamento quando chegaram
noticias sombrias; os xavantes estavam depredando todas as roças, queimando os
ranchos, flechando os porcos e as reses. Realmente dura verdade se fez presente
quando a noite, por sobre a orla da floresta uma luz intensa e da cor de
sangue iluminava uma grande extensão. Os
caboclos agrupados, olhavam, em silencio
para essa luz que denunciava os estragos que estavam sendo feitos em
suas roças e cabanas, sabedores que tudo estaria destruído e sem alimentos, com
a chegada das chuvas, a coisa pioraria, nada teriam para comer.
Severiano
à noite me disse:
--Dankmar o meu povo já estão
pensando em abandonar São Felix, dizem que não será mais possível continuar
vivento assim. Tudo o que eu fiz está indo de agua abaixo. Havia muita tristeza
e profundo amargor nestas palavras que as levei imediatamente para nosso
comandante.
Willy procurou Severiano e o Amacio de Melo e
lhes impôs?
--Arranjem a cavalhada que eu
irei me avistar com os xavantes.
--O Senhor vai fazer isso?
--Vou! Arrume a cavalhada e
deixe o resto por minha conta. Escolha uns homens de confiança que eu farei a mesma
coisa, depois traçaremos o itinerário. Já enviei ao Rio de Janeiro uns
despachos. Quiçá surja algum beneficio. Alvitrei ao Diretor do SPI a
necessidade de ser montado um posto de atração nesta zona.
--As providencia foram
tomadas de imediato.
Os
sertanejos, Severiano, Amâncio de Melo, José Lagoa, e João Irineu se incumbiram
de arrumar os animais para a viagem e também o interprete. Apenas dez homens da Bandeira incluindo o
Comandante e o Sub Chefe Darcy, somados a outros dez voluntários, incluindo
Severiano, Amâncio, Zé Lagoa, João Irineu e o interprete formavam aquele grupo
contingente.
Eles mesmos seriam os guias. No dia seguinte,
á tardinha, os animais dormiram fechados em um piquete.
Reunimo-nos no acampamento para traçarmos o
roteiro de nossa viagem, era ainda cedo da tarde, mas estávamos todos
apreensivos.
--Partiremos amanhã, o mais
cedo possível, todos devem levar estritamente o necessário, não esqueçam os
cantis, vinte tiros para cada um, e a tralha de acampamento nas cargas das duas
mulas, corneteiro toque alvorada às cinco horas. Plantões na escala. Boa noite.
Tínhamos um corneteiro, e por incrível que
seja ele tinha uma corneta velha e barulhenta e como tocava mal, mas o caso
dele não era ser um artista, fazia barulho porque gostava.
*
Dia 31 de julho de 1948.
A Bandeira parte para o
sertão em busca de contato com os índios Xavantes até então considerados
arredios e agressivos.
Parece que nem cheguei a
dormir logo a dita corneta estava no ar, nos reunimos todos de cabresto na mão
fomos para o pequeno pasto pegar os animais. Foi uma confusão dos diabos,
ninguém conseguia pegar ninguém, Severiano teve que intervir senão a revolução
começaria ali mesmo. Meu amigo João trouxe-me um cavalo castanho, bem desarnado
e manso.
--Este cavalo tem um andar
muito bom é marchador.
--Obrigado João Irineu.
--Vamos arriá-lo.
Levei
o animal até onde estavam os arreios, escolhi um bom, arriei o cavalo e depois
fui ajudar os outros. Já eram quase oito horas da manhã quando estávamos
prontos para partir. Saímos em fila indiana, na frente iam o Severiano e o
Chefe, emparelhados e logo atrás o interprete, e o resto do pessoal, éramos
vinte pessoas ao todo. Eu fiquei quase no fundo da fila, era melhor para se
observar os acontecimentos, junto comigo estava o Ateneu, João Irineu vinha por
último tocando as duas mulas com as cargas.
Pelo
caminho fomos encontrando ranchos abandonados, chochas calcinadas, arvores
frutíferas arrancadas, cerca carbonizada roça totalmente destruída, carcaças de
animais flechados, porcos a solta fugindo de tudo, animais mortos até uma vaca
degolada foi encontrada.
Criado
no sertão de São Paulo em cidade pequena e em fazendas eu tinha bom costume de
andar a cavalo, mas a maioria de meus companheiros não o estava, e, eu já os
via atravessados em cima de suas celas poupando os fundilhos. Ao meio dia
paramos para comer. Foi um alivio, afrouxamos as selas e fomos dar de beber aos
animais, estávamos bem na beira do rio Xavantinho, comemos alguma coisa a
sombra das arvores, enchemos os cantis e prosseguimos a nossa cavalgada. Foi
mais dois dias ziguezagueando pelo sertão, sempre com a mata do rio a vista. Ao
longe se avistava a fumaça negra das queimadas, certamente os índios não
estariam longe.
Eram umas duas horas da tarde
quando um dos guias mandou parar e foram observar as touceiras de piaçabas que
estavam com as folhas cortadas e havia muitos rastros pelo chão.
--Estamos perto da aldeia
olhem onde tiraram as palhas para cobrir as casas e os rastros estão frescos no
chão, daqui para diante vamos calados e a pé puxando nossos animais.
--Tudo bem, agora vamos todos
apear dos animais, fiquem calados e siga-me, ninguém faça coisa alguma sem
minha ordem – comandou Willy.
Bem a nossa frente ainda junto ao rio
Xavantinho, dentro de uma clareira limpa do cerrado, estava à aldeia Xavante.
Eram umas oitenta casas feitas de varas e cobertas de palha. Mas a aldeia
estava vazia os índios haviam se mudado para outro local. Durante a noite podia
se observar a imensidão do fogaréu tinha a impressão que estávamos sendo
vigiados, que os silvícolas estavam bem ali junto de nós. Ao amanhecer tivemos mais um dia de caminhada, desta feita em rumo à
queimada, quando o nosso rastreador Juvenal se deu conta que estávamos para nos
encontrar com os índios, pois os vestígios se multiplicavam, fomos tomando
chegada por entre os arbustos, mas Willy não queria surpreende-los para evitar
um confronto e assim ele foi entrando na aldeia ao lado de João Irineu e um
pretenso interprete e nos determinou que ficássemos onde estávamos. Até então
não haviam notado nossa aproximação. No interior da aldeia só estavam às
mulheres, meninos e os velhos, uns quatro cachorros muito magros e umas araras
gritalhonas, uns papagaios escandalosos que logo denunciaram a nossa presença.
O nosso pretenso interprete mais um homem junto com Willy quando entraram na
aldeia causaram grande tumulto foi uma confusão danada e eles tentavam
acalmá-los falando em Xavante, acho que ninguém entendeu, pois pouco adiantou,
foi uma debandada maluca, mulheres arrastavam as crianças pelos braços gritando
as velhas e os velhos gesticulavam, mas corriam, e, em pouco tempo estávamos
sozinhos dentro da aldeia. Um menino foi esquecido dentro de uma chocha e o
nosso pessoal já havia adentrado se engraçaram com o pequenino e este pareceu
se acomodar e em poucos minutos se familiarizou com o nosso pessoal que ficaram
encantados com a docilidade do garotinho e passaram a vistoriar as casas
abandonadas e logo se deram conta de que ali estavam seus fações, suas enxadas,
machado, panelas e tudo que os índios haviam carregado do Caracol e outras
roças. a que Willy ordenou;
--Ninguém
toque em nada!.
Os guerreiros estavam fora,
mas não por muito tempo, em menos de meia hora estávamos praticamente cercados
dentro do limpo da aldeia. Os guerreiros começaram a chegar todos pintados de
vermelho e arco e flechas outros com borduna na mão e batiam o pé ameaçando nos
atacar, eram muitos, não sei se todos eles estavam ali ou se ainda tinha mais
por chegar, mas já eram aproximadamente uns duzentos, nos estávamos preparados
para resistir se fosse preciso, bem, eu acho que estávamos, bastava atirar em
qualquer rumo certamente acertaríamos alguém que não fosse a nos mesmos. Um
índio acompanhado de outro se adiantou e veio ao nosso encontro, presumíamos
que seria o famoso e tão decantado cacique Terezaçu índio ampla e notoriamente
conhecido pela sua bravura, ele batia no peito e dizia seu nome:
--Ima mana heto Terezaçu
– repetia seguidamente.
--Willy se adiantou e fez
o mesmo batia no peito e dizia seguidamente;
--Ia-mamã
heto Wirri... Wirri... E repetia quase cuspindo na cara do índio
O índio deu demonstração que
estava entendendo e que os dois eram os lideres de seu povo e que queria que
entregassem o menino que brincava com os nossos homens a que o chefe mandou um
dos bandeirantes trazê-lo e entregar ao índio e este ao recebê-lo passou para o
outro índio que disparou para a orla da mata adentro. Na sequência das
tentativas de entendimentos o tal interprete tirou do bolso um papel com muitas
palavras escritas em xavante, mas de nada adiantou e continuaram a usar o
sistema de mímicas e foram se entendendo. Mas o interprete e Willy desatando as
bruacas das mulas tiraram lá de dentro, panelas luminosas, facões, machados,
rapaduras, enfim um monte de coisa e colocaram no chão ao alcance dos índios e
se afastaram o interprete explicou para o chefe deles que estávamos ali em
missão de paz e que éramos amigos e havíamos trazido presentes para dar e
trocar. Logo foram se aproximando dos presentes no chão, os pegavam e os
examinavam e pediam mais. O nosso interprete se aproximara e junto com Willy e
Severiano, já começavam a se entender. Pouco depois estávamos todos
descontraídos e trocávamos canivetes por flechas, ou outros enfeites que
começaram a aparecer e os índios davam a impressão que estavam entendendo tudo
e em pouco tempo já queriam até nossas roupas, mas não os deixamos tocar em
nossas armas, ficamos lá dentro por mais de duas horas quando a corneta tocou
nos assombramos e os índios também e Willy gritou para o corneteiro.
--Tocar retirada imbecil -
Pare com isto.
--O Senhor mandou tocar
retirada. (o imbecil havia dado o toque de atacar só que ninguém conhecia tanto
fazia tocar qualquer coisa o que queríamos era sair dali)
--Mas já chega, todos
montados e em retirada cautelosa saiam em duplas e se juntem lá fora no varjão.
Com
esta confusão nos retiramos e os índios nos acompanharam um bom pedaço, nossa
viajem havia deixado um saldo positivo, o contato fora pacifico e os índios
prometeram ir ao nosso acampamento.
Após seis dias e meio de viajem chegávamos de
volta a São Félix do Araguaia, parecíamos remanescentes de uma guerra civil,
todos mutilados, mais por baixo do que por cima, mas valeu à pena.
Aguardamos
por muitos dias a visita prometida pelos índios Xavantes, o prazo da Bandeira
se expirara, teria que regressar a São Paulo, assim o chefe me mandou ir até a
fazenda Caracol onde morava João Irineu e chamá-lo trazendo os pertences da
Bandeira que estavam guardados em sua casa. Eu fui até lá, eram apenas algumas
horas de viagem. A ida até que foi boa,
mas à volta. Já havíamos andado quase uma légua na viagem de volta para São
Félix, vínhamos eu e o João Irineu tocando duas mulas cargueiras carregadas com
os pertences da expedição, quando, surgindo não sei de onde, apareceram em
nossa frente uns trinta índios Xavantes, que acenando as mãos tentavam
dialogar, mas o que eles queriam era as burras e eu desconfiado enfiei o laço
na popa das duas que dispararam estrada afora rumo a cidades, na hora de voltar
para casa até estes animais entendem bem do rumo a fim de largarem suas cargas
e não teve quem as atalhassem e eu atrás gritando as burras deixei João junto
com os índios.
Agosto de
1948.
“Os índios Xavantes entram
pela primeira vez pacificamente em São Felix do Araguaia”.
Logo que cheguei a São Félix
as burras entraram no curral aberto do Severiano, seguidamente despejamos a
carga no chão, em seguida avisei ao Chefe que junto com Weber já haviam notado
a minha preocupação.
--Os índios estão chegando,
são uns trinta ou mais não tivemos tempo de contar.
--Muito bem Dankmar soltem os
animais e vamos nos preparar para recebê-lo – disse o Willy bem contente,
afinal tudo dera certo até agora, estava apreensivo, pois João Irineu ficará
para traz.
Os moradores da Lagoa chegavam
apressadamente trazendo verdadeiras mudanças em suas costas, pois tinham medo
dos índios Xavantes, mas o Chefe os acalmou.
Não demorou muito tempo os
índios apareceram na estrada e nosso amigo vinha com eles trazendo um índio na
garupa. Chegavam ao nosso acampamento e o pessoal da vila ao saber da noticia
vieram todos ao encontro sabendo que não haveria risco algum a correr e o
contato se generalizou, parecia até que se conheciam há muitos anos. Foi um
grande começo. “Noticias, pelo menos assim os sertanejos nos contaram, que os
índios Xavantes eram originalmente do Estado de Goiás e viviam bem entre os
produtores rurais, mas há muitos anos atrás alguns fazendeiros, por motivos que
são ignorados, envenenaram as águas dos poços das aldeias matando muitos
índios, muitos jovens e crianças foram vitimas da catapora, mal orientados ao
sentirem a febre banhavam nas águas do rio, não resistiam e morriam. Os
remanescentes fugiram atravessando a Ilha do Bananal para se instalarem em Mato
Grosso, mas a travessia do rio Araguaia também foi uma grande tragédia, pois
muitos que não sabiam nadar morreram afogados, era uma nação muito sofrida e
que quase se extinguiu”.
Enquanto todos os índios e
toris perambulavam pelo acampamento eu resolvi ir pescar bem ali no nosso porto
onde a pacu era uma fartura, pegava uma atrás da outra e cada uma mais bonita
chegavam a pesar quase um quilo cada, já havia fisgado umas cinco quando alguém
me chamou do alto barranco, era um índio Xavante que mostrando os pacus pedia
que eu lhes jogasse um peixe e assim o fiz e ele a agarrou e passou para outro
índio atrás, seguidamente fui jogando e pescando mais, já havia passado para
ele uns dez ou onze peixes quando ele sumiu.
Houve muita festinha e agrados até que eles
resolveram irem embora.
O ponto brilhante desta aventura foi quando
Willy resolveu intermediar a paz entre os índios Xavantes e os índios Carajás
que eram rivais eternos e ambos concordaram no encontro e assim estava dado o
primeiro passo, o segundo foi à ida dos Xavantes até a aldeia Carajás na ilha
do Bananal não mais do que uma légua rio abaixo e o Willy foi patrocinador
desta apoteose. A recepção foi calorosa, o Cacique Malua e Uatau os receberam
jubilosamente, com festa e presentes eram uns vinte Xavantes novos que causaram
algum ciúmes nos jovens Carajás em razão como as suas moças encaravam os
Xavantes. No retorno a São Felix
Arutana, Malua e Uatau ficaram face a face com seu arquiinimigo bem a sua
frente o grande e famoso cacique Xavante Terezaçu, eles se cumprimentaram com
um grunhido ininteligível, apertaram as mãos e se afastaram a uma prudente
distancia, mas sorriram.
Daquele dia em diante viveram
em paz, cada um na sua aldeia e território, mas se respeitavam mutuamente e
trocavam presentes chegando até e se proporem e cederem em casamento algumas de
suas mulheres solteiras, mas dai gerou uma piada, um Carajá disse
graciosamente:
--Nois troca as véia por
nova.
Depois
de seis dias em São Félix do Araguaia os índios voltaram para a aldeia levando
muitos presentes e a certeza de que os toris e Carajás eram amigos.
Mas como em toda a família sempre tem uma
ovelha negra assim os tinham os Xavantes, ela se chamava “Camilo” e seus quatro
seguidores, tinham sido expulsos de seus convívios passando a vagarem sozinhos,
eram cinco rebeldes, como veremos a seguir.
Um dia antes da partida já estava tudo
agasalhado para a manhã seguinte eis que um novo fato veio tumultuar a
situação. Dona Tarsila uma senhora que é professora em São Felix chegou ao
acampamento assombrada dizendo que o índio Kuriala havia lhe dito que.
--Os Xavantes atacaram duas
índias na praia atrás do morro de areia e meu filho estavam com elas, por
favor, acudam meu filho terminou angustiada.
Eis que chega o índio Kuriala
que era cego e estava mais branco do que um defunto e contou que ouvira o grito
das duas índias quando subia o rio em sua canoa e elas diziam que os Xavantes
as estavam matando. Logo o Chefe muito
preocupado mandou uma equipe para dar buscas na praia e eu fui um destes e lá
se fomos passamos pelo cemitério, contornamos o morro de areia junto à passagem
do rio e embrenhamos na capoeira rumo à praia, o Willy e outros foram de
canoa e vieram pela lado norte da praia que era limpa e nos entramos pelo
sul rumo rio abaixo até entrarmos na praia e para minha surpresa encontramos ao
dobramos uma duna as duas índias e o menino estavam brincando e correndo na
água rasa de uma pequena enseada.
--O
que esta acontecendo, cadê os índios Xavantes?– perguntei.
--Nada não Dequimá nois duas
estava brincando com Kuriala, botando medo nele.
Peguei o menino pela mão para
levá-lo e o entregar a desesperada mãe, mais abaixo na praia vinha Willy e sua
turma e o avisei de longe que estava tudo bem que fora uma brincadeira e mandei
que levassem o menino que correu até eles e voltaram.
Fora
apenas uma brincadeira de mau gosto, mas terminou tudo bem. Antes assim.
O regresso da Bandeira
Piratininga...
Cumprida com muito sucesso a missão a que
viera a Bandeira Piratininga se despediu dos sertões e regressou a São Paulo
para não mais voltar. Esta foi a sua ultima expedição. Iniciada em julho de
1948 e terminada em fins setembro de 1948. Aurélio Aurelli irmão de Willy
morreu ainda em São Felix do Araguaia de malária e foi sepultado no cemitério local
daquela cidade, bem em baixo de um pé de Pequi.
Em sua sepultura eu gravei meu nome Dankmar...
Willy Aurelli como escritor e
jornalista deixou escritos vários livros sobre suas aventuras expedicionárias
editadas pelas Edições Saraiva, mas um livro foi marcante sobre a Bandeira
Piratininga com o titulo “Terra sem sombra”. Veio a falecer em São Paulo de
morte natural, a sua esposa Jacy ainda viveu por muitos anos, os outros
componentes remanescentes da Bandeira como Darcy, Gunnar, Garmenia, Weber, Takaki,
Aurélio, Lito, Barros, Paulo, Osmar, Peter, sargento Avelar, Sampaio, Clovis,
Pedro e Dona Jacy, e remanescentes da primeira expedição como Aristides,
Osvaldo Guimarães, Henrique Himelreich e outros pelo que eu soube todos já
faleceram, o único vivo da Bandeira Piratininga que ainda resta hoje sou eu Wolfgang Dankmar
Gunther o autor deste livro, hoje conto com oitenta e oito anos não só de
idade, mas de uma memória lúcida e muito viva.
Assim me tornei em:
“O Último Bandeirante”.
§
Capitulo 03.
Eu fiquei...
Naquela oportunidade eu não
regressei a São Paulo...
Este contato com os índios
Xavantes não foi de todo proveitoso ao menos para algumas pessoas. Como em
todas as famílias, os índios também tinham suas ovelhas negras e o líder destas
tinha o nome cristão de Camilo.
Camilo era um índio novo,
mas muito irrequieto, gostava de aparecer de supetão vindo sempre por de trás
das pessoas e assobiando entre os dentes o que fazia todos sentirem um
friozinho na nuca. Sempre aparecia em um
lugar qualquer e quando menos se esperava, e com ele, outros quatro índios.
Ali pelo mês de outubro Camilo apareceu na
fazenda Caracol do João Irineu e ele, Camilo, estava doente, os quatro outros
índios estavam com ele.
--Camilo você esta doente?
--Doe muito o peito e as
costas e tem febre.
--Pode ser pneumonia, eu vou
tratar de você, mas vai ter que ficar quieto e deitado um bocado de dia.
--João homem bom Camilo fica.
João Irineu
foi a São Félix comprou penicilina e aplicou em Camilo por
vários dias até ele ficar bom e isto demorou um mês, durante este período João
estava moendo cana e fazendo rapadura. O tacho estava cheio de melado quente
que ao apurar soltam bolhas que explode jogando caldo quente longe, Camilo já
bom ficava rodeando o tacho e João sempre avisando para não encostar muito, foi
quando o melado explodiu e apenas chamuscou a barriga de Camilo que gritou e se
afastou, chamando os companheiros foi-se embora com muita raiva, João ainda
tentou amenizar, mas não adiantou. O que João não sabia era que Camilo voltaria
mais breve do que ele jamais poderia imaginar. Pouco tempo depois se tinham
noticias dele e seus companheiros, e eram más noticias.
Mal havia passado o mês de setembro, ainda
inicio de outubro, o tempo se encontrava quente e nubloso, ameaçava chover,
quando eu tive a noticia senti um grande arrepio, os índios tinham atacado o
retiro do Pedro Tapirapé e matado sua irmã e as duas crianças.
Poucas horas depois um grupo de homens
armados chegava ao local do morticínio, era uma fazendinha de um humilde
posseiro que só tinha duas taperas, uma para moradia, e uma oficina de fazer
farinha, e ali em cima do monte de mandioca que descascava a mulher Maria
Tapirapé estava morta com a cabeça arrebentada a bordunadas, o sangue rubro
manchava a alvura das raízes, mais ao lado, embaixo de uma cocha de colocar
massa, estava o corpo ensanguentado de uma menina. No terreiro os porcos
disputavam o que sobrara do corpo de uma criancinha de colo, na travessa de
madeira da casa o testemunho da brutalidade, a mancha de sangue indicava onde
tinham quebrado a cabeça do neném antes jogá-lo aos porcos. Mas a menina que
estava embaixo da cocha estava viva e dois dias depois quando abriu os olhos
foi para dizer:
--Titio... Foi o Camilo.
Na
cena do crime, uma borduna de índio caiapó, Camilo tentava enganar.
Impossível esquecer uma
chacina como esta.
Vinte
dias depois, ainda no mês de outubro, eles atacaram de novo, desta feita foi na
fazenda Caracol do meu amigo João Irineu, o homem que havia tratado deles.
Dona
Rita, mulher de João chegou a São Felix a pé já noite, havia corrido quase mais
de quatro léguas, estava exausta e quase em estado de choque. Com muito custo
quando conseguimos reanimá-la, o dia já vinha amanhecendo.
--Vão até a minha casa gente,
os índios mataram o João e os meninos - e entrava em crise de choro Eu estava
fazendo almoço quando ouvi um grito longe, parecia vir lá da roça onde o João
estava trabalhando, eu fiquei preocupada e fui até a janela para ver se via
alguma coisa, pois sabia por noticia o que o Camilo andava aprontando eu sempre
tive cisma dele, foi quando vi os índios virem correndo no rumo de minha casa,
e vinham com as borduna na mão, fiquei com medo e corri para o fundo quintal e
me escondi na moita de banana, ai eles entraram na casa e me procuraram, saíram
até o quintal, mas não me viram, voltaram para dentro da casa e começaram a
quebrar tudo e carregaram um bocado das coisas, quando eles foram embora eu
corri para cá. Sei que meus filhos estão mortos e João também vão lá pelo amor
de Deus.
Logo, formaram um grupo de homens revoltados
e se puseram a caminho. A tragédia se repetira. Na casa, em uma rede atada na
sala rústica estava um corpo ensanguentado. Era Luciano um dos filhos do velho
guia, mesmo com a cabeça quebrada ainda vivia, Na roça, tombados sobre a terra
que trabalhava estavam os dois corpos pai e do filho Augusto, suas cabeças
quebradas e no pescoço os enfeites Xavantes. O sobrevivente foi transportado
para São Félix em uma rede e assim que se tornou lúcido contou o ocorrido:
--Eu e o papai estávamos
trabalhando na roça carpindo, era ainda cedo quando vimos os índios chegarem,
não vimos nenhuma arma com eles, eram cinco e o Camilo, ele chegou perto do
papai e o cumprimentou:
--Ta bom João?
--Olá seu sumido, por
onde andava?
--Eu estava na aldeia,
olhe o que eu trouxe para você - disse Camilo mostrando um colar destes de
cordão com umas penas de gavião e foi colocando no pescoço do papai, e aquele
outro índio baixo também me deu um, e como é costumes deles porem no pescoço da
gente ninguém desconfiou. Ai aconteceu que Camilo deu um grito e eles começaram
enforcar a gente com o cordão, eu lutei muito para tirar o revolver, mas ele
estava embrulhado em um lenço e eu não dei conta, só sei que eles bateram em
nós com o olho de nossas enxadas. Ai então eu não vi mais nada, me lembro de
estar doido andando no rumo da casa e depois eu não sei o que aconteceu.
O
mesmo aconteceu com o filho mais moço que trabalhava meio afastado quando ouviu
os gritos foi ver o que estava acontecendo e já encontrou os índios pelo
caminho que o mataram do mesmo jeito.
João
Irineu e seu filho mais moço morreram em cima da terra que amavam e trabalhavam
pelas mãos de quem ajudara.
Mas a
revide não demorou a chegar.
Para Camilo não houve sobreviventes nos
massacres, achavam que todos tinham morrido e que pensariam terem sido os
índios Caiapós os autores, estavam tranquilos.
Pouco
tempo depois (assim me contaram) um grupo de cinco vaqueiros ia para o campo
quando avistaram os cinco índios na tapera do João Velho, bem junto da estrada
que levava ao limpo grande, um dos vaqueiros chama a atenção dos outros:
--Olha quem estão ali -
disse - mostrando a velha tapera.
--São os índios Xavantes,
é o Camilo e seus companheiros, vamos até lá agora chegou a nossa vez.
Calmamente
os vaqueiros foram rumo à tapera faziam de conta que não queriam nada, chegaram
rindo e desceram dos seus cavalos e os cinco índios adentraram na velha
choupana, e assim também o fizeram os quatros vaqueiros e antes de
começaram a atirar um deles
comentou:
--Muito bem Camilo você
que é o matador de crianças, agora é a sua vez de morrer.
Camilo
o mais desconfiado pulou a janela correu
para dentro de um capão de mato que beirava a casa, os outros quatro índios
morreram dentro da tapera, os vaqueiros a cavalo cercaram o pequeno capão e
quando conseguiram encontrar Camilo o mataram e ajuntando os corpos os
enterraram ali mesmo.
Tudo parecia ter voltado á
normalidade, mas não por muito tempo.
São Félix voltou a dormir em paz com os
índios, passaram-se muitos anos sem tornar a molestá-los novamente, embora
tivesse índios por todos os lados, os Caiapós no Kuluene ou Xingu, os Carajás
nas margens do rio Araguaia, os Tapirapé ao norte e os Xavantes por todos os
lados, e mais dezessete nações diferentes no Parque Nacional do Xingu.
Começavam a se acomodar cada um em seu canto, pelo menos era o que parecia
estar acontecendo, mas a explosão populacional das tribos Carajás crescia de
Leopoldina a Barra do Tapirapé, e estendendo-se até o estirão do Cinzeiro tudo
até então era paz, harmonia, homem e a natureza. Alguns padres por ali andavam
em desobriga, e o mais conhecido era o Padre Pedro Cobalchini e suas longas
barbas pretas, que viajava pelo rio, em Leopoldina tínhamos o Padre Paulo que
logo deixou a batina para se casar, era um bom carpinteiro e pintor e pastor de
almas, restava o Padre Chico ou Jentel, Padre Foucault, e os Bispos que zelavam
de suas prelazias. Don Luiz. Don Tomas Balduino, e ai foram chegando o Padre
Canuto e o Padre Pedro Casaldaliga.
As aldeias Carajás começavam sempre rumo rio
abaixo, em Leopoldina o cacique era o índio Cachoeira depois que ele matou um
índio outro ficou em seu lugar, Jacinto era seu nome, a seguir era a aldeia de
São Pedro aonde o cacique era o Domingos Carajás. A seguir vinha à pequena
aldeia de Barreira de Pedra, depois de Santa Isabel do Morro onde o Grande
Cacique era o Malua, que era assessorado pelo fabuloso índio Uatau vinha a
seguir a aldeia do Fontoura sendo cacique o índio Pereira, na sequência vinha
Mato Verde onde o Zé Grande mandava, depois a aldeia da ilha do Crisostis,
aldeia do Jatobá, aldeia do Posto Heloisa Torres no morro da barra do rio
Tapirapé com o rio Araguaia, aldeia do rio Crisostemos, aldeia de Lago Grande,
aldeia de Barreirinha, aldeia de Barreira de Campo, aldeia da Barreira de
Santana, aldeia de Santa Maria, aldeia de Conceição do Araguaia, aldeia do
travessão e a aldeia das Andorinhas, eram centenas de índios espalhados pelas
praias e rio Araguaia, de um lado e do outro, no braço menor do Araguaia que
formava a ilha viviam os índios Javaés que eram e ainda são uma extensão da
tribo Carajás que tinha sua aldeia denominada Canoanon na ilha do Bananal e, em
seu interior curiosamente, junto ao extenso bananal que deu origem ao nome de
Ilha do Bananal se infiltraram os negros de pouca estatura e barbichas que
usavam flechas com ponta de facas e que eram oriundo dos escravos fugidos
conhecidos como “canoeiros”. Viraram lenda face a dificuldade em localizá-los.
Na Aldeia Carajá de Lago Grande, o cemitério indígena era na própria barranca
do rio do lado de Mato Grosso, bem dentro da vila, lembrando que em 1968 o
Negro Veríssimo, achou vários adornos feitos de pedras como Panhetás, e outros
belos artefatos feitos em pedra sabão ou pedra mole que estavam em uma
sepultura rasa e nada mais foi mexido naquele sitio, não sei o destino que
tiveram aquelas peças.
A festa principal do Carajá chama-se ARUANÃ,
que
significa dança dos peixes. É uma
das mais lindas festas que já assisti.
Povo humilde de índole matriarcal, considerado um grupo isolado
suas histórias antigas remontam a quando moravam nas grandes águas salgadas são
exímios canoeiros, e grandes artífices em enfeites e adornos, ostentam uma
cultura transcendental invejável.
Suas aldeias
principais são Santa Isabel do Morro na
Ilha do Bananal e das Andorinhas hoje no Estado de Tocantins.
A cidade
mais perto era Mato Verde, distante doze léguas rio abaixo, eu gostava de ir
lá.
Primeiro se chamava Mato Verde, depois
Luciara.
Em Luciara, cidadezinha que leva a metade do
nome do fundador o velho desbravador Lúcio Pereira Luz e a outra metade do rio
Araguaia, numa fusão perfeita enfeitam a natureza. Hoje, ali, no centro de uma
singela praça, bem ao lado da prefeitura, uma estatua do busto do pioneiro,
feita em bronze, olham as águas do Araguaia que tanto se dedicaram um ao outro.
Só restam lembranças, lembranças vivas que
não podem ser esquecidas ou apagadas com o tempo, lembranças que a ferrugem não
coroe o ladrão não rouba, e o tempo não desgasta.
Já se
foram os gloriosos dias do Coronel, mas os seus feitos jamais desaparecerão,
ele e seu grande amigo Severiano de Souza Neves cujos exemplos e temperas são
um marco indelével na história do sertão mato-grossense.
De Severiano nem um busto restou, apenas,
como já mencionamos, uma Rua em São Félix do Araguaia e uma ponte sobre o rio
Xavantinho levam o seu nome lembrando que um dia ele existiu e que fundou
aquela cidade, é muito pouco para um vulto tão grande.
Ele, e
seus companheiros os desbravadores como Comandante Tonico Bosaipo e muitos
outros fundidos pela natureza igual a tempera do diamante mesclado as fibras
dos valentes e com a astúcia dos grandes guerreiros, deixaram um rastro de
aventuras e feitos que jamais se apagarão.
Mas como todos, tiveram seus momentos de
dores e sofrimentos, talvez mais do que merecessem.
Descendo o rio, de São Félix a Mato Verde
passava-se primeiro por Santa Isabel do Morro, a maior aldeia Carajás, depois
pela aldeia do Fontoura e finalmente pelo pontal do Padre, onde no período da
seca, um travessão de pedra atravessa o rio de Mato Grosso a Ilha do Bananal,
logo adiante, depois da curva ficava a pequena vila, que mais parecia uma joia
rara encravada na barranca do rio, suas lindas praias enfeitavam a chegada, do
porto junto a um pé de Piranheira, chegava-se aos currais do pioneiro, e de lá
para as casas que eram distribuídas ao longo da margem do rio numa bela e
inesquecível vista panorâmica. Tudo era paz e tranquilidade, não se ouvia falar
de guerras ou revoltas. Nem radio ainda existia por lá, se acontecesse uma
revolta ou guerra no mundo quando a gente viesse tomar conhecimento ela já teria
acabado.
Quando cheguei a Mato Verde, naquele dia não
tinha nada que estranhar, pois já havia estado ali antes e fizera bons amigos.
Ninguém usava relógio e nem falavam em horas, usavam folhinhas, falava-se em
dias, semanas ou meses. O tempo não importava.
Sr.
Lúcio, já meu amigo, foi a primeira pessoa que encontrei.
--Boa
tarde meu Coronel.
--Boa
tarde, ora, se não é o nosso amigo paulista, seja bem vindo.
--Obrigado –
agradeci dando-lhe um abraço forte.
--Estou
secando o relógio, entrou água nele – disse me mostrando um relógio de pulso
que colocará em cima da chapa do fogão para secar e ao tentar removê-lo como
estava quente não o conseguiu segurar e ele caiu dentro do fogo em cima das
brasas, e só foi tirado do meio das brasas, minutos depois quase torrado agora
este se acabou mesmo – dizendo isto jogou o relógio num canto e voltando-se
para mim – vamos.
Saímos a andar pela rua, daquele momento em
diante não me faltou mais nada, nem “pira para me coçar, estava sob a tutela do
Coronel”.
Misto
de juiz, promotor, defensor, delegado e prefeito o homem é quem mandava e
resolvia tudo, e fora a estes encargos era também agropecuarista e comerciante.
--Senhor
Dankmar – tratava a todos com profundo respeito - estou esperando um caminhão
com mercadorias em Leopoldina, devo me ausentar por uns dias, mas o próximo
caminhão vira até a aldeia do Fontoura por dentro da Ilha do Bananal. O Senhor
me espere aqui que na volta nos vamos juntos até a minha fazenda São Pedro.
Enquanto aguardava a volta do coronel me
entrosava cada vez mais com seus filhos e amigos.
O sertanejo tinha um grande
numero de gado que criado solto nas largas os mesmos embraveciam e se
alongavam. Este tipo de gado só era campeado em vaquejadas especiais. Sempre
saiam em numero de dez a doze vaqueiros. Não faltava a rede de dormir, rapadura
e carne seca com farinha de puba. Na garupa um bom laço de couro de mateiro e
vestiam perneiras de couro bem curtido. Sempre levavam duas ou três juntas de
bois carreiros (sinueiros) para trazer de volta as rezes aprisionada. Eu mesmo
fui por duas vezes. Nosso ponto de parada era na Santa Fé, uma belíssima ravina
onde havíamos construído um curral e uma pequena casa. Ali dormíamos, e
partíamos para nossas caçadas.
Sempre levantávamos bem cedo, ao clarear do
dia, não só por causa do gado, mas também por causa dos índios. Preparávamos
nossos arreios tirando tudo que fosse supérfluo e tudo que fizesse barulho,
enrolávamos linhas nas rosetas das esporas para não tinirem e saiamos em busca
do gado bravo que sempre andava reunido em magote de vinte a cinquenta rezes.
Quando achávamos seus rastros frescos seguíamos calados até avistá-los, então
tomávamos chegada pelo lado contra o vento para que as rezes não nos sentissem
e chegávamos o mais perto possível, mas quando elas nos pressentiam era uma
debandada doida e saiamos todos em desabalada carreira cada um atrás de uma rês
desgarrada uns as derrubavam logo e as peavam
outros as laçavam e depois tinham que se defender das investidas amarrando-as
em arvores, outras acuavam dentro das capoeiras e enfrentavam os vaqueiros. Era
uma luta dura, mas ao final sempre voltávamos com muitas reses apreendidas. O
melhor eram os comentários, fulano caiu, fulano ficou enganchado em um galho ou
fulano teve que pegar a novilha à unha se não ela o pisava. Eram formidáveis
aqueles homens inclusive o grande campeão Antônio Petoco que em decorrência de
uma espetada de pau no pé teve tétano e morreu.
Eu mesmo levei muita paulada de galho pelo
corpo.
Assim o tempo ia passando e eu esquecera que
existia outro mundo lá fora.
Era por ai junho para julho de 1949.
Naquela
tarde de verão eu estava sentado com vários amigos em uma rodada escutando o
velho Lúcio contar casos de Nostradamus quando um rapaz de nome Roberto se
aproximou dele e disse:
--Seu Lúcio, eu preciso de um favor
do senhor.
--O que é que você quer?
--Quando o Senhor for para o
Fontoura eu queria uma carona de ida e volta.
--Primeiro você me deve desculpas –
ironizou o Coronel.
--Como assim?
--Você
se lembra daquele dia lá na praia quando o senhor pulou por cima de mim que
estava agachado dentro da água, tirando “tiuba”?
--Sim, mas foi sem querer, mas eu
sei que fui errado, eu não devia ser tão atrevido e o desrespeitei, me
desculpe, por favor.
--Assim que se fala, está
desculpado, quando eu for, te aviso, mas possivelmente será amanhã cedo -
terminou o pioneiro com um leve e amoroso sorriso nos lábios.
--Dankmar você esta lembrando sobre
o caminhão que eu ia trazer com mercadorias através da Ilha do Bananal?
--Sim me recordo, mas é uma
temeridade seu Lúcio, será o primeiro caminhão a chegar neste sertão.
--Mas chegará amanhã cedo, mandei um
bom guia para acompanhá-los e sei que conseguirá chegar à aldeia do Fontoura,
seu barco esta no jeito?
--Estará
pronto ao amanhecer do dia.
Eu havia comprado um barco com motor Penta
com 04HP (Cavalos força) e uma canoa para quatro mil quilos. Partimos ao
clarear do dia e quando o sol saía já estávamos chegando á aldeia do Fontoura
onde os crentes adventistas cuidavam da aldeia e o pastor Isaac Fonseca estava
lá.
--Bom dia minha gente,
seu Lúcio eu já soube da novidade, será que chegarão sem problemas? Inclusive
já expliquei para os índios o que é um caminhão e eles estão ansiosos para
vê-lo.
--Não se incomode
daqui para o meio dia eles chegarão.
Fomos para a casa de o Isaac Fonseca
conversar e eu aproveitei fui falar com os índios que não queriam acreditar que
tal coisa existisse, mas queriam ver, já era perto das onze horas quando o
Capitão Pereira dos Carajás alertou:
--Vem
vindo, escutem, levantem a cabeça...
Todos os índios fizeram o mesmo e eu também,
era um silêncio total quando o vento vinha, ouvia-se um ronco surdo do motor à
distância, súbito uma buzinada apavorou a aldeia, foi uma correria danada, as
mães arrastavam os filhos pelos braços e os jogavam dentro das canoas no porto
e começaram a abandonar a aldeia rumo à praia defronte, uns pulavam de cima do
barranco para dentro do rio e nadavam até a praia outros gritavam e pediam para
se acalmarem, pois o barulho sumira. Mas de repente a buzina e o som do motor
acelerado, agora bem perto, invadiram a aldeia o pânico foi geral, nos pulos de
cima do barranco eu vi um índio novo se jogar e cair dentro de uma canoa, mas
pelo visto não se machucara muito, em pouco tempo só restava na aldeia os
índios mais velhos e os guerreiros dispostos a enfrentar a fera que chegava
buzinando alto, eu cheguei a chorar de emoção logo o GMC entrou triunfante
dentro da aldeia deu uma roncada alta e apagou. Foi tal ver um campeão em uma
olimpíada a chegar vitoriosamente na fita de chegada. Estávamos orgulhosos e
também o Coronel que abraçava os chegantes.
A
estas alturas os índios já haviam inspecionado tudo e a maquina já tinha um
nome. BEUREOTU que queria dizer maquina de fogo que anda na terra e o motorista
REOTUDIRADICANDÔ – o que dirigi a maquina de fogo. Os índios foram chegando e
todo mundo queria buzinar, logo todos se acostumaram com o veiculo, crianças e
velhos e mulheres não mais os temiam, pois estava IRORO (morto ou parado), mas
o velho Coronel pediu que ajudassem a descarregar a mercadoria e a colocassem
em meu pequeno barco já encostada no porto, uns vinte índios começaram a
descarregar o caminhão e a carregar o barco, não dei conta de mandar parar de
por mercadoria logo o barco começou a afundar com tanta carga, foi uma correria
doida para não deixar molhar a mercadoria, tiramos a água do barco e com o peso
certo dei duas viagens a Mato Verde.
Foi um fato inédito e digno de
registro, o progresso caminhara sobre rodas foi uma apoteose inenarrável.
Comecei a sentir que eu perdi alguma coisa,
pois tinha medo do progresso.
O motorista
do caminhão passou dois dias conosco e depois voltou para Anápolis
carregado de couro.
Dois dias depois fui para a Fazenda São Pedro
e de lá para Cedrolândia. Eram doze léguas sertão adentro fui a cavalo.
“Cedrolândia
* Beira Rio... anos de 1950.
ou Porto Alegre do Norte MT”.
(Tapirapé) Duas vilas no sertão
Cedrolândia não ficava mais do que três
quilômetros da beira do rio Tapirapé, ali no Porto Alegre, suas casas na vila
foram construídas em forma de ferradura para dar mais segurança em caso de um
ataque de índios, casas simples de pau a pique e coberta de palhas. Começavam
brotar seus laranjais e suas festas eram as mais animadas de todo o sertão e
muita moça bonita para dançar, tanto Dionel Martins de Almeida e sua esposa
Maria Pereira de Almeida– José Domiciano e sua esposa Maria Luiza Pereira
Salles – Pedro Nonato – José Barula e sua esposa Nazaré – Leandro e sua esposa
Maria Angélica – Claro – Evaristo- Cassiano - “Chegaram e se fixaram em
Cedrolândia nos anos de 1950”. Já haviam anos antes explorados estas e outras
paragens e isto provavelmente a partir de 1926/1934/1950.
Beira
Rio; - anos de 1950- Domingos
Medeiros e sua esposa Nazaré Pereira
Campos - Cícero Laranjinha e sua esposa Maria Tereza Lima Gonçalves–
João Manoel – Urbano – Fernandes e Ciriaco;
(Comentários daquela época Domingos Medeiros primeiro veio para São
Salvador como vaqueiro do Lucio, depois veio morar em Cedrolândia, e poucos
tempos depois se mudou para a Beira Rio -.) (Ciriaco morava na Porto
Velho, veio para Beira Rio . mas voltou para sua localidade); Em 1926
a (1ª entrada) anos depois se seguiram varias outras, partidas de
Barreirinha no Pará e de Mato Verde no Mato Grosso o comerciante Manoel Martins
Costa abriu uma pequena loja na “Beira Rio” e seu empregado foi o Zé Batuíra. Todos estes e seus companheiros
eram muito religiosos e terços e festas era o que não faltava. Dali de
Cedrolândia para a beira do rio uma estradinha não deixavam errar o caminho e o
Domingão e o Ciriaco eram os outros grandes festeiros. Nos campos desde as
salinas, a Grota Bonita. O Mutum, a Azulona, o rio Sabino, o Gameleira, o
Xavantinho, o Corujão, a Santa Rita, a Santa Luzia e até o São Pedro e Empuca
Grande e Serra do Zeca Barros e o Urubu Branco, tudo era real, era o sertão tal
qual Deus o criou.
O rio Tapirapé era farto em peixe, tartaruga
e tracajás, os pirarucus aboiavam a todo instante e os enormes jacarés-açus
desafiavam mesmo a luz do dia. Lá na Serra do São João o sertanejo Lúcio olhava
as nuvens já enegrecidas que prenunciavam uma tempestade e se propôs a voltar
para a sua casa na fazenda São Pedro, iria tomar muita chuva, mas eram os ossos
do oficio Era mês de dezembro, três quarto da região alagava parcialmente,
varjões de terra massapé infiltrável retinha a água e há nestas condições de tempo
os índios se afastavam, as roças e os pastos floresciam e as águas aumentavam.
Mas
com a chegada do verão as águas baixavam, e o sertão bravio se abria para as
andanças de valentes guerreiros ardilosos que espalhavam o terror entre os
incautos seus escolhidos.
§
Capitulo 04.
Assim são conhecidos
os índios do grupo G.
Os índios Caiapós ou
Chucarramãe nunca morreram de amizades pelos nossos sertanejos e os consideravam
seus inimigos em potencial. Sai das margens do rio Xingu, de sua aldeia na
Barreira do Pequi, distante mais de duzentos quilômetros para molestar os
“Toris” ou “Caraíbas” onde quer que estejam. Era a luta dos mais fortes para
sobreviver, quase pretos, com rodelas de madeira no beiço furado, pelo tamanho
destas se sabia do perigo que cada um representava.
Chegada à seca, os sertanejos
se organizavam em grupos, não mais deixavam suas casas sem segurança e não
andavam sozinhos, carregava sempre a mão sua carabina 44 do papo amarelo de
repetição – 12 ou 16 tiros. E nunca as largavam nem para defecar no mato era
segurando a arma, dormiam com elas e viviam com elas. Não poucas vezes se ouviu
contar que alguém encostara a carabina em uma arvore por uns instantes e quando
a procurava não mais a achava e feliz quando não morria por ela, ás vezes os
índios gostavam de deixar uma borduna na troca com a arma.
Os cuidados aumentavam com as
incursões dos índios.
Num certo dia em Mato Verde...
Dois
meninos saíram pelas cercanias da vila de Luciara MT, para apanhar lenha e não
mais voltaram, organizou-se uma equipe de busca que logo encontram um deles
morto com a cabeça quebrada e o outro desaparecera, os índios o haviam levado.
Debalde foram as buscas, o outro menino só foi encontrado dez anos depois pelo
Orlando Villas Boas em um posto indígena, ele estava doente, em São Félix do
Xingu, e foi recambiado para seus pais, que eram o Antônio e Joana Barroso, o
jovem já tinha e ainda tem o nome de João Kimura, mas não conviveu com seus
pais biológicos e nem se adaptou nas novas cidades de Porto Alegre do Norte ou
Luciara, preferiu abandonar a sua família, ainda hoje mora entre os índios
Caiapós em São José do Xingu. Vive na
aldeia por opção própria e tem as orelhas e os lábios furados.
Caso idêntico partiu de Mato Grosso para
acontecer no Pará.
Os
índios Caiapós são grandes andarilhos que trilhavam de um estado para o outro
embora desconhecessem os limites que os entremeavam, e isto os tornava em um só
todo vasto e fechado sertão bravio a “Amazônia”.
Este
episódio teve a participação de um famoso e muito ardiloso sertanejo conhecido
como Tonhão,
os índios o temiam pela sua audácia e coragem. Este personagem que perambulava
pelos seringais na mata Xinguana, já estava de regresso ao Pará, a um dia de
seu destino Altamira quando soube do ocorrido com sua família foi onde seus
velhos e conhecidos inimigos, os índios Caiapós, tinham raptado duas sobrinhas
suas, assim se passaram os fatos:
Quando ainda
no começo da colonização da Amazônia já no lado do Para, os Índios Caiapós, ou
Chucarramãe ou ainda os Suias todos da mesma etnia viviam e ainda vivem em
constante peregrinação se aventurando meses a fio durante o período de estiagem
nas suas andanças por entre as matas, campos e cerrados muito longe de suas
aldeias sendo que uma delas, a maior, se achava encravada na Barreira do Pequi
na margem do rio Xingu ou Kuluene, no Mato Grosso, nestas jornadas se dedicavam
a fazer explorações, caçadas e presas especialmente jovens meninas e meninos,
fossem filhos de cristãos ou de outras tribos.
Assim também se comportavam algumas aldeias ao norte
do Estado do Mato Grosso do Pará e Amazonas.
Eram violentos e agressivos e
suas valentias eram identificadas pelo tamanho da rodela de madeira que usava
presa no lábio inferior, inicialmente era colocada uma pequena rodela,
aproximadamente do tamanho de uma moeda grande que eram presas em pequenos
furos feitos no lábio inferior que ia se dilatando até segurar a rodinha de
madeira que trazia um sulco em suas beiradas que seguravam o artefato para não
se desprender mostrando os buracos quando tiravam o artefato, com o tempo,
conforme ia aumentado de tamanho dependendo de quantas mortes o portador já
teria feito chegava algumas delas a ter o tamanho de um pires pequeno e
crescendo cada vez mais, são tribos de origem desconhecida e catalogadas como
Grupo G ou isolados, atualmente já devem ser conhecida as suas origens.
Até hoje ainda são os terrores
das outras aldeias e dos pioneiros desbravadores como os seringueiros, os castanheiros,
dos agricultores, os pescadores artesanais e os moradores das pequenas vilas,
tanto no norte leste mato-grossense como no estado do Para enfim na Amazônia
toda e em torno atacam sempre ao meio do dia quando o sol esta mais a pino, mas
fazem incursões noturnas para planejarem seus ataques e um deste aconteceu em
uma pequena vila então emergente no Estado do Pará, este relato é uma das
versões mais comentada.
*
Quando os índios atacam
O ataque aconteceu num pequeno povoado, nos
arredores de Altamira no Estado do Pará, raptaram duas meninas uma de nome
Perpetinha tinha apenas quatorze anos e Luizinha sua irmã mais nova tinha doze
anos.
Após o rapto sumiram mata adentro levando as
duas gurias.
Foram
organizados vários grupos de busca, mas sem sucesso, uma vez dentro da mata o
grupo de índios se dividiu em dois para despistar seus possíveis perseguidores
e assim aconteceu.
A família
das duas jovens resolveu pedir ajuda a um cunhado, um sertanejo que beirava cinquenta
anos conhecido como...
Tonhão...
Um
sertanejo na medida certa.
Tonhão também era conhecido como “mão de paca
assada” resultado de uma escaramuça com tribos indígenas, mas não gostava de
ser assim chamado e o povo o respeitava porque era muito valente, era o herói
daquelas épocas, bastante alto trajava uma calça feita de algodão, camisa do
mesmo pano, sua botina era de numero 44 que deixava um rastro muito grande o
que era muito conhecido e temido pelos índios, na cabeça um chapéu de couro
surrado ao modo nordestino, suas feições eram de aspecto rude e impenetrável
tinha os olhos mais negros do que jabuticaba, sua cor era morena escura de
queimado pelo sol e seus cabelos grandes balançavam nas costas, não largava um
minuto a sua belíssima carabina toda trabalhado em desenhos por ter sido um
lançamento especial e suportava quinze cartuchos no deposito anexado abaixo do
cano principal que era sextavado e de quase um metro de comprimento, conhecida
como “papo amarelo” devido suas peças de manobras serem de metal amarelo e
tinha uma afinadíssima mira de realce que podia, na mão de seu dono, atingir
facilmente um homem na cabeça até trezentos metros de distancia com um tiro
perfeito resultante dos cartuchos de calibre 44 que ele mesmo carregava. Tinha
uma “maquininha” que era mais parecida com um grande alicate no qual moldava os
chumbos derretidos para fazer a cabeça ou à bala depois de trocar a espoleta ele
colocava a pólvora branca conhecida por “mosqueta” porque era mais poderosa de
que a pólvora preta, sempre numa medida certa e finalmente colocava a cabeça de
chumbo ou a bala que e se agasalhava perfeitamente no cartucho de metal e a
seguir, com a mesma maquininha, apertava a casca do cartucho contra o chumbo da
bala prendendo-o perfeitamente. Estava pronto um cartucho calibre 44.
Dizem que dormia com a
carabina dentro da rede, sobre o peito, embaixo de um mosquiteiro onde sempre
armava uma forte corda que ficava atada junto ao teto do empanado isto porque
no caso de um ataque de índio enquanto dormia a borduna bateria contra a corda
sem atingi-lo.
Como complemento de suas armas
carregava na cintura um raríssimo Smith Wesson calibre quarenta e cinco, destes
que se colocavam as balas calibre 44 que serviam perfeitamente e uma guaiaca de
dois “andares” ou fileiras duplas eram para os cartuchos 44 tanto a de cima
como a debaixo, devia pesar um bocado, pois as balas rodeavam seu corpo só
deixando livre o lugar da grande fivela de prata, um segundo cinto de couro cru
segurava uma peça de couro a guisa de bainha em que guardava um facão “Collins”
cabo de chifre com uma lamina de aço puro de 22 polegadas de ponta direita e mais
afiada do que um navalha, sem falar na faca peixeira de 10 polegadas com
serrilha que carregava em uma bainha de couro de lobo junto as suas costas, uma
pequena cabaça de pescoço, a guisa de cantil, com água para beber que
dependendo da situação ou ficava atada ao cinturão ou a levava dentro de um
grande embornal que o sertanejo o impermeabilizara pelo lado de fora usando
leite de mangaba, uma seiva branca que espalhado sobre um pano tem a
característica de um plástico bem forte depois aplicava uma camada de enxofre
em pó para secar o látex e era ali que onde também agasalhava duas rapaduras,
farinha de puba e um pedaço de carne seca, um frasco com pólvora, outro com
espoletas e outros com balas prontas para recarregar e a “binga” que era
composta de um pedaço de lima de ferro, uma pedra de tirar fogo, usava mais
comumente uma lasca de cristal de rocha e uma ponta de chifre cheio de algodão,
bastava segurar o chifre com a mão e apoiar a pedra no beiço e riscar com o
lima que fazia soltar faíscas que incendiavam o algodão daí era só acender o
fogo. Na guaiaca pelo lado de dentro tinha um grande bolso onde levava fumo
desfiado e palha de milho cortada para os cigarros que dificilmente o consumia.
No pescoço, a guisa de enfeite ou advertência, um colar com duas peças um dente
humano (provavelmente de algum índio muito valente) e uma costelinha de onça,
deste osso solto que é encontrado na carne da pá das onças e que segundo a
lenda o amuleto faz livrar o seu possuidor das feras e das traições, pois ele
estaria com o espírito da onça encarnado em seu corpo.
O
Homem estava completo e preparado para tudo que desse ou viesse...
O resgate...
Tonhão foi chamado á casa dos pais das duas
meninas, afinal eram também suas sobrinhas.
--Tonhão, nós te conhecemos, é meu
cunhado e sabemos que só você pode trazer as meninas de volta se ainda
estiverem vivas...
--Vivas
elas estão porque os índios as levaram para morar na aldeia e não as matarão, e
acredito que fizeram isto com minhas sobrinhas para me provocar, eles me
conhecem e sabem que eu irei atrás deles, pelo menos por agora não vão
molestá-las, mas, não vai ser fácil trazer as duas, vocês me chamaram muito
tarde a estas alturas os índios já se dividiram e cada grupo levou uma das
meninas, e ainda deixam sempre dois índios atocaiados na retaguarda para se
livrarem de alguma surpresa.
--Nos
já estamos cientes disso, mas queremos que você vá atrás deles e traga uma das
meninas depois a outra se ainda estiver viva nos vamos organizar outra busca.
--Você vai nos ajudar?
--Qual é o outro jeito?
--Você vai cobrar pelo serviço?
--Deixa-me trazer as minhas sobrinhas ao menos uma por agora
depois se conversa sobre pagamento, eles levaram só as meninas ou mais alguma
coisa?
--Só as duas.
--Como elas estavam vestidas?
--Só de saia e blusa e de chinelos.
--Vou
partir de madrugada, mas não contem com nada por enquanto.
O galo
cantou, seria por perto das três horas da manhã, na sombra da madrugada aquele
homem talhado com a bravura dos sertanejos e forjado com a dureza dos diamantes
mais rígido do que o aço sumia na trilha da mata escura por entre os arbustos,
já estava a caminho, os índios tinham dois dias de dianteira por isto acelerou
a passada, mas a cada passo as surpresas se sucediam. Com o clarear do terceiro
dia, passou por uma grande clareira na mata e logo chegou a uma passagem feita
por animais para atravessarem uma grota que ainda estava com lama devido às
chuvas passadas, antes de atravessá-la parou e a observou, dois caminhos um
pela esquerda e um pela direita, ali os índios se separaram cada grupo levando
uma das meninas, decidiu optar pelo caminho da direita, pois o rastro da
criança era menor e assim deveria ser a mais pequena, a Luizinha, que certamente
iria sofrer mais na caminhada com os índios, os rastros denunciavam cinco
índios e uma criança, mas a um lado avistou outra pegada separada no caminho da
direita que voltava o fez deduzir que um
deles ainda estaria para trás, mas isto não o incomodou, o perigo poderia ser
durante a noite, pois o índio só estaria o vigiando para atacar de surpresa,
mas não teria coragem para enfrentá-lo de frente ou então seria uma manobra
para abalar o animo e a segurança do sertanejo visto que apenas quatro índios passaram
a grota e um deles voltou bem afastado das pegadas e assim tornou a atravessar
grota fazendo o quinto rastro compartilhando com os outros e assim seriam
apenas quatro índios, ou então preparam uma armadilha no meio daquela lama.
Cuidadosamente o rastreador pegou uma vara e começou a revolver a lama em meio
da passagem e para sua surpresa descobriu varias pontas de cerne de madeira bem
aguçadas enterradas na lama com a ponta para cima se ele entrasse por ali
estaria perdido porque certamente aquelas pontas lhe atravessariam o solado da
botina e ainda poderiam ter algum tipo de veneno, seria preciso alguma coisa
melhor do que aquela para impedir o avanço daquele caçador de índios e assim
era conhecido. Após dar uma volta para atravessar a grota seguiu a trilha
deixada pelos índios e notou que não estavam muito longe, agora o perigo seriam
as emboscadas que davam cobertura para o grupo seguir em frente. O dia avançava
e ao cair da tarde sentiu que alguma coisa estava errada, teria que avançar
mais um pouco afinal já entrava o quinto dia que haviam roubado a menina.
A
folhagem rasteira se acentuava isto porque a mata já não era muito fechada e
dificultou o rastreamento teria que abrir o caminho no facão, tornou a sair em
outra lareira onde ficaria exposto, mas teria que correr o risco e assim a
atravessou com o corpo ereto o que certamente impressionaria os índios se os
estivesse espiando, ao chegar à orla da mata tornou a encontrar a trilha e
achou bem no meio dela um cartucho vazio de calibre 20, os índios certamente o
estavam advertindo que também estavam armados.
Chegava à noite do terceiro dia e com ela
vinha um vento muito frio o que era normal para aquele período do ano afinal
estavam em julho, procurou um lugar para se agasalhar, não poderia seguir a
trilha durante a noite afinal era muito perigoso e lembrando os índios
murmurou:
--Todo
bicho que dorme no sereno não merece confiança – nesse caso eu também –
e deu uma pequena risada.
Já
estava escurecendo novamente na orla da mata alta, resolveu se agasalhar em
cima de um pé de pequi muito frondoso e os seus galhos eram muito resistentes e
lá de cima a vista dava para o descampado assim poderia vigiar melhor.
Logo
escureceu, e o sertanejo tal uma onça, havia encontrado uma forquilha de galhos
fortes que lhe deram um bom conforto, amarrou o embornal em um galho, se
agasalhou contorcendo o corpo tal um animal com o rifle atravessado sobre sua
barriga. Desta viagem não havia trazido a rede ou mosquiteiro, não poderia se
entregar a este luxo e tanto fazia dormir na relva ou em cima da uma arvores
lembrou-se de comer um pedaço da rapadura com farinha de mandioca puba e depois
bebeu um bom gole de água e se dispôs a descansar.
Os pássaros na mata começavam um barulho
mesclado de espanto e alegria, espanto por terem sentido algo entranho e
alegria por estarem a salvo no alto das copas e verem o nascer do dia, Tonhão
também se alertou e a claridade ainda era escassa quando ouviu barulho de
pisadas em baixo de sua arvore, era um índio do grupo, talvez o da retaguarda
que estava em busca dos outros que deviam estar acampados não longe dali. O
sertanejo levantou o rifle, armou-o silenciosa e rapidamente e apontou, mas não
quis atirar, em sua cabeça rondava a duvida “se eu o matar certamente escutarão
o tiro e matarão a menina, durante esta hora do amanhecer o tiro ecoaria muito
longe, tenho que pegá-los a todos juntos”, desengatilhou o rifle, o índio
seguia em frente e subitamente como que alertado por um instinto parou como a
sentir o ar e desconfiado seguiu em frente. Tonhão também era dotado deste
mesmo instinto e sabia muito bem que o índio sentira sua presença agora teria
que dobrar a cautela e não deixar que sua mente endurecida pelos desmandos da
vida cotidiana prejudicasse a estratégia que deveria usar acalmou-se, suspirou
e mostrando um trejeito de que não se importava com nada, desceu da arvore
colocou o embornal nos ombros endireitou o chapéu e pensando no próximo movimento
seguiu em frente.
Em sua cabeça registrava o seguinte
pensamento: Esta chegando à hora da onça beber água – raciocinava – amanhã ao
anoitecer os índios já deverá estar chegando ao rio e eles o terão que o
atravessar ai então a coisa vai feder, eu estou acreditando que a menina esta
atrapalhando a marcha deles andando devagar, será que é propositalmente para eu
alcançá-los? Se eles desconfiarem poderão matar a menina. Vou esperá-los do
outro lado do rio.
A trilha deixada pelos índios cada vez mais se
acentuava, ao que parece já não estavam se importando em deixar marcas e isto
não era bom.
Precisava parar para comer
alguma coisa e, se desviando mais de 500 metros do trilheiro buscou uma sombra
a beira de uma pequena fonte de água muito fria nascida na mata, pensou em
acender uma fogueira para assar um pedaço de carne seca, mas desistiu, estava
muito perto do grupo, não valia a pena arriscar. Tirou a faca e cortou um
pedaço da carne seca em tiras finas e quebrou um pedaço da rapadura depositando
uma mão cheia de farinha em cima do pano do embornal, ali estava seu almoço só
faltava apanhar água fria que brotava junto dele. Uma hora depois estava pronto
para seguir em frente e como já havia desviado da trilha continuou em frente
rumo ao ‘travessão de pedra’ no rio que tão bem conhecia, pois havia escutado
muitas histórias sobre o rio inclusive que lá seria a morada de Kananchue que
na língua indígena Carajás e outras quer dizer Deus. Era o único lugar mais
fácil para atravessar com uma menina, mas ele Tonhão atravessaria o rio na
“passagem braba” ou passagem das corredeiras que ficava meio dia de viagem rio
abaixo, isto é a passagem era mais difícil, mas ficava antes do travessão de
pedras que ficava rio acima depois da passagem braba que não estava mais muito
longe e faria a travessia nem que fosse a noite, pois no dia seguinte subiria
rio acima pelo outra margem e teria que estar, na parte da tarde, esperando os
índios atravessarem o rio na passagem do “travessão de pedra”.
Naquele quarto dia não parou nem para comer a
cedo da tarde já escutava o barulho das águas “brabas”, duas horas depois já se
encontrava junto ao rio, mas não se atreveu a atravessá-lo, primeiro precisaria
dar uma batida na margem para cima ou para baixo, pois os índios poderiam estar
de tocaia e matá-lo assim que entrasse na água, como já estava escurecendo,
após as buscas, nada encontrando que anunciasse a presença dos mesmos resolveu
que só atravessaria o rio durante a noite para evitar surpresa.
Sentando em baixo de uma arvore ficou atento
a barulhos e já tendo bolado um plano como o atravessaria, encostou-se a uma
arvore e se dispôs a se abastecer de rapadura, farinha e carne seca, depois ele
bebeu um longo gole de água, guardou tudo e esperou a hora chegar.
Uma meia lua iluminava o rio dando-lhe um faiscar
como se fossem milhares de estrelas que tremulavam nas águas com um brando
vento que soprava agitando levemente as superfícies, peixes pululavam e ao
longe escutou o esturro de uma onça que gorgolejava em busca de companhia, só
faltava o esturro de um jacaré-açu. Subitamente, tomando um impulso se colocou
em pé e caminhou para a margem do rio, pensou em tirar a botina e assim o fez a
colocando dentro do embornal junto com a rapadura, soltou o cinturão de balas
atravessou no pescoço junto com o revolver e entrou na água com as mãos altas
segurando a Papo amarelo. O sertanejo
conhecia bem aquele rio e sabia que era uma das passagens mais rasas embora
tumultuadas pela corredeira, mas já não tinha mais volta, agora teria que ir em
frente. Até o meio do rio fora bem sucedido, dali para frente à situação
começou a complicar, pois a água se tornara mais profunda chegando à cintura do
homem que lutava para não ser arrastado pelas águas, estava confiante porque já
não era primeira vez que ali atravessava, mas o rio queria lhe pregar uma peça,
subitamente afundou mais um pouco e o Tonhão pisou em uma pedra no fundo que
rolara desequilibrando o nosso herói que sumiu na água, mas instintivamente
manteve o embornal ao alto junto com a carabina e logo, tomando pé, novamente
voltou a caminhar logo chegando à margem todo molhado, mas a farinha e as balas
estavam intactas.
Subiu o barranco do rio que era bem íngreme e
se alojou em baixo de uma densa arvore de copa rasteira, tomou um fôlego,
verificou todos os pertences e não tendo perdido nada adentrou duzentos metros
pela mata achando um lugar mais limpo e seguro junto a uma enorme arvore se
acomodou, mas teria que usar o sexto sentido que o preveniria contra algo
anormal ou alguma intrusão, mesmo cochilando ele o alertaria.
Dormiu tranquilamente.
Logo o
dia clareou. Resolveu fazer um cigarro.
--É, eu tenho que chegar logo na passagem de cima, é lá que vão
atravessar o rio e eu os estarei esperando.
Quando
o sol estava a pino, chegou ao local pretendido, já era o meio do dia Tonhão se
abarrancou atrás de uma grande pedra e olhando para o rio viu que o travessão
estava de fora, seriam fáceis eles passarem por ali, deu uma olhada no rifle, e
manobrou a alavanca jogando uma bala na agulha...
--Agora é só esperar.
Chegava a tarde e nada de aparecer, Tonhão
começou a se inquietar...
--Será
que me enganaram e passaram na passagem de baixo?
Subitamente algo se mexera na outra margem do
rio e a seguir apareceu um índio depois outro e a menina e os outros dois
índios estavam estancados na margem como que não quisessem atravessar.
A tarde se ia e a noite se avizinhava Tonhão
logo deduzia...
--Eles estão desconfiados e não
estão querendo se expor e vão atravessar durante a noite, agora a coisa se
complicou. – monologou o sertanejo.
Era
noite de lua do quarto crescente quando eles se movimentaram para atravessar o
rio, Tonhão podia vê-los bem, primeiro vinha um índio e logo a seguir bem perto
dele a menina e quase colado na garota outro índio a amparava para mantê-la em
pé e mais atrás apenas um índio, portanto faltava um deles e era o que deveria
estar com a espingarda e este era o quinto índio talvez o mais perigoso, mas
porque ficara para trás? Certamente para dar cobertura aos seus companheiros
caso acontecesse alguma coisa a menina seria a primeira a ser atingida – tudo
isto passava pela cabeça do nosso sertanejo que acabou deduzindo que seria
melhor deixá-los atravessar e os pegar de surpresa quando estivessem em terra
firme, e eles teriam que dormir seria melhor aguardar.
Tonhão escondido viu os seis personagens
passar bem perto, já era noite e ele não quis se arriscar, mas resolveu
caminhar noite dentro, pois conhecia a trilha que deveriam seguir, era
conhecida como “Tapirapé” ou caminho da Anta e lembrou-se de uma clareira a
meio de distancia de onde estava agora e assim resolveu seguir a noite até
aonde pudesse, já estaria algumas horas adiantados, e, assim o fez, depois de
andar cerca de duas horas na mata escura estava cansado e achando um abrigo
deitou-se para descansar o corpo.
Os pássaros na mata anunciavam alvissareiro o
novo dia que estava raiando. A estrela da manha já ia alta e ele a podia ver
por entre os galhos das arvores. Era hora de partir.
Já o sol estava alto quando chegou à clareira
de pedra, assim era conhecida por ter varias pedras grandes e um enorme tronco
de arvore caído enfeitava aquele lugar, era quase uma parada obrigatória, havia
um olho d’água permanentemente gelada, e sombra para descansarem.
Tonhão tomou posição em uma parte alta de um
barranco e atrás de uma pedra que escondia bem o seu corpo, era uma distancia
de 150 metros e isto se eles não desconfiassem, pois o sertanejo havia
contornado a trilha bem por fora para não deixar rastos, esperou com o rifle de
bala na agulha.
Já era por volta do meio dia quando escutou
vozes, eram os índios que vinham chegando e pelo jeito de conversarem alto era
sinal que de nada desconfiavam.
As previsões de Tonhão se confirmaram quando
chegaram à clareira, os índios desceram os seus embornais de palha de buriti e
acendeu uma pequena fogueira, o que parecia ser o chefe era o que tinha uma
enorme rodela de madeira encravada em seus lábios, ele subiu em uma pedra com a
espingarda na mão e de lá dava ordens aos outros índios e ao mesmo tempo vigiava
os arredores foi quando a menina fez algo que eles não gostaram e um dos índios
começou a espancá-la dando fortes tapas no rostinho da criança e o índio chefe
lá de cima da pedra gritava para que fizessem calar a menina e então o outro
índio a agarrou por traz e tampou violentamente a sua boca, Tonhão não
conseguiu se controlar e empunhando o rifle apontou para o chefe que estava
sentado em cima de pedra e sussurrou em seus lábios:
--Segura
esta seu índio porcaria – e disparou.
A mata
balançou com o pavoroso estrondo da possante carabina, mas antes que o som se
explodisse o índio despencou de cima da pedra, abala lhe arrancara um pedaço da
cabeça, Tonhão não perdeu a calma e atirou seguidamente no índio que espantado
ainda segurava a menina, mirou e disparou novamente no índio ao lado da menina que vendo o índio
cair gritou e correu para cair mais adiante, um quarto índio que havia
escondido atrás de uma pedra tentou fugir para a mata, mas outra bala cortou
seu caminho, o quinto índio antes desaparecer entre as arvores deu uma parada e
olhou para Tonhão a quinta bala já estava na agulha, o sertanejo o mirou, mas
não atirou, foi quando a menina com a mão na cabeça gritou por socorro e o
sertanejo a chamou:
--Luizinha, sou eu seu tio Tonhão sua
mãe mandou vir te buscar corra para cá, esta vendo esta pedra grande?- dizendo
isto o Tonhão se levantou e a menina correu para ele, abraçando suas pernas e
chorando muito.
--O senhor demorou muito
para vir me buscar tio Tonhão eu estava com muito medo, o senhor achou minha
irmã.
--Não, os outros índios a
levaram, mas eu sei onde é a aldeia deles e voltarei para procurá-la.
--Vamos
para casa tio?
--A
caminhada de volta é difícil e vamos gastar uns oito dias ou mais se andarmos
bem depressa, pois um dos índios fugiu, ele não fará nada contra nos porque
eles só brigam quando são muitos, um só não tem coragem, mas como se costumam
dizer aqui no sertão “Todo bicho que
dorme no sereno não merece confiança”, mas pode avisar os outros que
encontrar por isto vamo-nos embora e enquanto andamos vá comendo um pedaço
desta rapadura, pararemos mais cedo e eu vou assar alguma coisa para nos
comermos.
E
assim fez e no outro dia ao clarear já estavam de volta, mas caprichosamente ao
passar nos vaus das grotas aonde a lama ainda aparecia Tonhão entrava de vagar
e sempre mexendo o pé para frente e para trás e para os lados fazendo assim uma
enorme pegada. Luizinha vendo aquele movimento espalhafatoso perguntou ao Tio.
--Porque deixa uns rastos tão grandes?
--Para os índios que venham atrás de
nos se espantarem, pois corre a noticia entre eles que eu sou um quase gigante.
--Você podia ter matado aquele índio
que ficou parado na beira da mata? Porque não matou?
--Porque ele deve voltar para a Aldeia e contar aos outros que
fui eu que vim atrás deles e assim cada vez mais terão medo de mim.
--Ou raiva – completou a jovem
--É isto ai, vamos lá – e seguiram em frente.
Já
inteirara os oito dias desde que partira, a vigem de volta foi longa, mas a
menina já estava acostumada a viver no sertão por isto criara uma grande
resistência no corpinho agora magro, no final do ultimo dia já havia escurecido
quando ouviram o latir de um cão e depois outras vozes, acabam de chegar à vila
e foram direto para a casa de Luizinha.
A vila
toda entrou em festa.
No dia
seguinte Tonhão se encontrou com os pais das meninas que foram logo lhe
perguntando?
--E a Perpetinha, você acha que ela ainda esta viva.
--Certamente, os índios a levaram para a aldeia para a criarem,
mas eu sei onde fica aldeia só que teremos que esperar uns seis meses, pois a
chuva já esta chegando e vai ser quase impossível ir até a aldeia e de mais a
mais, durante as chuvas os índios todos permanecem na aldeia e no começo do
verão os guerreiros saem todos em busca de caças e presas e na aldeia só fica
os mais jovens, as mulheres e os mais velhos, ai sim será uma boa hora para
resgatá-la.
Um ano e meio se passara e ainda chovia muito
assim quando a chuva parou ali pelo mês de abril, Tonhão procurou os pais das
meninas e conversaram:
--Vocês ainda querem que eu vá atrás da Perpetinha?
--Faz quase dois anos que ele se foi será que está viva? Agora
ela deve estar com dezesseis anos
--Só a achando para sabermos – respondeu o caboclo.
--Quando quer partir?
--Na próxima semana já terei ido, se
não me verem mais e porque já estou a caminho, a Aldeia do Pequi fica a uns 20
a 30 dias de viagem daqui é lá no leste do Mato Grosso, eu conheço bem aquela
região..
--Boa sorte companheiro, mas se quiser
eu posso ir com você - interferiu o pai da jovem.
--Não. Mais um só me atrapalharia muito, sozinho eu ando
mais depressa.
--Boa
sorte, vá e volte com Deus.
E
assim Tonhão se preparou para sua nova aventura.
As
munições foram renovadas, a carne um pouco mais do que o de costume, mas estava
bem seca, não aumentara muito que acostumava carregar para a não ficar mais
pesado, e assim antes do clarear do dia Tonhão ganhou a mata.
Passar por aquelas arvores já tão conhecidas,
os cipós, os riachos as grotas o cheiro da onça, o gritar dos pássaros e o
roncar dos mutuns pareciam festejar a presença do sertanejo, no terceiro dia
chegou à encruzilhada das rotas de fugas dos índios, na primeira vez escolheu o
caminho da direita e agora era a vez do caminho da esquerda dali para frente
morava o perigo. Com a chegada da noite encontrou uma arvore amiga, atou sua
rede feita de algodão com rendas primadas e dormiu com a carabina no peito, a
rede estava a mais de três metros de altura do chão assim era mais seguro.
Tonhão durante dois meses procurou vestígios e
rastros daqueles índios e o caminho certo para a Aldeia, atravessou rios e
riachos, em muitas arvores encontrou vestígio da desaparecida que havia gravado
a faca trechos que assim diziam “Perpetinha
passou por aqui” Ele sabia que estava perto de encontrá-la até então
não cruzara com os índios, mas numa tarde de sol muito claro começou a notar
diferença nos ramos rasteiros da mata, pés de coco rasteiros e piaçava
completamente sem palhas que haviam sido cortadas recentemente muitas madeira
tirada como varas eram usadas para construírem casas, começaram a aparecer
leves marcas de rastros em trilheiro, os índios habilidosamente ao caminharem
sempre era um atrás do outro para não deixarem muitas pegadas, ali onde ele
estava um tanto à frente, podia-se notar que uma área limpa estava aparecendo,
parecia que a mata tinha se acabado, pois as arvores altas havia desaparecidas!
O sertanejo preparou-se para o
encontro enquanto pensava - Será que Perpetinha minha sobrinha ainda vai me
reconhecer, pois já se vão mais de dois anos que não a vejo?
Avançou a curtos passos e
atento temendo encontrar um índio por ali, rastejou até beira da orla e
vislumbrou um limpo muito grande e mais ao largo um pequeno rio junto às casas,
as crianças brincavam e corriam uns cachorros muitos magrelos latiam e corriam
atrás dos indiozinhos, as araras que são as guardiãs da aldeia faziam um
barulho infernal como a querem avisar da presença de um intruso só vislumbrou
algumas mulheres velhas e outro tanto de idosos, resolveu se quedar ali para
ver o que se seguiria, isto é, se os guerreiros estivessem por perto certamente
ao entardecer voltariam, mas o que ele mais queria era ver se conseguia
enxergar a procurada, notou um indiozinho de cabelos loiros todo pelado andando
ao lado de uma mulher que trazia um picuá nas costas com um menino novinho de,
talvez, um ano de idade, a mulher que o carregava era de cor branca também de
cabelos loiros e estavam apenas a uns trezentos metros de distancia.
Tonhão lembrou-se que quando aquela
mulher era ainda pequena ele a ensinara a imitar um pássaro (Rolinha) com as
duas mãos na boca, talvez se ele desse este sinal ela poderia ainda lembrar-se
e saberia que ele estava ali. Tentou por uma vez, duas vezes e na terceira vez
a mulher que caminhava de costas para ele parou ao ouvir aquele som, sabia que
Rolinhas eram pássaros do cerrado e assim admirada ela escutou pela terceira
vez e se virou querendo saber de onde vinha aquele som e olhava diretamente para
Tonhão, mas ainda não o tinha visto subitamente Tonhão repetiu o cantar do
pássaro e ela entendeu que só poderia ser ele que estava ali por perto e assim
foi caminhando em direção mata sempre ouvindo o som e atrás dela vinha o menino
loiro de uns dois anos de idade, quando ela se aproximou mais Tonhão se
levantou e ela espantada quis correr, mas reconheceu o seu tio e foi caminhando
no seu rumo e já vigiando se alguém da aldeia estivesse vendo o movimento dela
e assim desconfiariam e o sertanejo poderia correr grande perigo.
Entrou pela mata e foi direta
aos braços do tio.
--Tio
que loucura o que veio fazer aqui? E minha mãe? Meu pai? E minha irmã ela voltou apara casa?
--Calma uma coisa de cada vez estão
todos bem e sua irmã Luizinha esta em casa e eu vim te buscar, vamos aproveitar
a saída dos índios e dar o fora.
--Meu tio, eu não posso ir, estou
casada com um bom marido e já tenho dois filhos, eles me tratam muito bem e
tenho sido muito feliz, conte para os meus pais que eles já têm dois netos
lindos como a natureza e que a vida para mim aqui é muito boa – e arrancando um
pequeno e fino colar de seu pescoço continuou – leve este colar e o de para
minha mãe e ela entenderá e se um dia Deus permitir ela conhecerá seus netos,
agora vá antes que os guerreiros cheguem – dando um beijo no rosto de Tonhão se
despediu - vá agora e muito obrigado meu Tio e conte para minha mãe os netos
lindos que ela tem.
Subitamente uma jovem índia
apareceu surpreendendo o sertanejo, mas Perpetinha tentou acalmá-lo dizendo:
--È
minha cunhada, pode confiar nela - mas a chegante olhava para Tonhão e ria
alegremente.
--O que ela tem – indagou o
sertanejo.
Perpetinha conversou com ela e
depois passou ao tio:
--Tio ele disse que já ouviu muitas
historias contada pelos índios nas aldeias a seu respeito e que ela pensava que
era só uma fantasia, mas agora que ela o conheceu está admirada e quer que você
lhe de uma lembrança para ela para poder mostrar para os filhos dela quando os
tiver.
--Mas, o que eu vou dar?
A indiazinha mostrou o colar no pescoço de
Tonhão e este compreendeu e tirando-o entregou nas mãos da jovem que ficou
irradiante de alegria.
--Eu tenho que ir, ah, de um recado a
seu marido que eu o vi me seguindo esta manhã toda até chegar aqui, ele é muito
esperto, mas é um bom índio, só espero que não tente me atrapalhar na minha
volta.
Mas
Tonhão não poderia mais demorar, passou a mão na cabeça dos meninos, acariciou
o rosto da jovem índia e beijou a face da sobrinha e completou:
--Que Deus proteja vocês -
embrenhou-se na mata, no caminho de volta fora bem mais rápido com apenas vinte
e cinco dias já chegava à pequena vila e foi direta a casa dos pais de
Perpetinha.
O final da história
A vila
em peso se ajuntou na casa.
--E aí meu primo achou minha filha?
Ela esta morta? Fale-me qualquer coisa?
--Você até parece sua filha que quer
saber de muita coisa ao mesmo tempo, sim, eu a encontrei ela te mandou entregar
este colar.
--È o colar que eu dei a ela, mas me
conte como o conseguiu?
--Perpetinha está em uma aldeia a
quarenta dias de distancia e mandou um recado para sua família ”Que não a
procurassem mais, pois ela estava casada com um marido muito bom e já tem dois
filhos e vivem muito felizes com sua nova família e que um dia vocês irão
conhecer seus dois netos”. Ela esta muito bonita e seus filhos são muito
bonitos também.
--Acreditem-na
ela vive muito feliz.
Lá na
aldeia Perpetinha ao chegar à sua cabana encontrou seu marido sorridente que a
abraçando e acariciando os filhos falou:
--Tonhão
esteve aqui?
--Sim, mas ele já foi embora e não
voltara mais, ele sabe que você o seguiu até aqui e mandou te disser que você
era um bom índio, você não vai atrás dele vai?
--Não ele já está muito longe e não
há razão para irmos atrás dele, pois ele nos respeitou, ele é um bom homem e
muito valente, eu o vinha seguindo até ele chegar aqui na aldeia, queria ver
qual era a intenção dele, eu a vi conversando com o seu tio e quanto a você
minha irmã vejo que ganhou um presente do Tonhão eu conheço este colar já o vi
no pescoço dele, guarde com muito carinho, pois é muito valioso e servirá para
alimentar muitas histórias.
--Você não chegou a pensar que eu
poderia ter me ido embora com ele?
--Não,
eu sei a esposa que tenho.
Com o passar dos anos aquela
aldeia e seus povos se integraram ao nosso modo de vida, mas até hoje mantém as
suas tradições e costumes.
Perpetinha faleceu bem
velhinha e foi enterrada segundo seus costumes.
Até pouco tempo atrás ainda
moravam naquela aldeia uns casais de loiros que foram muitas vezes visitados
por seus avós e familiares e muitos outros conhecedores desta história.
Esta historia realmente
aconteceu, há muitas versões sobre ela, mas esta é a que mais se assimila a
realidade, mas no fundo os resultados foram e sempre serão os mesmos e este
episodio acabou fundindo os dois estados, Mato Grosso com o Pará, afinal tudo
era e ainda são uma só TERRAS BRAVIAS.
*
Enquanto isso...
Aqui junto de Porto Alegre do
Norte ainda Beira Rio...
As mulheres só saiam em grupo
e protegidas sempre por um homem armado. Naquele dia ali na margem do rio Tapirapé,
junto do São João, nas pedras da Santa Rita, seis mulheres lavavam roupa, o
homem sentado na pedra vigiava atento, mas, outros olhos, às escondidas também
os vigiavam, eis que num minuto de desleixo ele larga o rifle em cima da laje
de pedra e entra na água para refrescar, foi o suficiente, oito índios Caiapós
– Beiço de Pau. Atacaram primeiramente o homem e o mataram depois perseguiram
as mulheres para as matarem, apenas uma delas escapou porque caiu na água com a
cabeça quebrada se esvaindo em sangue e eles pensaram que ela havia morrido
esta mulher só veio a falecer recentemente em 2012 e chamava-se Benvinda e
morou muito anos muitos anos em São Félix do Araguaia e depois se mudou
para o Estado do Pará.
*
Lá na fazenda São Pedro do Coronel
Lúcio que distava em apenas uns cinquenta
quilômetros ou pouco mais de Cedrolândia, o velho coronel, vivia sempre em constante desobriga,
visitando os amigos e parentes, e estas visitas sempre resultava em festa.
Era comum ver todos os moradores reunidos em volta do velho
desbravador e, este, com os olhos quase fechados, mascando um pedaço de fumo,
enquanto ia se despindo da camisa suada tirando a faca da cinta e passando
pelos braços, pelas costas e pelo corpo todo e a sacudia tirando o suor apegado,
diziam que era assim que ele banhava, mas eu mesmo o vi umas vezes banhando,
algumas vezes, no rio, de vez enquanto dava uma cusparada no chão da preta
masca e falava:
--Não
vai demorar muito tempo, vão começar a aparecer por aqui os que se dizem proprietários
destas terras e junto com eles virão os grileiros, gente perigosa, ai vamos
começar a ter problemas, por isto devíamos nos precaver, cada um requerer um
pedaço de terra, pois Nostradamus diz que – batia no livro que sempre carregava
- um dia o sangue vai correr no Brasil ate a altura do peito do pé e que este
mundo nosso não vai passar do ano 2000, por isto devemos cuidar bem do que é
nosso e não estragar o que Deus nos deu, é pecado até comer muito. Eu vou vender um pouco do gado para comprar alguma
terra, e vocês façam o mesmo.
--Mas Seu Lúcio, se a
gente vender o gado para comprar terra e depois não tem nada para por nela o
que adianta isto?
--Você
esta igual o caboclo que comprou uma botina nova, mas andava com ela nas
costas, ai perguntaram para ele porque fazia assim e ele respondeu que a sola
do pé Deus dava outra, mas a da botina Deus não dava, ora seus moços, vão-se os
anéis, mas ficam-se os dedos, pois...
“Chegará
o dia em que os pretensos donos destas terras virão e com eles os grileiros e
nos expulsarão das terras que tanto amamos e que com a nossa própria vida as
conquistamos”.
Era Natal de 1950.
--Coronel
- dizia o outro – está faltando café por aqui já faz muitos dias que não se
toma um gole, nem os vizinhos estão tendo, o senhor da um jeito para a gente
viu.
--Muito
bem seu Medeiros, mas é assim mesmo como o senhor deve lembrar o velho ditado
“na minha casa nada achei, fui à do vizinho pior encontrei, voltei na minha me
remediei”, vou mandar um saco de café para vocês (café em grão que teria que
ser torrado e depois moído).
Depois
vinham as festas, quando não eram em Porto Alegre eram em Cedrolândia, um lugar
era perto do outro.
Feiticeiros corriam as
léguas do Coronel, este quando sabia da existência de um feiticeiro que andasse
por ali, mandava-o buscar e aplicava-lhe uma bela surra com vara de pinhão.
--Quem
dá jeito em macumbeiro é vara de pinhão- ensinava o mestre Lúcio.
Um dia
apareceu por lá um “curador” cuja especialidade era ”tratar de mocinhas”. O Seu
Lúcio recebeu uma reclamação de um dos moradores:
--Coronel, um curador
desconhecido anda aprontando por ai, ele esteve lá em casa na Santa Lúcia e fez
o que quis com a Dominga.
--Vão
buscar o homem.
Quando
apareceram com o tal de macumbeiro mal encarado e metido a bravo o velho
foi logo ordenando:
--Então o Senhor é um
macumbeiro que anda aprontando por ai?
--Não, eu sou um religioso
viajante que entendo de tirar espíritos.
--E
só sabe tirar em meninas novas não é? Pois bem eu também sei tirar espírito de
curador macumbeiro – e olhando para os moradores que o cercavam determinou -
Tirem uma vara de pinhão e deem uma boa surra neste macumbeiro e depois enfiem
um palmo de fumo no traseiro dele e soltem-no bem longe daqui.
E assim o fizeram, o macumbeiro nunca mais
apareceu por aquelas bandas. Era o Coronel Lúcio quem falara e suas ordens eram
sempre executadas, assim conseguia manter seu povo unificado e lhe respeitando
afinal era um Líder, mas não demorou muito para que as previsões do pioneiro se
realizassem. Começaram a aparecer os que se diziam donos daquelas terras e com
eles vieram os grileiros. Foi o começo do fim.
Enquanto vivo mantinha seu
povo unido, mas a sorte do velho pioneiro estava selada e, em uma última
aventura amorosa jogou a sua última cartada.
Foi
assim...
Lúcio Pereira Luz tinha uma família criada
moda antiga do sertão. Quase todos eram rudes e duros como o pai. Adauta, uma
das filhas mais velhas do casal Lúcio e Silvina não eram exceção da regra,
casada com um capixaba Flavio Baptista, jovem e dinâmico moravam em um pontal
um pouco acima de Mato Verde chamado Pontal do Padre.
A tensão entre Adauta e o pai crescia assustadoramente,
pois enxergava o patrimônio do velho pioneiro se esvair nas constantes
contendas com sua última mulher. Constância insistia em casar civilmente com o
Coronel o que Adauta não concordava porque ele já era casado civilmente com sua
mãe e ainda estava vivia, (mas como diziam que o cartório aonde Lúcio se casara
pegará fogo queimando todo acervo), assim ele se julgava livre do compromisso,
mas o próprio Lúcio contestava que não havia sido por mando dele o fogo do
cartório. Finalmente o casamento aconteceu e durou muito pouco, ao abandonar o
velho coronel a mulher exigiu a metade de seus bens e o fez via judicial.
Poncidônio fora o articulador do plano e
passou a patrocinar a briga na justiça.
Enquanto o Coronel começava se aborrecer com
a mulher, um novo problema surgiu, e este problema tinha um nome “Romildo”, mas
isto já é outra história.
*
Os últimos dias do Coronel.
Lucio Pereira Luz
tinha uma família toda criado á moda do sertão, eram rudes e duros como o pai.
Dauta era uma das
filhas mais velhas do casal Lucio e dona Silvina e não era à exceção da regra.
Casada com o capixaba Flavio Baptista, moravam no morro do Padre, um pontal um
pouco acima da vila a beira rio que passou a se chamar Ponta Porã.
Um velho atrito
punha constantemente em briga o velho coronel e sua filha, pois tendo
abandonado a sua esposa Silvina, mãe de Dauta, já havia se amasiado com outras
mulheres, e finalmente a última de todas que era a lenha da fogueira.
Constância,
mulher nova e sabida tinha a orientação de seu tio Poncidônio e a felicidade
conjugal demorou pouco.
Finalmente o
casamento aconteceu e durou muito pouco, ao abandonar o marido a mulher exigia
a metade de seus bens e o fez via judicial. Poncidônio seu tio, e pretenso
amigo do Cel. Lucio fora o articulador de todo plano, inclusive fora ele que
incentivou e jogou sua sobrinha para os braços do seu então amigo e depois passou
a patrocinar a briga.
O Coronel homem
rude e embrutecido pela natureza hostil não conseguia assimilar o que seria uma
ação judicial, pois sempre fora ele quem decidira, não podia entender que uma
autoridade pudesse prejudicá-lo. Afinal era ele a vitima daquela trama.
Para o velho
Coronel a situação não era nada boa a ação prosseguia a todo vapor e a justiça
começava a tomar seus bens. O Juiz era o Dr. Odiles Freitas. Constância declara
o dobro do Patrimônio do pioneiro pretendendo assim ficar com tudo. Já velho e
doente cansado de tanta luta enfrentava agora a incompreensão das autoridades,
mas, mais teimoso que uma mula o desbravador não podia admitir que ninguém
tomasse o que era seu o que tanto lutara para conseguir, enfrentando as
intempéries das chuvas, o sol quente, os índios arredios, as feras e as doenças
que só mesmo um ser fundido na tempera dos mais duros aços poderia suportar por
tanto tempo, mas o que mais lhe doía era que aquela trama fora armada desde o
inicio por um homem que se dizia seu amigo o “Poncidonio” a quem dera guarida
muitas vezes quando foragido das escaramuças comunistas que participara no
Estado de Goiás e a este dera a mão de amigo e agora se tornava o seu algoz.
A maioria do
processo correu a revelia, quiças tenha sido verdadeiramente intimado alguma
vez, o velho não tomava conhecimento da tramitação judicial e seu arquiinimigo
disto se aproveitava e usando uma leva de policiais militares e vários Oficiais
de Justiça se dirigiram para a Fazenda São Pedro onde o velho e seu filho Liton
“Resistiam”, na realidade tudo era fantasioso, o objetivo daqueles eram se
assenhorear do patrimônio do velho coronel cujas centenas de cabeças de gado
estavam à solta e isto as tornava uma presa fácil para eles os dilapidadores. E
assim fizeram, deitaram e rolaram em cima dos bens do fundador. Apenas um filho
José Liton Luz estava junto ao pai defendendo-o e isto fez com que os
agressores tomassem mais cuidados.
Naquele tempo eu
trabalhava na Policia Federal em Brasília, tinha acabado de cursar a Academia
Nacional de Policia Federal e estava lotado no DTP quando uma nora e uma filha
do meu amigo Lucio me procuraram eram a Noemi e a Daily e me contaram tudo o
que estava acontecendo por lá e temiam um desfecho mais dramático informando
que Poncidônio era quem comandava as incursões e que programava a “invasão” da
Fazenda São Pedro e que tinham ordens do Juiz de Barra do Garças para carregar
todo o gado e que os policiais já andavam no campo arrebanhando as rezes.
Sabíamos que o
Poncidonio uma vez apareceu fugido lá pelo Mato Grosso porque era procurado
como um dos envolvidos com o militante comunista na revolta de Zé Porfírio em
Porangatu-Go. Resolvi dar uma mão ao velho amigo Lucio, levei as duas jovens ao
meu Chefe de Policia e o cientifiquei do ocorrido e este depois de ouvi-las
pessoalmente determinou a Barra do Garças que prendessem o militante revoltoso
Poncidonio para prestar contas a justiça.
Poncidonio foi preso
em Mato Verde pelo Major Moacyr Couto tendo sido recambiado para a cadeia
publica de Barra do Garças, e ali, desanimado começou a fraquejar na luta,
sozinho e abandonado e na ânsia do desespero veio a falecer. O inimigo de Lucio
Pereira Luz não triunfou sobre ele e pagou caro ter traído seu amigo.
Mas a justiça dos
homens não escutou os clamores do velho e pioneiro desbravador e fundador de
cidades e nem mesmo quis lhe entender. Adoeceu para morrer, triste,
acabrunhado, não mais se alimentava. Morreu como só os bravos morrem sem dar o
braço a torcer.
O
patrimônio do Coronel foi totalmente dilapidado e o que sobrou como as rezes
bravias e alongadas foram caçadas pelos seus próprios vaqueiros que se
locupletavam dos bens de seu ex-patrão e as vendiam, apenas algumas chegaram às
mãos de seus filhos. Pouca coisa restou daquele herói apenas um busto em meio a
uma singela praça na cidade que fundara, e uma rua com o seu nome e este foi
somado ao majestoso rio Araguaia resultando em uma fusão histórica que resultou
em “LUCIARA”. Lucio+Araguaia = dois expoentes extraordinários da obra de Deus.
Espero que seu nome fique gravado eternamente nos anais de nossa história
contemporânea.
O Limpo Grande.
Limpo
grande é uma grande campina que fica ao oeste de São Felix do Araguaia e se
estende até as margens do rio Xavantinho, durante o verão o capim brota verde e
se torna uma área preferida pelo gado e por animais, e ali se encontrava uma
“tropa” de Severiano Neves, eram cerca de dez éguas, quatro crias, dois cavalos
e um burro dezessete animais ao todo.
Severiano
me pediu que eu fosse até o limpo grande e trouxesse a tropa dele para mudar de
pasto, pois tinha noticias que os índios Xavantes e os Beiços e Pau,
isoladamente e as escondidas, andavam pela região e poderiam flechar seus
animais como vinham fazendo com outros, não sem ante me alertar do perigo.
--Os animais estão por perto
se você for buscá-los saia ao amanhecer do dia e estará de volta cedo da tarde,
mas cuidado se ver rastros dos índios ou fogo nos varjões, volte mesmo sem os
animais.
--Fique tranqüilo, eu já
conheço bem a região, e não vou me arriscar.
Quando o dia amanheceu eu já
estava a caminho o meu cavalo tinha o nome de “pensamento” por que era muito
ligeiro e arisco e na cinta o meu revolver calibre 38 de seis tiros marca “TA
Smith Wesson” de mira especial, o único defeito dele era ser cromado e brilhava
muito, eu sempre gostei de armas escuras ou pretas. Horas depois eu estava já
chegando a meu destino e pude ver ao longe uma leve fumaça de queimada e isto
alertou meus sentidos, resolvi me apressar, pois os índios não estavam tão
longe assim. Galopando sai a procurar a tropa e a avistei bem longe no limpo do
varjão e no rumo da fumaça. Quando me aproximei, depois de rodeá-los, fiquei
sem destino a tomar, pois a fumaça crescia em circulo e nos estávamos no meio
do fogaréu. Eu sabia que não podia sair pelo funil, isto é, os índios botam
fogo em circulo deixando um funil de escape, assim todas as caças pressionadas
pelo fogo tendem a querer escapar pelo funil que é a única saída sem fogo, mas
é lá que os índios estão de tocaia aguardando para flechar os fugitivos ou
sobreviventes, eles usam arcos grandes e flechas compridas próprias para uso em
área limpas e cerrados, pois são obrigados a disparar em longas distâncias e
não seria por ali que eu iria passar, tomei a resolução de enfrentar o circulo
de fogo, tentaria achar um local onde o capim fosse mais baixo e o fogo menor.
Assim fustiguei a tropa rumo ao retorno para casa e as incentivei a galoparem,
eu teria que aproveitar esta corrida enquanto os poldros ainda não estivessem
cansados. Logo chegamos à orla de fogo, por sorte achamos uma passagem onde as
chamas eram mais baixas, mas os animais cavalares têm mais medo de fogo do que
o gado eu gritava e os imprensava contra o muro ardente, nesta agonia o meu
cavalo de um pequeno salto e passou para o outro lado, e correu com se as
estivesse abandonando e deu certo, pois animais o imitando também vazaram a
cortina de fogo e passaram para o outro lado, mas uma das éguas, segura pelo
medo do seu potrinho não quis passar e eu tive que enfiar o cavalo de volta e
quase empurrar a égua para cima das chamas que começavam a crescer por acharem
pasto mais alto por sorte nesta empurra daqui e dali o filhote criou coragem e
atravessou mesmo devagar, mas não se queimou muito apenas chamuscou o cabelo da
barriga e a mãe sem duvida alguma deu um salto e se postou lá fora agora só
restava eu, mas não tive dificuldade o "pensamento" deu um salto que
quase me tirou da sela e partimos a galope rumo a nossa casa. Os animais melhor
dos que os homens, conhecem melhor o caminho de volta. Demorei a chegar por que
os potrinhos vinham cansados, e eu também, coloquei os animais num pasto
fechado e fui a pé dar contas da minha odisseia. Nunca mais me esqueci deste
episódio, afinal era um sertão bravio.
*
A Serra do Magalhães.
A história original desta
serra data de tempos da colonização do leste mato-grossense e não foi
encontrado nenhum registro pelo autor, todavia os sertanejos destes tempos idos insistiam na veracidade deste
episodio em que um expedicionário de
nome Pimentel Barbosa que pretendia abrir um posto indígena nas margens do rio
Xavantinho em suas penetrações no Estado de Mato Grosso, havia se arranchado,
temporariamente, com um grupo limitado
de quinze homens naquela pequena elevação junto ao rio e teve a visita de índios xavantes mas não
conseguiram consolidar um contato mais direto em razão dos índios estarem,
supostamente amedrontados, em virtude do forte armamento dos caraíbas assim o
chefe da expedição determinou a seus comandados que recolhessem todas as armas
em caixão que depois foi cadeado. Apenas o cozinheiro ficou de posse de um
facão. Os índios assim quando os viram
desarmados investiram contra eles e os mataram, note-se que relata a historia
que o cozinheiro era um homem valente e lutou bravamente conseguindo matar
vários índios com o facão, mas foi vencido e os índios lhes cortaram um braço e
uma perna para comerem, não que fossem canibais, mas acreditavam que um homem
valente igual aquele quem comesse de sua carne se tornaria também um bravo
valente lutador. Os corpos foram encontrados amontoados uns sobre os outros com
as bordunas ao lado,
e, Pimentel teve muitas fraturas por todo o seu
corpo.
Eu pessoalmente vi nos
arquivos da FBC em Brasília algumas fotografias tiradas de corpos mutilados por
índios, pressupondo que fossem de outras refregas, mas que confirmavam o mesmo
costume.
Foram-me
relatadas e confirmadas uma historia de um fato acontecido por volta da mesma
época que um pesquisador de origem suíça chamado Herbert Magalhães Affer, a
serviço do então SPI. (Serviço de Proteção aos Índios) por volta de 1938,
esteve na vila de Mato Verde, hoje Luciara, e junto com o sertanejo Cel. Lúcio
Pereira Luz, fez uma penetração às margens do rio Xavantinho para manter
contatos com os índios Xavantes. Não sendo bem sucedido na primeira viagem
ficou de retornar em 1939, mas só chegou em 1941 e após muita insistência o
Coronel Lúcio e mais uns companheiros resolveram acompanhá-lo nesta expedição.
Assim fizeram. Acamparam em um limpo as margens do rio Xavantinho tendo como
paisagem ao fundo uma linda serra. Certo dia ficou no acampamento o suíço, o
cozinheiro Sulino e Raimundo, Lúcio saiu para pescar tartarugas a certa
distancia do acampamento, mas a sua vista. Foi quando inesperadamente os
índios, que já os haviam cercado, escondidos atrás de doze touceiras de galhos
e palhas e que esperavam a saída de Lúcio, atacaram o acampamento pegando o
pesquisador de surpresa dormindo dentro da rede e coberto por um mosquiteiro,
os golpes de lança e borduna o mataram tendo uma das lanças entrada boca
adentra levando junto o pano do mosquiteiro, o cozinheiro Sulino ao ver o que
acontecia correu rumo ao rio gritando pelo Lúcio enquanto que Raimundo
encostado em uma arvore recebe uma pancada no ombro e corre também rumo ao Lago
do rio onde estava o Coronel, este quando deparou com a tragédia deu vários
tiros por cima dos índios que debandaram largando a vitima e as armas do crime,
porque por força de sua cultura entendem que as armas é quem eram as
criminosas. Naquela época houve sérios comentários que o Coronel era quem
engendrara morte do pesquisador, mas com a vinda dos peritos do Rio de Janeiro
que desenterraram o corpo e este estava incrivelmente mumificado, talvez por
ter sido enterrado em terra argilosa, ficou tudo apurado que teriam sido
realmente os índios que o matou. Os restos mortais foram recambiados para São
Paulo. Aquela serra tão pacata por duas vezes se manchou de sangue humano, muitos
homens e índios morreram e hoje se chama simplesmente “Serra do Magalhães”.
*
Furo das Pedras- MT.
+Rio Araguaia+
Ali
comecei aprender quase tudo sobre o Padre Pedro em conversa com os moradores
desde São Félix eu vinha acumulando dados sobre o mesmo e cheguei a seguinte
conclusão; “Padre” Pedro Casaldaliga havia chegado da Espanha e começado sua
vida de prelado por Conceição do Araguaia, participou da famosa guerrilha do Araguaia
em Xambioá da qual falaremos mais tarde, assunto que trataremos nos capítulos
deste livro, e viu que aquele sertão ali a sua frente
era um grande potencial humano adormecido e em estado latente, urgia implantar
naquelas mentes desavisadas e desprovidas de qualquer base filosófica e de um
melhor conhecimento de nossa história social a “Conscientização das Massas”.
*
A Serra do Caracol.
A serra do Caracol distava de São Félix do
Araguaia em 14 quilômetros rumo oeste, era a fazenda de João Irineu, uma serra
encaracolada e a abundância destes moluscos deram origem ao seu nome, foi
também palco de uma grande tragédia como veremos adiante.
*
Serra do São
João
O Manganês ou minério de ferro, possivelmente
volfrâmio, é fartamente encontrado na Serra do São João sob a forma de um
cascalho redondo e brilhoso no tamanho de uma ervilha, e em seu âmago o metal
preto se revela e quando se usa um imã são atraídos e ficam presos ao mesmo.
O deposito deste mineral é de dimensões incalculáveis, e
são encontradas por toda a serra. Uma riqueza para os nossos municípios e para
o Estado, necessita de uma exploração racional.
Nestas
imediações, segundo testemunho de um pioneiro de nome Marco, foi encontrado
muito minério de prata e ouro sendo este último fartamente confirmado por
explorações de garimpos recentes que
encontraram ouro pouco abaixo da superfície em forma de pepitas e pó com bons
resultados, mas foram fechados pela comunidade indígena.
*
Serra do Urubu
Branco.
Junto a Serra do São João, ali nas imediações
da BR 158 na altura dos municípios de Confresa, Porto Alegre do Norte e
Luciara, neste Estado de Mato Grosso, situa-se uma belíssima elevação que levou
o nome de Urubu Branco, antigo retiro do colonizador Lucio Pereira Luz, fica aqui o registro de suas características: No topo da Serra há um
grande lajeiro de pedra, o que se pressupõe ser um achado arqueológico, onde
estão gravadas, na superfície da rocha
vários rastros de animais pré históricos e tipos de letras desconhecidas, e
ainda vários poços feitos na rocha de
relativa largura com um fundo limpo mostrando a alvura da agua ali estocada. Há
também uma caverna encravada na rocha com uma entrada das dimensões de uma
porta, ou mais um pouco, esconde em seu
amago possíveis mistérios não desvendados porque até hoje ninguém, pelo que se
sabe, se atreveu a entrar naquela gruta.
Necessário se torna uma profunda pesquisa feita por arqueólogos ou paleontólogos
e outros especialistas em virtude que poderá ser encontrados vestígios de uma
civilização antiga. Anexo a este vai o
relato de um retirante de nome Gonçalo, cuja posse ficava a cerca de quinze
quilômetros da serra: “Da minha chácara eu avisto o tope da serra do Urubu
Branco e todo ano, por volta do mês de maio aparece uma Luz muito forte em cima
da serra que fica a noite toda e esta luz é tão forte que clareia os meus pés
de frutas aqui em casa e até criam
sombras, vá passar o mês de maio lá em casa e certamente verá o que eu estou
lhe contando”.
A Gruta Luminosa.
Alguns índios me afirmaram que junto à foz do
rio Suia Missu com o Xingu, do lado direito existe um pequeno morro e nele uma
gruta muito grande que ainda trás vestígios antigos de civilizações remotas
como plantas de diversas espécies habilidosamente plantadas em desenhos
originais como arcos, logotipos, e indicam a entrada da gruta e lá dentro podem
se ver muitas pequenas pedras luminosas espalhadas pelo chão ou nas paredes da
caverna eu perguntei porque eles nunca trouxeram uma.
--Não
se pode pegar nelas, elas queimam a mão da gente, os índios usam uma vara que é
rachada em uma ponta, abrimos com uma trave e colocamos sobre a pedra a trava
se solta e prende a pedra e assim a gente a usa para caminhar e enxergar lá
dentro.
--Tem
muita pedra?
--Tem
bastante e o fogo não apaga nunca.
--Fogo?
Como assim?
--Fogo
igual uma luz muito forte, mas não tem muito calor.
--É
difícil achar esta gruta?
--Faz
muito tempo, mas um dia levo você lá.
*
O Muro de pedra.
Um índio Kalapalo me
contou que muitas léguas distantes rio Xingu abaixo rumo ao oceano, antes entrar
na correnteza da cachoeira grande, tem um pequeno rio que desemboca no rio
Xingu e lá existe um paredão de pedra como se fosse um muro, mas não é muito
alto, pois na época da cheia as águas o encobrem e este muro vem da terra firme
e entra rio adentro, não é pedra comum, pois é colocada uma encima da outro bem
reto. Parece um muro muito grosso de pedra quase da largura de meus dois
braços, mas tem que se prestar atenção porque lá tem muita pedra pelo meio do
rio.
--Parece
que foi feito por cristão, igual como fazem casa.
--Seriam
resquícios de uma civilização antiga?
As duas valetas.
Na sequência registrei o
ultimo relato do velho índio que julguei importante, afirmava ele que muito
dentro da mata, do outro lado do rio Xingu existe duas valetas muito grandes e
cavadas no solo há muitos anos e uma fica exatamente no rumo e direção da
outra, cada valeta (segundo Leonardo também me confidenciou) tinha cerca de
dois quilômetros de comprimento por quarenta metros de largura e foi desbancada
em três secções sendo a sua fundura em cerca de vinte metros e as duas estão
longe uma da outra aproximadamente outros dois quilômetros, mas dentro de um
alinhamento impecável uma com a outra. Muita arvore grande já nasceu dentro das valetas, mas a sua forma permanece
secularmente original. Obs. Quem as
teria feito? Não se tem a menor ideia. Corria uma versão entre os sertanejos e
o próprio Orlando de que as valetas teriam sido feitas por primitivos
habitantes para resguardá-los de um intenso clima frio daquela época.
Mas,
a teoria mais aceita é que esta duas valetas foram resultado do Segundo Grande
Impacto de um asteroide contra a Terra quando extinguiu os Dinossauros, uma
farpa ou lasca do bólido deve ter causado esta
ranhura no solo.
A Igreja de pedra.
Eu estava visitando o Padre Francisco
na sua morada na Barra do rio Tapirapé junto à aldeia dos índios Carajás e
Tapirapé, pois queria informações sobre uma cidade perdida que os
índios Tapirapé comentavam, falei com o padre Chico e ele mandou chamar um índio
que conhecia a história e a mensageira foi á francesinha Denise U la la.
Pranchui,
o índio Tapirapé acabava de chegar e nos cumprimentou.
--Agora
que o índio chegou padre eu tenho uma noticia para você, o Liton esteve voando
lá por Santa Terezinha e me disse que tem uns aviões grandes trazendo gente e
falam que são os donos daquelas terras?
--Então
é isto, mas é impossível aquela terra é da Prelazia de Conceição do Araguaia,
mas eu vou lá ver isto, Pranchui mostre ao Dankmar a sua pedra.
--Aqui
esta seu Dequimá, veja que beleza - disse o índio tirando uma pedra de cristal
de sua sacola de couro de anta junto com outros apetrechos, um pedaço de lima,
uma ponta de chifre, cheia de algodão queimado e a pequena pedra de cristal,
admirei a beleza da mesma, pura e sem uma rachadura, limpa mesmo.
--Onde
a encontrou – perguntei
--Lá
no pé da Serra do Roncador, a serra desbarrancou e uma pedra muito grande rolou
e enganchou em uma arvore, a pedra é da minha altura e muito bonita a gente
pode ver a cara da gente dentro dela e eu peguei este pedaço pequeno que estava
no chão, eu a uso para tirar fogo. Assim quer ver?
Segurou a pedra entre os dedos da mão esquerda
colocando por baixo dentro da palma da mão a ponta de chifre com algodão e com
a mão direita riscou a pedra com o pedaço de lima, uma centelha de fogo caiu
dentro do chumaço de algodão, soprou a seguir criando uma pequena brasa, que
logo passou fogo para uma palha de milho seca.
--Pranchui me fale da Igreja de
Pedra é essa?
--Uns doze dias
de viajem até a Igreja de Pedra.
--Conte como é esta
igreja de pedra eu quero ouvir de sua boca, o negro Valentim já me a contou,
mas por alto.
--Lá na serra a que
chamam do Roncador existe um paredão cheio de buraco, onde moravam muitos índios
“Tatuiaras”, é lá onde o vento assobia e ronca forte, parece muito com janela e
porta, em cima de uma porta tem umas coisas escritas eu não sei o que é?
--Porque chamam igreja de
pedra?
--Porque
tem escrito de cima das portas que parece escrito de padre, lá dentro tem um
poço redondo que não tem fundo a gente joga uma pedra e não escuta ela bater lá
em baixo, tem umas bancadas parecendo mesas e muitas entradas, parecem caminhos
só que a gente não entrou neles, o sol aparece lá dentro por um buraco e parece
passar bem em cima das mesas, um dia eu levo vocês lá, agora não os Caiapós
estão andando lá e tem roça deles lá perto, foram eles, assim os índios mais
velhos me contaram – continuou o Tapirapé Pranchui- os índios Chucarramãe que
botaram muito fogo e fizeram muita fumaça e os Tatuiaras tiveram que sair lá de
dentro para brigar e assim os mataram, quase a todos a flechadas todos, mas os
meninos e as mulheres novas e velhos não se sabe como sumiram, pois os índios
fizeram escadas e invadiram tudo mas não
acharam mais ninguém, parece até que foram para algum lugar muito escondido e
seguro lá dentro da serra quase todos
fugiram, só lhes tomaram algumas poucas
mulheres, eu acho que é lá que os Caraíbas ou os Toris e quase todos os
índios mais velhos a chamam de vários
nomes “Cidade Perdida” , “Cidade que
ronca” ou ainda “Cidade escondida” um dia eu levo vocês lá, agora não
concluiu o velho índio..
--Você sabe dizer como
eram estes índios “Tatuiaras’?
--Nunca
vi um deles, mas os mais velhos me contaram que eram índios altos e traziam uma
roda de fogo no meio da testa.
--Roda de fogo?
--Sim – e com a mão
mostrou que o cabelo deles eram partido e forma de um V de cabeça para baixo e
– entre este um O redondo – mostrando com a mão fechando dois dedos – pintado
com urucum bem vermelho.
--Idêntico aos índios
Juruna – que são remanescentes dos Maias ou dos Astecas ou mesmo dos Incas.
Comentei a que o Padre Jentel confirmou:
-- Acertou
na mosca Dankmar.
--Vamos
combinar para a minha próxima viagem? Está certo
Mas a coisa ficou só na conversa, pois nunca
tivemos a oportunidade de irmos explorar estas maravilhas escondidas.
*
Se estes eram os sítios
buscados pelo explorador inglês ele andou muito perto, pois esteve em suas
imediações, acredito até que Sir Fawcett antes de morrer tenha merecidamente os
encontrado realizando assim o seu sonho, bem que ele merecia, quem sabe?
--E
o Coronel Fawcett? O que teria aconteceu com ele?
Vejamos a seguir:
E com
isto acontecer o medo dos índios aumentou, pois sabiam que o revide dos brancos
seria perigoso e assim o colocaram dentro de uma canoa, com todos os seus
pertences, inclusive a carabina e empurraram para o meio do rio e a canoa
desceu as águas com ele deitado dentro já bastante mal, mas, muito mais rio
abaixo outros índios da mesma aldeia que vinham voltando de uma pescaria,
avistaram a canoa rodando, encostaram-se a ela e viram que o inglês estava
morto, puxaram a canoa para o barranco, enterraram-no com seus poucos pertences
e ficaram com a carabina dele.
Em
meados de 1952, Orlando Villas Boas saiu procurando noticias do homem e quando
chegou á aldeia Kalapalo a primeira coisa que viu foi à carabina a reconhecendo
imediatamente e apertou os índios para que explicassem a presença daquela arma
ali na aldeia, e estes, lhe contaram a história toda e o levaram até onde o
haviam enterrado.
Orlando
desenterrou os ossos, alguns pequenos pertences como faca, botões metálicos
pertencentes ao vestuário do inglês e a carabina personalizada e os mandou para
São Paulo. Muito alarde foi feito, tanto na imprensa nacional como na
internacional, a Inglaterra mandou peritos para confirmarem, foram feitas
diversas perícias inclusive da arcada dentaria e DNA - mitocondrial a que a
família Fawcett se recusou a fazê-lo, não queriam deixar o mito de seu
desaparecimento cair por terra, era imperiosa sua abdução por alienígenas que
se presumia habitarem o interior da serra do roncador, ou divagando-se ainda
que tivesse sido raptado ou sequestrado ou ainda convidado por elementos de uma
civilização perdida a partilhar de sua convivência. Seja lá o que quer que
tenha acontecido eu pessoalmente acredito e tenho absoluta certeza que
Explorador Inglês morreu no Xingu baseado nos relatos dos índios Kalapalo ali
onde foram encontrados as suas ossadas e uns mínimos pertences pessoais a sua
faca e sua carabina personalizada. O coronel Percival Fawcett, partiu para
recônditos lugares do nosso universo e ali, talvez, ele continua explorando
novos mundos. “E que esteja bem feliz na companhia de Deus”.
(Obs. Cláudio Villas Boas participou
desta busca junto com Orlando).
O primeiro casamento civil de São Felix
do Araguaia MT.
Aos 14 de março de 1953, me
casei com a jovem Maria Paciente da Silva na cidade de São Felix do Araguaia
tendo sido o “primeiro” ato oficial de um casamento civil registrado no
cartório do Registro Civil tendo sido escrivão Guilherme Pereira Luz que lavrou
registro no livro numero 01 ás folhas 08 tudo de seu próprio punho numa
caligrafia invejável. A maioria dos moradores se fez presente e todos assinaram
como testemunha no livro. Lembro-me de: Cesária, Edilia, Nega, Aracy,
Severiano, Zé Martins, Sindô, Ateneu, Bento, Maria Dias, Lupercio, Leocádio,
Tertuliano e Zé Lagoa e vários outros.
A
23 de dezembro de 1953 nasceu na Fazenda São Pedro na ilha do Bananal o nosso
primeiro filho Aleixo; A 21 de abril de 1955 nasceu a primeira filha mulher de
nome Ruth em Luciara; A 06 de agosto de 1956 nasceu meu filho Paulo em Luciara;
A 20 de julho de 1958 nasceu minha filha Miriam em São Felix do Araguaia; a 27
de setembro de 1959 nasceu em Luciara a minha filha Enilda; A 06 de novembro de
1961 nasceu em Brasília o sexto
filho Daniel; meu sétimo filho Joel
nasceu a 22 de fevereiro de 1965, em São Felix do Araguaia, e a 23 de julho de
1968 nasceu Maria Aracy em Brasília.
Rememorando o passado
sai em cima de uma foto minha que relata o tipo de vida que eu vivia em Luciara
nos anos 1953 a 1956. Recém-casado (no civil e foi o primeiro casamento
registrado em São Felix o Araguaia), Pai de duas crianças esperando as outras
seis, e emprego nunca ouvi falar que existisse, então para enfrentar a vida
virei “mariscador”, nome dado aos caçadores regionais. E escolhi a Ilha do
Bananal para minhas caçadas jacarés e onça. Arranjei um parceiro á altura
do difícil trabalho e desempenho, meu cunhado Mariano e lá se fomos nós. Lago
do Mamão, Lago do 47, Lago do Coqueiro Só
e vários outros. A noite eu
iluminava o lago e podia contar cerca de trinta ou mais jacaré-açu, acima de
três metros e meio até cinco metros, mas a cauda não se aproveitava para
nada. Nem gosto de me lembrar das
eternas companheiras as piranhas que ficavam roendo em baixo da canoa que nada
mais era o que um caixão de defunto de tão parecidos e sofisticados, mas
aguentavam. Hoje penso nestas loucuras na qual eu ficava quatro a cinco meses
nessa labuta, metodicamente eu voltava a minha casa. Tudo isto para não deixar nada
faltar. Mas me sai bem e ao final me sentia orgulhoso o bastante para ser feliz
com minha família. Já relatei estas histórias nos meus livros, hoje junto uma foto que estava perdida há
muitos anos e resolvi publica-la como
testemunha de minha luta. Eu era magro cheguei a pesar 55 quilos. Mas sobrevivi.
![]() |
Dankmar (o autor) e três Jacarés-açu de 4 metros e meio.1954. |
§
Capitulo 06.
A Prelazia de São
Felix do Araguaia MT...
Em 27 de agosto de 1971 foi
nomeado bispo prelado e em 23 de outubro recebeu a ordenação episcopal passando
a ser Don Pedro Maria Casaldaliga Plá o Bispo da Prelazia de São Felix do
Araguaia, o nome Maria em homenagem a Virgem Maria, mas ninguém seria melhor do
que a gentil e astuta raposa para explorar a delicada situação social da
emergente pastoral de sua Igreja Particular que vivamente delineava a
atualidade do tema “Viver entre os
pobres, com eles e sendo um deles, reivindicar uma repartição mais justa e
igualitária dos bens particulares e das riquezas, pretendendo que todos os
homens nasçam iguais e conclamá-los a luta pela classe na defesa de suas posses
era a sua tríplice missão: “Evangelizar a palavra de Deus, administrar os
sacramentos, e servir de pastor e pai dos marginalizados”. E. em 2.000
recebeu o titulo de Doutor Honoris Causa pela UFMT. Permaneceu na função até 02 de fevereiro de 2005 .
Uma cruzada apocalíptica teve início e uma
guerra violenta foi declarada. Era o poder econômico latifundiário apadrinhado
pateticamente a leis obsoletas e do outro lado os posseiros regidos pela batuta
de Casaldaliga e seus agentes pastorais. Muita gente foi massacrada nesta luta
desigual e sem quartel. Padres e posseiros foram sacrificados, grileiros e
fazendeiros tombaram. Erravam-se dos dois lados, mas eram os ossos do oficio. Antes
os posseiros temiam os fazendeiros, hoje estes os temem. Antes aqueles lhes
ofereciam guerra, hoje pedem a paz.
Leis foram sendo renovadas inteligentemente
protegendo os pioneiros, mas a confusão se generalizou quando começaram a chegar
levas de nordestinos, mineiros e de outras bandas do Estado de Mato Grosso,
gentes na maioria, sem tradição de agricultura, mas que buscavam ansiosamente
um pedaço de terra para se estabelecer e se misturaram aos pioneiros nativos da
região. Habilidosamente o Bispo passou a organizar seus marginalizados e
orientá-los a não receberem títulos de terras definitivos fossem de
particulares ou do Estado sob a alegação de que eram falsos e instigava-os
através de seus agentes pastorais, a luta aberta contra seus “pretensos”
benfeitores. Com o apoio do Bispo os marginalizados De simples homem do campo o
sertanejo passou a condição de rebelde e revolucionário e eram treinados para
isto numa situação que a própria sociedade impôs ao Marginalizá-los. Para estas
centenas de renegados pela sociedade latifundiária o Bispo era a única
esperança, sem ele estariam perdidos. Eles o tinham como um enviado de Deus.
Hoje são uma força crescente em busca de uma liberdade quase evangélica e sabem
muitos bem que são a pólvora do barril reacionário as espera da mecha ardente,
foi assim que começaram, mas isto nós veremos mais adiante nesta sequência de “anos
de conturbação social”
§
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Leonardo Villas Boas (de boné) e o rio Araguaia |
Capitulo 07.
Tempos
de aventuras...1954/55/56/57 e 58
Naquela manhã de 1954, abordo do barco “Brigadeiro Aboin” íam três
homens, Leonardo Vilas Boas, Enzo Francisco Pisano e Dankmar.
O rio Araguaia estava muito
seco, era por ai, mês de setembro, e, aquele barco de calado fundo começava a
raspar seu casco na areia. No leme do barco eu fazia de tudo para não encalhar,
bem a minha frente um enorme banco de areia anunciava cuidados, bati na
campainha pedindo para reduzir a marcha do motor, mas os gritos de um e outro,
não deixavam se ouvir nada, nem escutaram a campainha bater nem viam o enorme
banco de areia se aproximando. Os dois companheiros discutiam calorosamente, Enzo
descendente de italianos, tanto gesticulava como gritava, Leonardo já rouco e
muito enfezado parecia estar em outras terras, mas eu não me incomodava com
isso, já estava bem acostumado isto se repetia quase todos os dias e os dois
eram grandes amigos dizem que fundaram a Fundação Brasil Central. (FBC).
--Discutiam sobre
qualquer coisa, tinha que haver motivação para beberem uma caipirinha feita da
boa Ypióca, e desta feita era sobre suas atuações quando da abertura da estrada
rumo Roncador - Xingu eles estavam na altura de Vale dos Sonhos ao passarem por
uma vala, Enzo ia à frente abrindo a picada e Leonardo mais atrás rematando o
serviço foi quando Leonardo com um golpe cortou uma grande volta de um cipó que
balançou, atravessou a grota, e foi pegar bem na nuca do italiano que caiu
estatelado e sem fôlego.
--Você aquela vez quase
me mata.
--Você é muito mole
italiano burro. Retrucou Leonardo depois de uma bebericada.
--Estou te falando para
largar mão desta ideia de comprar terras, isto aqui vai virar um tumultuou só
com tanto picareta se dizendo dono de terras - inflamava Enzo.
--Mas se nós comprarmos
não tem picareta bom para tomar, precisamos garantir nosso futuro e não vai ser
com este barco e o emprego da FBC, que vamos conseguir sobreviver.
--Você vai arranjar é uma
terra com sete palmos de fundura.
--Não seja idiota
italiano burro.
--Burro é a tua avó. - E
dizendo isto Enzo pulou para dentro do rio.
Para sorte dele estávamos junto do banco de areia e estava raso.
--Entre logo cretino.
--Não entro, podem ir
embora e me larguem aqui.
Diminui o motor e fiquei segurando o barco
bem encostado nele.
--Deixe-o
aqui, e vamos embora.
--Esta
ficando doido Enzo? Vamos entre logo se não vamos encalhar e ai sim é que vamos
passar um bocado de dia preso na areia e fazendo muita força.
--Só entro se ele me
pedir desculpa.
--Está bem italiano você
ganhou, desculpe e entre logo – disse Leonardo estendendo a mão para o
companheiro.
Mas o barco havia se afastado
um pouco e Enzo teve que caminhar uns cinco metros para poder entrar, nisto um
grito violento do italiano nos pôs em polvorosa. Leonardo ia pular na água, mas
Enzo o impediu.
--Não entre, espere –
Enzo estava branco feito um papel.
--O que foi?
--Pisei
numa concha (galho) de espinhos - dizendo isto se encostou ao barco vimos que
ele estava para desmaiar, nos o puxamos para dentro enquanto o barco descia
desgovernado nas águas, o colocamos em cima da mesa do centro e quando vi o pé
direito do mesmo todo cravado de espinhos de tucum, alguns deles estavam
apontando pelo lado de cima no pé junto aos dedos, Leonardo deu um bom gole de
Ypioca para o enfermo e pegando um alicate jogou pinga nos lugares mais
expostos e começou a arrancar espinhos com a ponta do alicate, no começo cada
espinho arrancado era um berro depois foi se acostumando, acredito que o pé
ficou dormente, já no piloto apontei o barco para uma praia
alta e encalhei só a proa. O barco se prendeu e fui ajudar na extração
dos espinhos que ficou mais dolorosa quando os que estavam de fora se acabaram
começamos a esgravatar a pele procurando outros. Tiramos aproximadamente uns
setenta espinhos grandes. Ele havia pisado em cima de uma palha de Tucum que
estavam no fundo do rio, só não fez mais estragos porque deve Ter pisado na
ponta aonde os espinhos são mais curtos, os do meio chegam a ter cinco a oito
centímetros de comprimento. Começamos a viajar e pouco depois estávamos
chegando á barreira do Pacifico que fica um pouco abaixo do Furo das Pedras. O
italiano estava dormindo em uma rede e totalmente bêbado.
--Vamos
parar no Pacifico por uns instantes – pediu Leonardo.
--Já
vamos encostar, vá lá para a proa. - pelo comando abaixei a aceleração do
Caterpillar e o coloquei em ponto morto, tínhamos impulso suficiente para
encostarmos ao porto.
--Está amarrado, vamos
descer um pouco.
Subimos a ladeira do porto até onde estava a pequena casa do velho
Pacifico e sua mulher, ele nos recebeu.
--Leonardo, Dankmar
venham entrem a mulher esta doente e acamada.
--Vamos
lá ver o que ela tem - disse Leonardo e eu comecei a ficar com medo, será que
ele vai querer receitar a doente?
--Como vai a senhora
dona.
--Vou mal seu Leonardo,
estou com dor no corpo todo, acho que é reumatismo.
--O que a senhora esta
tomando?
--Me ensinaram que
raspasse a caninana e pusesse na pinga que era muito bom, eu fiz, mas parece
que piorei.
--Mas é lógico, pinga só
pura nada de mistura, mas eu vou lhe dar umas pílulas que tenho lá no barco
tome uma de manhã outra ao meio dia e outra à noite durante uma semana e estará
curada.
--Obrigado seu Leonardo,
mas será que é só reumatismo?
--Você esta com a “arca
caída” mande benzer, e não pegue em coisas pesadas.
Depois de medicar a
velha nos despedimos e eu fui com Leonardo para a casa dele em Furo de Pedra
depois iríamos para Mato Verde, mas quando estávamos contornando a praia da
curva grande, abaixo da vila, passamos pelo barco Frei Chico que ia lavando o
passeio de tão carregado.
Eu
invejava Leonardo em quase tudo, era dinâmico, trabalhador, muito inteligente
afável e bom amigo, só não o invejava em uma coisa, na mulher que tinha. Sua
esposa, ou melhor, sua mulher podia estar rindo a vontade, lá do porto quando
chegávamos escutávamos suas risadas, mas quando Leonardo entrava em casa era
outra coisa a mulher brigava demais, era muito nervosa, mas os filhos que ele
tinha com ela que eram a Marisa, Marina e Álvaro, prendiam o velho amigo.
A
minha esposa também se chamava Maria, Maria Paciente, filha de sertanejo, eu a
conheci na barreira de São Pedro na ilha do Bananal, talvez um pouco impetuosa,
e de idade nova. Dias felizes, ao menos para mim se passaram. Enzo ficava mais
no barco do que na casa em breve viajaríamos rumo a São Félix do Araguaia e ali
cada um tomaria seu destino, eu deveria subir o rio das Mortes até Xavantina
para ir buscar, de barco, um caminhão, Leonardo pretendia ir também, pois
estávamos os três a serviço da Fundação Brasil Central. Enzo ainda ficaria na
sede da FBC em Santa Isabel do Morro.
Bem perto de Furo das Pedras,
cerca de uma légua, ficava Santa Terezinha onde o padre Jentel era o ator
principal de uma guerrinha que se aproximava. A Linha Aérea Nacional, com seus
aviões Douglas DC3 faziam a linha para Goiânia via Cristalândia ou Gurupi
estavam instalando um grande projeto agropecuário. Eu e o Leonardo éramos
constantemente procurados pelos moradores daquela região que agora viam chegar
os que se diziam donos daquelas terras e sentiam medo do futuro.
Sebastião Barbeiro era um deles, posseiro, dono de
barco e comércio também morava na pequena vila. Aldenor Milhomem e sua grande
família eram todos pequenos produtores e moravam por ali, fundaram aquele
lugar.
Um
dia nos reunimos e sob o tema “terra e posse” iniciamos um bom debate, muita
gente estava presente em meio à rua que ficava na beira do rio, só Aldenor
discordava de quase tudo e resumia:
--É
só meter umas balas nestes vagabundos que eles nunca mais voltam para atentar a
vida da gente.
--Mas Aldenor – moderava
Sebastião que era outro violento – nos não vamos dar conta de matar a todos
eles, vamos ouvir a opinião do Leonardo e do Cavalcante.
Cavalcante era um sujeito já
de idade, maçom, e muito moderado e também muito conceituado, sua esposa também
se chamava Maria, e, como veremos, não foi muito feliz.
--Bem,
o que eu tenho a dizer que é assim mesmo sempre foi e sempre será – comentava
Cavalcante – sabíamos que estas terras sempre tiveram donos, quando não o
Estado, algum particular e como nunca nos interessamos em comprar, agora os
donos as reclamam e a violência não vai adiantar, só se resolverem vender lotes
pequenos ou doar.
--Nada
disto ira acontecer – interrompeu Leonardo – eu conversei com um dos donos e
ele me informou que há um projeto enorme sendo instalado e não vão poder
modificar, mas alegam que vão dar emprego para muita gente.
--Vamos falar com os
donos, acho bom ir eu o Leonardo e o Sebastião – finalizou o maçom.
--Por que então não
vamos?–concordaram em ir ao dia seguinte a Santa Terezinha, mas o destino
haveria de intervir e traçava outros rumos.
Naquele mesmo dia eu soube pela esposa de
Cavalcante que ele havia adoecido e estava acamado com febre, ele tivera uma
discussão com o cunhado sobre problemas financeiros da loja que o jovem tomava
conta e que estava desviando muita coisa da mesma, inclusive o dinheiro, mas
pouco depois ele chamou a esposa e o cunhado e os perdoou tudo pedindo que
esquecessem tudo e começassem uma vida nova. Maria chorou de alegria vendo tudo
terminar bem entre o marido e o irmão.
--Vou matar uma leitoa
para comemorar a paz que voltou a esta casa - arrematou a esposa.
Cavalcante estava muito fraco,
mas dentro daquele jovem um ódio inusitado tomava conta. Aproveitando-se da
saída da irmã ele de posse de uma faca peixeira cuja lamina tinha trinta
centímetros, volta ao quarto e sufoca com a mão o velho e desfere um golpe
mortal na garganta e a seguir muito outros que impiedosamente furavam o corpo e
atingiam o colchão.
Cavalcante morreu sem dar um
grito. O cunhado deixa a casa e foge rumo a Santa Terezinha, é a única saída
por terra.
Dado o alarme, todos se
revoltam e procuram o assassino, mas tem-se noticias que teria fugido para
Santa Terezinha, vários motores foram acionados, mas todos entram em pane e
custam a pô-los em movimento quando chegam a Santa Terezinha o bandido tinha se
evadido ninguém soube para onde.
Eu os vi muitos anos depois e
estavam juntos Maria e seu irmão, soube também que fora ela quem custeara e
promovera pessoalmente a fuga do assassino. Cavalcante fora enterrado. Restava
esquecer.
*
Dias depois
funcionamos o motor Caterpillar do barco Brigadeiro Aboin e seguimos rumo rio
acima, só que a Maria Villas Boas ia também.
Por volta do meio dia tornamos a passar pelo
barco Frei Chico do Tônico Bosaipo que voltava chapadinho de mercadorias e
gente, era uma visão empolgante escutar o martelar daquele Bolinder de um
cilindro e a alegria dos passageiros acenando as mãos. Neste dia dormimos em
uma ilha em meio ao rio numa praia muito branca e grande, junto ao lago do
Jatobá. Ao nosso lado a aldeia Carajá do Crisostis (Crisostemos) e chegamos a
Mato Verde antes do almoço, fizemos uma pequena parada e seguimos rumo a São
Félix onde chegamos às cinco horas da tarde.
Decidimos que Enzo seguiria para Leopoldina
que já se chamava Aruanã - GO. Leonardo ficaria coordenado os trabalhos da FBC
e eu deveria seguir rumo a Xavantina..
O tempo passava e eu fui me
adaptando a aquela situação, já estava me tornando um verdadeiro sertanejo. Com
o meu retorno à pequena vila de Mato Verde continuei a trabalhar em meu pequeno
barco e um motor Penta de 12 HP e em março de 1955 tive que ir até Santa
Terezinha ver se arrumava uma passagem nos Douglas da Linha Aérea Nacional
cujos donos Hilton e Wilton Machado já eram meus amigos e o motivo da viagem
era levar meu filho Aleixo para Goiânia para tratamento medico, pois eu havia
dado a ele como lombrigueiro umas pílulas de Quinino e ele botou muito verme e
ficou muito fraco que nem a cabeça conseguia sustentar por muito tempo e nem
ficar em pé. Fui a Goiânia tratei de meu filho, de minha esposa e de mim mesmo
que lá cheguei com uma malária muito forte, em poucos dias regressamos e eu
para pagar a duas viagens de ida e volta, tive que assumir o compromisso de
transportar materiais da serraria e do locomóvel pertencentes à companhia que
estariam no porto em Leopoldina que distava em 155 léguas de distancia. Fiz
três viagens pesadas, mas paguei o meu compromisso. Para tanto viajava a noite
toda sozinho no piloto, eu e Deus.
Numa destas viagens eu ia levando o volante e
uns eixos da caldeira só o volante pesava mais de mil quilos, se o barco
batesse em algum toco e afundasse nunca mais sairia do fundo rio e para
terminar meu compromisso passei a navegar a noite, ia sozinho só eu e o
Criador.
Eram altas horas da madrugada
quando na escuridão da noite avistei uma luz muito longe, era uma pequena
fogueira acesa em uma praia e assim resolvi dar uma parada para aliviar a
tensão. Rumei direto para a luz, sempre desviando dos baixios, pelos muitos
anos na região e sempre navegando pelo rio eu já era um profundo conhecedor do
canal e sabia onde tinha pedras ou tocos espalhados pelo canal, assim desviando
de tudo me encostei à praia bem perto de onde o fogo estava aceso, aportei
encalhando a proa da embarcação e desci para me encontrar com o outro viajante
e caminhando pela praia fui ao encontro do mesmo e o reconheci:
--Pedro
Rico?
--Ele
mesmo – respondeu e foi até a minha pequena embarcação e quando viu a carga se
espantou e continuou - você é doido varrido? Se este barco afundar você vai
junto com ele e ainda mais tem muita coragem em viajar numa noite escura como
esta!
--São
os ossos do oficio – respondi e passei o resto da noite conversando com meu
amigo e olhando o céu estrelado.
Partimos
ao clarear do dia cada uma para seu rumo.
§
Ingressando nas fileiras da FBC – 1959/1960
Leonardo Villas Boas já
meu bastante amigo aportou com seu barco o Brigadeiro Aboin em Luciara, foi até
minha casa e ele e o amigo Enzo, formalmente me convidaram para ir trabalhar na
Fundação Brasil Central em Santa Izabel do Morro na Ilha do Bananal.
Após acertar com minha esposa
resolvi aceitar a oferta, afinal eu já estava com cinco anos de casado, com
quatro filhos e a vida continuava muito irregular e ali na FBC eu poderia dar
mais conforto a família e assim o fiz e comecei a trabalhar, e periodicamente regressava
para minha casa para passar uns dias com a família.
Estávamos em 1959 apesar de ainda morar em Luciara
eu tinha minha vaga garantida na FBC na Ilha do Bananal, Voltei para o meu serviço na FBC na Santa Izabel do Morro na Ilha
do Bananal onde tinha a Aldeia de índios Carajás e o Posto do SPI.
Foi por apresentação de
Leonardo, ao então Presidente da FBC o jornalista Jorge Ferreira que era dono
da Revista “O Cruzeiro” que me fixei no serviço.
Comecei a trabalhar na
Fundação Brasil Central - FBC no Centro de Atividades da Ilha do Bananal, como
pertencente ao quadro de funcionários, meu primeiro serviço seria na
administração. E ali fiquei e, em 09 de agosto de 1960 fui nomeado encarregado
do Posto Bem-vinda.
Naquela
época, 1960, começou-se a construir o Hotel JK na Ilha do Bananal uma grande
obra do Presidente Juscelino.
O
material da construção do hotel vinha de
Goiânia, Brasília e de outros lugares, por caminhões, para o Porto da Bem-vinda
na Ilha do Bananal e de lá era transportados em balsas que suportavam ate
setenta e duas toneladas cada uma para o porto de Santa Izabel.
Depois com entrar o período da chuva mudamos
o porto de desembarque para Luiz Alves, mas antes tivemos que fazer um aterro
na estrada até barranca do rio. Assumi o transporte via balsas que já eram três
e continuei a morar em Santa Izabel onde minha família estava finalmente
residindo e sempre íamos a Brasília pelos Aviões da FBC que de inicio eram três
Douglas C 47.
Havíamos nos mudado definitivamente para Santa
Izabel do Morro na Ilha do Bananal em 1960 e ali permanecemos por longos nove
anos ate 1972, excluindo-se um bom período de licença sem vencimentos, neste
meio tempo.
Passei a comandar a sede do Posto da FBC em
Santa Izabel do Morro, Leonardo e Enzo estavam sempre ausentes em viagens a
serviço e uma delas seria a ida via rio das Mortes acima, até Xavantina para
trazer um caminhão pelo rio e nesta eu tive que ir afinal éramos a elite da FBC
na região.
*
Rio Manso... Ou “Rio
das Mortes”.
Foi no mês de novembro de
1960...
Rio Manso ou rio das Mortes
rio tem sua barra com o rio Araguaia três léguas acima de São Félix. Já
esperávamos as primeiras chuvas do ano o que viria a facilitar a nossa missão
que era trazer um Caminhão GMC 1948 em cima de dois barcos ajoujados de
Xavantina a São Félix do Araguaia, não havia estradas naquele tempo o rio era a
única alternativa, mas para isto teríamos que enfrentar vários travessões de
pedras.
Meus colegas de viajem eram
Clarismundo e varias mulheres que queriam uma carona até Xavantina.
No dia marcado para a viagem
levantei cedo e fui para o barco pronto para partir, Leonardo estava lá de mala
pronta e também o Juvêncio um amigo e grande piloto fluvial.
--Nos
vamos também – afirmamos Leonardo – Eu e o Juvêncio.
--Ótimo
e estas mulheres? O barco não tem toldo se chover vão se molhar.
--Elas
estão sabendo – respondeu Juvêncio olhando para Tônica que era sua esposa.
--Vamos
sair às dez horas tenho que providenciar mais comida - determinou Leonardo –
estas mulheres também vão, elas fazem as suas próprias despesas.
Às dez horas eu já estava pronto, o Juvêncio
não aparecia e as mulheres já tinham embarcado meia hora depois chegam os dois
e demos inicio a viajem.
Naquele dia fomos dormir muito
longe dentro do rio das Mortes em uma praia muito bonita. À noite conversando
com Juvêncio perguntei:
--Porque
chamam este rio de Rio das Mortes?
Uma triste historia...
“Faz muitos anos, um
batelão dos padres, cheio de gente, vinha descendo o rio que estava muito cheio
e correndo, o batelão se desgovernou e batendo em um tronco virou jogando os
passageiros nas águas turbulentas e cheia de piranhas vermelhas. Vários padres
morreram afogados. Duas mulheres e dois homens e um padre se salvaram subindo
em arvores”.
“Uma das mulheres
estava grávida” e nos dias de dar a luz e seu marido que também havia se
salvado resolve entrar na água e nadar até encontrar terra seca e ir à busca de
socorro, mas foi infeliz porque as piranhas o devoraram bem a vista dos outros
e sua mulher não suportando a tragédia abortou o menino que caiu na água e
também foi devorado. Outro homem, mais cauteloso, esperou a noite e entrando bem
devagar na água conseguiu sair em busca de ajuda e esta só chegou três dias
depois Os que sobreviveram passaram quatro dias sem comer e dormindo nos galhos
das arvores. Daí a origem do nome “Rio das Mortes” – finalizou.
--É...
Eu conheci esta mulher – disse uma das viajantes. --Água não tem cabelo para se agarrar – completou.
--Temos
uma longa viajem pela frente pela frente – disse Leonardo – eu vou dormir.
--Amanhã
passaremos por uma vila chamada Santo Antônio.
Fomos todos dormir.
Capivaras passeavam pela praia e gritavam ao
sentir a nossa presença, peixes pulavam a noite toda, enfim era o sertão. Só a
luz do fogo que denunciava a vida.
Mal clareava o dia já havíamos
partido. Ainda cedo avistamos as casas da vila Santo Antônio, fizemos uma
rápida parada e seguimos viajem rumo ao travessão “Capitariquara”.
No
terceiro dia de viajem de longe escutávamos o ronco das águas no travessão que
era um amontoado de pedras em meio do rio que deixava apenas um canal estreito
e violento entre duas grandes rochas. Eu ia ao piloto do barco e Juvêncio ao
meu lado, Clarismundo cuidava do motor de popa Arquimedes de 12 hp.
--Joga
para o remanso e encoste-se àquela pedra, vamos ter que passar no cabo – afirmou
Juvêncio.
As águas agora puxavam ao
contrario e o barco tomou um rumo violento contra as pedras, quase me apavorei,
dei uma guinada raspando outras pedras, diminui a velocidade e fui encostando o
mesmo na pedra maior que ficava logo abaixo do canal, ela é quem tumultuava a
águas. O barco sobe a proa na pedra e para. As mulheres rezavam e pediam por
todas as virgens santíssimas.
Leonardo havia descido e amarrado à corda em
uma pedra.
--Ficou
com medo Dankmar? – perguntou Leonardo.
--Pra
falar a verdade fiquei sim, com um pouco de medo.
--Isto
é bom, é sinal de responsabilidade, vamos passar para aquelas pedras mais acima
e puxar, você funciona o motor e sobe.
--As
mulheres que fiquem quietas – asseverei.
Clarismundo funcionou o motor e a estas
alturas Leonardo e Juvêncio já puxavam o comprido cabo ajudando o barco a
vencer a corredeira. Quando joguei o barco no canal a água entrou pela proa, o
motor disparou ao ser levantado a popa, mas logo a mesma se estabilizou e ouvi
o estalo, mais parecia um tiro de rifle 44, o leme se quebrou sobrando só o
cabo que estava segurando e rodou rio abaixo, só restava o leme do motor, com o
estrondo as mulheres gritaram apavoradas. As duas enormes pedras formavam
aquele canal violento, mas as forças das águas concentrada o trazia-o de volta
ao leito. O motor foi acelerado ao máximo e agora agarrado apenas no timão
tentava equilibrar e manter o rumo.
Nunca na minha vida ouvi tanto nome de santo:
--Valha-me
Nossa Senhora do Bom Parto.
--Nos
acuda mãe Santíssima.
--Nossa
Santa Luzia da Fumaça nos proteja.
Entre as lamurias e o
tumulto das águas a força de vontade vencia e o barco subia polegada por polegada,
mas subia.
Não demorou muito começávamos a sair daquele
corredor da morte e o travessão Capitariquara, começava a ser vencido.
De súbito entramos em um remanso superior que
nos impulsionou para um lado, quase em cima de outra pedra, mas a etapa pior já
havia vencido. Finalmente conseguimos ultrapassar e o motor pode ser reduzido e
encostamos o barco em uma praia junto da ressaca. Mal paramos as mulheres se
atiraram para fora do barco e tremiam não por estarem molhadas, mas de susto.
Leonardo
começou a rir dizendo:
--Esta
foi boa tomara que seja a última.
--Ainda
temos o travessão dos macacos, mas ele é bem mais fácil confirmou Clarismundo.
--Para
mim chega – gritou Tônica a mulher de Juvêncio – o resto da viajem eu vou a pé.
– seu marido a repreendeu com um olhar severo.
Finalmente
vencemos o travessão dos macacos e chegávamos ao porto de Xavantina. Foi um
alivio. As mulheres como que por encanto sumiram sem se despedir, depois desta
eu acho que elas não voltariam conosco. Afinal foram quase seis dias de viagem
Leonardo como velho servidor da Fundação
Brasil Central e era tido como um dos sertanistas mais atuante me apresentou a
seus irmãos Orlando e Cláudio.
Tiramos aquele dia de folga e aproveitamos
para apreciar o belíssimo GMC 1948 que deveríamos levar para São Félix. A
maioria dos moradores daquela região nunca tinha visto antes um caminhão ou
outro veiculo de roda, movido a motor. A não ser bicicleta. Ia ser um Deus nos
acuda.
Cinco dias depois já havíamos preparado o
ajoujo atrelando dois barcos, um distante do outro aproximadamente em três
metros.
Colocamos o caminhão em cima. Era uma
verdadeira arapuca, mas estava feito. No outro dia cedo desceríamos o rio rumo
a nossa origem, São Felix do Araguaia.
Para nossa sorte o rio tinha
enchido bastante e os travessões se alisaram somente uma ponta de pedra ficou
de fora no travessão do Capitariquara, passamos entre ela, jogamos os dois
barcos na corredeira e a ponta de pedra deslizou pelo meio, foi um susto
danado, pois a corredeira era violenta, mas saímos ilesos e com o caminhão
firme em cima.
Com quatro dias de viajem
chegávamos a São Felix por volta do meio dia.
Foi uma parada, uma loucura, o
povo a beira do rio esperando tirarmos o caminhão, preparamos duas grandes
pranchas e o motorista improvisado que era o Clarismundo funcionou o motor, que
depois de aquecido deu dois balanços com a testar se rodava, e se arrancou de
dentro do barco, quando o pessoal viu o caminhão avançar saíram de perto e o
chofer pensando que as pranchas estavam caindo se arrancou com fogo no rabo
jogando tudo para traz, mas saiu ileso. Finalmente a fera GMC 1948 estava
roncando em terra firme e virgem, pois até então era o primeiro veiculo de pneu
e motor a pisar por aquelas bandas.
Foi um dia de festa, muita
festa com passeio de caminhão e muita pergunta.
Era época de eleição e eu fui
a Luciara com o caminhão para ajudar no transporte de eleitores, mas o pior era
que ao chegar a uma tapera naquele mundo de campos e varjões muito grande eu
buzinava na frente da casa, mas os moradores saiam correndo pelo fundo até que
um criasse coragem e chegasse perto do caminhão depois iam se familiarizando
com o veiculo e se atreviam a subir na carroceria do mesmo o pior eram que as
famílias queriam ir todas e a dificuldade era colocar os meninos na carroceria,
era um Deus nos acuda, a bichada esperneava e gritava, mas acabava entrando e
depois de juntar um bocado de gente eu ia para a cidade para despejá-los em
frente ao grupo escolar aonde se realizavam as votações. Mas é ai que a porca torce
o rabo, quem diria que eles queriam descer? Foi outro trabalhão fazê-los
entender que eu teria que ir buscar outras pessoas.
--Depois
damos outra volta... Está bem?
Foi o melhor presente de Natal que ganhei em
toda a minha vida,. Palavras simples que dizem muito, obrigado amigo Orlando,
obrigado Marina e Noel. E... um..Feliz
Natal... Dankmar e Maria.
A última carta de Leonardo Villas
Boas... me escreveu...
Meu amigo Dankmar.
Minha querida amiga Maria, e meninos.
Sigo para São Paulo para operar o coração, mas sinto que não voltarei,
já estou sentindo muitas saudades de vocês todos, não se apoquentem comigo eu
estarei bem, se cuidem, vocês ainda tem muitas coisas para fazer. .
Adeus e abraços do amigo de
sempre.
Leonardo. 02/02/1961
In-memoriam,
“Leonardo faleceu em
1961 durante uma cirurgia quando o Doutor Zerbini o operava do coração em São
Paulo”.
.“Orlando Villas Boas
faleceu em São Paulo, dias antes do
Natal a 13 de dezembro de 2002.”.
*
O entrosamento... Outubro de 1962.
O Presidente da República Jânio da Silva
Quadros era um habitual frequentador do Posto Diauarun onde Orlando comandava.
Muito amigo dos irmãos Villas Boas passava dias em visita, era comum vê-lo
dormindo as sombras de arvores em uma rede de labirinto. Foi a pedido de Orlando o decreto que criou o
Parque Nacional do Xingu tempos depois veio a ser regulamentado, isto em 1968,
inicialmente seriam vinte quilômetros da cada lado do rio por uma extensão de quarenta
quilômetros de comprimento.
Como funcionário da Fundação Brasil Central,
lotado na Ilha do Bananal, onde era encarregado do serviço de transporte na
Operação JK, fui colocado à disposição do Parque Nacional do Xingu, a pedido de
Orlando Villas Boas para substituir seu irmão Cláudio que era o então
encarregado do posto Diauarun no Parque Nacional, nas margens do rio Xingu,
aonde se encontravam aproximadamente dezessete nações indígenas diferentes
habitam a região do Parque Nacional do Xingu entre elas os Kuikuros, Kalapalos,
Nafukuá, Matipú, Meináku, Aweti, Waurã, Iawalapiti, Kamaiurá, Trumai, Suia,
Juruna, Txikão, Kayabi, Metoktire, Menragnonti, e Kreen-Akôre...
A seguir: Posto Diauarun ás
margens do rio Xingu.
Devo
fazer especiais menções aos índios Trumai uma das nações indígenas mais
inteligentes deste planeta especialmente as mulheres que são dotadas de uma
sutileza sem par, humildes e habilidosas. O deposito de mercadoria que Orlando
mantinha ali no Posto era um verdadeiro armazém geral, havia de tudo desde
armas, munições, salsichas importadas enlatadas, panos, facões, enfim tudo que
você pensar ali tinha inclusive oito maquina de costuras Singer novas em folha.
Resolvi recambiá-las para uma sala improvisada e comecei a reorganizá-las e em
pouco tempo eu já estava costurando alguns panos, devo ter descoberto algum dom
para alfaiate, mas varias índias Trumai que olhavam se interessavam por elas e
eu comecei explicando a algumas coisas e o seu funcionamento e para meu
espanto, no outro dia, já tinha índia costurando, daí para frente não param
mais, foi uma notável experiência.
As casas do Posto a exceção do barracão de
mercadoria e do refeitório que eram de madeiras, eram todas de pau a pique e
cobertas de palhas, inclusive o local de atendimento médico. Tudo era rústico,
mas confortável a maneira primitiva, pelo menos não chovia dentro, só algumas
goteiras. O nosso cozinheiro era um jovem índio Kalapalo que fazia suas tarefas
e serviço completamente pelado, mas, para melhorar as coisas dei um calção para
ele vestir, logo depois estava com ele jogado no ombro e me alegou que não o
usava porque arranhava muito, e lá se foi rumo ao rio para lavar a panela de
arroz que fizera no almoço e me parece que só enfiou dentro da água, passou a
mão e voltou do mesmo jeito com resto da comida ainda pregada no fundo, era ai
por volta de duas horas da tarde quando dois fortes tiros estrondearam ao
longe, após uns minutos tornaram a se repetir, a aldeia ficou assanhada foi
quando Pionin chegou me dizendo:
--Deve
ser índio brabo chegando, acho que é o Raoni Caiapó, toda vez que ele vem aqui
faz este barulho para por medo nos outros, mas não assuste, ele age assim só
para pedir muita coisa aqui no Posto, mas o Orlando só dá o que ele precisa. O
Caiapó logo apareceu, era Raoni trazendo um veado morto com a barriga inchada
me oferecendo para comer, recebi a caça agradeci e dei a eles algumas roupas e
cartuchos para sua espingarda calibre 28, mas por ele levaria o armazém todo,
mas não demorou a ir embora.
Eu esperava por Valentim que não chegava.
Deveria vir junto com o Cláudio que reassumiria o posto, isto depois de quase
quatro meses, pois havíamos sido designados para montar um posto avançado no
território dos índios Kamaiurá a margem do rio Tatuari, mas teria que esperar o
retorno de Cláudio, Álvaro ou Orlando para assumirem o posto.
*
Miscigenações culturais, positivas ou
negativas?
Evolução natural da raça indígena e a
expansão de seus valores culturais nas suas vidas tribal me fizeram catalogar
as espécies que, segundo meu entendimento apenas duas as nações se sobressaíram
de maneira mais acentuada a ponto de demonstrar um avanço expressivo no aspecto
cultural.
Eram
estas: Os índios das tribos Trumai e os Juruna.
Como já mencionado anteriormente as índias
Trumai eram e ainda são possuidoras de um alto senso de assimilação e
adaptação, pude chegar a esta conclusão quando tendo tirado oito maquinas de
costuras manuais do deposito de Orlando comecei a organizá-las e elas, ali
estavam observando cada movimento e cochichando entre si, quando uma das
maquinas ficou pronta me dispus a fazer uma demonstração de costura e depois
escolhendo uma daquelas mulheres a convidei para costurar um pedaço de pano que
já estava no ponto preparado restava apenas acionar a maquina.
E assim o fizemos, a coloquei
na cadeira, ensinei-a a movimentar a maquina com o pé e a segurar o pano que ia
sendo costurado, e tive que trabalhar a tarde toda ensinando as outras
mulheres. Para meu espanto no outro dia lá estavam elas com pedaços de panos e
dentro de uma semana, podia-se dizer que já eram costureiras.
*
Índios Juruna.
Os índios Juruna, tanto os homens grandes e como as mulheres tem o cabelo
aberto na fronte em forma de V invertido e entre eles, em suas testas, as
marcas em forma de um anel vermelho recheado de cor púrpuro e idêntico ao sol,
lembram os Incas e os Maias, são taciturnos, prestimosos, mas de pouca
conversa. Nota-se neles o mesmo poder de assimilação dos Trumaim.
Suas medidas antropométricas
avaliadas a vista tinham todas as características do povo andino sensivelmente
comparado pelos traços fisionômicos e corporais, com os Maias, ou Incas ou os Astecas se revelam muito diferente de
nossos índios de origem tupis-guaranis ou grupos isolados e seu linguajar é
típico pouco se assemelhando ao Caribe ou Aruaque.
É
uma esplendorosa nação que não se pode deixar extinguir, no meu entender, eles
são os últimos remanescentes das civilizações que desapareceram como os
“Atlantes”.
(Antigo Posto Capitão Vasconcelos)
No alto Kuluene, ás margens do rio Tatuari, e
não longe do grande lago “Kamaiurá” está localizada uma grande aldeia Kamaiurá,
Sariroa e Canato, dois irmãos, eram os Caciques e os Grandes pajés, uma dupla
de fazer inveja. Por solicitação de Orlando Villas Boas eu fui junto com o
velho amigo o negro Valentim montar um posto avançado, dentro do Parque
Nacional do Xingu que passou a se chamar Posto Leonardo Villas Boas. O rio
Tatuari é de uma água límpida de fazer inveja a qualquer cristal podiam-se ver
os enormes cardumes se arrastando vagarosamente, e também a abundância de
poraquês (peixes elétricos). Em torno à aldeia á mata do Xingu nos advertia de
sua imaculidade e no lado norte haviam reconstruído e melhorado um campo de
pouso para aviões, fora disto só as saídas espirituais.
Tenente Haroldo da FAB fazia
seus voos quinzenais em seu NA (North Americam) para inspecionar o
abastecimento de gasolina naquela região, era um habilidoso piloto e, em uma destas
viagens trouxe a sua esposa Lídia para passar alguns tempos no Posto.
Eu e o Valentim pusemos a mão
ás obras e fomos instalando tudo que se fazia necessário, encanamentos, rede
elétrica do motor de luz Fiz um velho trator à gasolina de dois pistões e que
ainda usava magneto, e que parecia ter vindo de muitos séculos atrás,
funcionar, cuspiu carvão e sujeira por todos os lados logo o apelidamos de
Cadilac, foi mais uma mão na roda, e por falar em rodas as dele eram de ferro
com pontas de tração.
Foram quatro meses que
passamos dentro daquela enorme aldeia indígena, onde tudo era paz e tranquilidade,
mas exigia habilidade para se conviver harmoniosamente com os índios, era
preciso aprender a respeitar seus costumes, pois eram extremamente sensíveis,
mas quando se entrosava em seu meio social nada mais faltava, eram muito
amorosos, mas muito radicais.
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A beleza das Índias Kamayurá |
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A beleza das Índias Kamayurá |
Numa noite estrelada de julho
me juntei á uma dezena de índios ao pé de uma grande fogueira, era noite de
“Pajelança” e o pajé Canato e Sariroa estavam a postos fumando seus cigarros ou
charutos, de folha de cafezinho, e como não eram de boa combustão segurava em
suas mãos um tição sempre acesso, e puxavam grandes tragadas. E já “trolados”
Canato balançava o corpo, não demorou muito o índio deu um grito que acordou a
mata toda e disparou em uma vertiginosa carreira por ela adentro. Algum tempo
depois pudemos ouvir o seu grito muito dentro da mata rumo rio acima, depois
ainda correndo passou pela cabeceira da pista e deu outro grito e sumiu mata
adentro rumo rio abaixo sempre gritando.
Depois de ter corrido umas duas horas ele
voltou à aldeia ofegando acentuadamente, indo cair junto à fogueira quando foi
segurado pelo seu companheiro e irmão Sariroa que ficara a sua espera e começou
um dialogo no qual o pajé contava que andara por mundos distantes e estivera
com índios que morreram, e mandavam recados e falavam sobre as doenças e as
curas que poderão fazer, e num súbito repente, ainda sentado no chão, ele se
virou para a Lídia e a agarrou sofregamente pela cintura e encostou sua cabeça
na altura do estômago da mulher e numa mistura de grumece e mordida cuspiu
sobre a mão uma masca de capim que estava em sua boca e disse olhando para a
jovem espantada:
--Aqui
aldeia não é bom para você à comida de índio faz mal, é bom ir embora, olha – e
mostrou em sua mão a masca de capim - olha o que eu tirei de dentro de você.
Saímos
de junto da fogueira e meio afastados comentei:
--Foi
por causa daquele “enroladinho” que você não aceitou.
--Sim,
foi mesmo, mas de qualquer forma o Haroldo só vem daqui a oito dias, eu já
estava ficando cansada desta vida aqui, e você quando vai voltar?
--Dentro
de um mês no máximo, já esta fazendo muito tempo que estou fora de casa, mas
amanhã eu vou falar no radio com Santa Isabel e avisarei Leonardo que já
estamos terminando os serviços e se deverei voltar para o Posto Diauarun ou
para São Felix do Araguaia onde minha esposa e filhos me aguardavam.
Já vinha amanhecendo, fui descansar um pouco,
mas não demorou nada Valentim me chamava:
--Acorda
paulista, veja se funciona o Cadilac para carregarmos umas pedras.
Dois meses depois havíamos terminado nossos
serviços, e eu peguei uma carona com o Tenente Haroldo no NA, era um avião
militar para duas pessoas, o piloto e o mecânico, mas como não tinha eu fui em
seu lugar. Passamos pelo Posto Pimentel Barbosa dos Índios Xavantes, na margem
do rio das Mortes onde o sertanista Ismael Leitão e a sua esposa Sara eram os
encarregados, duas pessoas maravilhosas, de lá seguimos para Santa Isabel,
naquela mesma tarde eu estava minha casa em São Felix do Araguaia, ainda meio
tonto com tanta pirueta, subidas e descidas e todo ralado de tanto me segurar
na ferragem apertada do banco de traz.
Valentim havia seguido em
outro avião para Santa Isabel e de lá seguiu viagem de barco até sua casa na
barra do rio Tapirapé eram apenas 35 léguas, mas nestes dias que passamos
juntos, quase seis meses pude gravar muitas de suas histórias e lendas, o velho
negro era de uma subtilidade incrível, os verbos saiam espontaneamente e as sequência
se alinhavam e as histórias iam chegando, embora tenha perdido muitos detalhes
tentarei recompô-los em meu próximo livro.
“O negro
Valentim”. em...
Voltando
as atividades.
Um novo Presidente assumira a FBC era ele o
Sr. Andrade Lima e na sua primeira visita na Ilha me deixou como lembrança um
jocoso ditado “Meu nome é Lima se não me tratar com jeito eu amargo”. Mas,
apesar dos pesares ele deu continuidade aos trabalhos e designou uma professora
Eunice Noleto, para Diretora da nossa Escola, só que não consegui engrenar com
ela era que era grosseira e altiva e não me reconhecia como chefe do Centro de
Atividades. Resultado... Eu a demiti e comuniquei a Brasília. Seguidamente o
Presidente me chamou em Brasília e numa conversa reservada determinou que eu
voltasse atrás no meu ato demissionário e eu lhe disse que não voltaria a que
ele me respondeu:
--Eu
sou o Presidente e posso transferi-lo para outra base da FBC.
--Sim,
eu sei, mas o senhor é quem sabe o que deve fazer.
--Pois
bem, como eu sou uma pessoa boa e o seu currículo é muito bom eu vou lhe dar
uma oportunidade, pode escolher para onde você quer ser transferido.
--Escolher
para que? Qualquer lugar que o senhor me mandar eu vou satisfeito, não existe
lugar pior do que a Ilha.
Resultado:
voltei para a Ilha. E ali fiquei junto com a minha família por nove
gostosos anos de paz e tranquilidade e muito amor.
A construção da pista de pouso
estava quase pronta só faltava a ultima camada de asfalto para encobrir as
farpas do cascalho da superfície o que tornava a pista uma lixa para os pneus
dos aviões.
Os
oitenta tambores de MCO-O para dar o ultimo retoque na pista que cobriria as
quinas áridas do cascalho que ainda aparecia foram perdidos, pois colocaram
fogo na área junto ao posto da FAB onde estavam os tambores que alguns deles
com o calor do sol vazaram piche e o fogo atingiu os tambores que voavam as
alturas e explodiam jogando seu liquido quente para todo o lado. Parecia a
queima de fogos de artifício nos festejo de São João. Ninguém se feriu, mas o
estrago foi grande. E assim não se terminou completamente o asfaltamento da
pista o que chegou a estourar pneus dos Douglas DC47 na sua frenagem ao pousar,
mas mesmo assim ficou operacional, pois os pilotos passaram a pousar com mais
segurança e foram poucos os casos não causando nenhum acidente.
A FAB construiu seu destacamento e instalou o
Radio Farol SBSY, passou a controlar os voos e o atendimento ao CAN (Correio
Aéreo Nacional) e da VASP que passou a pousar duas vezes por semana naquela
localidade e também supervisionava os três aviões C47 da FBC. Terminamos a
construção do Hospital e as casas do Centro de Atividades.
Relevam-se os nomes de alguns
militares que por ali passaram: O Tenente Temponi, Sub Oficial Tabagira e o
Sargento Barbosa,
Cabo Oseas.
*
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Sub Oficial Tabagira, Sgto. Barbosa, Ten. Temponi e cabo Oseas se preparando para Pescaria. |
Capitulo 08
Anos de conturbação social 1967a 1974
A
Guerrilha do Araguaia.
Um processo lento de
amadurecimento político-social começava a se instalar em nosso país, mas
estavam apenas no inicio, muitos ainda iriam tombar para manter vivo o direito
de igualdade, liberdade e democracia, tão pretendida por aqueles jovens. A
igreja teve um papel fundamental na evolução destes processos.
Padres foram presos por
participarem desta revolução como mentores dos Guerrilheiros do Araguaia: O
Bispo de Marabá Don Estevão, Frei Gil, Padre Roberto, Irmã Maria, Casaldaliga e
Padre Canuto inclusive Adauta Baptista Luz.
Desta luta que durou três anos
participaram muitos jovens, mulheres e homens experientes. Eles tinham um
objetivo e se regiam pela sigla ULDP – União pela Liberdade e pelos Direitos do
Povo, a organização que dirigia politicamente o movimento guerrilheiro, e o
regulamento das Forças Guerrilheiras do Araguaia. Era a época da ditadura.
Eles começaram a chegar vindos
pelo rio Araguaia no dia 25 de dezembro de 1967, rio cheio, o estirão do
cinzeiro misturava água e céu, não se via as margens, parecia o oceano, um
barco encosta-se à margem esquerda no local conhecido por Faveiro, três pessoas
ali ficaram Mário, uma mulher chamada Maria, e um jovem de nome Joca. Depois
vieram o Zé Carlos, Alice, Beto e Luiz. Osvaldo morava mais acima um pouco,
negro sabido era oficial da reserva, mudou-se depois para perto da cachoeira de
Santa Izabel, ele mais outros amigos Cid, Zeca, Glenio, Geraldo e Sueli. Paulo
Rodrigues morava em Leopoldina (Aruanã) GO. Fazia viagens em barco vendendo
mercadoria tendo por companheira uma mecânica chamada Doca, seu barco tinha o
nome de “Carajás” e sua rota se estendia entre Leopoldina até Conceição do
Araguaia, certa feita mudou-se para o Caiano. Outros foram chegando Pedro, Ari,
Áurea, Diná e seu marido Antônio e também o médico João Carlos Haas Sobrinho,
Elvira, Sônia, João Carlos, Chaves, Victor, Nunes, Zezinho, Landins, Piauí,
Victor, Kleber, Bérgson, Tuca, Janete, Mariadina, Lia, Cristina, Rosa, Zélia,
Angelina, Idalicio, Alfredo, Nelito, Gil, Maria Lúcia, Flávio, Amauri,
Valquiria, Manoel - todos se transformaram em lavradores e fizeram suas roças
vivendo e aprendendo com os sertanejos.
Na época da ditadura a
repressão era violenta, e a policia militar abusava dos ribeirinhos e junto com
os coletores de impostos extorquiam-nos até ultima gota, maltratavam-nos, e
muitas vezes ao prendê-los os matavam. O povo sofria muito. Não bastasse isto
os grileiros de terras que começaram a chegar trazendo seus pistoleiros e
capangas tirando o sossego de todos e vinham dispostos a expulsarem os velhos
moradores de suas posses dentro do seu pretenso latifúndio, milhares de
hectares de terras eram grilados e tal um rolo compressor esmagavam todos a sua
frente e ainda tinham o apoio das autoridades, estes empreendimentos eram
financiados pelo incentivo fiscal. Da
mesma maneira ocorreram em outras regiões os posseiros se viram obrigados a se
transformarem em rebeldes numa marginalização imposta pela própria sociedade,
eram eles o “Barril de pólvora a espera da mecha ardente”. E a igreja os
amparou. “Uma nova era de ajuste social teve começo, mas num país aonde o fiel
da balança tendia em pender a favor dos mais afortunados em detrimento dos
menos favorecidos mostrando o lado dos que tudo tem e dos que nada possuem”, e
estes últimos eram a mecha ardente esperada, começaram-se então as
manifestações daqueles que logo se intitulariam “Guerrilheiros do Araguaia”, e desencadeou-se uma luta desigual
entre as forças armadas e os rebeldes. Foram sacrificadas muitas pessoas, civis
e militares, até uma filha do Cel. Lúcio foi presa quando levava comida para os
padres. Adauta foi recambiada para Campo Grande e lá ficou por vários meses. As
autoridades atentaram um pouco tarde para a realidade o vírus de uma nação
livre e democrática já estava disseminado, não havia mais retorno e o futuro
estava implantado. Natal de 1973. Após três anos de vitórias e derrotas, a
situação se modificava, as Forças Guerrilheiras do Araguaia espalharam-se por
recônditos caminhos, para outros lugares muito além das selvas, ninguém mais
poderia aniquilá-los, mas deixou escrito com sangue a busca por uma liberdade
quase evangélica.
O sino rachado.
Na pracinha de Mato Verde erguia-se uma
velha igreja e ao seu lado, entre dois paus, um pequeno sino de bronze. O
badalar do sino convocava os fieis a se reunirem, e outras vezes anunciavam um
falecimento ou uma urgência qualquer. Não sei por que os padres nunca gostaram
de Mato Verde que depois veio a se chamar Luciara, mas mesmo assim o Pedro
Elias misto de mocinho de banguê - banguê e padre tinham também sua igreja
particular. Sua esposa Raimunda mais conhecida como “Dica” era quem organizava
os terços e as ladainhas, faziam leilões e tudo mais.
Na
outra igreja velha lá da praça que estava para cair, se reuniam os fieis e ia
tudo muito bem até que...
Naquela linda manhã de Domingo, o vento geral
anunciava a chegada do verão, o rio já bastante seco mostrava suas lindas
praias de uma alvura sem macula e o sol trazia um calor confortante digno de um
dia de folga. O encarregado de chamar os fieis para ali fora bater o sino, mas
quando pega na cordinha e da a primeira pancada com o badalo se espanta com o
som abafado, surpreso examina o sino e
exclama:
--O sino está rachado – grita alto – este não é o nosso
sino.
Em poucos minutos a igreja
estava cheia de curiosos e alguém explica:
--Quem trocou
o sino foi o Matos lá de São Felix falaram
--Roubaram a
igreja?- perguntou o encarregado - não, a santa estava lá – então o que foi?
--O Matusalém lá de São Félix veio
aqui ontem á tarde e trocou o sino levando o nosso lá para São Félix e deixou o
sino rachado disse uma menina que testemunhara o ocorrido.
Estava
tudo explicado, organizaram uma comissão para ir a São Félix destrocar os sinos
e assim o foi feito, logo o barco saia rumo rio acima eram apenas setenta e
dois quilômetros, levaram o sino rachado e não contaram conversa destrocaram os
sinos e voltaram.
§
Capitulo 09 .
Um Francês no
Brasil...
Ali, no Estado de Mato Grosso, na
barra do rio Tapirapé com o rio Araguaia, entre dois morros ficam as aldeias
dos índios Carajás e dos índios Tapirapé.
Contornando o varjão da beira
do lago chegava-se um vastíssimo mangueiral onde ficava a aldeia dos índios
Tapirapé e ali residiu o Padre François Jaques Jentel, mais conhecido por padre
Chico, o Padre Foucault que permaneceu por longo tempo e as três freiras
irmãzinhas de Jesus. Vez por outra, quase no final da história, aparecia uma
missionária francesinha de nome Denise.
Entre as duas aldeias moravam
a já comentada velha e antiga moradora que ali havia chegado com sua família em
1926 eram estes o Elói Pinheiro e Dona Inês Pinheiro e seus filhos e filhas.
O nome da aldeia dos índios Carajás era Posto Indígena Heloisa Torres e o negro
Valentin e sua esposa Joaninha eram os encarregados.
Aquele homem magro, de andar
ligeiro, queimado de sol e simples como um peão do trecho era o Padre Chico e
aquelas três mulheres, eram as irmãzinhas de Jesus, freiras abnegadas que
dedicavam junto com Padre suas vidas aos índios Tapirapé e Carajás, eram
educadas como uma flor e humildes como só os simples sabem ser e na ajuda o
pobre e bondoso Padre Foucault.
As três casas, duas, eram de pau a pique e
outra de madeira, todas cobertas de palha, eram a igreja e duas residências,
sendo que uma servia de ambulatório e dormida das irmãzinhas e da francesinha
Denise, e a outra para os dois padres, isto quando Foucault ou outro aparecia,
nos fundos um galinheiro e dois canteiros de verduras, destes feitos com
forquilhas e suspensos.
No ar, uma tranquilidade
incrível, parecia que o resto do mundo nunca existira ali tudo cheirava a amor,
carinho e abnegação e até os pássaros alegres pareciam festejar aquela benção
divina, nunca mais senti um torpor tão maravilhoso em minha vida como aquele
ali.
Como eu havia dormido na casa de Dona Inês,
ainda estava cedo para fazer uma visita a meu amigo, mas, ali estava eu.
--Padre...
--Dankmar,
que surpresa agradável, entre, irmãzinhas olhem quem esta aqui!
--Bom dia seu Dankmar –
cumprimentaram a três de uma só vez e muito alegres.
--Como vão às coisas por
aqui Padre?
--Com exceção do caso da
família do Valentim que quase morrem envenenados pela própria filha, o resto
esta bem, mas fiquei sabendo de algo de anormal lá por ”Saint Terezin”, mas vou
lá hoje ver o que esta acontecendo.
--Eu fiquei sabendo o
caso do Valentim, mas eles já estão recuperados graças a Deus, eu vim aqui para
conversar um pouco contigo sobre os acontecimentos em Santa Terezinha e se
possível irei junto.
--Esta bem. Se não
sairmos hoje, amanhã cedo sairemos, nos vamos por terra e é longe.
--Enquanto conversamos as
irmãzinhas vão fazer um almoço bem cedo e você fica conosco.
--Eu também irei –
remendou o padre.
Aproveitei fui revisitar a
família do negro Valentim que estava muito fraca e se recuperando da tragédia
do envenenamento, e também fazer uma visita para Dona Inês, João Pinheiro me
emprestou uma égua arriada para a viagem e voltei bem cedo, no outro dia para a Aldeia Tapirapé.
O Padre Jentel já estava de
pé.
--Vamos tomar um lanche e
seguir viagem Dankmar.
--Mas aonde esta o seu
animal? Você vai a pé?
--Vou
sim desça logo.
Desci, tomei um lanche
rápido e montei e o padre Chico já estava andando no rumo da trilha e eu o
segui e lá se fomos nós, o Padre ia à frente de mochila nas costas e marcando o
caminho e com sua sandália de látex ponteava o trilheiro. Francamente nunca vi
ninguém andar tão ligeiro, às vezes eu tinha que trotar a égua para
acompanhá-lo. Quase matou a égua de cansada. Chegamos a Santa Terezinha já era
de tardinha, o Padre parecia que nem tinha andado e a égua quase chega
empurrada, afinal eram sete léguas ou 42 quilômetros como quiserem e no meio de
trilha e arbustos misturados com lagos, pantanais e areões um verdadeiro rály.
Durante a viagem fiz uma
retrospectiva da vida de Padre Chico “O Padre Chico, como era conhecido, morava
a muitos anos junto da aldeia dos índios Tapirapé, simples, humilde, e muito
pobre, ele e as irmãzinhas se dedicavam exclusivamente aos índios Tapirapé e
Carajás cuja aldeia não distava mais do que dois mil metros. Era o Posto
Heloísa Torres, aonde o nego Valentim e sua esposa Joaninha eram os
encarregados, bem perto morava Dona Inês com sua família, eram toda uma só feliz
família Nas noites limpas de lua cheia podia se ouvir as índias Tapirapé ao
redor de uma fogueira a cantarem lindas, suaves e melodiosas cantigas
indígenas. Nunca mais eu ouvi nada igual, os índios Carajás faziam suas festas
Aruanã e com estes procedimentos aproximavam-se culturalmente as duas raças,
porque não dizer as três raças, eu mesmo aprendi a fazer arco e flechas, Não
parecia às turbulentas cidades de pedra do mundo lá de fora. O padre Foucauld tentando levantar um canteiro colocava três forquilhas de cerne e uma de pau
branco, eu e os índios o ensinamos que com uma forquilha ruim o canteiro iria
cair, ele entendeu foi até o mato e trouxe uma boa, Mas estavam para começar as
modificações, e o Padre Chico viria isto assim que chegássemos a Santa Terezinha.
Ali
em cima daqueles morros de areia os casarões construídos pelos padres da então
Missão de Conceição do Araguaia impressionavam pela sua imponência realçando a
grandeza do rio Araguaia. A velha missão ficava junto ao rio, e pareciam
resistir às intempéries dos tempos, pois eram bem antigos. Um movimento
inusitado parecia ter transformado aquele monte de areia quente em algo
inexplicável.
Às quatro horas da tarde fomos
á casa de Napoleão que era o encarregado daquele conjunto de casarões da
Prelazia de Conceição do Araguaia para zelar da missão.
Batemos na porta, demoraram a
atender, finalmente Verônica a esposa de Napoleão aparece bocejando, estava
dormindo.
--Padre Chico!
--Estava dormindo irmã?
--Deitada, padre,
cochilando.
--E Napoleão esta? Sim,
já se levantou, mas entrem - e continuou.
--Seu Dankmar esta aí
também? Á quanto tempo não lhe vejo.
--Boa tarde padre, boa
tarde Dankmar – falou Napoleão aparecendo.
--Mas o que esta
acontecendo Napoleão? Indagou Jentel.
--Padre... – gaguejou
Napoleão – Sua benção.
--Ulala
me conte logo depois te abençoou.
--Chegaram aqui uns
homens dizendo que são os donos de todas estas terras e que vieram de Conceição
com uma ordem do Bispo, eles estão lá na casa grande, vamos até lá agora.
--Mas
o que esta acontecendo aqui? Tornou a se
impacientar o Padre-quase gritando.
O calor do meio dia explodia
sobre aquelas areias quentes e as poucas árvores não faziam sombra alguma. O
rosto do Padre Chico se transformou como de água para o vinho, via-se
claramente a indignação à raiva e a revolta em seus olhos. Já não era mais o
pacifico Padre Chico, agora era o rebelde Padre François Jaques Jentel.
O
encontro inesperado com a civilização vinda sobre asas de aviões, o movimento
de gente estranhas em seu território ascendeu-lhe na alma uma chama apagada há
muito tempo.
--Vamos ver o que esta
acontecendo – explodiu enquanto
caminhava na areia quente rumo ao casarão.
No casarão um homem alto e
simpático muito bem vestido e com um sorriso no rosto apareceu à porta
cumprimentando:
--Olá,
- estendendo a mão ao Padre que não correspondeu --Meu nome é Humberto Machado
e sou o proprietário da Linha Aérea Nacional.
--Tem uma carta para mim
– cortou o padre – por favor, me entregue logo quero vê-la.
--Aqui
está Padre.
Jentel procurou uma cadeira leu a carta umas quatro vezes e parecia não
acreditar.
--Como é que vão chegando
e se apossando da missão sem antes ter falado comigo, aqui tinha muita coisa
importante guardada – zangou.
--Eu
tive ordens de chegar e me arranchar com minhas coisas afinal as terras são
minhas e eu não podia ficar no tempo ou embaixo de uma arvore com tanto
instrumento.
--Muito bem veremos o que
vai acontecer, - terminou o Padre virou as costas e saiu.
No outro dia ainda cedo, dois
aviões Douglas sobrevoaram e desceram na pista, com eles vieram muitos homens,
e também Hilton Machado, irmão de Humberto era um dos mais fortes proprietários
da empresa e trouxeram muitas ferramentas, começavam a colonizar.
Deste dia em diante o Padre
Jentel tumultuou a vida de todos, organizou cooperativas, associações e
promoveu uma pequena revolução. Lutou muito para defender os antigos pioneiros,
organizou grupo de posseiros fundou sindicatos e passou a congregar centenas de
trabalhadores rurais que chegavam de todos os cantos do país, estava declarada
a luta aberta pela terra que não era de ninguém.
Mas
o Padre era muito habilidoso, e amigavelmente se misturou aos proprietários com
a finalidade de saber quais seriam seus movimentos.
--Muito bem – dissera a
Hilton Machado - Já que o Bispo recomendou que lhes desse todo apoio é o que
farei.
--Inicialmente só
precisamos desta casa, logo vamos construir dentro de nosso projeto. Discutiram
por varias horas, mostraram os mapas e falaram a vontade de tudo que o padre
queria saber.
--E
ai padre tudo bem – perguntei.
--Nem triste nem alegre -
foi á resposta lacônica
Mas
seus olhos continuavam brilhando com uma nova chama, sua voz se tornou firme
quando me segurando pelo braço disse:
--É chegada a hora!
Certamente agora começarão a chegar os grileiros, pistoleiros, garimpeiros e
mulheres vadias, isto aqui vai bagunçar a vida dos sertanejos, só Deus para nos
livrar desta.
Mas a minha maior preocupação
era com Padre Jentel ou Padre Chico como queira, foi quando fiquei sabendo que
a Linha Área Nacional já não eram mais as proprietárias daquela encrenca. E que
a em breve a Codeara assumira o comando, fiquei apreensivo, pois sabia muito
bem que Codeara, a Companhia do Desenvolvimento do Araguaia, o BCN – Banco de
Crédito Nacional e o Cartório Medeiros da Capital de São Paulo eram intimamente
ligados, ainda mais tendo adquirido certo volume de terras de Michel Nasser lá
de Campo Grande, embora aquele houvesse reservado uma pequeníssima área de
5.935 hectares para assentamento dos antigos posseiros.
Foi à
pólvora do barril explosivo chamado Jentel.
*
Mas
necessário se torna retroagir ao passado para unirmos partículas de ficção da
história para assim construir e consolidar a “historia de baixo” onde o mito e
a realidade muitas vezes se confundem, mas deixam aflorar conteúdos dinâmicos
de fatos surrealistas que realmente aconteceram.
“Mais uma vez isso não nega
que o passado “real” tenha existido, apenas condiciona nossa forma de conhecer
esse passado, só podemos conhecê-lo por meios de seus vestígios, e de suas
relíquias. (HUTCHEON.1991 152)”
E
assim persiste ainda, a amarração da história na obra, por meio de documentos
como o trecho do livro “Rio Araguaia de Corpo e Alma” citado a seguir:
“Conta a história que
um DC-3 da Nacional Transporte Aéreo, comandado pelo piloto Hilton Machado, fez
um pouso de emergência nas praias do Rio Araguaia, no local onde nasceria o
Vilarejo de Santa Terezinha. O passageiro Holck e o comandante – hoje proprietário
da Votec – ficaram encantados com o local e combinaram adquirir terras a partir
das margens do Araguaia e nelas implantar atividades pecuárias. Um comerciante
vindo de Campo Grande (MS) Michel Nasser, se associou ao projeto e os três
juntos requereram em 1957 terras do Estado e conseguiram uma gleba de 1,5
milhões de hectares [...] divisões sucessivas da gleba original terminaram
sendo a Confresa de Jose Augusto Leite Medeiros e Jose Carlos Pires Carneiro e
a Codeara do grupo financeiro e banqueiro BCN (BORGES, 1987:380)”
‘ É
perceptível ainda, a ligação da história na obra, por meio de documentos como a
ata abaixo que gerou a origem nascitura de uma nova era não só econômica, como
político-social que veio a se chocar com os costumes dos nativos regionais
quebrando o elo de sua cultura secular:
Eis a integra:
“Assembléia Geral Extraordinária -
Primeira convocação. São convidados os Srs.
Acionistas a se reunirem em AssemblÀs 10 horas do próximo dia 16
(dezesseis) do corrente mês, na sede social, a Avenida Franklin Roosevelt
n." 137, 12.° andar, nesta Capital, a fim de tornarem conhecimento e
deliberarem sobre: a) Proposta da Diretoria para a criação de uni organismo
destinado a implantação de um núcleo de
colonização e desenvolvimento
do Vale do Araguaia;
b) Outros assuntos de
interesse social, relacionados com ou decorrentes do item anterior.
Os titulares de ações ao portador deverão depositá-las na sede social, com a
antecedência de três dias, de conformidade com os Estatutos. Rio de Janeiro, 6
de novembro de 1957. A Diretoria: Hilton HMachado, Diretor Presidente: Cari Heinrich Holck,
Diretor-Superintendente; Humberto Machado era responsável pelo desenvolvimento
das atividades sociais prefixação do elemento humano rente a ao solo, o
aproveitamento econômico da região, assim como a elevação do nível de vida,
saúde e instrução, bem como o preparo técnico dos habitantes da zona do Vale do
Araguaia, cumprindo-se, assim, os dispositivos estatutários contidos no artigo
segundo e seu parágrafo primeiro. Concretizando, pois, o assunto, vem esta
Diretoria submeter à deliberação da Assembléia Geral a presente Proposta, que
será acompanhada do respectivo Parecer do Conselho Fiscal, ao qual, previamente
se a encaminhara. Por esta Proposta, e recomendada a criação de um organismo
destinado a implantação de um núcleo de colonização e desenvolvimento do Vale
do Araguaia, o qual terá por finalidade estabelecer condições próprias a
fixação, naquela zona, do elemento humano, facilitando aos colonos e imigrantes
o arrendamento e aquisição de áreas de terra, de que se tornarão, futuramente,
proprietários, assim como proporcionando-lhes os meios indispensáveis a sua
educação. saúde e bem estar. Para tal fim, torna-se necessário modificar os
atuais Estatutos da Sociedade, de modo a permitir ampla flexibilidade na
atuação do novo órgão a ser criado e que a Diretoria propõe seja denominado de
Colonização e Desenvolvimento do Vale do Araguaia por bem caracterizar seu objetivo.
§
A
Codeara assume o comando, no lugar das Linhas Aéreas Nacionais Subsidiárias do
Banco Nacional de Credito – BCN com sede em São Paulo.
“Assim, toda
região ocupada por índios e sertanejos passou, oficialmente, a pertencer a
grandes empresas. O governo desconsiderou absolutamente a presença dos
moradores que, embora sem título de propriedade, há décadas viviam naquela
região. Pe. Francisco Jentel, que desde os inícios da década de 1950 trabalhou com
os Tapirapé ao lado das Irmãzinhas de Jesus e, por fim, como vigário de Santa
Terezinha, sentiu concretamente as imposições dessas companhias. Depois de
presenciar o fracasso da CIVA, depara-se de frente com a CODEARA. Em 1965,
fundou com camponeses de Santa Terezinha, a CAMIAR, fortalecendo os
trabalhadores para enfrentarem a CODEARA e reivindicar seus títulos de
propriedades junto ao IBRA. Defendendo os trabalhadores, com a CODEARA Jentel
travaria uma luta que resultaria na sua expulsão do país (Dutertre, Casaldaliga
e Balduino, 2004 :18)”.
Barra do Tapirapé era um local bonito, o nome
rio Tapirapé quer dizer “caminho de anta”, logo na entrada era o “Posto
Indígena Heloísa Torres”, dos Índios Carajás, e quem o gerenciava era o negro Valentim
e sua mulher Joaninha. Ao contornar a curva entrava-se em um lago e ali moravam
a Dona Inês e seus filhos, João Pinheiro, José Célio, Luciana, Natividade,
Oleriano, Raimunda e o Francisco, gente boa e amável passamos três dias com
eles e bem perto ficava a aldeia dos Índios Tapirapé, lá as freiras irmãzinhas
de Jesus e o padre (Chico) François Jaques Jentel e Foucault eram os
missionários que zelavam dos índios Tapirapé, todos franceses.
No retorno de Santa Terezinha
fui para a casa de Dona Inês, devolvi a égua já descarnada ao João Pinheiro,
agradeci, dormi sofregamente sonhando com a revolução que se aproximava e cedo
do outro dia fui visitar o negro Valentin na casa principal que era a sede do
Posto onde morava com sua família, ainda me lembro daquele sorriso eterno que o
negro tinha no rosto, e da magia humilde de pura bondade de sua esposa, eles
não sabiam o que fazer para nos agradar, eu fui logo intervindo:
·
--Calma
meus amigos nos ainda vamos ter muito tempo para conversarmos e falarmos de
outros mundos lá de fora. --Eu
mesma estou com uma saudade louca de passear em Leopoldina, Goiás Velho,
Goiânia, faz tanto tempo que não vamos lá fora - murmurou tristemente a esposa
Joaninha.
Tomamos café com um bolo chamado
“Mané pelado” feito de mandioca, o Antônio Pereira, também estava terminando
seu café e logo após vendeu um bocado de coisas para o Chefe do Posto, os
índios também compraram algumas miçangas e na maioria trocavam por enfeites,
boneco de barro, cocares, arcos e flechas, enfim tudo que fosse arte indígena o
Antônio Pereira as comprava a troco de mercadoria, era este o seu negocio, ele
vinha de Goiânia com suprimentos e os trocava por enfeites que levava para
Goiânia e os revendia, era, ao que parecia, um negocio rendoso. Da casa de
Valentim voltamos a pé para a casa de Dona Inês, era no máximo uns mil metros,
de longe ouvíamos o som de um violão e alguém cantando “Foi na casa de Mané Pedro - numa noite de São João - Toquei moda de
viola e cateretê lá do meu sertão – cantei modas paraguaias para alegrar o
coração – eu fiz muita veia chorar e muita moça sentir paixão...”.
·
--Oi de casa - gritei.
·
--Vamos entrando minha gente, por favor -
convidava o cantor ainda com o violão na mão.
Entramos naquela humilde, mas,
bem zelada casa, e seus moradores foram aparecendo um a um e sempre nos
cumprimentando.
Ficamos muitas horas
conversando, nos éramos dois, eu e Savarú, Antônio Pereira ainda estava na
Aldeia Carajás, ao entardecer encostou o barco no porto da Dona Inês e ali nos
arranchamos. Estivemos apenas resto da manhã seguinte hospedado na casa da
velha pioneira. Logo zingamos rio acima. O pequeno barco do adventista
ia atolado de enfeites indígenas e ele lá traz, junto ao piloto, mentalizava o
lucro que teria e sorria, e nos outros seguíamos rumo aos nossos
afazeres, eu teria um encontro com o
Prefeito de Luciara do qual eu era Secretário Geral e senti no âmago de minha
alma que em breve eu estaria envolvido nesta difícil e perigosa pendenga.
Para melhor ilustrar o ator principal do relato seguinte necessário
se faz retroagir.
Depoimento de Dom
Thomas Balduino:
Foi na vigília de Natal de 1954 que o pe.
Francisco Jentel chegou, pela primeira vez, ao pequeno povoado de Furo de
Pedras, ás margens do rio Araguaia.
Apresentou-se discretamente àquela comunidade de pobres lavradores, na hora em
que estavam reunidos para celebrar a boa nova do nascimento de Jesus. Com eles
rezou a missa. No dia seguinte, 25 dezembro, atingiu a aldeia Tapirapé.. Os
índios estavam muito reduzidos em numero, dizimados pelas doenças e
desnutrição. Com eles já estavam as irmãzinhas de Jesus, concretizando o projeto
de convivência na plena comunhão de vida e situação. O primeiro ato do pe.
Jentel foi celebrar o Natal com os índios e as irmãzinhas. E lá ficou morando e
era chamado de Pranxiko e tinha 32 anos de idade e não falava nada em
português, mas cedo aprendeu ambas as línguas inclusive Tapirapé. Etc.etc.
Uma luta desigual teve
inicio, mas nem sempre o mais forte vence, preparamo-nos para ela... De um lado
a Prefeitura na pessoa do autor desta obra e do Padre Francisco, do outro lado o
BCN em peso com o irascível Dr. Murat e
o cauteloso Dr. Seixas – Estava armada a
briga...E, os índios Tapirapé e Carajá,
os posseiros e o povo de Santa Terezinha torcia por nós...
“CODEARA X Padre Chico”.
A Codeara assume o comando, no lugar das
Linhas Áreas Nacionais.
Subsidiaria do
Banco Nacional de Crédito –BCN - com sede em São Paulo, era regida sob a batuta
de Armando Conde, e tinha na sua direção o Dr. Luiz Gonzaga Murat um
extrovertido executivo e o Doutor Seixas, maleável como as rochas. Na fazenda
quem manobrava era o capataz Silveira e o Salomão, homens violentos talhados
para este difícil encargo que era dominar a região, só que tinham um espinho
atravessado em suas gargantas, um simples padre chamado Padre Chico que era um
osso duro de roer.
Jentel organiza e cria a Cooperativa Mista do
Araguaia, seu secretário particular o jovem Reis passou a Presidente da mesma,
novo, lutador líder incontestável da nova geração era a medida certa para a
luta que se iniciava.
A Vila crescia desordenadamente assustadoramente, bares, armazéns, açougues,
cabarés, e farmácias se instalavam. A previsão do padre Chico se realizava. Mulheres da vida fácil chegavam a toda hora
em barcos carregados de peões arrebanhados nos mais longínquos recantos do
nordeste era uma constante.
Estava
satisfeito o ditado popular “Um lugar para ser bom tem que ter cinco” P “=
Padre – Peão – Policia - Puta e Pinga”
Surgiram então os primeiros atritos entre
Codeara e os peões posseiros e o Padre
Jentel sempre defendiam estes últimos. Muitas vezes a Policia Federal teve que
intervir.
Os
“gatos” que contratavam e traziam os peões que se embrenhavam mata á dentro
para as derrubadas, os que escapavam da maleita, não escapavam da faca ou do
tiro.
*
Naqueles
tempos assim eram qualificados os peões:
Peão do trecho.
1–Peão Urutu
2- Peão Paraquedista
3- Peão Macaco
4– Peão Liso
5- Peão Mambira
6- Peão Gente
O Peão Urutu
(cobra), normalmente bem vestido, chapéu Panamá na cabeça, botas de cano
longo, costeletas, cinturão largo e usava sempre um radiozinho a pilha. Sempre
era muito respeitado, gostava de andar armado com faca ou revolver, adorava frequentar
cabarés e era sempre tido como valente, mas, se portava sempre bem com as
‘mulheres’. Gosta de ficar devendo muito nas pensões em que se hospedava, mas
quando arrebanhado, paga as contas, depois de dar um belo tombo no patrão, no
mato bom trabalhador.
Peão Paraquedista,
normalmente é um homem solitário, só carrega uma mochila, não tem amigos, e
gosta de trabalhar sozinho, sempre ao ser arrebanhado pelos Gatos necessita de
dinheiro para mandar para a mãezinha que esta longe e doente e para pagar as
despesas na pensão e ainda comprar umas roupas, Sua especialidade é fugir dos
patrões quando são recambiados para as fazendas. Usam dentro da mochila uma ou
duas câmaras de ar de bicicleta dobradas e cheias de ar em meio às roupas.
Quando o carro que o transporta esta em alta velocidade e que a estrada seja em
meio a cerrado fechado ou mata, ele acrobaticamente pondo a mochila no peito
pula do carro e cai no chão sobre a mochila, daí num salto espetacular põe-se a
correr se embrenhando na mata. Quando o carro consegue parar ele já esta muito
longe.
Peão Macaco, e similar
do peão paraquedista, só usa uma mochila com poucas coisas, e nas costas, e,
quando a viatura vai à alta velocidade em meio à mata ele, tal qual um Tarzan
da um pulo agarra um galho de arvore que passa e malabarescamente cai de pé e
foge mata adentro - Dizem que peão macaco não pode ver um galho que da vontade
de pular.
Peão
Liso, este é o mais difícil de todos, pois sempre anda em grupo de cinco ou
seis, se hospedam em boas pensões, gastam muito nos bares e com o mulherio.
Gostam de pegar grandes empreitadas, mas sempre querem muito dinheiro adiantado
para pagarem suas despesas e quando estão prontos para partir ai é um Deus nos
acuda quando aparecem quatro faltam dois, saem dois em busca dos outros e ai
some os quatro e ai o “Gato” só falta ficar doido para ajuntá-los, uns estão no
bar bebendo, outros enrolados com as mulheres, normalmente o Gato usa a policia
para ajuntá-los quando já estão bêbados.
Peão Mambira, o mesmo
que tamanduá, que é conhecido por sua vagarosidade, mas ao entrar em uma moita
de mato sabe se esconder e fugir rapidamente. O Peão Mambira age assim mesmo,
sempre com o machado ou foice na mão entra para o mato e começa a trabalhar o
fiscal esta escutando o bater do machado, de repente para, o fiscal vai até o
local do serviço e só encontra o machado no chão o peão já sumiu na mata, por
tal motivo são fáceis de arrebanhar e não são exigentes, os Gatos resolvem o
problema fazendo-os trabalharem com outros grupos, mas no fim sempre acontece o
mesmo. Tempos depois aparece em outra fazenda e diz que fugiu daquela porque
estava sendo ameaçado. E torna a dar o golpe. Muitos morrem por estes motivos.
Peão Gente é o homem
honesto e trabalhador que cumpre a sua palavra.
Assim eram arrebanhados:
Caminhões cheios de homens, mulheres e crianças, cruzam as estradas
rumo ao sertão mato-grossense – eram os Paus de Arara.
Sempre desviando o mais possível dos grandes centros, para evitar a
repressão por parte das autoridades, os motoristas e os
“gatos’ os conduzem de maneira mais rápida
possível, ao ponto mais próximo de sua meta final”.
Os
arrebanhadores de peões.
Os “Gatos” são chamados os empreiteiros,
homens rudes e não raras vezes violentos, que são especialistas no tráfico
interno de pessoas, ou seja, o proxenetismo.
Munidos de boas quantidades de dinheiro,
estes homens saem por cidades nordestinas, onde o desemprego é uma constante
realidade e ali faz o arrebanhamento de trabalhadores, como o vaqueiro
arrebanha o gado.
Seus
escritórios são os bares, sua clientela os peões.
--Peguei
uma empreitada na Fazenda Marimba do Doutor Oscar lá em Mato Grosso que só
vendo, desta vez eu me aprumo mesmo, vou tirar a barriga da miséria.
--É
donde hei? – pergunta um peão.
--Lá
juntinho do rio Fontoura, é uma beleza, o cheimm, o rio Suia passa perto também,
bem dentro da terra do patrão, e tem peixe pra da cum pau, até o pirosca passa
o dia aboiando na fonte de lava roupa.
--E
a caça nem se fala, oia o compadre Cirso mato quatro
porco junto do barraco dele, ele
subiu num pau e jogou o gogo em baixo e os porcos ficarão estraçaiando o carção
dele e enquanto isto ele ia matando um por um...
--Puxa
sô, a maleita? Ouvi dize que dá em até macaco?
--Mentira
danada, oia cumo to forte mais que menino.
--E
a cumo você pegou essa empreitada companheiro?
--Peguei
a quatro mil o alqueirão, mas é mole, num tem pau grosso e o patrão não deixa
derrubar Jatobá.
--É, pode ser né, eu vou
pensar.
--Quanto da proce paga
pra gente?
--Bem,
como ocê é um cumpanheiro bom vo paga três mil por alqueire.
--To
feito vai o cumpadre Cirso u Doca e o Raimundo Parafuso, e vou leva a menina
Rosinha pra cozinhá pra gente, tem perigo não a bichinha não é muito arisca
não, e é boa cozinheira.
--É isso ai,
companheiro bota a turma pra trabaia.
O Peão pensa: ”Dá pra derrubar vinte
alqueirão por mês é isto da os sessenta mil dividido por quatro, a menina tem
que ganhar também da quinze mil para cada um. Vigeeee é dinheiro demais num
precisa nem fasê a conta”.
--Quanto é que nois vai
saí?
--Nu fim da semana num
sabe, Eu estou hospedado na pensão da Ritinha aquela maranhense ajeitada, viúva
nova, não dá pra saí ligeiro.
--Vo precisa de um pouco
de dinheiro pra deixa em casa e comprá umas traias.
--Num tem problema, ocê
passa amanha cedo lá na pensão que eu vo bate um contratosinho, atoa ocê sabe,
só pra garanti, quem é vivo é mortal, ocê assina e eu te arranjo um pouco da
mufunfa.
--Entoncês vamo tomá a
saideira – termina alegre o peão
Cinco
dias depois o caminhão cheio de gente, agora era o “pau de arara”, sai rumo ao
sertão mato-grossense. Oito a dez dias de viajem puxados, poeira e muito
balanço, cansados chegam ao ponto final a “Caseara” bem na margem do rio
Araguaia, daí para frente a viajem é feita de barco. Finalmente pega outro
caminhão e chega á fazenda do destino. Ali a coisa muda de figura, a mata é
grossa, o broque é difícil, e a maleita da até em macaco, a morte campeia solta
com um sorriso no rosto, mas não há mais como voltar, já estão devendo muito.
Rosinha passou a ser propriedade do patrão agora serve de empregada domestica e
é mandada, depois de muitos dias, para a casa de Goiânia, ainda esta muito
bonita, mas um pouco buchuda, a regra é esta, pai pode ser qualquer um menos o
patrão. Um pesadelo transformado em realidade dura e crua, era a vida e o
destino dos mais fracos.
--Cumpadre ocê teve noticia do nosso pessoal que foi para o Mato
Grosso?
--Vi falá que mataram o Cirso, que o
cumpadre Raimundo ta trabaiando notra fazenda num sei quar, do cumpadre Juca
nem noticia, só sei que Rosinha se perdeu lá na cidade de Goiânia, us outros
devem tar pur lá, mais nem noticia, sarô tudo tomara que a Rosinha vorte pra
casa. Fiz até uns versos para ela.
--Quem ta é a mãe dela que chora todo dia.
--Me fale destes versos cumpadre? ..
“Flor do sertão”.
Menina sapeca,
Cria do Sertão,
Rosa, flor desabrochando,
Brinca, ri, e sofre desde
então,
Diamante na vida forjado,
Agora moça nova bonita,
Rapariga meiga, seio
arrojado,
Gazela ligeira e arisca,
Flor menina, flor do prado.
Na vida doce da ilusão,
Agita dentro á mocidade,
Tal fêmea busca o seu
ninho,
Um fogo interno a invade,
Inquieta o corpo lança,
Nas sendas das aventuras,
Perde-se por promessas e
juras,
Perde-se pela grande
cidade.
Hoje flor mulher,
No jardim da amargura
Olha pela porta e espera,
Um amante sequer,
Triste coitada anseia,
Por uma noite de amor
desespera,
Fervelhe o sangue na veia.
Não sabe mais orar,
Nem tem forças para pedir,
Resta apenas lembrar,
Aquela menina alegre a
sorrir,
Sapeca correndo a brincar.
Magra, abatida pela sorte,
Rosinha, pobre desventurada,
Lembra sua terra longe,
Tempo de criança encantada,
Triste pede descanso na
morte,
Talvez deixando esta vida
Amargurada,
Bem no fundo do chão,
Terá paz sua alma
torturada.
Hoje, vestido rasgado,
Filho sem pai, nascido do
amor,
Terá o mesmo destino negro?
Cheio de ódio e pavor?
Não... Não... Rosinha vai
voltar,
Agradece a Deus lhe Ter
atendido.
Fica ai Rosinha,
Junto com o teu verdadeiro
amor,
Se ainda sonhas com doces
aventuras,
Sonha com teu travesseiro,
Agradece ao Senhor que te
amparou,
Pensa nas outras que não
mais voltarão,
Vede como sois felizes,
pois Ele te Amou,
E elas, as outras Rosinhas?
Certamente Ele também as
perdoou,
Na parede um quadro,
Que enfeitando a felicidade
dizia Assim:
“Se a Rosa morasse no
vale”,
Ele estaria cheio de amor,
E este mundo seria um
paraíso,
Repleto desta flor.
Jentel
aprendera tudo sobre a Codeara, sabia muito bem seu compromisso de compra e
venda com Michel Nasser dizia na Sexta clausula: “Fica reservada uma área de
cinco mil e quinhentos e noventa e dois hectares de terra para assentamento dos
posseiros de Santa Terezinha” e dizia mais que se caso a área fosse
insuficiente o vendedor indenizaria a compradora no excedente.
O
Bispo Don Thomas Balduino, então prelado de Conceição do Araguaia, havia
recorrido ao Presidente da República que por sua vez passara a atribuição ao
Ministério da Agricultura e este encarregara o IBRA (Instituto Brasileiro de
Reforma Agrária) para resolver o assunto.
Começou ai uma luta que durou
mais de seis anos, Padre Jentel X Codeara. Um exigia que a área fosse demarcada
em determinado local, o outro não aceitava o Padre só queria o que fosse bom
para os posseiros e a Codeara só queria o que fosse bom para ela. Estava
difícil de decidir.
Durante este período de
transição Jentel viajava muito e sempre pelo seu retorno trazia grandes
novidades. Recebia muito auxilio de fora e com isto os posseiros e os índios se
beneficiavam. Chegou até a ganhar um avião monomotor que ficou com a Prelazia
de Conceição.
Uma nova era viria a modificar
muita coisa naquela região, Luciara ganha um novo prefeito José Liton Luz filho
do Cel. Lúcio Pereira Luz.
Uma das metas do prefeito era resolver
o problema dos posseiros do então distrito de Santa Terezinha, uma reunião foi
convocada e o padre Jentel participou ativamente trazendo mapas e cartas
aerofotogramétricas, documentos e fotos foram expostas abertamente e o problema
discutido chegando-se finalmente a uma conclusão “convocar a Codeara. Para uma
reunião de cúpula”.
Como Secretário Geral da
Prefeitura, e assessor direto do Prefeito, fui incumbido de representar a
municipalidade e o Padre Jentel os posseiros e no dia marcado lá se fomos nós,
eu o Chico.
*
Eu, o Padre Chico e a cidade de Rio de
Janeiro.
Padre Chico já velho viageiro para o Rio de
Janeiro tinha seu hotel preferido, o Hotel Gloria e lá nos hospedamos.
Na parte da tarde saímos para darmos umas
voltas pelo aterro da Gloria, a beira mar, Cinelândia e praias, afinal a
reunião fora marcada para nos encontramos na sede do IBRA no dia seguinte pela
manhã, fizemos uma boa caminhada e conversamos muito olhando as beldades da
cidade maravilhosa, era época que as mini-saias estavam no auge da moda e de
vez enquanto passava uma garota e eu aproveitava para mexer com o padre.
--Olha
padre que belezura.
--Bobagem na Europa esta
pior do que aqui e na França nem se fala bom mesmo é nosso interior onde
moramos porque ainda ha respeito ao pudor e comportamento.
--Será?
--Bem, melhor do que
aqui, é.
--E você só usa esta cruz
na lapela, ninguém vai saber que você é padre.
--O que faz as pessoas
não é a roupa, quero dizer não é o traje que faz o monge.
Eu
costumava chamá-lo de “Padre Francisco, ou Jentel”, nunca gostei de chamá-lo de
Padre Chico, fomos até o Cristo Redentor e na volta passamos por um prédio
chamado “Caritas”.
Nota de esclarecimento...
“A Caritas Brasileira faz parte
da Rede Caritas internacionais, rede da Igreja Católica de atuação social
composta por 162 organizações presentes
em 200 países e territórios, com sede em Roma, Organismo da CNBB –Conferencia
Nacional dos Bispos do Brasil, foi criada em 12 de novembro de 1956 e é
reconhecida como de utilidade publica Federal”.
*
--É aqui que conseguimos o dinheiro
que precisamos e também muitas outras coisas. Temos muitos amigos na Europa que
nos ajudam e a “Caritas” distribui, espere aqui fora um pouquinho - e dito isto
entrou no prédio.
Então era ali a mina de ouro
do padre, aguardei um bocado de tempo, e quando voltou não aguentando mais a
curiosidade eu perguntei:
--Como é que vem este
dinheiro e as outras coisas?
--De avião, de navio,
outros os trazem pessoalmente.
--Você viaja muito para o
exterior?
--Já fui à Alemanha, França
e até na Argélia.
Não entendi porque ele disse até na
“Argélia”, também não perguntei, voltamos para o Hotel e após um banho fomos
jantar, vi que Jentel estava apreensivo.
--O que há Francisco?
--Oh,
nada, não se aborreça, mas não acredito que consigamos alguma coisa, já vim
aqui tantas vezes e nunca deu nada certo - respondeu tristemente o francês.
--Não vamos desanimar
agora, esperemos para ver o que acontece – e como queria mudar de assunto –
continuei – ----Escuta padre você não usa batina?
--Uso, mas não estamos na
missa agora, estamos num restaurante.
--Gostei da bronca, assim
esta melhor, mas hoje você vai pagar a conta.
--Não tenho um centavo –
respondeu – não trouxe dinheiro, deixe no hotel.
--Mas eu também não
trouxe.
--Pendure.
Tive que pagar e voltamos ao hotel, mas o
padre saiu em seguida, e pouco depois, atendi um telefonema que era para ele:
--Quero falar com o Padre
Jentel.
--Denise?-
perguntei ao reconhecer a voz da francesinha, louca de bonita que era a
secretaria do padre em “Saint. Terezin”.
--Sim,
Jentel esta ai Dankmar?- perguntou com um jeitinho bem danado.
--Não, foi visitar uns amigos, mas
disse que voltava logo. (tomara que o prendam por ai, aquele padre sortudo,). .
--Informe a ele que cheguei
hoje e preciso lhe falar, ele sabe onde estou.
--Muito bem, mas apareça
por aqui.
--Sim claro eu vou ai –
desligou aquele pedaço de mau caminho.
Deu vontade de entregar o
padre e não contar nada para ele, mas assim que chegou, com muita relutância,
babujei:
--Sabe quem ligou para
você?
--Não,
quem foi?
--Denise.
--Esta brincando.
--É talvez eu esteja, mas
ela não, e esta te esperando.
--É serio?
--Ela disse até que você
sabia aonde encontrá-la.
--Ulala – disse e já
estava saindo.
Chegou no outro dia às sete
horas da manhã quando eu já estava tomando o café.
--Passou bem à noite?
Perguntei.
--Claro, na casa de uns
amigos.
--Denise estava lá?
--Claro que estava –
respondeu sem pestanejar.
Saímos direto para o IBRA.
Fomos recebidos pelo Dr. Mário
um dos assessores do Presidente do órgão, que após nos anunciar retorna
dizendo:
--O
General Sérgio quer falar com o Senhor Dankmar, quanto ao Padre é favor esperar
aqui e aguardar.
Meneei a cabeça, olhei para
o padre e entrei.
--Bom dia queira se
sentar – formalizou aquele homem atrás da mesa e continuou – o Senhor deve ser
o representante da Prefeitura Municipal Senhor Dankmar.
--Sim, respondi secamente
– eu represento a Prefeitura e o padre representa os posseiros.
--Muito bem, acredito que sua
viagem se prenda ao que o Doutor Murat me comunicou pelo telefone, mas
infelizmente ele não pode vir, mas o Doutor Seixas que é o Diretor Técnico da
Codeara veio em seu lugar.
--Muito bem, mas a que
hora será a reunião?
--A reunião será ás
quatorze horas de hoje, aqui mesmo no IBRA, mas o Padre Jentel é considerado
“persona não grata” e não poderá participar.
--Mas o Padre representa
os posseiros e não vejo como se chegar a um final sem a participação dele –
protestei.
--Ele
que passe uma procuração para o Senhor e estará tudo certo.
--Vamos
ver se ele concorda – terminei levantei, me despedi prometendo voltar no
horário marcado e falei com Jentel:
--Jentel,
eles querem que você substabeleça a procuração para eu representar também os
posseiros.
--Não
vai ser por isso que não vai haver reunião, vamos a um Cartório agora.
Foi feito o que o General pedira, mas que o
padre gostou isto ele não gostou. No horário combinado lá se fomos os dois eu e
o Chico rumo ao IBRA, pouco depois fui chamado em uma ampla sala com uma mesa
muito grande no centro e lá estava o Doutor Seixas mais dois advogados, dois
engenheiros do IBRA e outro que não fiquei conhecendo, mas lá de casa eu estava
sozinho no meio daquelas feras, mas o padre Chico estava na sala ao lado,
certamente com o olho na fechadura e o ouvido na porta, lembrei-me dos
posseiros e resolvi enfrentá-los, um velho pensamento de Jentel me veio a
mente: “Nunca vire as costas aos pobres, pois estará virando as costas para
Deus”.
--Boa
tarde para todos – cumprimentei.
--Boas
tarde – responderam alguns.
Após
as apresentações o General Sérgio, Presidente do IBRA tomou a palavra.
--Solicito
às partes que sejam coerentes e este assunto tome uma solução definitiva -
olhou para todos e prosseguiu - Já que o padre não participa, creio haver uma
viabilidade de entendimentos – concluiu quase cansado.
--Sempre foi intenção de
a Codeara fazer esta doação, mas não víamos uma solução viável para o problema,
mas agora, com interveniência da Prefeitura, o elo que faltava, estamos
dispostos a cumprir a nossa obrigação a Codeara fará a doação e a Prefeitura se
encarregara do assentamento dos posseiros – discursou o Diretor Técnico a
seguir abriu um enorme mapa em cima da mesa, era a planta do projeto
agropecuário da Codeara, e mostrando um canto em cima na planta me diz - aqui
esta o local que escolhemos para a área a ser doada, é uma ótima posição, mata
de primeira, muita água e estrada fácil – concluiu.
Se ele conhecia pessoalmente a área eu não
sei, mas que eu conhecia isto eu sabia, por ai entendi o porquê da resistência
do padre, o pessoal da Codeara não era mole.
--É
muito bom mesmo Doutor Seixas, ótimo, mas, a que eu estou informado o IBRA fez
um belo trabalho escolhendo uma área, e eu gostaria de saber qual é esta área,
talvez tenha mais condições do que esta aqui tão longe e sem via de acesso, e,
eu jamais me oporia à capacidade de trabalho do IBRA - poderiam me mostrar à
área?
--Claro
eu mesmo fiz o trabalho todo – respondeu um dos engenheiros ali presente abriu
uma planta enorme e mostrou o seu trabalho a área estava situada, bem aonde nos
interessava.
--Muito
bem, é uma ótima área, não vejo porque não concordar com um trabalho como este
afinal o IBRA é o órgão indicado para fazer o levantamento, não há o que
contestar a não ser que a Codeara não considere o IBRA capacitado para este
trabalho – perguntei ao Doutor Seixas. (joguei-o na fogueira).
--Absolutamente,
achamos o IBRA totalmente capacitado para este trabalho.
--Então,
já que estamos todos de acordo será aqui sugiro que se lavre uma minuta do
acordo – terminei.
--Mas,
temos um problema nesta área é a aguada – interferiu o Diretor.
--Problema
nenhum, vamos usar a aguada em conjunto e os senhores nos reporão a terra na
margem acima, o que diz? Mas terão que fazer a demarcação e a mudança dos
posseiros e ainda indenizá-los nas benfeitorias que deixarem na outra área.
--Bem,
por nós não há problemas – concordou a Codeara.
--Então
vamos fazer a minuta do que ficou assentado e depois assinamos.
Feita a minuta do acordo, lida e
achada aprovada todos concordarem? – perguntou o IBRA:
Todos
concordaram. Disse adeus a todos e sai, estava doido para respirar um pouco e
me ver livre.
--Como
foi?– perguntou Jentel.
--Tudo
bem, a Codeara concordou em doar a área que o IBRA demarcou e terá que
indenizar os posseiros nas benfeitorias remanescentes e abrir estradas e fazer
as mudanças dos posseiros.
--Neste
pau tem abelha – ironizou Jentel acho que é bom demais para ser verdade.
No
outro dia cedo passamos pelo IBRA para pegar a cópia da minuta, o General
Sérgio havia viajado, mas o Doutor Mário nos atendeu:
--Eu
não sei como aconteceu, se o Doutor Seixas ou o General levaram a minuta, só
sei dizer que desapareceu lá de cima da mesa, mas o que foi dito será mantido e
a doação será feita no dia cinco de março conforme o combinado.
O
padre me olhou e sorriu e eu entendi o que ele queria dizer.
Voltamos para Mato
Grosso.
No dia anterior ao marcado
para a doação nos chegamos a São Paulo, eu, João Neton irmão do Prefeito e o
próprio.
Ao convite do Zezinho dono da
empresa de ônibus Reunida nos hospedou em belíssimos apartamentos em sua
garagem.
Às
duas horas da tarde fomos para o escritório da Codeara que ficava no Edifício
Francisco Conde no BCN da Rua Boa Vista, subimos pelo elevador e logo nos anunciamos
ao Dr. Luiz Gonzaga Murat então Diretor Presidente da Codeara e genro do
Armando Conde, ao nos receber apresentei meus companheiros:
--Este
é o nosso Prefeito José Liton Luz e seu irmão João Neton Luz.
--Muito
prazer – cumprimentou a todos.
--O
Senhor vai amanhã para a reunião no Rio de Janeiro para doação da
área?
--Mas que reunião é esta?
Que doação é esta? – perguntou quase colérico.
--Dr.
Murat o senhor sabe muito bem que tivemos uma reunião no Rio com o IBRA e o
Doutor Seixas e ficou assentado que no dia cinco, amanhã, a Codeara faria a
doação da área dos posseiros assinaram.
--Amanhã
o Senhor Dankmar pode passar por aqui e pegar uma cópia e vamos marcar outra
reunião para a escrituração da doação em São Paulo, creio que dia cinco de
março estaria ótimo se todo para a Prefeitura – falei me contendo para não
explodir.
--Em primeiro lugar o
Doutor Seixas não é a Codeara, nós temos centenas de acionistas que teremos que
consultá-los, portanto não vai haver reunião nenhuma e muito menos qualquer
doação – vociferou o branquelo Diretor.
--Não
gostei do seu tom de voz Doutor Murat – respondi – nesta história toda dizem
que o padre está embrulhando, mas o embrulhão aqui é o senhor, e de outra vez
quando mandar alguém representando a Codeara para uma reunião mande um homem
que tenha responsabilidade e não um elemento qualquer, eu não tenho mais nada
para conversar contigo – sai esquecendo meus amigos lá dentro e bati a porta
com bastante força.
Retornei para o
apartamento e esperei pelo Liton, já eram quase cinco horas da tarde quando
chegou rindo:
--Sabe quem estava lá
atrás da porta no escritório?
--Não.
--O Salomão, o bate-pau
lá da fazenda e o Doutor Murat disse que você é muito atrevido em chamá-lo de
embrulhão e ainda mais dentro do escritório dele
-- É, mas não
tem nada não amanhã vamos continuar a briga, eu e Jentel voltaremos para o Rio
de Janeiro e veremos o que o General vai falar.
No outro dia quando chegamos
ao Rio fomos direto ao Hotel Gloria sabem quem estava lá? O padre Chico.
--Cheguei
– disse ele.
--É, estamos vendo –
respondi. Mas fiquei alegre.
Fomos para o IBRA e o
General Sérgio nos recebeu a, inclusive Jentel.
--Lamento profundamente o
desaparecimento da minuta, mas tudo que ficou combinado aqui na minha presença
será cumprido, entrarei em contato com a Codeara e ela terá que manter o
estabelecido, logo nos comunicaremos com todos os senhores a data da última
reunião que faremos – terminou muito sério o Presidente do IBRA que estava
visivelmente aborrecido.
Retornamos ao Hotel e depois
bem mais tarde saímos para jantar, achamos um restaurante que era em uma adega,
ficava no subsolo. Conversamos e rimos muito naquele dia, restava voltar para
Mato Grosso e aguardar.
Foi uma longa espera, e a
resposta nunca veio e assim, decidimos voltar ao Rio de Janeiro, não poderíamos
deixar a coisa esfriar e lá se fomos nós de novo, eu e o Chico.
O General novamente nos
recebeu bem, mas olhava o padre sempre com reserva. Aconselhou-nos a ter
paciência e que aguardássemos os resultados das providências que ele estava
tomando.
Saímos a perambular pelas
dependências do IBRA e lá ficamos conhecendo o Doutor Bertoni, Chefe do Cadastro
do IBRA, e também Conselheiro da SUDAM, explicamos a ele o pé em que se
encontrava a situação e ele, muito surpreso, comentou:
--Como
é que a Codeara no último relatório que apresentou a SUDAM ela pediu a
liberação das verbas atestando já terem feito a doação inclusive declararam que
já abriram as estradas de acessos à área e outros benefícios.
--Mentira, muita mentira
– delirou Jentel raivoso.
--Não é verdade Doutor
Bertoni, nada disto aconteceu até agora – garanti.
--Mas
então façam uma carta ao General Bandeira de Melo que é o Presidente da SUDAM,
(Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) e expliquem a atual situação
sugerindo a retenção das verbas como medida acauteladora até que se concretize
a doação e eu garanto a vocês que farei a leitura na próxima reunião que é no
fim desta semana - nos confidenciou aquele cidadão.
--Só
me falta uma maquina de escrever, pois papel timbrado da prefeitura eu tenho.
--E nos sabemos escrever
– ajudou o padre.
E assim fizemos, escrevi a
carta, assinei e a entreguei ao Conselheiro Bertoni, do jeitinho que ele nos
ensinou.
--Agora eu sei que a
coisa vai ferver – vaticinou o clérigo.
Não
havia outro meio a não ser pressionar a Codeara, e havíamos arranjado um grande
aliado.
Começamos a mexer os
pauzinhos.
Retornamos ao Hotel.
--Vamos sair um pouco?–
perguntou o padre.
*
A Bela Mansão...
“Sem Fim”
Este era seu nome,
Pegamos um táxi e lá se
fomos nós rumo a Petrópolis, embora fosse noite, podia-se notar o esplendor
daquela mansão que havíamos chegado grandes jardins cercados de grades de
ferro, fonte luminosa e iluminações artísticas realçavam num jogo místico a
beleza do conjunto, e no portão de entrada sob um arco florido de plantas o
nome em bronze polido “Sem Fim”. E um pouco ao lado umas casinhas a guisa de
guarita abrigavam dois religiosos, possivelmente padres, que fiscalizavam as
entradas e ao verem Jentel o saudaram exaustivamente.
Entramos em um enorme
corredor que nos levou ao que parecia ser um salão de refeição, dezenas de
enormes mesas e muitas cadeiras, junto a uma enorme cozinha com muitas pias e
bancadas de mármore, fogões embutidos, armários e varias geladeiras e freezer,
dali saímos em uma sala que parecia uma grande biblioteca, escutava-se a
confusão de muitas vozes conversando a mesmo tempo, fomos nos aproximando,
passando por muita gente nos corredores e portas, e finalmente entramos em um
salão onde estavam reunidas pelo menos umas duzentas pessoas, ao lado uma porta
ondulada em forma côncava dava entrada a um grande auditório onde estavam na
maioria reunidos os presentes. O salão estava repleto, a frente um palco e um
quadro negro, aonde faziam inúmeras anotações, vários conferencistas sentados
aguardavam sua vez de se pronunciarem, ao que parecia a coisa ia longe. Dr.
Bertoni era um deles que explicava a forma de distribuição das verbas
arrecadadas pelo IBRA e repassadas pelo governo federal a CONTAG e outras
entidades. O padre Francisco me apresentou para varias pessoas, era gente que
entrava e gente que saia, que resolvi sentar perto de um grupo enquanto Chico
se entrosava com os outros, eram todos religiosos de todas as categorias e
espécies e de todo os lugares do planeta, ali estavam alemães, italianos,
espanhóis, holandeses, e muitos outros a discutirem não sei o que, foi quando
um deles em um péssimo português me perguntou:
--Você esta aonde?
--Eu
vim com Padre Jentel e estamos no Araguaia.
--Mas que ótimo, quero
conhecer Jentel.
--Já ele aparece por aqui
e você de onde veio?
--Da Itália.
--Tem visto permanente –
perguntei meio desconfiado.
--Não
padre, nós padres não precisamos, eu vim fazer um curso de doenças tropicais e
espero ficar por aqui para sempre, ninguém pede documento para padre não é
verdade?
--Sim até hoje, não ouvi
ninguém nem perguntar de onde o padre vem.
--Pois então não há
perigo.
--Claro que não – Seria
melhor me comportar como um deles antes que desconfiassem.
--Dankmar – me chamou o
padre Jentel chegando junto com outros homens -- este aqui é o nosso
encarregado na “Caritas” ele foi muito perseguido pela revolução, esteve preso
e foi muito torturado, mas agora esta bem.
--Espero
que continue tudo bem contigo – respondi apertando a mão do homem.
Outros me foram apresentadas
eram as natas que a revolução andara atrás, a maioria era lideres sindical do
nordeste. Fiquei preocupado afinal o que fazia aquele povo ali todo reunido?
Jentel me deixou em outra saleta pequena e perto de uma geladeira cheia de
cerveja, era o que me estava faltando e logo fiz companhia para outros dois ali
sentados quando chegou um terceiro procurando:
--Sabe-me dizer onde
estão fazendo vales?
--Não, não sei. - mas a
idéia não era de todo má.
--Amigo de Jentel? – procurou um deles.
--Sim, estamos juntos.
(afinal meu padre era famoso mesmo) e vocês são daqui do Rio?
--Não
eu sou Búlgaro e este é italiano, mas já estamos no Brasil a mais de dez anos.
--E daqui vão para aonde?
--Não sabemos ainda, mas
tanto faz.
--Com licença vou
procurar Jentel. – me desculpei e sai achei Jentel conversando com Bertoni que
nos procurava para dar uma carona de volta ao Rio.
--Dr. Bertoni vai nos
levar até o Hotel, vamos?
--Porque
não – Respondi afinal eu estava doido para sair dali.
Logo seguíamos de volta ao
Rio de Janeiro, íamos a um carro grande, nunca mais esquecerei aquela
experiência.
Voltamos para Mato Grosso,
eu e o Chico.
Os
resultados não se fizeram esperar...
E numa tarde
chuvosa um avião monomotor sobrevoou Luciara, no intimo eu sabia que era a
Codeara.
Meia hora mais tarde entrou
na Prefeitura o Dr. Olímpio Jaime, advogado de Goiânia e muito amigo de Liton e
meu conhecido, não se fez de rogado foi entrando direto gabinete adentro, onde
eu conversava com o prefeito.
--Boa Tarde meus amigos
como vão passando?
--Muito
bem doutor, que bons ventos o empurram para Luciara?
--Bons ventos nada Liton,
o pessoal da Codeara estão fulo de raiva com vocês porque fizeram aquela carta
para a SUDAM.
--Mas porque doutor?
--Vocês
embananaram a vida deles agora estão com todas as verbas suspensas e me
mandaram aqui para acertar a doação e levar um ofício seu dizendo que aquela
carta foi um equivoco ou um mal entendido.
--Você
tem que acertar com o Dankmar, ele quem fez a carta, só ele resolve, quem
começou isto tudo foi ele e só a ele cabe á resposta.
--Marque
o dia da doação o mais rápido possível e eu levo a carta em mão assim que
receber a escritura eu a assino e entrego para eles - respondi.
Dr. Olímpio Jaime olhou para
o Liton como a perguntar e agora? Como fica? Liton simplesmente abriu os braços
como a dizer eu não sei fica do jeito que está.
--Tudo bem – interveio o
advogado – de hoje a quinze dias a reunião será em São Paulo na sede da Codeara
e o Doutor Murat exige que o prefeito vá pessoalmente.
--Nada feito, eu não vou
ele vai – terminou Liton apontando para mim.
A conversa se prolongou até
bem tarde da noite e ficou tudo acertado, dia e hora para doação e a entrega da
carta. No outro dia cedo o advogado voou rumo a Capital de Goiás.
Finalmente a
doação.
No dia anterior ao marcado eu já
estava em São Paulo, e como não tinha boas recordações do escritório da
Codeara, ligue para o IBRA e pedi a interveniência do Dr. Roberto Canot de
Arruda, então supervisor do IBRA para que arrastasse a reunião para sua esfera,
lá no IBRA eu estaria seguro e assim foi feito e ficou marcada para as 14.00 do
dia seguinte.
Cheguei ao IBRA exatamente
na hora aprazada, quando Dr. Roberto me procurou:
--E o prefeito não veio?
--Não, eu mesmo é que vou
resolver isto.
--O Doutor Murat hoje vai
perder a criança.
--Farei tudo para
ajudá-lo – respondi – vamos lá.
--Chegaram todos, já
estão esperando.
A porta se abriu e eu entrei
de pasta na mão, cumprimentando todos os presentes.
--Boas tardes senhores. –
achei uma cadeira vazia bem longe do Murat e me sentei.
--Mas, e o prefeito? Porque não veio?
--Infelizmente
são muitos os afazeres e ele me delegou, desde o inicio poderes para
representá-lo como o Sr, já sabe Doutor Murat. Mas se o senhor insistir em
brigar posso me retirar dando meia volta para Mato Grosso – terminei secamente.
--Nada disto, já que
estamos todos reunidos vamos terminar esta história, o General esta ansioso
esperando o resultado no Rio de Janeiro e eu tenho que ligar para ele.
--Por
mim esta tudo bem, eu peço apenas que leiam a minuta e em seguida a escritura.
--Se
me permitem vou ler o conteúdo da minuta e do livro de registro, não é muita
coisa – falou um simpático senhor de boa idade, sentado em frente a um monte de
livros. E fez a leitura por duas vezes.
Era exatamente o combinado no IBRA - Rio agora eu sabia quem estava com a
minuta e terminou dizendo – é isto senhores e esta pronta para ser assinado,
primeiro a Codeara assinaria, depois a Prefeitura e a seguir o representante
dos posseiros e demais da diretoria do IBRA e CODEARA. – terminou e ficou
olhando como a pensar “quem vai ser o primeiro?”.
O Doutor Murat mostrou
intenção de relutância foi quando Doutor Seixas interveio:
--Se você quiser, eu
assino primeiro.
--Ora
bola – resmungou o Diretor Presidente e pegando sua caneta assinou e empurrou o
livro para o tabelião que passou para mim que assinei duas vezes, por mim e por
Jentel e a seguir todos assinaram - está terminado, agora queremos o oficio
insistiu Murat.
--Mas, eu quero a
escritura, só vou lhe dar o oficio depois que me entregarem a escritura -
respondi.
--Nós vamos mandar a
escritura pelo correio – insistiu o nervoso Doutor.
--Não é preciso, Senhor
Dankmar o senhor vem comigo até o Cartório eu lhe entrego a escritura ainda
hoje, posso lhe garantir – amenizava o cartorário.
--Eu confio no senhor –
dizendo isto tirei o envelope da pasta, abri e assinei embaixo da assinatura do
prefeito e entreguei ao avexado Dr. Luiz Gonzaga Murat.
--Tudo bem – dizendo
isto, levantou-se e saiu sem se despedir de ninguém.
Agradeci a todos, especialmente
o Dr. Roberto, um grande homem e fui com o simpático senhor rumo ao cartório
Medeiros e pouco depois de duas horas e meia recebia a escritura pronta. Agora
era só voltar para Mato Grosso, mas desta vez eu ia só, mas com a missão
cumprida.
Passei por Barra do Garças e
registrei a escritura no Cartório de Imóveis e fui para Luciara
Finalmente estava tudo
sacramentado, mas, comecei a pensar em Jentel “já que esta briga acabou logo
ele vai arranjar outra e arrumou mesmo”.
Missão cumprida o resto agora era com o prefeito.
Ao chegar a Luciara a
noticia correu “a doação fora feita”, no mesmo dia o Padre chegou e só
acreditou depois de ver a escritura e o registro o padre deu um suspiro
profundo que eu nunca pude entender, seria alivio ou uma decepção por uma briga
que acabava.
Mas ele como que
adivinhando meus pensamentos disse:
--Se você pensa que a
briga acabou está muito enganado ainda faltam doar a área da cidade de “Saint
Terezin”.
--Calma padre da uma
folga.
--É,
mas não vai ser fácil você vai ver... - e virando as costas lá se foi o padre
rumo ou Saint Denise “sei lá”.
§
“A
guerrinha de Santa Terezinha”... 1972 a 1974 A cabeça do padre já ia
maquinando novas encrencas e isto fez com movimentasse a sua massa, Santa
Terezinha parecia um formigueiro humano.
Os associados se reuniam constantemente em assembleias e deliberavam
muitas melhorias. A força da união os mantinha coesos. Estavam bem
“conscientizados”. Comentava-se naquela
ocasião que muitos jovens haviam chegado ao baixo Araguaia, ali por Xambioá,
diziam que eram agentes pastorais e que se falava em guerrilhas e também se
comentava a intervenção do exercito.
O processo de urbanização da cidade de Santa
Terezinha tramitava na sua fase final e a Codeara já havia elaborado um plano
da futura cidade, nos traçados velhos, pouca coisa seria respeitada. O Padre
Jentel, também elaborara um projeto urbanístico da nova cidade respeitando os
velhos traçados para não prejudicar os moradores antigos e este tramitava na
Câmara de Vereadores de Luciara.
apoiava que respeitava o velho traçado ou o que a Codeara apoiava e que
não respeitava quase nada.
Nestas alturas dos acontecimentos o padre Francisco resolve construir um
ambulatório para os pobres, e escolhe um local que pertencia ao velho traçado
da cidade, isto é, ficava em uma esquina na divisa dos dois traçados. Para a
Codeara a construção ficava no meio de uma rua nova, para o Padre Chico não
ficava e para a Prefeitura tanto fazia, estava armada a confusão.
Teimoso, sem escutar as
advertências da Codeara que já
Só que
ai não se sabia mais qual prevaleceria, o que o Padre queria mandar na cidade,
pois julgavam que as terras eram suas, enquanto que o Chico achava que aquilo
pertencia ao povo, e não deu ouvido e mandou começar a construção.
Novas advertências foram
feitas e não ouvidas, o que o padre queria era fazer a obra e os alicerces
subiam.
Um dia a Codeara
mandou um monte de homens e um
trator de esteiras, derrubaram
tudo, abriram um buraco no chão e enterraram os escombros, cobriram de terra e
alisaram o chão não ficou nem sinal do ambulatório. Nada restou.
Manoel Quitandeiro, um dono
de venda em Santa Terezinha, havia trazido de Anápolis – GO. Um construtor para
fazer os serviços, era crente, e com ele vieram vários parentes. Roberto era
seu nome.
--Seu
Manoel – dizia o crente – a coisa parece que vai ferver e eu sou crente e não
posso me meter em confusão, acho que vou largar tudo e dar no pé.
--Que
nada seu Roberto, isto ai num dá nada, vá ganhar o dinheiro do padre, homem...
--Mas pelo o que eu estou
vendo vai sair chumbo voando por ai e este bichinho não tem endereço certo...
O
Padre estava revoltado, neste mesmo dia convocou uma reunião geral. Era em 11
de fevereiro o dia da Grande Reunião.
O velho casarão fervilhava
de posseiros, estavam em “Assembléia” era cerca de quatorze horas quando
começaram:
--Estávamos construindo
um ambulatório para vocês, e este dinheiro gasto era de vocês mesmo, resultados
da Cooperativa, mas a toda poderosa Codeara não deixou e destruiu tudo, vocês
sabem muito bem, agora eu pergunto: Fazer o que? Construir de novo?
--Sim vamos construir de
novo – era a voz geral.
--Mas agora há o risco de
uma agressão maior e vamos ser necessários nós reagirmos, vocês estão de
acordo?
--Sim estamos todos de
acordo vamos prosseguir e resistir.
--Então
amanhã cedo, todos com as ferramentas que tiverem pás, enxadas, picaretas e
vamos trabalhar para nos preparar para recebê-los.
E assim o fez, no outro dia quase cem
homens trabalhavam sob a orientação de Jentel, uns abriam as valetas que
serviriam de trincheiras, outros enchiam sacos de areia e os empilhavam fazendo
um muro, alguns preferiram abrir buracos nas paredes das casas vizinhas cujos
proprietários se evadiram, a noticia correu ligeira e a Codeara tomou
conhecimento do que o padre estava fazendo e solicitou em Barra do Garças a
vinda de policiais militares. Enquanto isto os candidatos a guerrilheiros
também levantavam as paredes do ambulatório, os crentes ficavam com um olho na
colher e outra na entrada da rua. As mulheres preparavam a comida e levavam
para os homens nas trincheiras e assim ficaram por vários dias e nada da
policia aparecer. Até que numa quinta feira o vigia lá do campo deu o aviso “A
Policia chegou”, mas nestas alturas muitos dos posseiros tinham saído, mas
chegavam os índios Tapirapé para ajudar. O Povo de Santa Terezinha torcia pelo
Padre.
--Vamos
aguardar até chegarem bem perto e deixem-nos começarem.
Não
demorou muito a apareceram duas caminhonetes cheias de soldados e trabalhadores
da Codeara e vinha também um trator de pneus com uma lamina na frente, quando
chegaram junto da construção pararam a comitiva e o capataz Silveira pulando de
cima do trator no chão, gritou.
--Estão escondidos ali
atrás vamos pegá-los.
Foi a conta para começar o
tiroteio, armas de todos os calibres e marcas de fabricação caseira começaram a
cuspir chumbo, o primeiro atingido foi o Silveira bem no dedo da mão, o segundo
foi o tratorista, ambos desapareceram
num instante. Na caminhonete da frente vinha o Capitão Moacir comandante
da Policia Militar que diante da surpresa de tanta bala teve que abandonar a
viatura escorando no soldado Amaro e nos dois crentes, mas deixou dentro do
carro sua bolsa e sua arma Bereta.
Foi uma debandada doida a
Policia não pode reagir porque não via ninguém em que atirar e tentaram ir
buscar a caminhonete do Comandante que ainda funcionava, mas quando um pretenso
herói se aproximava uma chuva de bala o fazia voltar. O carro apagou porque
acabou a gasolina e com a vinda da noite á coisa se complicou. Resolveu esperar
o dia amanhecer. E no outro dia quando a policia voltou não encontrou mais
ninguém e nem o Padre Jentel que tinha fugido para Goiânia.
O Padre Jentel foi preso e
posteriormente expulso do Brasil, e quando da busca que o exercito deu na
Prelazia de São Félix do Araguaia, por estar o Bispo envolvido com os guerrilheiros
de Xambioá, acharam a arma do Capitão Moacyr pendurada na parede com etiqueta.
“Lembranças da guerra de Santa Terezinha”
O Padre François Jaques
Jentel, nasceu a 29 de agosto de 1932 na cidade de Meriel, na França e já
estava com 32 anos quando chegou como padre na aldeia Tapirapé no encontro das
águas do rio Tapirapé com Araguaia.
Soube depois que o Padre
François Jaques Jentel, ou Padre Chico ou ainda Padre Francisco, foi preso
acusado de subversão, e conduzido para o Quartel Militar em Campo Grande,
levado a julgamento no dia 21 de maio de 1974 e condenado a dez anos de prisão,
mas foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar. Já em liberdade voltou à
França para junto de sua família. Ao retornar para Brasil em 12 de dezembro de
1975 quando saia da casa de D. Aloísio
Lorscheider em Fortaleza, acompanhado de um padre, quatro civis se
precipitaram sobre ele e o colocaram a
força num carro que tomou direção desconhecida foi preso
deportado para a França num decreto assinado pelo Presidente Geisel e o
Ministro Amando Falcão isto em Janeiro de 1976. Morreu na sua terra natal de
hemorragia interna no dia 01 de janeiro de 1979, três anos depois de sua
expulsão no seu exílio onde sempre sonhava voltar Brasil. Nos meios
governamentais, espalhou-se o boato de que teria havido um acordo tácito entre
as autoridades religiosas e o governo, segundo o qual o padre Jentel teria sido libertado da prisão de
Campo Grande em troca de seu compromisso
de deixar definitivamente o Brasil; sua volta significava o desrespeito
a esse acordo.
Boas lembranças e muitas
saudades de um matreiro rebelde e simples padre e grande amigo que viveu para
os pobres e índios entre e eles como um deles, era a sua vida, ali guardava a
sua alma e seu coração... Mas seus feitos ficaram guardados nos corações
daquele povo humilde
Um dia na sua humildade ele
me disse:
”Cristo veio ao mundo porem
muito pobre, pequenino e aparentemente fraco, mas tinha em seus olhos a Luz do
Céu”.
”Virar as costas aos pobres é o mesmo que
virar as costas para Deus”.
Chico... a bruxa continuava solta.
Não bastasse a refrega do Padre e
assim...
E, é aqui neste rincão
Mato-grossense onde os homens tem geneticamente encravados em seu âmago e
forjados com a dureza do aço inquebrantável os resquícios vivos da grande
herança legada por aqueles br
*
![]() |
Coronel. Lucio Pereira Luz-O desbravador. |
![]() |
Bispo Dom Pedro Casaldaliga. A Raposa do Araguaia. |
![]() |
Padre Francisco Jentel (Chico) |
![]() |
Wolfgang Dankmar Gunther (o autor) |
![]() |
Mariano Paciente da Silva |
§
Registro: De cento e cinquenta nomes, por ordem
cronológica dos Pioneiros que mais ativamente participaram de uma forma ou de
outra, da fundação e do desenvolvimento do leste - médio Araguaia
mato-grossense desde épocas remotas até nossos dias.
(os negritados
foram os que mais se destacaram)
A partir de 1926 a 2015.
*Lucio
Pereira Luz –Desbravador de Sertões
– 1934;
*Severiano Souza Neves - Fundou S. Felix do
Araguaia-1941;
*Dionel M. Almeida- Pioneiro Cedrolândia 1950;
*Domingos Medeiros - Pioneiro Beira rio 1950;
*Dr. Flávio José Bertin e família;
*Senador Jonas Pinheiro;
*José Liton Luz – Faleceu em Setembro de 2012;
*Wolfgang Dankmar Gunther de 1948 a 2020;
*Mariano Paciente da Silva;
*José Célio Pinheiro Luz;
*Pio José Pinheiro;
*Acrizio, Cláudio, Leonardo, Orlando Villas Boas;
*Bispo Dom Pedro Maria Casaldaliga Plá. -1967/2015;
*Padre François Jaques Jentel (Padre
Chico) – 1954;
*Arcebispo Dom Fernando de Proença Sigaud;
*Dom Thomas Balduino;
*Irmãzinhas de Jesus (Aldeia Tapirapé);
*Padre Foucault
(Aldeia Tapirapé);
*Padre Canuto;
*Padre Pedro Cobalchini;
*Dom Aloísio
Lorscheider;
*Bispo Dom Luiz – 1948;
*Bispo Don Tomas Câmara – 1948:
*Bandeirante e escritor e jornalista Willy
Aurelli; 1948
*Dona Inês Pinheiro, 1926;
*Antônio Carlos Carvalho de Souza;.
*Dep. Fed. Homero Alves Pereira e sua esposa
Dona Irene;
*José Antônio de Ávila;
*Edson Andrade;
*Miguel Chamas;
*Dr. Acary Passos:
*Prof. Maira Barberi;
*Senador
Jaime Campo;
*Dep. Fed. Júlio Campos;
*Aldenor Milhomem;
*Deputado Humberto de Mello Bosaipo.
*Antônio de Mello Bosaipo
*Aleixo Paciente da
Silva e sua esposa Joaninha e filhos
(as);
*Alexandre Quirino de
Souza;
*Altino Pereira Luz;
*Amâncio de Melo;
*Álvaro Villas Boas;
*Ananias Vasconcelos;
*Antônio Barroso e
Joana;
*Antônio da Jacinta;
*Antônio Butelo;
*Antônio Silva Mundim;
*Aristides;
*Arquimedes e Nair;
*Ateneu e Aracy e filhos;
*Aurino Serpa Gama;
*Alberto Gomes de Abreu;
*Benedita Luz;
*Benoir Pereira Sales;
*Bento de Abreu Luz
- Dona Felicia e filhos;
*Bibio; e Waldemar
*Cícero Laranjinha;
*Ciriaco –1926/1998;
*Zeca Batuira-(Zeca Braga);
*Domingos Mendes Luz e família;
*Dona Abadia;
*Dona Jacinta;
*Dona Otildes. E
seus filhos;
*Raimunda Pinheiro
e filhos;
*Dona Silvina Luz e filhas;
*Edi Escorsin e família;
*Enzo Francisco
Pizano;
*Francisco Abel e; esposa
*Feliciano e Maria Dias;
*Firminio Luz e Florência;
*Flavio Baptista- e
Dauta;
*José Barreira Leite e seu Pai Marciano (Pioneiro);
*Horácio, Jeronima e filhos (as);
*Inocêncio Borges de Aquino;
*João Braga;
*João Colodino;
*João da Luz e Manoela;
*João da Silva o “Fogaça”;
*João Felipe e Dona Nega;
*João Ferreira dos Santos;
*João Irineu;
*João Neton Luz;
*João Vaqueiro;
*João Pinheiro e
família;
*Jose Barula;
*Joaquim Rosário;
*José de Barros Lima;
*José Ranulfo;
*Jose Domiciano;
*José Evangelista;
*José Lagoa e filhos;
*Osmarina e Jose Cesar Luz e filhos (as);
*Rolf Hornschuch;
*Osvaldo Guimarães;
*Otaciano Pereira Santos;
*Pedro Abel;
*Pedro Coelho e Francisca;
*Pedro José de Sousa e sua esposa Raimunda e filhos
(as);
*Antônio Carlos da Silva Arantes e família.
*José Mutram;
*Laudelino e Antônio Petoco;
*Leandro;
*Leócadio e Silvana;
*José Pereira dos Santos;
*José Pina Ferreira Sobrinho;
*Jose Pinheiro;
*Jose Ranulfo;
*Jose Xavier;
*Juvenal Pereira Salles.
*Leôncio e sua esposa Joana;
*Leodilce Paciente Luz;
*Leonilda Paciente Luz;
*Jacob Marinho Cardoso
*Lupercio;
*Manoel Adobo;
*João Vermelho;
*Marçal e Germana;
*Marcos Francisco Alves;
*Marcos;
*Maria Paciente Gunther e seus filhos e filhas;
*Melquiades;
*Nascere Badre e família;
*Nazir Thomé-Nazira e Dona Chiquinha;
*Família Severiano Neves; Nega-Edilia- Amojacy – Suely;
*Noel Nutles – Sanitarista;
*Noely Paciente Luz – Ex-
Prefeita e Advogada;
*Noemi Paciente Luz. E seus filhos e filhas;
*Os Bandeirantes
da Bandeira Piratininga – 1942/1948;
*Zé Martins e Liduina;
*Pedro José de Souza e sua esposa Lourdes filhos (as);
*Pedro Madalena;
*Pedro Mariano Pereira;
*Pedro Nonato;
*Raimunda Paciente (Mundica);
*Raimundo de Pano;
*Raimundo Miranda de
Souza e esposa Maria e filhas;
*Raimundo Pereira da
Silva. – 1950/2012;
*Ruy Prado. Presidente FAMATO
*Raimundo Vasconcelos;
*Roxo;
*Rudolfo Alexandre Inácio;
*Rubens Fagundes Badaró;
*Sabino Brito;
*Salviano;
*Sandoval e Silvinha;
*Sansão;
*Sebastião Pereira;
*Silvio Rodrigues Maia e Aciolina;
*Telesforo Moreira Aguiar e sua esposa Dona Sara;
*Tertuliano;
*Ursulino Vasconcelos e
sua esposa Luizinha;
*Valentim Gomes e
sua esposa Joaninha – 1940;
*Veronilha;
*Wilson Adão Pereira das Neves- Tampinha.
§
Barcos Pioneiros que se destacaram na
Colonização do Vale do rio Araguaia § rio Tocantins a partir de 1890.
1- Barco a vapor “Araguaia” Couto Magalhães, Barco a vapor “Mineiro” Couto Magalhães, Barco a vapor “Colombo” Couto Magalhães. Ano de 1890;
2- Barco a motor de centro “Frei Chico” para oito toneladas. Proprietário Antônio de Mello Bosaipo
- de 1940 a 1965.
3- Barco a motor de centro “Santa Maria” para seis toneladas. Proprietário José Antônio Butelo.
Anos de 1950.
4- Barco a motor de centro “Brigadeiro Aboin” para seis
toneladas. Prop. Leonardo Villa Boas e
Enzo Pizano, de 1958.
Proprietário SPI- Serviço de Proteção aos
índios em
Santa Izabe
do Morro. Anos de 1945
a 1980.
6- Barco
Cidade de Anápolis – Loja de mercadorias / 4 ton.
7-
Lancha “Pioneira” da Missão
Adventista da aldeia
Carajás do Fontoura (assistência Social)
responsáveis Pastor
Isaac Fonseca e enfermeiro
Alvino, anos
de 1952.
8 Barco “Ouro
Branco” com a motor de popa
Archimedes
de 12 HP, quatro tons. Prop.
Alexandre
Karwajaisk, de 1962.
9- Barco a “Ilha
do Bananal” motor de popa Penta
de 12HP, para quatro
toneladas. Proprietário
Wolfgang Dankmar Gunther
anos de 1954.
10-
Três balsas com seis secções cada para 72
toneladas usadas no transporte fluvial na
operação
JK movida cada balsa de ferro de baixo
calado
por quatro motores de popa Arquimedes
12 HP a gasolina FBC - Fundação Brasil
Central.
Lembranças...
A Bandeira Piratininga e seu
líder e idealizador Willy Aurelli, e sua esposa Jacy, e os bandeirantes;
Dankmar, Darcy, Weber, Clovis, Gunnar, Barros, Takaki, Sampaio, Lito, Aurélio,
Osmar, Paulo, Garmenia, Osvaldo Guimarães (paulista), Peter, Henrique
Himelreich, Aristides, Pedro, Avelar todos já se aquietaram nos sonhos das
conquistas vitoriosas, mas deveras deixaram gravados, entre outros, um livro
memória intitulado “Terra sem sombra” O sertanista faleceu em São Paulo, ciente
de ter realizado seus sonhos e sua obrigação cumprida. A sua dileta e fiel
esposa e companheira de aventuras Jacy ainda viveu longos anos, mas já passou.
O seu irmão Aurélio Aurelli, membro ativo da primeira expedição veio a falecer
em São Felix do Araguaia, e foi sepultado no cemitério local bem em baixo de um
belíssimo pé de pequi, na sua tumba tem o meu nome gravado em respeito a aquele
sertanista.
Todavia
existem fontes que ainda estão vivas e acumulam histórias e feitos
imensuráveis, são preciosos tesouros das reminiscências de um passado glorioso
onde o homem vivia irmanado com a natureza, e os filhos viviam a vida toda
junto a seus pais, não existia a usura e nem a disputa por terra, e a fibra do
orgulho sertanejo era mais duro do que o aço preferia a morte a ser
envergonhado, Deus os tem poupado, talvez tenha um propósito para estes que são Pedro Maria Casaldaliga Plá, José Célio
Pinheiro Luz, Mariano Paciente da Silva
e Wolfgang Dankmar Gunther. e finalmente não posso deixar de enaltecer o nome de meu amigo e companheiro que viveu por muitos anos como um simples morador de São Felix do Araguaia -
O ex-Bandeirante Aristides.
Quando então tudo
eram “Terras bravias”.
A Bandeira Piratininga deixou de existir e
assim os Bandeirantes membros já se foram por recônditos sertões do nosso
universo, em busca de novas conquistas só restou o autor deste livro Wolfgang
Dankmar Gunther que ainda vive se tornando :
""O último Bandeirante”.
“Todos os livros da serie “Os Pioneiros”
são baseados em fatos históricos reais, contos e ou lendas os quais são frutos
da natureza humana que se deleita em amalgamá-los e os moldar intrinsecamente
transformando o nosso folclore em uma relíquia literária ao alcance de todos”.
(Wdgh 2005)
Agradecimento...
Presença de Deus em “Terras
Bravias”.
Eu
canto ao Todo poderoso Deus,
Que
fez com que aparecessem montes,
Que
espalhou oceanos amplamente,
Construiu
de vez os altos Céus;
Eu
canto a sabedoria que ordenou
Que
o sol ao dia presidisse;
Que
a Lua mandou também brilhar;
E
as estrelas, que obedeçam a Sua voz;
Eu
canto a bondade do Senhor,
Que
encheu a Terra de alimento,
E
formou as criaturas, como quis.
E
achou que estava tudo bom!
Senhor,
como expostas estão as Tuas obras!
Por
onde quer que dirija os olhos meus,
Quer
contemple o chão que piso,
Ou
olhe para s céus, no espaço em cima,...
Não
há planta, ou flor, aqui em baixo,
Que
não a revele as tuas Glorias, Deus!
E
as nuvens se elevam; as tempestades surgem,
Por
ordem do Teu trono, ò poderoso Pai!
As
criaturas todas, por Ti vivem, Senhor,
O objeto são do Teu cuidado eterno.
Não
há lugar algum, de esconderijo,
Onde
Deus não esteja: Ele em toda parte está!
Isaac Watts
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
Ata de Fotos- Capa – livro serie escolar MEC Cod.56029-4
Tipo L
Vol.1 EB.registro de terras para Hilton e Humberto
Machado.
Disposil. com.br./diários/3089223/dou-seção1-19-12-1957-pg-86 Acesso em
02-11-2010
Depoimento de Dom Thomas – Extraído do Livro o
Padre Francisco Jentel
Infância
e luta de Pedro Casaldaliga - LIVRO o
BISPO DA TERRA Testemunho pessoal e pgs 37 a 50 ** trecho do livro “Terra sem sombra”
de Willy Aurelli
Um dia
alguém ensinou – Tristão de Athaide
Fotos diversas
via Internet e coleção pessoal.
Categoria: Historia real baseadas em fatos
concretos, nomes, locais e datas.
Conquista do Leste Mato-grossense a partir de 1926.
Proibida
a reprodução por qualquer meio a não ser para fins autorizados por Wolfgang
Dankmar Gunther
Autor:
Wolfgang Dankmar Gunther.
Celular 66 984 07 11 93
avenida Piraguassu 1415 - Porto Alegre do Norte MT-CEP 78655.000
Escrita em 02.02 1979/2005 e reeditada em 02/04/2018.
FIm
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