*O Elo Perdido ..IV
em...
“ O livro das
Histórias, Lendas, e Contos do sertão”
E o...
Autor: Wolfgang Dankmar Gunther
Introdução.
Todos os livros da serie os “Pioneiros”
são baseados em fatos reais, históricos e lendas regionais os quais são frutos
da natureza humana que se deleita em amalgamar e os moldar intrinsecamente
transformando-os em uma relíquia literária ao alcance de todos. Estas lendas e contos indígenas foram
repassados ao autor pelo indigenista Valentim Gomes ou o Negro Valentim que era
o encarregado do Posto Indígena Heloisa Torres na aldeia Carajás na Barra do
Rio Tapirapés com o Rio Araguaia entre os anos de 1954 a 1968. Os contos
folclóricos foram colhidos com o velho vaqueiro Camilo que residia na Ilha do
Bananal, Na sua posse denominada Caracol, junto ao rio Caracol nos idos de 1950
a 1965 e com o pescador Felix que residia em Santa Leopoldina do Araguaia hoje
Aruanã.
Nunca
mais tive noticias destes e a estes eu dedico este livro.
Porto Alegre
do Norte MT. 25 de fevereiro de 2005.
WDG.
“O negro Valentim”.
Lendas
indígenas,
Tudo começou em Janeiro de
1926.
Ali, no Estado de Mato Grosso, na barra
do rio Tapirapés com o rio Araguaia, entre dois morros ficavam as aldeias dos
índios Carajás na margem do Araguaia e a aldeia dos índios Tapirapés a beira do
lago Tapirapés, distante uma da outra não mais do que dois quilômetros.
Em agosto de 1926 chegaram à barra do rio Tapirapés com o rio Araguaia, Estado de Mato Grosso na divisa com a Ilha do Bananal no Estado de Goiás (hoje
Tocantins), o pioneiro Pio José Pinheiro e sua esposa dona Inês, com eles
vieram Sebastião Pereira e outros, no inicio se instalaram junto ao morro da
barra, mas a grande enchente do ano de um mil novecentos e vinte e seis fizeram
com que na junção dos rios Tapirapés e Araguaia a água corresse entre os morros
vazando por dentro e os obrigaram a se mudar e, então habitaram ás margens do
lago Tapirapés onde se formou um grande mangueiral que mais tarde ficou sendo
a aldeia dos Índios Tapirapés.
Entre as duas aldeia morava
a já comentada velha e antiga moradora que ali havia chegado com sua família em
1926 a Dona Inês Pinheiro e seus filhos e filhas.
O nome da aldeia Carajás era
Posto Indígena Heloisa Torres e o negro Valentin e sua esposa Joaninha eram os
encarregados.
Quase
todas as tribos antigamente em especial as mais arredias tinham e ainda hoje
tem o costume de sacrificarem as fêmeas que nascessem de dois partos seguidos, o primeiro filho tinha que ser macho para se tornar um guerreiro. Assim as segundas recém-nascidas
eram colocadas em uma cova no chão com uma cobertura de galhos e folhas para
que ficassem agasalhadas e depois a cobriam de terra, julgavam que assim não as
estariam sacrificando, não só sacrificavam as fêmeas como todo filho ou filha
que nascesse com qualquer defeito físico e este costume, nas maiorias das
tribos brasileiras permanece até os dias de hoje.
Eram também
seus costumes quando o índio alcançava uma idade bem madura e já não podia
fazer mais nada na aldeia eles o muniam com alimentos e águas para vários dias
e, ele próprio, consciente de seu destino embrenhava mata adentro para não mais
voltar. E a estes atribuíam o nome de “Curupira” por ter se tornado um bicho
que tinha os pés ao contrario virados para traz e que castigava quem agredia as
arvores ou colocando fogo na floresta e assustava os curumins (crianças) e
adultos. Era comum dizerem “O índio velho virou Curupira” e todos os temiam,
mas o respeitavam e esta lenda se espalhou pelo Brasil.
Esta postura de sacrificar as
fêmeas provocou a escassez de mulheres nas tribos e por esta razão guerreavam
continuadamente em busca de presas e os Tapirapés, que por índole não tinham a
agressividade brutal de seus inimigos, fugiam sempre para não se extinguirem a exemplo
dos “Tatuiaras” que eram índios que viviam em buracos, ou cavernas nos paredões
da Serra do Roncador ou o Grande Paredão onde existia uma Igreja de Pedra
encravada na rocha.
Um
dia perguntei ao velho índio Tapirapés Cantariô:
--Porque
o nome Igreja de Pedra?
--Porque lá na Serra do
Roncador, escavadas no paredão tem varias janelas e portas e em cima tem coisa
escrita que parece escrita de padre.
--E os índios Tatuiaras?
--Não
confundir os Tatuiaras com os Tapirapés que há muitas luas atrás nos éramos
conhecidos como a Tribo do Pitã-Anton ou "beiço de pedra", os nossos
antepassados eram artesões especializados em esculturas de pequenos adornos em
pedra mole conhecida hoje como alabastro ou da pedra sabão e moldavam os
"Panhetás" espécie parecida com um pequeno remo que era incrustado no
"beiço" e muitos outros artefatos como pequenos pilões, e outras
pequenas peças para uso individual,
--E os Caiapós?
--Os Caiapós botaram fogo
fazendo muita fumaça, forçando os índios Tatuiaras a abandonarem suas tocas no
paredão e assim aconteceu obrigando-os debandarem e os mataram a quase todos,
só alguns escaparam! Assim também aconteceu conosco Tapirapés.
Desanimados
pelas constantes lutas, os índios Tapirapés abandonaram as matas ao terem
noticias de que o Coronel Lúcio Pereira Luz estava morando na barreira de São
Pedro, no rio Tapirapés perto da Serra do Urubu Branco, assim vieram para os
campos passando alguns anos naquela Serra e mesmo assim ainda perseguidos pelos
Caiapós foram buscar a proteção do pioneiro Lúcio Pereira Luz porque sabiam que
aqueles o respeitavam e, então, os Tapirapés foram morar ás margens de um lago
que ainda hoje tem o nome de Lago das Tartarugas, depois mudaram sua aldeia para a barra do rio
Tapirapés com o rio Araguaia e se fixaram e ainda hoje tem seu nome e ali foram tratados e medicados pelos sertanejos e pelas irmanzinhas. Corriam
noticia de alguns remanescentes deste grupo nas altas cabeceiras do rio ali já
conhecido como Tapirapés pelas bandas do rio Sabino e assim que Valentim soube
organizou uma expedição para resgatá-los antes que os Caiapós o fizessem. A
Viagem de resgate dos índios Tapirapés foi por volta de 1950. Foi organizada
utilizando-se duas canoas maiores e as tralhas de pronto socorro, Joaninha era
a enfermeira, o índio Savarú, um Carajá novo, conduziria uma canoa e Valentim a
outra. O rio estava muito cheio, era à época certa. Partiram rio acima, a
mansidão das águas do rio Tapirapés facilitava a subida das canoas, os
mosquitos os acompanhavam e a chuva também, mas tínham que fazer aquele
resgate porque enquanto o rio estivesse cheio os índios agressores não os
atacariam, foram vários dias de viajem, não se conseguia dormir sem mosquiteiro,
após alguns dias de procura os encontram isolados em um torrão alto, era o
único lugar enxuto por aquela redondeza. O contato inicial não fora difícil os
índios estavam cansados e com fome, eram sete ao todo, um velho bem doente,
dois jovens, duas mulheres uma menina, e um menino.
Após os alimentarem e
tratarem de pequenas contusões os embarcaram nas canoas que foram
atreladas uma a outra para dar mais segurança à viagem visto aqueles índios não
terem costumes com lidas em águas profundas.
Iniciaram a descida rio abaixo rumo ao
posto.
O índio velho e doente e uma
das mulheres e uma menina iam com a Joaninha e com Valentim em uma canoa na
outra iam Savarú e os outros quatros índios.
No
primeiro dia de retorno remaram até escurecer, estávam todos cansados e com
sono foi quando Savarú optou para viajarem mais um pouco durante a noite de
lua clara.
--Uarrá (pai), você dorme um pouco e eu
fico no piloto vamos viajar mais umas horas para chegarmos logo, qualquer coisa
eu te chamo.
Duas horas depois todos dormiam
e Savarú vigiava atento o rumo da embarcação que descia ao sabor das águas. Uma
das canoas tinha uma rachadura em sentido horizontal junto ao beiço (borda) da
canoa que até então não tinha entrado água, mas com o peso e tendo um dos
índios se virado dentro da canoa esta pendeu um pouco para um lado e a água
começou a entrar pela fresta e cada vez mais aumentava o volume. Savarú sentiu
seus pés molharem e deu o alarme, mas já era tarde.
--Uarrá a canoa esta alagando.
A
canoa esquerda alagava levando a outra que estava atrelado junto. Havia
desespero no ar e gritos:
--Savarú cadê Joaninha? Procure-a.
O Carajá tinha mergulhado e
voltava trazendo algo envolto em seus braços
era a minha mulher que afundara enrolada no mosquiteiro em que dormia.
--Aqui Valentim, Joaninha taqui - Gritou rasgando o mosquiteiro e
soltando a mulher.
--Vou pegar o índio
doente, leve Joaninha para o barranco e volte para procurarmos o outro.
Mas estes já haviam saído e
ajudaram a puxar Joaninha para cima do barranco, depois, pularam na água para
puxarem as canoas e pegarem o índio velho que aboiava.
O rio era estreito e tiveram a
sorte de encontrarem um barranco enxuto, os outros índios, quando a embarcação
alagou saíram agarrados na canoa que flutuava e estavam bem, o índio velho não
resistiu e morreu.
Passaram uma noite triste e difícil em meio a tanta praga e uma chuva
fina que começava a cair, Joaninha abraçou a pequena menina índia e
choraram.
Os outros se calaram. Quando
os primeiros clarões do dia surgiram á chuva passou e logo o sol voltou a
esquentar, arrumaram as embarcações e tamparam a rachadura, havíam perdido tudo só sobrando um remo, tiraram uma vara que serviria a guisa de remo
e retomaram a viajem levando o velho índio morto. Chegaram á aldeia ao
escurecer do segundo dia.
Houve choro e alegria entre os
índios Tapirapés que compreenderam a aventura, afinal eles amavam aquela
família de negros.
Tempos depois uma das filhas de Valentim, uma negrinha bonita, se perde
com um índio Carajá e engravida e para que a família não descobrisse e bastante
envergonhada e com medo colocou veneno na comida. Valentim e todos de sua
família quase morreram não fosse à intervenção da Dona Inês que avisada pelos
Carajás os socorreu dando-lhes muito leite para beber. A filha culpada foge e
tempo depois morre muito longe deixando uma netinha para o velho negro que lhe
deu o nome Voile, um bonito nome
para uma história tão triste, e isto era apenas um pedaço da vida do velho
negro.
Como ajuda, certamente de
Deus, haviam se instalado junto aldeia Tapirapés um pequeno grupo de
religiosos, era por volta de 1954, um padre francês, novo, vibrante e inquieto
como um gurizinho, de nome Padre François Jaques Jentel que ficou conhecido
como “Padre Chico” e três freiras irmãzinhas de Jesus, foi uma benção para os
já moradores, de quando em vez aparecia outro padre de nome Focault e uma
francesinha estas tipo agente pastoral de nome Denise, briosa e muito bonita.
Era uma tentação viva, mas...
Muitos anos depois, naquela madrugada fria do mês de julho, o negro
Valentim com sua barba rala e cabelos pixains mais brancos do que algodão,
carregado pelos anos, seu rosto revelava uma eterna expressão de tristeza,
podia se notar um leve sorriso dançando em seus lábios enquanto olhava as
jovens Índias que as vira nascer e crescer, um leve tremor denunciava seus
pressentimentos para o que o destino ainda lhe reservava, mas a madrugada
chegava num amanhecer calmo enquanto as primeiras cores mágicas dos raios do
sol se mesclavam às nuvens e o ambiente se enfeitava por lindas cantigas, ali,
na aldeia dos índios Tapirapés, furtivamente entre os pés de mangas e laranjais
que deixavam escapar um pedaço do azul do manto onde milhões de diamantes
tremulavam dando adeus à noite que ia passando, aquele grupo de jovens
adolescentes, índias Tapirapés, entre elas uma jovem índia Carajá, cantavam
sentadas no chão limpo do terreiro junto a uma fogueira que esquentava a brisa
gelada.
Era uma melodia suave e
maviosa.
Não se incomodaram com a minha
chegada, ali também estavam sentados ao lado da fogueira o negro Valentim, o
Padre Chico, Denise e nosso amigo João Pinheiro, o Oleriano, a Natividade e a
Luciana. A lua brilhava numa claridade pálida, mas tonificante, as estrelas
piscavam e de vez em quando uma riscava o céu para cair na terra, foi quando a
jovem índia Carajá chamada Iarranaru se chegando para junto do velho negro
encostou-se a ele e se aconchegando suavemente, tal uma gata selvagem, lhe
perguntou:
--Uarra - (pai) Porque as
estrelas caem?
--É uma história muito longa, e
é preciso contá-la desde o começo e vem de muito tempo antes de seus
antepassados haverem nascidos, e é passada de geração em geração.
--Conte-nos – pediram as índias
como a querer aviventar a narrativa chegante.
--Querem mesmo ouvir?
--Sim – foi o coro geral.
--Muito bem, escutem com
atenção - e numa voz firme e penetrante o velho negro começou a contar:...
*
(Lenda indígena.)
“Primeiramente”
Primeiramente era tudo um
vazio muito grande, Deus a quem chamam de Kananchue, que era e ainda é o
grande mestre dos Pajés, vagava pelo céu azul em sua carruagem de Luz, brilhante
como mil vezes o sol, mas suave e confortante como a luz da lua, e, então Ele,
passando por aqui, gostou deste lugar e resolveu criar este mundo em que nos
vivemos, e num passe de mágica ajuntou milhares de pedaços de pedras que
flutuavam pelo espaço dizendo: “Juntem-se” em forma de uma esfera azul, aonde
haja de tudo e crie-se à primeira parte que se chamará TERRA e terá a sua parte
seca em forma de um disco que ocupará um terço do planeta onde irão habitar
seres viventes em abundância e tenham eles cada um conforme a sua espécie os seus meios de sobrevivência
e multiplicação. Crie-se a segunda parte que se chamará ÁGUA e abrangera dois
terços das profundezas da terra, e serão chamados de mares e rios Criem-se
também todos os seres viventes deste mundo que serão gerados em teu seio e daí
habitarão a terra e os ares e sobreviverão conforme a sua espécie e se
multiplicarão, emprestarei a minha imagem a um ser vivente que dela nascera e
recebera alma e espírito e dominara sobre todas as outras criaturas, e se
chamara homem e a sua companheira de espécie será chamada de mulher, Crie-se à
terceira parte que se chamarão de ARES e dominarão sobre a terra e as águas e
terão seus seres viventes que nas alturas testemunharão e glorificarão o meu
trabalho e viverão da primeira e segunda parte conforme as suas espécies, mas a
todos os seres viventes das águas, terra e ares ordenei que vivessem em
harmonia e se aperfeiçoem continuamente evoluindo as espécies em acordo com o
desenvolvimento de suas naturezas e das águas e dos ares passarão a viver na
terra, Crie-se a Quarta parte que será a LUZ e o CALOR para todos os seres e
criaturas vivente e se chamarão de Sol, Lua e Fogo, e esta ultima também
habitará as entranhas da terra Crie-se à quinta parte que habitarão as águas e
a terra e chamar-se-ão PLANTAS, Que irão servir de alimento e remédio para
todos os seres viventes e darão frutos e sementes para a perpetuação de suas
espécies, e finalmente ordeno que se Crie a Sexta e ultima parte que se
chamarão de NUVENS e RELÂMPAGOS que habitarão os ares e se transformarão em
chuva trazendo verdadeiro mana sobre a terra que terão por ela, seu ciclo
reprodutivo e os relâmpagos será a minha advertência para que não se esqueçam Dele , mas...Aqueles que não seguirem
seus ensinamentos e se tornarem maus, pois a todos lhes deu o poder de
decidirem por seu própria vontade e assim sendo compactuei com estes o Live Arbítrio ao qual agreguei uma alma que se tornou cúmplice de seu corpo, mas, aos que o obedecerem, Ele virá muito
em breve, pois em Meu universo não há espaço de tempo, um piscar de olhos é
igual a uma eternidade, e os levará todos numa brilhante carruagem de luz e
receberão o direito da verdadeira vida eterna em paz e conhecerão a
grandeza de MEU universo e ficarão eternamente ocupados ante tanta beleza mas os que não lhe obedecerem ao final serão retornarão ao estagio primário, e começarão tudo de novo, assim ELE falou: “Finalmente descansarei na sétima parte,
mas estarei eternamente vigilante e ordenarei aos meus anjos que protejam a
aqueles que me pedirem ajuda, pois são todos, sem distinção, filhos meus, mas
torno a falar que verdadeiramente minha morada esta no coração de cada homem
bom, ali Eu habito com ele e ele Comigo por todos os dias de sua vida, portanto não busquem consolo nas coisas materiais, EU
sou o seu consolo, ore e peça, EU estou bem perto e te atenderei". *
Mas
com o passar dos tempos os seres viventes começaram a desobedecer aos
ensinamentos e se tornaram violentos e maus e passaram a se destruir, então
Kananchue ficou muito aborrecido e lançou uma grande pedra de fogo sobre a ilha
em que viviam todos os seres e o disco se quebrou em muitos pedaços igual a um
prato que cai e se afastaram um dos outros levando consigo os viventes que
sobreviveram, era o segundo Grande Castigo, ainda hoje essas partes se movem
muito devagar, as águas dos mares ferveram e subiram ao céu e desceram em forma
de um grande dilúvio que inundou a terra e fez desaparecer muitas espécies de
seres grandes e pequenos. Assim tiveram que viver em separados e muitas outras
nações foram criados e cada uma teve seus próprios costumes e línguas
diferentes, mas nem assim deixaram de se agredir. Começaram então as grandes
conquistas, os homens viajavam a pé, de canoa, ou a cavalo para invadirem as
outras aldeias e roubarem suas esposas e seus bens. Existem milhões de
semelhantes viventes criados por Kananchue, os índios, os não
índios e toda espécie de animais e plantas, mas todos nos viemos das grandes
águas salgadas e até hoje estamos em busca de nossas terras perdidas, mas um
dia a encontraremos e a conheceremos porque em seus riachos correm leite e mel
e o maná floresce nos campos junto com as flores, ali há muita paz e amor, não
haverá violência e nem ódio, ai então descansaremos, isto depois de cumprido o
segundo Grande Castigo...
*
Os
pajés das tribos liam nas cinzas o futuro e quando faziam pajelança, ele pagé,
ficava sentado à beira de uma fogueira desde o escurecer até altas horas
fumando um tipo de cigarro feito de uma folha do mato a que chamam de cafezinho
bravo, a aldeia toda permanecia acordada vigiando o curandeiro que de
repente se levantava e corria para mata.
Ouviam-se seus gritos muito dentro da floresta, depois rumo rio abaixo e
assim se repetia seus gritos longes e em lugares muito distantes e diferentes,
horas depois, subitamente ele aparecia na praça da aldeia, estava muito
cansado, caia no chão junto à fogueira e então ele era amparado e mantido
sentado por outro índio que o ajudava. Eu estava lá, foi no começo de 1954, o
velho pajé Sariroa um índio Kamaiurá estava ofegante e relatava as estranhas
viagens que fizera e num destes relatos contou que Kananchue falara com ele
dizendo que estava muito triste com seu povo que continuava a lhe desobedecer e
a praticar maldade e violência e que o exemplo do Primeiro e Segundo Grande
Castigo, mandará para muito breve, antes que um índio nascesse e morresse (uma
vida) muitas luas se passassem o Terceiro Grande Castigo que seria outra
estrela de fogo vinte vezes maior do que a primeira, e a terra será atingida e ira girar mais lentamente, os dias ficarão mais compridos aonde existir a
seca as águas irão invadir e aonde se fizer frio o calor irá queimar e nos
lugares quentes todos irão se congelar e a terra regrediria mais de um milhão
de anos, poucos restarão, serão chamados os “Anos da Preparação para o dia do
Juízo Final, só ai então os mansos e humildes de coração herdarão a
terra.”.
--Puxa
vai ser terrível. - interrompeu a índia - Mas... Se isto acontecer ainda vai demorar a chegar, agora
continue a nossa história, você se
esqueceu de contar sobre as estrelas e os ventos? -
você não viu uma estrela caindo?
--Vi sim, mas não estava
caindo, as estrelas e os ventos foram criados muito tempo depois, escute bem,
eu vou continuar a história contando também a respeito de como o mal e o bem
vieram a este mundo, uma história muito bonita, mas sem fim, pelo menos por
agora, mas não se esqueçam de manterem seus corações limpos e puros, pois
certamente vocês jovens ainda estarão aqui e testemunharão o dia da preparação,
mas... Vamos em frente...
*
(Lenda indígena...)
“As estrelas, a águia e o vento”.
“Há
muitos anos” em uma grande aldeia dos Carajás quando ainda moravam junto às
grandes águas salgadas, existia uma jovem índia muito bonita que se chamava
Tarranarú, era filha de um poderoso pajé, o grande Maluté, que a dedicara ao
seu novo pai, o Sol e a sua mãe, a Lua. Na outra grande aldeia vivia um índio
de nome Rorrori, e era filho do Cacique Maluá, e se apaixonou perdidamente por
ela. Seu pai pelo poder que tinha, exigiu que a índia se casasse com seu filho,
mas Tarranarú gostava de outro índio chamado Teluira e como Cacique marcara a
data do casamento a moça apavorada pediu ao seu pai, o pajé, que a escondesse,
e ele usando de mágica a transformou em uma pequena luz e a colocou lá no céu
escuro da noite, junto da mãe lua assim ele saberia sempre onde ela estaria, e
assim foi feito, a índia passou a ser uma estrela solitária lá no azul do céu,
de dia seu pai Sol a escondia e de noite sua mãe lua a guardava. O jovem
Teluira sentindo a falta de sua amada ficou desesperado, tanto implorou junto
ao Pajé de sua tribo, que este o transformou em uma grande águia e logo ele
voou para a montanha mais alta da terra e de lá ficou a olhar para o céu
vigiando a sua amada.
O índio Rorrori veio até a aldeia buscá-la para o
casamento e não a encontrando voltou trespassado de dor e raiva para a sua
tribo e ali chegando consultou o seu pajé e este lhe mostrou a luz lá no céu
que era onde a índia estava escondida, e ele pediu desesperadamente:
--Eu preciso ir busca-la.
Atendendo ao pedido do
jovem, o grande feiticeiro levantando as mãos para o céu e depois abaixando
sobre o corpo do índio começou o rodopiar rapidamente até que este num embalo
vertiginoso se transformou em um redemoinho e assim transformado em vento o
jovem impetuoso saiu em desabalada carreira dando imprudentes cambalhotas no
ar, e, ao olhar para baixo viu os reflexos da estrela nos rios e lagos e então
voando sobre estes tentava agarrá-la, mas era apenas ilusões, o pajé, pai da
moça, vendo o que acontecia entoou-o um canto de louvor e movimentado os braços
de baixo para cima fez com que todos os reflexos da estrela refletidos nos rios
e lagos subissem ao céu e se misturasse a índia estrela, então o céu ficou
cheio de milhões de diamantes a piscar confundindo-se com a verdadeira joia.
“Até hoje ele ainda está á
procura de sua amada, por isso quando você vê uma estrela caindo é ele que
apanhou, mas ainda não é ela, e o impetuoso índio zangado anda por sobre a
terra arrancando arvores, derrubando casas e destruindo plantações, mas, se um
dia ele a encontrar a trouxer de volta para a terra terá que enfrentar a grande
ave, o mundo vai tremer ante esta batalha entre o bem e o mal, se o mal vencer
então se acabarão todas as estrelas do céu, e não haverá mais ventos e nem
vida, só os dois viverão eternamente isolados e juntos aqui na terra vazia, mas
se a águia vencer, o amor continuará a florir e os campos se enfeitarão de
flores, as estrelas tornarão brilhar e o sol voltará a sorrir“.
--Bonita
história, muito bonita mesmo, um dia vamos saber do resultado, mas tomara que a
águia venha a vencer e os dois serão felizes eternamente.
--E todos nós seremos felizes –
concluiu matreiramente o velho e saudoso negro Valentim
--Conte-nos
outras histórias Valentim – pediu a jovem
--São muitas, posso contá-las
todas, mas teremos que nos reunir aqui todas manhãs seguintes.
--Tudo bem comece então hoje,
amanhã, depois, depois...
--Vamos lá.
Começaremos por uma história do velho índio Juruna que aconteceu no Estado do
Para e acabou virando uma lenda, mas amanhã continuaremos.
--Nada disto nos conte tudo hoje
a estrela da manhã agora que vem nascendo o dia vai custar a clarear.
--Sim, insistiram todas as
jovens índias, continue nos conte esta história.
--Está bem, vamos lá...
*
(Lenda
indígena...)
“O velho índio Juruna”.
Contou-me um índio Juruna
que um dia três garimpeiros invadiram a sua pequena aldeia e raptaram uma
mulher e um índio velho, ela serviria para seus propósitos e ele para pequenos
serviços. Da aldeia ao acampamento dos garimpeiros distavam cinco dias de
viagens pela mata, à noite eles amarravam o índio velho a uma arvore e todos se
aproveitavam da jovem, foi assim no primeiro, segundo e terceiro dia, mas o
índio velho que parecia acomodado e não ligava mais para o que estava
acontecendo foi deixado solto na Quarta noite que seria o último dia, pois no
outro chegariam ao garimpo, nesta noite cautelosamente quando todos dormiam o
índio velho se muniu de um pedaço de pau e sorrateiramente se aproximou da rede
onde um dos homens do mal dormia abraçado à índia, esta viu o velho se
aproximar e lentamente se afastou da cabeça do adormecido que recebeu uma
pancada mortal e nem se mexeu e antes que o segundo acordasse também já morria
da mesma forma, mas o terceiro homem acordou e se apavorou vendo seus amigos
ensanguentados e caiu de joelho e o velho índio não teve piedade acertou uma
paulada certeira e a seguir cortou um pedaço da orelha direita de cada um,
enrolou a rede e levou a jovem de volta a sua aldeia. Até hoje os garimpeiros
comentam a valentia do velho índio e nunca mais voltaram lá.
O negro Valentim por muitos
outros dias continuou a contar suas histórias.
*
“In-memoriam”.
O
negro Valentim e sua esposa Joaninha foram aposentados pelo então SPI hoje
FUNAI, eu os vi na cidade de Goiânia em uma pequena tapera, ela muito doente e
muito pobre e paralitica estava deitada em um leito tosco a guisa de cama com
rotos cobertores curtia os últimos dias de sua vida estava muito magra e
abatida quase não falava mais e ele, ali ao seu lado a olhava e simplesmente
chorava, chorava como uma criança, eu também chorei. Era a paga dos homens a
dois heróis que dedicaram suas vidas aos índios.
Mas...Que Kananchue (Deus) os tenha.
*
“Memórias de um mariscador”...( do Livro “Terras
Bravias”).
Idos
de 1955 a1958
Partindo para caçada de jacaré e onça no interior da Ilha do Bananal.
Era o mês de maio, naquela manhã de sol em que o leve vento de verão
açoitava o meu rosto eu estava atravessando o rio Araguaia em uma pequena
canoa, saíra de Mato Verde, na divisa de Mato Grosso, buscando uma pequena
enseada no porto no outro lado do rio na ilha do Bananal, onde havia deixado um
animal, melhor dizendo uma burra que ali ficara a minha espera para seguir
viagem onde meu companheiro Mariano Paciente e Rafael me esperavam ás margens
do Lago do Mamão, no interior da ilha, eu deveria levar suprimentos para nossa
estadia de caçadas, e isto eu ia levando.
Durante a travessia fiquei a pensar como aquilo tudo começara...
Aquela casinha junto ao
porto da cidade de Mato Verde morava a então minha sogra, hoje falecida,
Joaninha Paciente da Silva. O café que tomávamos com bolo “mane pelado“ vinha a
calhar enquanto eu conversava com seu filho e meu cunhado Mariano Paciente as
ideias iam surgindo...
--Nos
devíamos ir caçar jacaré, em vez de só
pensar em matar onça - sugeriu Mariano.
--É
uma boa ideia –concordei – mas de entremeio matamos algumas também.
--É...
Isto vai acontecer, mas precisamos decidir aonde e quando e ainda prepararmos a
viagem.
--Vamos
para a Ilha do Bananal – interrompi – estive sabendo pelo Manoel Basílio,
aquele que é vaqueiro do Manoel Firmino, que no lago do Mamão está cheio de
jacare-assú, só dos grandes.
--Já
falei com ele para nos levar até lá e deixar uma junta de bois conosco ou pelo
menos levar a canoa e a nossa tralha - interveio meu companheiro.
--Nossa
tralha e mais o sal.
--Precisamos
levar três arpões, dez cargas de pilhas, duas lanternas de dois elementos,
foquitos (lâmpadas das lanternas) três sacos de sal de 30 quilos, 15 quilos de
farinha de puba, dois quilos de açúcar, um quilo de café, as redes de dormir,
mosquiteiros, corda de arpão, facas e pedra de amolar e um lima, uns
comprimidos de quinino e melhoral.
--Não
podemos esquecer-nos de levar umas cinco latas vazias de vinte litros para
guardarmos o óleo da gordura do jacaré, do toicinho de porco salgado, e duas
lamparinas, dois litros de querosene e umas rapaduras.
--É
uma boa mistura, querosene, sal, farinha e rapadura e tudo isto deve ir dentro
da canoa que vai de arrasto no pescoço dos bois até na beira do rio Jaburu e
nos vamos a pé, eu, você Dankmar e o Rafael “garrafa seca”.
Naquele mesmo dia fizemos
todas as compras e embalamos tudo em sacos, e como cobertura, em uma capa feita
de leite de “mangaba”.·.
Conversamos com o Manoel Basílio que se comprometera de no outro dia cedo estar
com a junta de bois no porto do lado da ilha bem em frente a Mato Verde
esperando-nos.
Quando o dia marcado
chegou, madrugamos com a canoa carregada e um companheiro nos ajudou a
atravessar o rio, mal clareara o dia já estávamos no curral bebendo leite do
gado do Lucio.
Manoel Firmino que era o
dono da fazenda Jaburu nos emprestara pelo seu empregado Manoel Basílio uma
junta de bois novos e mansos e em seguida amarramos a canoa na canga dos dois
bois, colocamos tudo dentro e lá se fomos os quatro, Mariano, Dankmar, Rafael e
o. Manoel Basílio que ia montado, pois teria que voltar rumo ao meio da grande
ilha para campear gados alongados.
Saímos da mata da beira rio
e entramos em campo aberto e como o capim era alto tivemos que seguir as trilhas
do gado e das antas, o sol começava a esquentar quando avistamos ao longe a
mata do lago dos Cavalos, seria a primeira etapa de descanso. A canoa arrastada
deixava uma trilha inconfundível, pois estava pesada, mas como era destas feita
de um só tronco do cerne de Landi, o fundo era grosso e não sofria nada
arrastada sob o capim. Procuramos a sombra de um enorme Jatobá, bem na orla do
capão e aliviamos a canga soltando os bois atrelados para pastarem não sem
antes lhe oferecermos água na lagoa.
Eu havia me casado já fazia dois
anos e já tinha um filho de nome Aleixo, como o nome de meu sogro, o pai de
Mariano, minha esposa Maria ficara em Mato Verde, e eu vindo de São Paulo para
Mato Grosso com a Bandeira Piratininga em junho de 1948, ainda tinha no sangue
o espírito de ‘Bandeirante e aventureiro, assimilava tudo muito rapidamente,
parecia que havia nascido naquele sertão bravio, mas a curiosidade sempre foi
minha companheira, à vontade de aprender, interpretar e registrar, me impulsionavam
violentamente navegando no espaço e gravando na memória tudo ao meu
derredor.
Neste almoço só comi um pedaço
de rapadura com farinha e carne seca que já a trouxemos assada era a nossa matula.
Seguimos viagem até o pôr do
sol e a nossa segunda parada foi á margem do Riozinho, na fazenda do Oleriano,
um sertanejo bom, da família do Mundico Sabino. Já havíamos atravessado os
ribeirões 23 e 24. No outro dia chegaríamos cedo ao nosso destino o Lago do
Mamão.
Foi uma das noites bem
dormida e com uma comida caseira quente, fomos muito bem recebidos pelo morador
e sua família.
No dia seguinte antes de
clarear já estávamos arrumando para partir margeando rio acima até o lago,
fomos encontrando as mais diversas situações possíveis começando pelas centenas
de patos selvagens banhando nas águas limpas do pequeno rio que margeávamos,
peixes riscavam a superfície como a festejar a liberdade, encontramos dezenas
de capivaras que ao nos verem adentravam no rio bem devagar para não suscitarem
a sanha devoradora das piranhas, veados campeiros corriam um pedaço depois
paravam admirados a nos olhar, logo desviamos um pouco da rota e entravamos nas
imediações do lago e o vaqueiro Manoel nos levou uma clareira bem a beira de
onde podia se vir à imensidão das selvagens águas infestadas de jacarés. Contei
quinze enormes cabeças, até a altura dos olhos, fora da água a nos espreitar.
Já era meio dia. Começamos a nos instalar, peamos os bois atrelados, armamos as
redes com os mosquiteiros, empurramos a canoa para dentro do lago e fomos
preparar as arpoeiras.
--Mariano
– perguntei – eu vou tirar as varas para as arpoeiras enquanto você junta uma
lenha e faz um café. Certo?
--Tudo
bem, mas cuidado não se afaste muito – recomendou.
Não foi fácil arranjar umas
varas com um mínimo de três metros de comprimento, bem firmes e retas e de bom
peso para arremesso. Depois de descascadas escolhi duas delas e as levei ao
fogo para “assar” (um método que torna a madeira mais rígida e inquebrantável).
Escolhi dois arpões cujos cônicos que serviam de base para a vara eram mais
profundo, modelei com uma faca amolada a ponta de cada vara em forma também
cônica até se encaixassem perfeitamente, cortei cinquenta metros de corda quase
da grossura de um lápis e com um nó “pé de porco” enrolei a ponta do cordel e
demos dois nós para não abrir, lacei a base externa do cônico do arpão e
encaixei a vara e puxando a corda dei outros dois nós na ponta extrema e mais
fina da arpoeira esticando a corda o que prendeu duramente o arpão na mesma,
enrolei a corda e na outra extremidade amarrei uma boia feita de madeira de
buriti, estava pronta. Fiz o mesmo com a outra arpoeira e fui preparar as
lanternas.
Uma ferramenta indispensável
na caçada ao jacaré é o machado, e este nós tínhamos, era um machado para abrir
buracos nos moirões de cerca e por esta razão não tem o “gavião” grande, é
quase reto e assim sendo não engancha no couro do pescoço quando desferimos um
golpe mortal para desencaixar separando a espinha dorsal da cabeça. Cortei um
pedaço do cabo para ficar mais maleável.
Começava a escurecer e os
jacarés a ficarem mais atrevidos, pois estavam se aproximando de nosso
acampamento, quando um deles chegou mais perto ao alcance de um lance de
arpoada tive vontade de fisgá-lo, mas sabia que as consequências seriam graves,
pois lutar com jacaré em terra seria bem mais perigoso, na água a vantagem era
dos dois, resolvi aguardar a noite chegar, mas não sem antes sussurrar:
--
Aguarde-me, breve teremos um encontro.
E tivemos mesmo.
--Vamos
á luta Mariano, já esta tudo pronto ai dentro da canoa, e não vamos precisar ir
longe, temos alguns deles bem grandes a menos de trinta metros.
--Quem
vai arpoar primeiro? – perguntou.
--Eu
vou, mato dois e você outros dois.
--Combinado.
Quatro jacarés grandes para
uma noite era muito trabalho.
Entrei na canoa que
balançava mais porque minhas pernas tremiam muito, não tinha jeito por mais que
estivesse acostumado a aquela luta o nervosismo sempre estava presente no
começo da caçada, depois que o sangue esquentava a coragem aparecia. Peguei a
arpoeira, testei o balanço da mesma e vi que estava bem rígida, conferi a
situação da corda de arpão, lanterna pendurada no pescoço, o rifle 22 em cima
do banco com a bala na agulha, o machado no fundo da canoa junto com um facão,
não faltava mais nada. Mariano já havia se ajeitado na popa da “ubá” e eu
empurrei lentamente a canoa para o meio do lago e de lanterna acesa na altura
dos olhos buscava focalizar os jacarés, fiz um mapeamento de todos que se
somaram onze todos adultos e bem perto de nós estavam três nos olhando de
frente o que me dificultava arpoá-lo e usando o sistema de indicação de rumo
virei à ponta da vara para a esquerda e há abaixei um pouco o que valia dizer
para virar a canoa e ir mais ligeiro, senti o piloteiro afundar o remo e a
canoa avançou tentando contornar o animal, mas ele velhacamente acompanhava a
lanterna e nunca deixava o flanco à disposição, pois só poderia acertá-lo no
pescoço lateralmente, mas não adiantava. Dei sinal para frear a canoa e fiquei
a focá-lo diretamente nos olhos sabia que só haveria um meio que era
espantá-lo, pois, ao tentar afundar rapidamente teria que virar para um lado e
eu não poderia perder a oportunidade e assim o fiz, tomei um fôlego e bati com
o pé na canoa, o animal se assustou e pinoteando virou-se para fugir e eu o acertei
bem no lugar ideal que é atrás da cabeça no couro mole do pescoço. Foi um
sopapo enorme que jogou água em nós, e a fera afundou e foi puxando a corda que
eu lentamente soltava até que parou e a canoa continuou a avançar e eu
recolhendo a corda até encontrar a vara da arpoeira e desfiz o nó da ponta
livrando a vara a coloquei dentro da canoa e com a lanterna acesa na boca
peguei o rifle calibre 22 a manobrei colocando uma bala na agulha e comecei a
puxar o jacaré que estava se segurando no fundo do lago, misturado à lama, fiz
muita força, mas não conseguia desprendê-lo a ponto da canoa se abaixar tanto
que quase entra água pela borda, eu tinha certeza que ele não aguentaria tanto
tempo no fundo sem respirar e resolvi esperar um pouco. Minutos depois tornei a
puxar a corda e o jacaré começou a subir para a tona era a hora do perigo fui
puxando devagar e a corda vinha raspando a canoa e logo a cabeça do jacaré
apareceu e eu continuava focando seu olho com a lanterna segura ainda na boca e
com uma mão controlava a corda e com a outra peguei a 22 e esperei a cabeça
aparecer toda bem raspando a canoa foi quando quase me apavorei, pois a cabeça
estava mais alta que a borda da canoa não esperei mais e desfechei um tiro
certeiro à queima roupa bem na nuca, o animal se entregou e ai colocando a
espingarda dentro da canoa peguei a machadinha e com um golpe certeiro
desencaixei a espinha dorsal junto à cabeça, agora eu sabia que estava morto,
mas eu esta bem nervoso, mas fui me acalmando e a seguir com a faca furei o
couro na altura da nuca e passando um grosso arame de ferro e o arrastamos até
a margem e o amarrei em um galho grosso de uma arvore, no outro dia cedo
viríamos buscá-lo para tirar o couro, saímos atrás de outro jacaré. A fase mais
difícil é quando o jacaré vem à tona e quando os dois se juntam canoa com
animal não se pode esperar muito tempo é preciso agir rápido e acertar o tiro
na nuca, é uma única chance, caso em contrario se debate e vira a canoa e ai as
piranhas estão esperando as centenas. O tempo todos estes pequenos e vorazes
peixes acompanham a canoa mordendo no fundo e no remo, onde eles encostam a
boca (beiço) o dente a ataca morde por contato seja o que for aquele barulhinho
das mordidas não deixam a gente esquecer que elas estão bem ali juntinhas.
Nesta noite matamos dois
grandes jacarés. Era muito atrevimento lutarmos contra tamanhas feras não sei
onde achávamos tanta coragem, pois se caíssemos na água seriamos devorados
pelas piranhas ou atacados por outros jacarés que normalmente eram uma vez e
meio maior do que a canoa em tamanho, e éramos apenas dois contra dezenas
deles. Agora teríamos também que nos cuidarmos da presença das onças, elas
certamente viriam para banquetear os jacarés, por tal motivo sempre arrastávamos
as carniças para longe do acampamento e amarrávamos os bois bem junto da
fogueira.
Rafael havia feito um café bem
cheiroso e nos serviu, fomos dormir cansados e molhados.
No outro dia cedo fomos à
busca dos dois jacarés e os trouxemos para o porto do acampamento, mas não
conseguíamos arrastá-los para a terra e tivemos que usar a junta de bois para
puxá-los para fora da água, tinha aproximadamente uns cinco metros de
comprimento e deviam pesar uns duzentos quilos.
--Dankmar?
Você conhece a historia desta Ilha, dizem que é a maior do mundo? – me
perguntou Rafael
--Rafael,
esta ilha esta localizada bem no centro do grande vale do rio Araguaia, a ilha
do Bananal é considerada a maior ilha fluvial do mundo perfazendo uma área 1.957.312
hectares, divididos entre o Parque Nacional do Araguaia com 562.312 hectares e
o parque indígena com 1.395,000 hectares.
--E
a quem ela pertence? E porque a chamam de Ilha do Bananal?
Juridicamente a Ilha esta
afeta ao Estado de Goiás e parte ao Estado de Tocantins, sendo que sua extensão
territorial atinge os municípios de Cristalândia, Formoso do Araguaia e Pium,
sua administração interna esta a afeta a FUNAI, pertence a Micro Região 332
estando encravado na bacia do grande Vale do Rio Araguaia na região leste
Mato-grossense. Limita-se ao leste com o Estado de Goiás e Tocantins e ao oeste
com o Estado de Mato Grosso.
O nome de Ilha do bananal se
origina de um grande bananal nativo que fica situado entre o ribeirão Imoty e o
rio Jaburu, cuja área atinge a cinco alqueires goianos de plantação, hoje já
bem reduzidos em decorrência da extratividade desordenada do produto.
Atribui-se primeiramente aos negros fugitivos dos kilombos a plantação do
bananal, é de se notar que até bem pouco tempo estes remanescentes dos
africanos se faziam presentes nesta região sendo motivo de incansáveis buscas
por parte da Fundação Nacional dos Índios – FUNAI, eram conhecidos como os
“canoeiros”, pelas suas habilidades no manejo de canoas “ubás”, eram negros,
pequenos, de barbicha rala e cabelo enrolado. Usava pontas de facas e de ossos
afiados em suas flechas, tendo certa feita ferido nas costa um mariscador
(pescador) de nome Avelino quando subia o rio pelo braço pequeno o Javaé no piloto
de um barco a motor. Ainda se comenta que existem alguns destes negros
dispersos na ilha ou já integrados a outros ribeirinhos junto ao rio Formoso.
--Tomara
que já não existam mais estes “canoeiros” terminou Rafael
--Amanhã
conversamos mais sobre esta Ilha, vamos ao trabalho ainda temos que salgar
estes couros. – encerrei.
Quase todas as noites já
eram altas horas quando escutávamos os dois cachorros se alertarem e os
fazíamos calar, não era boa coisa ir atrás de onça naquela hora da noite,
deixaríamos isto para o dia.
Quando comecei a tirar o
couro encontrei uma dezena de piranhas mortas dentro do corpo do jacaré elas
haviam entrado pelo corte no pescoço comendo a carne e depois não puderam
voltar. Salgamos as duas pele e derretemos a gordura que fica entremeada no
rabo escondida dentro da carne e renderam quase quarenta litros de óleo que
guardamos em lata.
Rafael tinha umas centenas de
berrugas nas duas pernas, do joelho até o pé, o que lhe dava muito trabalho,
pois constantemente sangravam, as berrugas secam a pele e, as vendo assim,
resolvi dar um palpite para o nosso ajudante:
--Rafael
passe gordura de jacaré nas berrugas se ele é usado para amaciar couro vai te
ajudar.
--Vou
experimentar– e dizendo isto rebocou as pernas com óleo do jacaré.
Quinze dias depois não tinha
mais nenhuma berruga o que nos alegrou. Estava completamente curado.
Durante estes quinze dias
matamos mais trinta e dois jacarés, mas nosso abastecimento estava no fim e
decidimos que eu iria a Mato Verde buscar suprimentos, açúcar, café, farinha e
toicinho.
Passaria pela fazenda do
Oleriano e pegaria uma mula do Mariano que estava lá com sela e tudo e assim o
fiz, neste dia fui dormir na casa do fazendeiro, no outro dia cedo parti para
Mato Verde, cheguei ainda cedo da tarde nas margens do rio Araguaia, deixei a
mula com o vaqueiro do Coronel Lucio, meu amigo João Vaqueiro, que iria zelar
dela enquanto eu não voltasse, peguei uma canoa dele e atravessei o rio, fui
até a minha casa ver a minha família.
Minha esposa não estava em
casa, havia saído para visitar uns amigos, mas me acomodei e como já tinha
banhado no rio, eu só mudei a roupa e me deitei numa rede de labirinto destas
que se pode dormir de atravessado, acordei pela chamado da patroa.
--Olha
quem esta aqui? Perguntou ao menino que trazia no colo, Aleixinho já tinha um
ano de vida.
--Oi...
Vocês estão bem?
--Graças
a Deus estamos bem, mas foi bom você chegar para ajeitar as coisas.
--Devo
voltar para a Ilha em dois dias, mas até lá temos muito tempo para conversar.
Os dois maravilhosos dias se
passarão e agora eu teria que iniciar a minha volta, comprara os suprimentos e
os embalara em dois embornais para carregar na burra comecei a atravessar o rio
naquela manhã de sol e vento de verão, não sem antes deixar minha casa suprida
de mantimentos e a patroa com alguns troquinhos na bolsa.
Á volta ao Lago do Mamão...
Atravessei o rio e aportei à
canoa no lugar de costume e a amarrei em uma raiz, subi o barranco e fui até a
pequena casa do João Vaqueiro.
--O
de casa? Chamei.
--O
de fora... Vamos entrando.
--Cadê
a burra? João.
--Esta
peada, mas cuidado com ela é muito velhaca para ficar no pasto tive que peia-la
os três pés, toma café enquanto vou buscá-la.
--Obrigado.
Quando o vaqueiro chegou com
o animal fui logo arriando e joguei os sacos com o suprimento na garupa,
amarrei na cela, me despedi e montei, vi que era um animal perigoso, mas deduzi
que logo o cansaço da caminhada abateria o seu animo, pois deveria ir direto ao
lago do Mamão sem passar pela fazenda do Oleriano, mas a tarde chegou e eu
ainda estava cerca de meio dia longe, o desvio não encurtara caminho e sim o
tornara mais difícil andar entre o alto capinzal, teria que dormir na orla de
um capão de mata que avistava ao longe.
Já escurecia quando cheguei à beira da mata,
escolhi um lugar para atar a minha rede e desarreei a burra, pendurei o arreio
e os sacos com os suprimentos, peie o animal de três pés e em cruz, e a deixei
sair para pastar, mas o capim estava muito alto e logo ela sumia de vista, fui
umas quatro vezes atrás dela e já a encontrei longe e com dificuldade, pois
tinha que usar a lanterna para encontrá-la, resolvi deixá-la dormir amarrada
pelo cabresto.
Não dormi direito sempre
prevenido escutando se a burra espirra-se seria sinal de algum perigo, deixe o
meu revolver calibre 38 bem a mão e cochilava de vez em quando, logo o dia
amanhecera e resolvi seguir viagem. Joguei o arreio no lombo da burra, amarrei
os sacos de suprimentos na garupa e ia montar seguro no cabresto e na rédea
quando me lembrei das peias que estavam no chão, estendi a mão para apanhá-las,
mas não alcançava, puxava o animal, mas ele endurecia e não vinha para frente,
por uma fração de segundo coloquei o cabresto no chão lentamente e apanhei as
peias, neste instante de milésimos de segundos a burra pulou para trás e
disparou capim adentro correndo com o arreio e a carga de suprimentos e logo
sumiu de vista, disparei atrás dela e zangado eu ia atirar nela, mas não a vi
mais só fui achando pelo caminho os suprimentos caídos, mas ela se foi com
arreio e tudo mais. Tive vontade de chorar e gritar, mas o jeito foi jogar os
pesados sacos à costa e seguir viagem. Enfrentei o sol quente, o capim alto, os
mosquitos e os mutucas, mas eu tinha que ir em frente. Cheguei ao começo da
tarde, cansado e estropiado com os pés em brasa.
Quando me enxergou Rafael se
espantou e gritou para Mariano que cochilava na rede:
--Mariano o Dankmar chegou.
--Cheguei
mesmo? Brinquei ironicamente.
--Uai...
O que foi que aconteceu? Você veio a pé?
--Não
a maldita burra me pregou uma peça – contei toda história para ele.
--Está
tudo bem só vamos ter prejuízo do arreio, a burra esta acostumada na fazenda do
Oleriano que é aqui perto e ela ficarão lá depois nos os pegaremos, como está
todo mundo lá em casa? Perguntou.
Batemos um papo prolongado
sempre respondendo as perguntas do Rafael isto até à hora da caçada.
--Dankmar, você conhece bem esta ilha que
tipo de clima é este? E que tipo de terrenos estamos pisando em cima? É todo
alagadiço?
--Não
Rafael - respondi - A ilha esta classificada a dois tipos de clima, o tropical
Monçoico e o tropical de Savanas com predominância do último e sua temperatura
atinge a 38ºC no Maximo e a 18ºC no mínimo.
O tipo de vegetação
predominante é o campo limpo e o campo com murundu, sendo o primeiro formado
por graminoides e o segundo com comunidades hidrófilas expressadas por um
mosaico de campos e várzeas inundadas e salpicadas de montículos (cupins e
manchões) onde se desenvolvem arbustos e arvores tais como Murici, Lixeira,
Oiti e outras, nesta unidade foram englobados indiscriminadamente vegetação
campestre arbóreas de várzeas alagadas, periodicamente ou não representa cerca
de 40% da Região. As matas alagadiças ou florestas pluviais Perenifólias
Hidrófilas correspondem a 20% da Ilha. Seguidamente a primeira predomina o
Cerrado “Sensu strictu” ou Cerrado denso definido com extrato dominante arbóreo
de 4-8m, com cobertura de copa em torno de 40%, extrato arbustivo de 1-2m, e
extrato herbáceo composto principalmente de gramíneas. O Cerrado é um tipo ralo
e degradado de menor densidade e altura correspondem a 31% da região.
Finalmente as Matas Altas e o babaçual (Orbignya-ssp) ás margens do ribeirão
Jaburu (Mata de côco) representam 9% da região se misturam na identificação das
Florestas Estacionais Semidecidua Mista, neste caso, o extrato dominante é
composto por arvores cujas copas esgalhadas são nitidamente mais espaçadas,
dominando o extrato arbustivo - arbóreo denso e baixo recoberto parcialmente de
cipós e tiririca.
Em grande parte da Ilha se
encontram areias vermelhas, amarelas quartzares e areias marinhas, as manchas
de solo hidromifricos se fundem ao sistema argiloso sedimentar. As areias
marinhas conhecidas como areia manteiga predomina em meio aos barros pretos
argilosos e aos tremedais que procuram acomodação secular.
A Ilha é composta por dois
braços do rio Araguaia, o menor tem o nome de Javaé e o segundo o próprio
Araguaia, sua extensão atinge a 600 Klms. De comprimento por uma largura média
de 80 Klms. O seu interior é composto por uma bacia em que predomina o Riozinho
ou Jaburu, seus afluentes principais são o ribeirão 23, 24, Imoty, e o ribeirão
Itabelai, Suas dezenas de lagos e lagoas que se destacam com seus esgotos são:
a Lagoa da Mercê, o Lago dos Cavalos, o Lago do Mamão, a Lagoa da Pataca, o
Lago de Canuanã, a Lagoa das Três Bocas, o Lago do Pé de Coco junto ao Lago dos
47. A Ilha se apresenta como uma
planície verde tal uma mesa de sinuca e apenas dois morros se destacavam o do
Imoty e o de Santa Izabel do Morro que foi totalmente derrubado no
aproveitamento de brita para construção do campo de pouso em Santa Izabel
A Ilha do bananal não
apresenta tradições locais ou importadas, nem em costumes sociais, nem em
cultos religiosos, nada é antigo ou sólido. Não se tem noticias de sítios
arqueológicos ou mesmo de trabalhos rupestres – terminei.
--Já chega! Estou com a cabeça
quente é muito difícil entender o que você esta falando – interrompeu Rafael.
--Deixa pra lá Rafael, depois te
explico melhor.
Já estávamos com 20 dias no
lago do Mamão e havíamos matado apenas 35 jacarés grandes o maior mediu 28
palmos de ponta a ponta, com os seis palmos de rabo (não se aproveitava o couro
do rabo todo só a parte mais macia), era muito grande.
Durante o dia fazíamos
explorações para descobrimos novos lagos, encontramos um lago bem grande, longe
do Riozinho em cerca de seis quilômetros, mas nossos compromissos nos obrigavam
a voltar e assim o fizemos.
Cinco dias depois estávamos
em casa na nossa bela cidade de Mato Verde, mas eu já tramava voltar ainda
estávamos em junho e tínhamos quatro meses pela frente para mariscar jacarés.
Vendemos os nossos couros ao
Telesforo Moreira que era o comprador que pagava melhor, dali ele levava para
Belém do Pará e de lá não sei para aonde iam.
Descontei o preço do arreio, pois
Mariano achou a burra limpa igual o dia em que nascera.
Foram dias de descanso e
paz.
Regressando a Ilha do Bananal.
Fim de
julho
Explorando
os Lagos:
Lago das Três Bocas – Riozinho com rio Imoty e rio
Jaburu.
Lago
do Coqueiro Solitário – afastado das três Bocas
Lago dos 47 –Afastado do Riozinho
em três mil metros.
Dankmar, Osvaldo Paulista, Rafael e Manoel Basílio...
Mariano não poderia voltar,
assim, chamei o “Paulista” Osvaldo Guimarães para companheiro e o Rafael, como
sempre para cozinheiro e braçal, só que esta viagem seria bem mais dura e
difícil, pois teríamos que seguir até a margem do Riozinho com um ou dois
animais de carga e lá arranjaríamos uma canoa para nossa caçada, já sabíamos
que o Mundico Sabino nos emprestaria uma canoa, mas era pequena, mas
esperávamos arranjar outra canoa maior com os índios Javaés que estavam
perambulando pelo interior da ilha. Assim aconteceu.
Preparamos a nossa viagem
cautelosamente para não faltar nada, inclusive um bom pedaço de lona plástica,
pois setembro e outubro já eram meses de chuvas, marcamos o dia da saída, seria
no mês de agosto de 1955, a única diferença é que eu iria passar o aniversário
de minha esposa dia 27 de agosto no mato, mas a vida era assim e ela
compreendia bem.
No dia 11 de agosto
atravessamos o rio aonde Mundico Sabino mandará um peão de sua fazenda com duas
mulas de carga para nos levar até as margens do rio Jaburu. Nos fomos a pé.
Neste dia posamos de novo na fazenda do Oleriano á margem do ribeirão 23
naquele dia acordamos cedo, pois teríamos que atravessar o ribeirão 24 e a
macega estava muito alta o que dificultaria o nosso avanço.
Chegamos no dia 12 antes do
anoitecer ás margens do lendário rio, nos arranchamos, no porto uma canoa
estava a nossa espera com dois remos dentro. Quatro cachorros nos acompanhavam,
o menor se chamava “Batom” era o cachorro de vigiar a casa, ele não quis ficar,
tive que levá-lo, o segundo chamava-se “Pretinho”, era um pra nada, o terceiro
se chamava “Javali”, era bom caçador e acuador de onça, o quarto era uma
cachorra mestiça metida mais a policial e se chamava “Veneza”, muito obediente
e valente. Estavam todos cansados e dormiam a solta pelo novo acampamento.
Neste dia apenas descansamos.
No dia seguinte, o peão
voltou com os animais e nos fomos até a “cachoeirinha’ ·onde possivelmente, arranjaríamos
uma canoa maior com os índios Javaés”.
A cachoeirinha ficava apenas
algumas horas no remo e logo escutamos o barulho das águas, quando fomos
aproximando ouvimos também vozes de índios, eram apenas quatro deles,
aproximei-me calmamente e encostei a canoa junto das outras.
--Taterianbo (Bom dia).
--Tateri – foi á resposta curta.
--Mombani caí? – (Como se chama?)
perguntei ao índio mais velho.
--Raul, nome de tori – respondeu
rindo – e vocês vêm de onde? (num belo e
bonito português).
--Nos estamos aqui para mariscar
jacaré.
--Hum... Nos só mariscar peixe e
ariranha.
--Eu queria era alugar uma canoa
sua destas maiores, a nossa, aquela ali, é muito pequena e perigosa.
--Tá bom, empresta
canoa àquela grande - mostrou a ubá – quando ocê volta deixa canoa na casa de
Oleriano.
--Quanto vai
custar?
--Nada meu amigo,
ocê Dequimá?
--Sim, eu sou
Dankmar.
--Todo Javaé conhece ocê e
Carajás também, fala muito bom do amigo.
--Vou precisar de
pelo menos um remo.
--Esta bem, eu
arranjo remo, mas ocê demora mais e um dia vão lá no “Canoanon” visitem nossa
aldeia, eu arranja mué bonita para ocê.
--Muito
obrigado Raul, mas eu tenho que voltar.
Ficamos mais umas duas
horas parados enquanto lanchávamos uns peixes assados e voltamos nas canoas, eu
vinha na grande e vi como era pesada, mas não tínhamos alternativas, o fundo da
canoa era muito grosso, mas não tinha nenhuma rachadura.
Pousamos pela segunda noite
no mesmo lugar.
No dia seguinte, ajeitamos as coisas dentro
das canoas e seguimos viagem rio acima rumo às três bocas na canoa grande ia o
Rafael no piloto e eu ia à frente usando a zinga ou o remo levando dois
cachorros e parte maior da tralha, na canoa pequena ia o Paulista, dois
cachorros e alguma tralha. Sentado no piloto remava e alternava com a zinga nos
lugares mais rasos, íamos ganhando espaço.
Já havíamos passado da
cachoeirinha e não víamos os índios, deviam estar fora caçando, enfrentamos um
longo trecho raso, tivemos que descer das canoas e empurrá-las, num certo
momento eu senti qualquer coisa roçando o calcanhar de meu pé dentro da água
rasa, eram umas dez piranhas vermelhas ou “chipitas” ainda pequenas que nadando
quase de lado pela falta de
água
tentavam morder meu pé, me virei e com a vara da zinga as espantei com varias
pancadas fortes em delas que fugiram prosseguimos a viagem arrastando a canoa
por mais uns cem metros logo a água foi ficando mais funda, eu entrei para na
canoa e fui para a proa impulsionar com a zinga. Havíamos andado quase uns
trezentos metros quando eu vi uma cobra Sucuri emparelhada com a canoa nadando
no mesmo sentido, a vara do arpão que esta sempre encastoada e pronta estava
bem à mão e a apanhando joguei contra a cobra, mas o arpão não entrava, tentei
umas poucas vezes, mas não adiantava e teimosamente a cobra acompanhava a canoa
naquela água transparente, algumas vezes ela punha a cabeça para fora da água e
ameaçava atacar a canoa, ela estava enraivecida e eu comecei a me assustar foi
ai que me veio à ideia, atirar nela com o rifle 22 e assim eu o fiz, agachei e
apanhei o rifle o manobrei colocando a bala na agulha e esperei, quando ela
subiu atirei na cabeça, fora um tiro mortal. Paramos a canoa, pulamos na água
que devia ter não mais do que meio metro de fundura e a arrastamos para a
praia. Ela tinha aproximadamente uns quatro a cinco metros, não era grande, mas
estava gorda. Tentamos tirar o couro, mas não conseguíamos mesmo morta ela se
encolhia e não deixava racharmos o bucho com a faca. Finalmente depois de a
estaquearmos na ponta do rabo e no pescoço com as duas varas enfiadas na areia
consegui cortar o couro da barriga e para minha surpresa contamos exatamente
cento e cinquenta filhotes de um palmo de tamanho, vivos a se contorcerem na
areia quente, antes que eu mandasse Paulista depois que os contou e os jogou
dentro da água do rio e eles sumiram, era esta a razão de sua agressão.
Chegamos ás quatro horas da
tarde na boca de lago solto e dali havia um esgoto que leva ao lago dos
quarenta e sete, e nos arranchamos em uma bela praia.
Estávamos enfadados, pois já
era o terceiro dia de penúria. Usando o arco a flecha logo eu fisguei dois
belíssimos Tucunarés, jantamos bem e dormimos cedo. Algo me fazia desconfiar,
estava tudo muito quieto para o meu gosto, seria a presença dos cachorros?
Acordamos com o cantar de
dois Jacurutus, se fosse Mato Grosso eu iria suspeitar da presença de índios
Xavantes, o sol já havia saído, era por ai seis horas da manhã. Fizemos café,
eu havia levado um vidro com 500 pílulas de adoçante dietético, e assim
carregávamos menos coisas, apagamos o fogo e rumamos para as três bocas. Chegamos cinco horas depois.
Ali se encontravam o Rio Imoty com o Riozinho
e a terceira embocadura era o lago chamado Três Bocas, era uma beleza de lugar,
o silêncio, somente o cantar dos pássaros, o riscarem dos peixes e o barulho
dos remos na água, lá fora, escondida entre as arvores, tenho certeza, alguma
onça, pintada, preta, vermelha ou canguçu nos espreitavam intrigadas, talvez
pensando “O que eles querem aqui? O que vieram fazer?". Encostamos a canoa
em uma clareira limpa na mata bem a beira rio e com muita sombra.
-- Aqui parece um bom lugar -
comentei.
--Vamos arranchar aqui mesmo é
melhor ficarmos mais afastados das bocas - advertiu Paulista.
Poucas horas depois
estávamos com um belíssimo acampamento montado. Esperávamos ter que passar ali
pelo menos 30 dias. A tarde chegara com o barulho dos pássaros e o bater forte
das asas dos patos selvagens que pousavam por todos os lados. Repetimos as
operações iniciais como preparar as arpoeiras, lanternas, linhas armas,
machado, facão etc.
A noite caíra escuro feito
breu, de barulho somente as rabanadas de um ou outro jacaré ou peixe, e o
grumexe dos cachorros que estavam meio escabreados com o ambiente hostil, de
quando em vez uns rosnavam, mas não latia.
--Rafael te cuida e fica perto da
fogueira – recomendei.
O Paulista era um grande
piloto e grande arpoador, mas eu teria que ir á frente, pois tinha mais pratica
naquela luta entre homem e animal.
--Paulista, tudo pronto.
--Tudo
--Você pilota a canoa e eu arpoo.
--Como queira.
Empurramos a canoa para
dentro da água e fui para a proa e me coloquei em pé e com uma lanterna de dois
elementos (Rayovac), segurei a arpoeira na altura dos ombros, dei sinal com um
leve balançar do corpo que era um sinal para avançarmos e foquei a lanterna,
quase me assombro mais parecia uma arvore de Natal de tantos reflexos que eu
via, mas pela altura dos olhos da água e da distância entre os dois olhos
percebi que tinha muito jacaré de segunda e terceira, isto queria dizer que os
jacarés grandes seriam poucos uma vez que a miuçalha estava solta, teriam que
achar primeiro os grandes e assim que localizei um dei sinal com a arpoeira,
porque o piloto não tem a menor noção do que esta acontecendo, e lá se fomos
bem devagar, o remo entrava e saia da água sutilmente sem fazer um menor ruído
fomos passando entre vários jacarés de segunda até que me aproximei do
grandalhão, tomamos uma cautelosa chegada e ele nem se deu conta, mas quando o
arpão se encravou no couro e carne do pescoço ai sim foi um Deus nos acuda, o
primeirão deu uma rabanada que nos encharcou dos pés a cabeça e balançou a
canoa, mas aquela embarcação era segura muito grande firme e pesada, mas mesmo
assim minhas pernas ainda estavam tremendo, foi um barulho lago afora que mais
parecia uma revolução e que todo mundo estava contra nos, o jacaré correra um
pouco e entrou numa moita de mururé (planta que dá na superfície das águas) até
se enganchar, eu corri a lanterna ao nosso redor e pude contar mais de vinte
jacarés de todos os tamanhos bem perto nos olhando agressivamente e de rebate
as piranhas estavam de plantão junto a nossa canoa. Deixe a coisa acalmar um pouco, foi quando o
Paulista muito calmamente falou:
--Vamos encostar a
um pé de Saram e vamos puxar este porcaria para fora e matá-lo logo e depois
vamos continuar sem escolher vamos pegar os que estiverem na frente.
--Certo.
Eu fui soltando a corda da
arpoeira e nos agarramos em Saram (arvore de beira de lago), puxamos o jacaré,
mas não deu resultado e assim comecei a recolher a corda e lá se fomos para
junto da moita de mururé, eu começava a me esquentar e já estava zangado,
passei a mão no facão fui cortando as plantas junto da corda e puxando a canoa
até entrar bem dentro, foi ai que eu senti o encastoo da corda (parte de
amarrar que fica junto do arpão), e esfriei ao sentir o couro do animal logo
nas pontas dos dedos. Mas eu não sabia para que lado estivesse à cabeça então
tive que cutucar a fera com o facão para ela se mexer do lugar, num movimento tremendo
que chegou a levantar a canoa o jacaré passou por debaixo dela e volto para o
espelho do lago e nos fomos juntos, claro que eu havia dado corda.
Agora estávamos em igualdade
de condições, recolhendo a corda aguardava com o rifle ao lado quando a cabeça
me apareceu segurei lentamente a lanterna na boca e com a mão esquerda mantinha
a corda esticada e com a direita encostei o rifle na nuca e disparei. Nem me
lembrava mais dos outros jacarés. Depois que desencaixei a espinha dorsal junto
à cabeça o amarramos com arame num forte pé de Saram e eu pedi para voltarmos
para o acampamento.
--Paulista... Vamos voltar um
pouco para o acampamento.
--É bom e eu quero tomar um café.
Encostamos a canoa e saímos
um pouco aliviados.
--Agora é a sua vez Paulista eu
vou pilotar.
--É bom mesmo, esta canoa é muito
pesada, mas eu vou arpoar o primeiro que aparecer.
--Tudo bem vai lá
Neste resto de noite correu
tudo bem, caçamos mais quatro jacarés médios.
Fui dormir de madrugada, passei boa parte
da noite pensando em minha família e nos riscos que corríamos com milhares de
piranhas prontas para nos devorar ao menor descuido, onças na espreita pronta
para atacar, sucuris, cobras venenosas, será que valia a pena correr aquele
risco todo, logo no começo da vida?
Nos não tínhamos uma junta
de bois para arrastar os jacarés para fora da água a fim de facilitar a tirada
do couro, assim, o jeito era tirar o couro bem na beira d’água quase junto com
as piranhas, depois tirávamos o rabo para tirar a gordura e arrastávamos o
resto para mais longe possível do acampamento.
Assim se passarão os dias,
os couros iam se amontoando e a gente se acostumando ao perigo, mas o nosso
estoque de alimentação estava no fim, trinta dias haviam se passado desde que
saíra de casa, e tínhamos que mudar acampamento para o lago do “Coqueiro
Só", mas isto só quando regressasse da viagem, assim, decidi puxar aqueles
enormes animais para fora d’água.
--Paulista
e Rafael, eu vou a Mato Verde buscar suprimentos, não saiam do acampamento e
nem inventem de caçarem sozinhos, dentro de dez dias estarei de volta, vou
descer na canoa pequena até o Oleriano de lá eu pego um animal e vou a Mato
Verde, assim volto mais depressa e continuaremos a nossa caçada, vou levar
todos os couros que puder e já deixo guardado com o velho, vou levar só meu
revolver a carabina 44 e a 22 ficam aqui no acampamento.
--Quando você vai? - perguntou Rafael
--Amanhã cedo, hoje eu vou
explorar o outro lado rumo leste eu já vi ao longe uma mata fechada e pode ser
um lago grande, vou lá verificar.
--Leve os cachorros contigo, tem
muita onça rondando por aqui por causa das carniças dos jacarés, todas as
noites elas rondam o acampamento, já ouvimos muito barulho delas e parece que
estão se acostumando com a gente e isto pode ser perigoso – comentou sabiamente
o Paulista.
--É eu já reparei que elas estão
pegando as carniças bem aqui perto e arrastando para dentro do capão, vou levar
os cachorros e a minha carabina 22.
--Tome cuidado.
Entrei na canoa grande,
chamei os cachorros que logo estavam todos dentro, não deixei o Baton entrar,
ele era muito pequeno e muito gordo além de cabeludo, logo cansaria embora
fosse muito cedo do dia, vagarosamente rumei para o outro lado quando escutei:
--Volte Baton – gritava Rafael.
O cachorrinho entrou na água
e vinha nadando atrás da canoa que se encostava ao barranco do outro lado do
rio, fiquei de pé e pude ver centenas de piranhas todas no espelho da água
quietinhas com o rabo para baixo e a cabeça para cima, como se tivessem
querendo tomar sol da manhã e o cachorrinho nadando entre elas que se abriam á
sua passagem, nunca mais verei algo assim novamente, a natureza é realmente
sábia, até as piranhas tem suas horas de paz. O Baton saiu ileso do outro lado
eu quase agradeci as piranhas. Segui rumo ao rio Javaé, com o sol nascente em
meu rosto. Não havia andado mil metros quando os cachorros que sempre andam na
frente encontraram um veado Cervo e correram atrás dele até sumir o latido, não
adiantou eu gritar para eles largarem, fiquei sozinho por um bom pedaço, mas
quando eu estava atravessando um capinzal alto, seguindo por uma trilha batida deixada
por gado ou anta, escutei pisados bem atrás de mim, pensei “os cachorros estão
chegando” e continuei a caminhar, mas logo desconfiei, pois o cachorro quando
chega vão logo atropelando e passando a frente e este não queria passar,
desconfiado me virei com o rifle pronto e dei de cara com uma enorme onça
Suçuarana (Vermelha) a menos de dez metros atrás de mim me seguindo no
trilheiro, quando a fitei nos olhos e ela firmou a vista em mim levantei o
rifle para atirar e em menos de dois segundos ela deu um pulo para o lado
direito e sumiu dentro do capinzal, não cheguei a atirar e nem fui atrás.
Esperei mais um pouco calado e atento, ouvi-os acuando alguma coisa, mas muito
longe quase no rumo do acampamento, mas nem os cachorros e nem mais a onça
davam sinal de vida, fui em frente rumo ao capão que se aproximava, logo que
entrei num varjão de capim baixo e limpo foi quando ouvi um tiro longe, pouco
depois os cachorros chegaram Tomei uma decisão, queimar o capim para ficar mais
fácil de andar e assim o fiz, segui rumo a mata do lago e aguardei o fogo
avançar rumo oeste para onde o vento de verão o empurrava, quando fui chegando
no capão rodeando uma moita topei de cara com outra onça que estava sentada e
se levantando de um pulo e correu para dentro da mata quando dois cachorros
chegaram e correram atrás dela, entraram no capão e sumiram latindo ao longe,
resolvi contornar o capão pelo outro lado, mas quando ia passando junto de uma
grande moita de tucum, o cachorro “Pretinho” acuava violentamente alguma coisa escondida
na moita, me abaixei lentamente e vi uma onça Canguçu deita sobre as mãos
abanando o pedaço de rabo (era rabicó) e olhando fixamente para mim a menos de
três metros, se enfrentar a morte for assim eu estou preparado, pois, não senti
o menor receio e nem tremor calmamente sem deixar de fixar os olhos dela
levantei o rifle e mirei bem na testa e apertei o gatilho, morreu sem se mexer
do lugar, deixou a cabeça cair entre as
mãos, não senti nem prazer e nem remorso, eu estava frio e parecia que não tinha
feito nada de mais, quando vi que estava morta a arrastei para fora da moita de
espinhos. Pensei em dar mais um tiro, mas não havia necessidade, descansei um
pouco e joguei o bicho nas costas e voltei ao acampamento, quase não aguento o
peso. Quando cheguei ao acampamento o Paulista foi falando:
--O
que aconteceu, eu escutei os cachorros acuando lá do outro lado e fui ver o que
estava acontecendo e não é que eles haviam acuado uma Suçuarana e ela subiu num
pé de murici baixinho e eu larguei fogo nela, já tirei o couro, e você onde
estava?
--Matando esta aqui – respondi
tirando a Canguçu de dentro da canoa - é... Eu vi a essa onça vermelha, ela
andava atrás de mim botando tocaia para me pegar, mas como eu só dou um tiro e
é bem na testa, não houve tempo, ela fugiu.
--É hoje parece que foi o dia das
onças, seu Dankmar, eu só atiro dentro do olho que é para não estragar o
couro-remendou Paulista.
--Já faz tempo que elas vêm
perturbando a gente.
--E o lago, tem jacaré?
--É pequeno o espelho e é muito
sujo, pode ser bom, mas é difícil e perigoso, não tem lugar firme para encostar
a canoa, só muito lama.
--Deixa para lá já temos muito
lugar para mariscar, vou tirar o couro desta canguçu e esticar.
Dei uma boa merendada e fui
descansar um pouco. Dormi até a boca da noite. Nesta noite eu não trabalhei,
pois teria que viajar cedo no outro dia.
Acordei com o barulho da
passarada, a noite foi calma, não houve aquela apreensão com o barulho e briga
das onças disputando as carniças acredito que elas sentiram os cheiros das duas
onças mortas. Tomei um cafezinho, tornei a recomendar que não fossem caçar
especialmente sozinhos e tudo mais necessário.
--Quero que você compre remédio
para dor de cabeça. – pediu Rafael.
--Para mim eu quero uma garrafa
de pinga, uma lata de leite moça e dois pacotes de fumo. – pediu Paulista
--Já estão na lista, você quer
fazer “Um leite de onça”, Paulista?
--Adivinhou.
--Pode ir tranquilo, ninguém vai
mexer com nada até você chegar.
Arrumei os couros e quando
surgiu o primeiro clarão do dia acordei o pessoal e embarcamos quase todos os
couros, tomei um café e acenei partindo.
Rio abaixo era bem mais
rápida a viagem, mas mesmo assim eu ia bastante pesado e teria que descarregar
a canoa para poder passar a cachoeirinha, cheguei ao Oleriano já quase escuro
da noite, dormi entre aquela boa família, contamos casos e ao amanhecer do dia
já estava com o animal arreado e pronto para partir, não sem antes agasalhar a
courama no paiol.
Pouco depois das quatro
horas da tarde eu já estava atravessando o Araguaia e pensando como estariam
todos, mas a patroa e o menino estavam bem.
.
Fiquei cinco dias visitando
os amigos, e dando uma força para minha sogra Joaninha, pois meu sogro viajava
muito e assim as mulheres sempre ficavam sozinhas, comecei a me preocupar com
meu estilo de vida, seria a minha ultima caçada prolongada que eu faria, e foi
mesmo.
Quando inteirava os doze dias
eu estava chegando de volta no acampamento com um suprimento para mais trinta
dias, fui logo notando algo muito estranho, Paulista estava muito calado e o
Rafael também, mas logo descobri o motivo, um couro de onça preta estava
esticado de novo bem no fundo do acampamento fui até perto para examiná-las e
contei seis buracos de bala, logo gritei:
--Isto aqui é um couro de onça ou
uma peneira?
--Calma Dankmar eu vou te contar
tudo.
--Pois conte logo – sentei-me
junto ao fogo e peguei uma caneca para tomar café esperando a explicação do
Paulista.
--Há três dias esta onça
amanheceu o dia esturrando em volta do acampamento e os cachorros a
pressentiram e correram para o mato a acuaram ai não tive jeito tive que ir lá
matá-la senão ela mataria os cachorros.
--E foi preciso dar tanto tiro
assim, vamos lá rapaz conte esta historia direito, venha cá Rafael me conte
você?
--Patrão foi quase assim só que
foi o Paulista que resolveu ir caçar e ele saiu sozinho, não levou nenhum
cachorro, não sei por que carga d’água ele resolveu subir numa arvore e com a
cabaça começou a esturrar chamando onça e não é que veio uma onça preta e parou
bem embaixo do pau que ele estava, ai não teve jeito ou ele atirava ou a onça
subia lá e o pegava, ele estava muito baixo, ai atirou e o tiro não pegou bem a
onça que correu, ele atirou de novo, não sei se pegou com o barulho dos tiros
os cachorros correram e foram para lá e ai o pau quebrou a onça ferida corria
traz dos cachorros os cachorros corriam atrás da onça, ai não teve jeito o Paulista
desceu da arvore e foi até onde estava à briga, era melhor enfrentar a onça do
que enfrentar o senhor quando voltasse, foi chegando perto deu outros dois
tiros na onça que correu para cima dele ai ele correu, virou um corisco, mas se
enganchou em um cipó e a carabina caiu da mão dele e se agarrou no cipoal e
subiu bem para o alto, e ai os cachorros fecharam em cima da onça bem embaixo
do Paulista, que me gritou, mas eu não escutei, era muito barulho junto, só sei
que a onça tornou a correr e os cachorros depois de um tempo voltaram e ai o
Paulista teve coragem desceu do cipoal e foi procurar a carabina que demorou a
encontrar, pois ela foi cair muito longe, foi muita coragem ele descer da
arvore só de facão na mão ai ele veio aqui pro rancho e depois de umas quatro
horas resolvemos os dois voltar lá para ver o que aconteceu, mas logo os
cachorros a encontraram ela esta morta ai nos a amarramos numa vara e a
trouxemos para cá, o resto é aquilo ali – terminou mostrando o couro.
--Viu no que dá não escutar meus
conselhos?
--É, passei um bocado apertado,
mas o bicho morreu.
--Paulista, com uma carabina 44
tem que atirar seguro, é preciso ter muita calma.
--Você já está acostumado a matar
onça, mas eu não, esta é foi a segunda.
--Ainda bem que teve um final feliz,
e os jacarés? Ainda há algum por aqui?
--Só, jacaré pequeno e o jacaretinga
começaram a aparecer.
--Não é bom sinal, vamos mudar
para o lago do Pé de Coco Só e de lá vamos para o lago dos quarenta e sete
(Quando estávamos explorando lagos da ilha do Bananal contamos 47 jacarés
grandes naquele bonito e comprido lago, que recebeu o valido nome de “Lago dos
quarenta e sete”).
--Já estamos em fim de setembro,
bem perto de outubro, logo teremos muita chuva ai às coisas vão ficar difíceis
para-nos - vaticinou o Paulista.
--Rafael ajude a arrumar as
tralhas começaremos a nos mudar amanhã cedo.
--Vamos caçar jacarés hoje?
--Não, hoje dormiremos em paz.
No outro dia fizemos um
jirau alto dentro do mato e escondemos os couros de jacarés e das onças e
juntamos o resto da tralha embarcamos na canoa e começamos a parte mais difícil
da odisseia, arrastar uma canoa grande pelo campo por mais de dois mil metros,
levamos quase seis horas para colocar a canoa no outro lago, mesmo vazia era
bastante pesada, fizemos um cabresto de corda e amarramos uma vara forte de
atravessado no bico de proa e dois homens, um de cada lado, a arrastavam um
pedaço, depois voltávamos atrás das tralhas e assim por diante ate chegarmos ao
novo lago, fizemos um acampamento provisório. Passamos oito dias caçando
jacarés e só matamos onze, levamos os couros para o jirau da mata e começamos a
nos mudar para a o nosso ultimo lago que pusemos o nome de Quarenta e Sete, e
jamais o esqueceremos, foram os trinta dias mais difíceis da minha vida.
Arrastamos penosamente a canoa por mais de três mil metros com alguns desvios e
voltas, agora estávamos aproximadamente a dois mil metros da margem do
Riozinho.
“Lago dos 47”.
Ali
morava o perigo,
o sofrimento,
a dor e a
solidão...
Eu tive um mau pressentimento...
Era o dia oito de outubro,
já estávamos com 56 dias de caçadas e nosso resultado eram 19 couros de jacarés
de primeira 01 couro de onça preta, 01 couro de onça vermelha e 01 couro de
onça canguçu, também, passamos a maior parte do tempo em explorações e o pior
era que as chuvas estavam para chegar, assim que chegamos no lago, alias, no
único lugar limpo em que poderia encostar uma canoa e montar um bom
acampamento, fomos recebidos pelos esturros de um jacaré muito grande que fez a
terra tremer embaixo de nossos pés.
--São as boas vindas comentei.
--Aqui não vão ser mole não –
concordou Rafael.
--Vamos ver. – monologou o
Osvaldo (Paulista).
Passamos o resto do dia
arrumando o acampamento e eu aproveitei para tocar fogo no capim entre o lago e
o rio, pois estava muito alto e seria muito perigoso, e embora já tivesse dado
umas duas chuvas ralas o fogo queimou até raspar o chão mostrando uma visão bem
diferente. Na parte da tarde fui dar uma volta de reconhecimento pelo lago, era
muito comprido e fazia uma curva em sua ponta norte onde o varjão praticamente
encostava-se ao e uma montoeira de paus altos e era ali o ninho de milhares de
pássaros, fiquei horas a observá-los, os Jaburus, as dezenas em seus voos
rasantes posavam sobre a parte pantanosa do lago, os colhereiros cor rosa e seu
bico achatado mais parecendo uma colher alimentavam seus filhotes nos ninhos
numa barulheira infernal, os mergulhões em seus voos acrobáticos subiam e
desciam dando piruetas e cambalhotas no ar e mergulhavam nas águas para
aparecerem mais longe com um peixe no bico, as garças enfeitavam de um branco
sem macula tal um modelo na passarela, as gaivotas escandalosas voavam riscando
as águas com o bico e sempre pegavam um peixinho menor, tudo cheirava a peixe,
e a mosca de ferrão abundava, era capaz de furar um cobertor para atingir a
pele dentro da rede, acredito que dali veio à mosca de chifre que hoje
atormenta o gado eu as vi aos milhares nos lugares em que os pássaros se
povoavam, voltei entre admirado e pasmado, admirado ante tanta beleza da
espécie viva, pasmado pelo comportamento social ao verem que também os pássaros
viviam em comunidades para melhor se protegerem, era uma lição de vida, amor e
dedicação. Voltei para o acampamento cumprimentando os crocodilos que vinham à
tona para me estudar.
Ao escurecer fizemos uma
reunião para traçarmos nossos trabalhos, obrigações e cuidados que teríamos que
tomar.
--Vamos arrastar as carniças o
mais longe que pudermos depois que chegamos aqui já vi muitos rastos de onça,
não vamos facilitar, especialmente você Rafael, a noite fique sempre acordado
enquanto estivermos no lago, mantenha os cachorros juntos da fogueira e arma na
mão, qualquer sinal de perigo de dois tiros para cima, lembre-se só dois tiros,
entendido?
--Entendido.
--Paulista hoje nós vamos matar
apenas dois jacarés para tomarmos conhecimento do lago.
--Por mim está bem, estou um
pouco cansado acho que podíamos descansar hoje e caçar amanhã.
--Pode ser então vamos jantar e
conversar um pouco e dormir.
--Uma coisa esta me incomodando –
censurou o Paulista.
--O que é?
--Quando você se dispõe a falar
com reservas de certo lugar eu começo a ficar com medo.
--Afinal, o que lhe aflige?
--Você quando tem uma predição de
coisa que podem ou vão acontecer, saiam da frente, acontece mesmo e eu gostaria
de saber o que esta te perturbando agora.
-- Por enquanto nada, mas vamos
tomar cuidados, quando a minha natureza fica perturbada algo esta por
acontecer.
--É eu me lembro de alguns casos
teus, lembra – Perguntou-me?
--Sim, quando o meu sogro foi
assassinado na Barreira de Pedra eu estava em casa deitado na cama ao lado de
minha esposa Maria, quando uma voz que eu conheci como a dele me falou “Dankmar
fale para a Joaninha que eu vendi o motor Penta novo para o Alfredo Alemão, na
Piedade para ele pagar para ela, e diga que estou bem”. Meio atordoado acordei
minha esposa Maria e lhe contei sobre a voz que eu ouvira.
--Deixa isto para amanhã cedo,
vamos à casa de minha mãe e você conta para ela.
Dormimos e ao clarear do dia
deixei Maria ainda deitada e fui à casa de minha sogra e contei o fato para ela,
e enquanto eu contava ouvimos o roncar de um barco a motor chegando, olhamos
para o rio e vimos o barco do marido dela se aproximando para atracar e não sei
por que eu falei a ela:
--Dona Joaninha aquela é o barco
do seu Aleixo, acredito que o mataram, vá ao porto. Minha sogra saiu correndo e
pouco depois voltava com alguns homens trazendo o corpo do marido morto dentro
de uma rede. Muitos outros casos eu tenho premunido parece que tenho o dom de
ver as coisas antes de acontecer.
--E aqui o que esta vendo?
--Um pouco de sofrimento, mas no
fim virá alguém nos ajudar, eu vi um homem chegar cantando quando chegar a hora
eu sei direitinho podes ficar tranquilo.
No outro dia dei uma volta
pelo lago e achei outros dois lugares com a margem limpa, mas era lama pura. Os
jacarés não se assombravam, com a gente, alias, nem ligavam.
Chegada à noite nós partimos
para a caçada, às pernas tremiam mais do que antes, as piranhas roçavam o fundo
da canoa com os dentes e o remo ficava agredido de tanta mordida. Pegamos o que
estava mais perto, não havia como escolher era uma verdadeira cidade quando se
passava a lanterna pelos olhos dos animais. Os jacarés naquele lago eram mais
violentos, de vez em quando um batia com o casco no fundo da canoa e se
aproximavam perigosamente. Arrastamos para a margem e o amarramos com corda da
própria arpoeira numa moita em uma pequena ilhota. Voltamos ao lago arpoamos um
segundo jacaré e o matamos desencaixando a espinha junto à cabeça, e o puxamos
para o porto e o amarramos com arame em um toco grosso, era o começo da nossa
Via Crucies, pois neste exato instante o Paulista quase que profetizando falou:
--Dankmar... Devemos regressar ao
nosso acampamento, estou sentindo um vento frio e vejo relâmpagos ao longe é
chuva na certa e precisamos agasalhar as nossas tralhas, afinal já estamos em
outubro.
--É a voz da profecia, quando
Paulista fala é melhor escutar, sempre acerta, vamos voltar – concordei.
Quando aportamos a canoa
Rafael já veio ao meu encontro dizendo:
--Parece que vamos ter chuva, mas
não se preocupem, já agasalhei quase tudo, fiz um jirau e coloquei a tralha de
comida e o sal, só não fico jeito de armar as redes, a lona é pequena.
--É só quatro por oito metros,
mas dá para a gente se esconder embaixo com os cachorros e as muriçocas que
agora empestaram o lugar, vamos ver como estão às coisas e dar uma melhorada,
amanhã tiraremos umas palhas para fazer uma cobertura e umas frutas do cerrado
também – emendou Paulista.
Mas, Rafael continuava curioso e não
parou de perguntou a nos dois:
--Dankmar e Paulista, já que vocês
sabem quase tudo a respeito deste lugar me contem alguma coisa sobre a fauna e
a flora,
--Eu só sei pescar – murmurejou Paulista.
--Está bem eu falo, mas preste atenção:
Começaremos pela abundancia dos Pequizeiros, do Murici pequeno e do Murici
grande, dos Oitis, das Atas silvestres e das Atas de Quaresma que chegam a
pesar 1 quilo e são muito saborosas, as Frutas do Conde, da Mangaba, o Pussa, o
Pussa Frade, Seriguela, o Cajá, o Cajá Manga, a vagem cheirosa da Baunilha, o
Oiti, a Graviola, a Cagaita, a Pitomba, a Carambola, a Tamarindo, a Pitanga, o
Bacupari, Ingá e a Ingarana e muitas outras.
Quanto aos bichos ou animais
silvestres nos podemos começar.
Sem duvida alguma a Ilha do
bananal era e ainda é a maior reserva natural da flora e da fauna brasileira.
Às margens de seus rios,
ribeirões, lagos e lagoas centenas de espécies proliferam em seu habitat
natural, não vamos usar termos científicos para catalogar as espécies que
conhecemos, vamos usar simplesmente os seus nomes regionais e suas
características.
Os patos selvagens são
encontrados por toda a ilha aos milhares, ao anoitecer posam nas arvores altas
em meio à mata e os capões, ao alvorecer do dia passam os bandos a voar rumo
aos lagos, lagoas e rios comumente se encontram centenas deles banhando juntos,
e mais ao meio dia voam para as praias das margens dos rios tanto Araguaia como
outro qualquer e se misturam aos Marrecões. Suas penas pretas misturadas às
pontas branca das asas que batem com vigor causando um forte barulho isto
devido a seu peso, pois um pato macho adulto pode pesar ate 4 quilos e sua
carne de cor amarronzada dão um toque das aves selvagens e são de um sabor
privilegiado. Foram por muitos anos perseguidos e os mataram a centenas, mas
chegada o dia do retorno eles se juntam em bandos e fazem seus voos de volta em
uma perfeita formação em V. As patas que estiverem chocando em seus ninhos nos
ocos da arvores sempre põe dez ovos e tem que ficar quarenta dias no choco para
tirar suas crias e depois os conduzi-los a pequenas lagoas para protegê-los dos
predadores especialmente do gavião Caracará com os quais trava lutas furiosas
na defesa de suas crias, mas os patinhos já sabidos mergulham para dentro da
água seguidamente escapando de seu perseguidor, aprendem desde cedo a se
defenderem.
Marrecões selvagens é uma espécie
em extinção, grande muito bonito de corres amarronzada misturada ao amarelo
chegam a pesa até 2 quilos cada ave, como os patos selvagens quando criados em
casa com seus ovos em postura com uma galinha, se tornam dóceis e afáveis, mas
chega um dia em que a saudade da espécie bate dentro, tanto ele como o pato ou
o paturi que é o menor da espécie fica de alcateia e ao ouvirem o trinar ou
aparecer um bando de seus familiares ele decola se juntam aos migrantes e volta
a sua origem. O mais interessante é o Paturi que embora não sendo uma ave
noturna gosta de voar por sobre as casas com seus tinidos como a chamá-los.
O Jaburu moleque ou o Jaburu
cabeça seca, ou o Tuiuiú, o Mergulhão, a Garça, o Colhereiro, são aves
ribeirinhas que se multiplicam as centenas no interior da Ilha do Bananal,
podemos incluir o Martim Pescador e o Jacu Cigano;
Outras aves como os pequenos
pássaros como o Xexéu e o João Congo que constroem seus ninhos em forma de
cestos pendurados nas pontas das galhas nos mais altos lugares e que imitam
todos os cantos de outros pássaros, o Bicudo famoso pelo seu mavioso cantar, o
Curió, o Pintassilgo, o Canarinho amarelo ou Canarinho da Terra, o Tico, a
Coleirinha, a Patativa, o Sabia, a Pomba Rola, a Pomba do Bando, o Tucano,
Hambu, a Perdiz, a Jaó, o Jacu verdadeiro, o Jacutinga, o Jacu Pemba, o gavião
Caracará, o Gavião Pinhé, a Coruja, o Mutum, o Anu, o Pássaro Preto, o Tisio, o
João de Barro, a Ema, a Seriema, o Periquito Estrela, o Periquito verde, a Arara
Amarela, a Arara Azul e a Arara Vermelha, o papagaio Cabeça amarela e azas
dourada, a Curicaca, e muitas outras têm ali na ilha o seu habitat perfeito.
Os animais silvestres vivem
abertamente na planície, matas e cerrados, lagos e lagoas assim como a Anta, os
porcos Queixadas, o porco Caititu, os veados Mateiros, os veados Campeiros, o
Cervo, a onça Preta, a onça Vermelha ou a Suçuarana, a onça Pintada e a onça
Canguçu da mão torta e o gato Jaguatirica disputam suas presas tentando assim
manter o equilíbrio biológico, o Guará, o Guaxinim, o tatu Galinha, o tatu
Peba, o tatu China, o tatu Bola e o tatu Canastra se cruzam em suas
peregrinações, a Raposa silvestre, o Furão ou papa mel, o tamanduá Bandeira e o
Tamanduá Mirim ou Meleta, o Ouriço, a Preguiça, a Paca, a Cotia, a Capivara, a
Lontra, a Ariranha, o jacaré-açu com seus seis metros de comprimento, os
jacarés Tinga do Papo Amarelo, pequenos, mas agressivos, as vorazes Piranhas
vermelhas as Piranhas pretas as Piranhas chipitas, o Tucunaré, o Pintado, o
Surubim, o Piau bola, o Piau cabeça gorda, a Matrinchã, o Bagre, a Trairá, a
Sardinha, a Jaraquis, a Arraia chita, a Arraia amarela, o Pacu folha, o Pacu
Branco, o Pacu Manteiga, o Cuiú-Cuiú, o Cascudo, a Piaba, o Lambari, a Cachorra,
a Bicuda, o peixe Voador, e uma infinidade de outras espécies, esta gostando da
explicação ou quer mais?
--Não por hoje já chega, ufa, é
muita manteiga para o meu pão – exclamou Rafael.
--Vamos lá - mãos a obra e vamos
arrumar nosso barraco, pois parece que pode vir muita chuva a qualquer momento.
Trabalhamos umas duas horas,
mas improvisamos melhor, parecia que daria tudo certo, mas não foi o que
aconteceu.
Já devia ser por ai oito
horas da noite quando nos sentamos em redor da fogueira para comer um peixe
assado com farinha de puba e tomarmos um café, nem bem tínhamos terminado
quando um forte vento foi chegando e aumentando cada vez mais jogando cinza e
brasa para todos os lados, as redes flutuavam no ar, galhos das arvores
próximas começaram a estalar e cair e relâmpagos iluminavam a noite e as
lamparinas foram para as “pupuias” ou simplesmente sumiram somente as lanternas
funcionavam, nos agarramos ás beirado da lona que começava a rasgar, pois eram
destas lonas de plásticos pretas que não aguentam nada, e este inferno durou
uns vinte minutos até que caiu água para valer, os cachorros estavam escondidos
embaixo do jirau, nossas mochilas e sacos de rede se molharam todos e veio água
para dar com pau, choveu forte durante uns quarenta minutos, depois foi
diminuindo, mas só veio parar ali pelas duas horas da manhã quando então
deitamos nas redes molhadas, com muriçoca e tudo e dormimos.
Quando o dia amanheceu,
pudemos ver o estrago da chuva, mas mãos a obra logo estávamos com o
acampamento limpo e a roupa esticada para secar, e do jacaré que amarramos só
achamos os pedaços de cordas que o amarravam e o chão todo revirado por outros
jacarés ao puxá-lo para dentro da lagoa, mas ele se fora com um bom pedaço de
corda amarrado no pescoço e tinha na ponta um pedaço de “buriti” que servia
como “bóia”, fomos procurá-lo e logo o achamos. Ele ainda estava lá com a corda
e no fundo do lago, morto, cheio de piranhas por dentro que entraram pelo corte
grande feito pelo machado atrás da cabeça, bem na nuca. O arrastamos até o
porto e tiramos o couro, era muito grande mediu 24 palmos até passar um palmo
do anu, com rabo e tudo daria 28 palmos.
Naquele dia tivemos vários
problemas, Rafael foi tirar uma abelha e meteu o machado entre os dedos dos pés
foi um corte profundo, mas tínhamos levado uma pequena farmácia de emergência e
logo lhe fiz um curativo, e lhe dei uns comprimidos e enfaixei o pé.
Uma das lanternas não queria
funcionar e tivemos sérios problemas para arrumá-la e ainda por cima o açúcar
havia se molhado e estava secando, diminuiu muito, teríamos que apelar para as
pílulas de sacarina que ainda tínhamos cerca de trezentas delas.
Nas cinco primeiras noites
matamos aproximadamente dezesseis jacarés grandes, mas cada dia que passava
ficava mais difícil, decidi que teria que ir à beira do Riozinho, onde havíamos
deixado a canoa pequena bem amarrada, minha intenção era ver se encontrava
alguns mariscadores que por ali passavam, mas o caminho era apenas um pequeno
trilheiro, e com tanta chuva a minha botina já havia se estragado e eu ia
descalço, mas quando eu pisava fora do trilheiro, os talos de capim entravam
nas frieiras de meus dedos dos pés e furavam a carne, era um sofrimento
terrível, tinha muita dificuldade para caminhar. Até que improvisei umas
alpercatas que não se seguravam bem dentro dos pés. Quando cheguei à beira do
rio, tirei a água da chuva que havia alagado a canoa e atravessei para o outro lado,
num barranco alto e fui dar uma volta mais por curiosidade do que por
necessidade e para minha surpresa encontrei uma velha roça de mandioca, ainda
existiam muitos pés, certamente seriam dos índios Javaés, mas estava
abandonada, arranquei um bocado de raízes e fui carregando para a canoa, os
veados campeiros se levantavam bem junto de mim, caminhavam para meu encontro e
quando sentiam meu cheiro pulavam de lado e corriam um pouco depois voltavam,
ao que parece nunca tinham visto gente antes, poderia ter matado um bocado
deles, mas de nada serviria, pois não os poderia carregar e assim me limitei às
mandiocas.
Voltei para o nosso lado do
rio e tirando a camisa a guisa de sacola carreguei um bocado de raízes,
dividi-as em duas partes a primeira eu levaria para o acampamento as outras
raízes colocaria dentro da canoa com bastante água para elas pubarem e assim eu
poderia voltar e fazer um “grolado” ou uns “beijus”, e colocando a carabina 22
no ombro e a sacola de mandioca nas costas me dispus a voltar para o
acampamento no lago. Não havia ainda andado dois quilômetros naquela campina
limpa quando voltei o rosto para o lado esquerdo e vi duas onças, a menos de
cem metros, brincando em uma poça de água que restara da chuva em meio ao
varjão, sutilmente joguei a camisa no chão e lançando mão da carabina 22, a
manobrei, apontei, foi uma temeridade enfrentar aquelas feras em campo aberto,
elas pararam de brincar e ficaram a me fitar foi quando, mirando uma das duas
bem na cabeça atirei, o animal deu um urro e pulou por cima da outra e correu
rumo a mata de beira do esgoto que ia do rio para o lago, não tornei a atirar,
estavam longe, antes, decidi ir ao rancho buscar os cachorros para caçá-las e
assim o fiz, acelerei o passo e logo chegava ao rancho gritei os cachorros fui
na minha sacola peguei uma caixa de balas Winchester 22 e falei:
--Espera Paulista vou atrás de
duas onças já baleei uma e vou ver se a acho.
--Cuidado duas onça é perigoso,
te cuida.
Voltei correndo até o pequeno
poço onde estavam banhando as duas e os cachorros que haviam chegado à frente
pegaram o rasto e saíram a balroando, entrando na mata, fui atrás, a mata de
beira do esgoto era muito fechada, mas o barulho dos cachorros não estava longe
eles haviam acuado as feras, fui em frente e quando comecei a enxergar os
cachorros vi que acuavam com a cara para cima olhando o cipoal do esgoto,
cheguei perto e vi uma delas trepada numa galha e olhando para mim e para os
cachorros, a cabeça da onça estava bem visível, mas meia de lado, atirar assim
seria uma estupidez porque pegaria no osso a que chamam de “torpedo” um osso
forte e grosso da temporal do cérebro e bala não entraria precisava pegá-la bem
de frente, bem no meio da testa aonde o osso é fraco e fino, aguardei alguns
segundo e logo me dispus a apelar, gritei para ela que olhou direto para mim
atirei sem pestanejar, a onça despencou de cima do cipoal no meu rumo, eu
estava quase embaixo dela, ela na queda me levou junto para o chão e os
cachorros por cima de mim, gritei afastando-os e me afastei um metro da fera
que deitada ainda tomava um fôlego profundo resfolegando, tirei a bala CBC, da
22 coloquei uma amarelinha e encostei o cano no buraco da primeira bala bem no
meio da testa e atirei, ai foi um Deus nos acuda, a onça estrebuchando na ânsia
da morte jogava o corpo de um lado para o outro, mas rapidamente se aquietou,
vi que tinha morrido.
Eu estava quase sem fôlego,
cansado mesmo, tentei mover a fera de lugar, mas não consegui, era um corpo
muito pesado e mole, deixei do jeito que estava e ai me lembre que eram duas.
Mas não vi a outra nem seus rastos, já era tardezinha, voltei para o
acampamento.
No outro dia cedo, eu e o
Paulista fomos até lá e o companheiro tirou o couro com a cabeça inteira.
Voltamos ao rancho e fomos retirar a ossada da cabeça de dentro do couro para a
colocarmos dentro do lago para os peixes fazerem a limpeza da ossada, mas, o
que me chamou a atenção era que havia apenas um buraco de bala no couro e na
ossada da cabeça e eu dera dois tiros, ficamos intrigados, mas não descobrimos
o que realmente aconteceu. Amarrei a ossada da cabeça e joguei a beira da água.
Quando a retiramos ao
entardecer já estava limpa e brilhando, os peixes fizeram um bonito trabalho e
o chumbo da bala, uma só, balançava dentro da ossada do crânio a retirei e a
guardei como lembrança. E a outra onça? Será que foi realmente baleada?
Naquela noite foi diferente
das outras todas e marcou o meu fim como caçador de jacarés.
No lago havia muitos
jacarés, mas pequenos, havíamos matado quarenta e seis grandes, mas também as
nossas pilhas estavam exaustas, chovia muito e estava na hora de irmos embora,
mas antes teria que acertar minhas contas com um enorme jacaré-açu que ainda
restava, e ele nos desafiava, quando o imitávamos ele respondia esturrando tal
um marruá que fazia a terra tremer, e dificilmente deixava nos aproximarmos
dele. Como as pilhas estavam fracas, cortei uma lanterna Rayovac (de metal) e
emendei no fundo de outra e com o foquitos (lâmpada) de três elementos coloquei
cinco pilhas fracas o que resultou em uma ótima luz. Parti para o lago a
procura do animal, de longe o avistei junto a uma moita de Mururé, fomos nos
aproximando bem lentos e sem fazer barulho com a lanterna focada em seus dois
olhos que nos encaravam frente a frente, tentamos dar a volta para pegá-lo de
lado, mas ele sempre nos acompanhava, quando estávamos a menos de vinte metros,
ele afundou e foi aparecer a mais de quinhentos metros em meio do lago, fomos
para lá, mas a fera era muito arisca e tornou a afundar e apareceu junto à
margem do lago, contornamos o meio e fomos para a margem em que ele estava
acima de nos uns cem metros, de repente ele sumiu e eu em pé na proa da canoa o
procurava com a lanterna quando o animal passou por baixo da canoa bem no meio
dela e a levantou com as costas me jogando dentro da água com lanterna e o
rifle na mão que foram parar no fundo do lago, mas ali a margem não era muito
funda tinha apenas uns dois metros e a lanterna acesa ficou iluminando no fundo
bem junto da carabina e eu já estava dentro da canoa, o medo que eu tinha de
piranhas não me deixaram quase molhar, em fração de segundos eu já estava
dentro da canoa.
--E agora Paulista – falei
desapontado com a situação.
-- Agora é pegar a lanterna e a
carabina.
--Com estas piranhas por ai?
--Ora deixe que eu vá - e dizendo
isto o Paulista escorregou pelo beiço da canoa, mergulhou e voltou com tudo nas
mãos - cuidado, não deixe cair de novo, agora vamos acabar com este
intrometido, jogue o arpão de qualquer distância aonde pegar nele que se dane.
– terminou Osvaldo meio zangado.
--Vamos lá.
Foquei a lanterna desta vez
com o cordão passado no pescoço, e o enxerguei a menos de quinze metros, tomei
um fôlego e apontando a arpoeira bati com o pé na canoa, com o barulho o animal
deu uma rabanada e virando de dorso começou a sumir no espelho do lago quando o
arpão o encontrou bem por traz da mão esquerda, era um péssimo lugar para se
puxar um animal daquele tamanho, mas ele não correu muito, logo senti a corda
da arpoeira afrouxar eu fiquei desconfiado e gritei:
--Paulista ele vem para cima de
nós.
--Então sente na canoa e prepare
o machado - mal acabara de fechar a boca o animal tentava abocanhar o beiço da
canoa e ato seguido, empurrava-a para a margem do lago, quando estávamos bem
perto do barranco tornei a gritar.
--Vamos para terra, pule.
Pulamos bem na beira da
terra, mas era só lama e entramos nela até quase a cintura, com dificuldade nos
arrastamos para fora do lago deixando a canoa solta com o jacaré agarrado no
beiço dela, mas lá dentro só ficou o remo. Pouco tempo depois à canoa estava
bem perto de nos e o jacaré sumira, embarcamos novamente e voltamos para o
porto do acampamento, por aquela noite já chegava. No outro dia cedo
resolveríamos a parada, pois o arpão estava amarrado em uma bóia de buriti e
seria fácil o acharmos.
Conversamos muito naquela
noite e decidimos voltar para casa, mas não sem antes ver o que aconteceu.
No outro dia cedo voltamos
ao lago, de dia era bem melhor e logo achamos a bóia, quando comecei a recolher
a linha e vi que o jacaré ainda estava preso ao arpão e fui puxando devagar com
o rifle preparado logo vi aparecer o lombo do incrível animal, vinha quieto e
sem se mexer, mas eu não tinha jeito de atirar porque a cabeça estava
mergulhada dentro da água e eu mal a enxergava, pedi para o piloto remar a
frente e talvez assim a cabeça aparecesse e apareceu mesmo, mas bem junto do
Paulista lá na proa do barco que quase correu para frente, passei a ele a 22 e
ele audaciósamente encostou o cano na nuca e disparou o tiro fora mortal,
passamos uma laçada no focinho, levantamos a cabeça fora da água e com o
machado a desencaixamos da espinha, agora sim já não ofereceria mais perigo.
O arrastamos para o porto e
com muito sacrifício o rolamos a ponto de poder tirar o couro o que o paulista
e Rafael fez com muito trabalho. O jacaré estava magro de fazer dó, pois a sua
papada em baixo da língua estava comida e uma crosta amarela a circundava, não
sei se foi doença ou piranha, mas aquele jacaré não tinha mais como comer
qualquer coisa, pois o que pusesse na boca vazaria para baixo, talvez isto
fosse à razão de sua impetuosidade e valentia. Medi o couro, tinha seis metros
e dez centímetros de comprimento, da ponta do queixo a ponta do rabo.
*
Iniciando
a volta para casa.
As chuvas se acentuavam e o
varjão amoleceu depois de amarramos os quarenta e sete couros em fardos com
cinco ou seis peles cada um e tentamos voltar à canoa para o Riozinho, mas
Paulista havia estourado os ouvidos que purgavam e tinha febre, o Rafael tinha
o pé inchado do corte e eu cheio de frieiras, estávamos fracos e desanimados.
Seria muito difícil tirarmos a canoa arrastada em mais de dois mil metros por
sobre um varjão mole e atolador que colava a canoa na lama. Inventamos de
cortar uns roletes, mas só a conseguimos arrastar por uns cem metros, a canoa
que antes deveria pesar uns oitenta quilos agora pesava duzentos, não iríamos
conseguir.
Dormimos aquela noite
debaixo de uma chuva fina e milhões de pernilongos, no outro dia bem cedo
resolvi que iríamos todos até a beira do Riozinho ver se de alguma forma
conseguiríamos ajuda. Levamos as nossas tralhas de dormidas e o rancho que
restava.
Chegamos cedo e fomos
desaguar a pequena canoa que havíamos deixado lá, enquanto tirava água da canoa
ouvi o som de um remo batendo no beiço da canoa e alguém vinha cantando, vinha
descendo o rio, todos ficamos atentos quando um homem sozinho em uma pequena
ubá apareceu na volta do rio e vinha bem alegre. Era um rapaz novo e
desconhecido, chegou até o porto, amarrou a canoa junto a nossa e cumprimentou
todo mundo:
--Olá, o que fazem aqui com estas
caras de derrotados? E riu.
--Falou bem meu amigo – remendei
e contei toda a nossa odisseia para ele.
--Ora, ora, vamos dar um jeito
nisto agora mesmo, vamos voltar ao lago, ajudo vocês a trazerem tudo para cá,
vamos – e seguiu na frente sempre cantando alguma modinha muito alegre.
A alegria do chegante nos
contagiou, assim que chegamos ao acampamento ele foi logo desamarrando os
fardos de pele, juntando algumas mais e quando completou quatro deles colocando
um em cada costa e disse:
--Vá à frente, eu vou atrás,
quando cansarem jogue o fardo no chão que eu chego e os coloco de novo em seus
ombros.
Fizemos três viagens e já
tínhamos carregado tudo só faltava á canoa, voltamos pela última vez ao lago e
enfrentamos a grande canoa:
--Vamos tirar três paus,
amarramos um de atravessado no bico da canoa, e os outros dois enfiamos por
dentro e por traz na popa embaixo desta corda que eu estou amarrando e eu e o
Dankmar Pegamos na frente e levantamos a proa e vocês dois enfiem o ombro
embaixo destes dois paus e empurrem para frente assim ele vai para cima e para
frente, certo?
--Certo - respondemos e nos
agarramos aos paus e como que por encanto a canoa ficou leve, desgrudou-se do
chão e na primeira arrancada andamos mais de seiscentos metros, logo chegávamos
à beira do Riozinho, estávamos cansados, mas satisfeitos e ainda era cedo do
dia, mas resolvemos partir só no outro dia bem cedo.
--Meu amigo muito obrigado pela a
sua ajuda e pela a sua animação, fique conosco por aqui hoje.
--Não eu tenho que ir em frente,
adeus e boa sorte para vocês.
--Vá com Deus - eu agradeci quase
chorando de alegria.
Logo cantando o nosso
salvador sumia na curva do rio e nem sequer havíamos lhe perguntado quem era ou
como se chamava, eu sei que fora um milagre, pois a nossa situação estava muito
difícil, nunca mais o vi ou ouvi falar dele, mas também nunca me esqueci.
Quando deixávamos o porto, lá em cima no barranco uma onça esturrou forte. Ela
estava me desafiando ou despedindo, mas eu disse comigo mesmo “fique por ai e
se cuide eu mesmo não voltarei mais”.
Voltamos são e salvos para nossas
casas, mas eu nunca mais, desde idos de 1958, me dediquei a caçar jacarés ou
onças eu havia aprendido a minha lição.
FIM
Resumindo:
Esperamos que alguém acorde
e venha socorrer a maior maravilha do mundo que ainda é a Ilha do Bananal onde
a natureza luta para se manter intacta e na sua originalidade como quando a
conheci e a deixei em 1958. Tal qual Deus
a criou.
De 1970 para cá Ela tenta
amargamente sobreviver a seus depredadores que não lhes dão trégua.
“A MENINA MOÇA PEDE SOCORRO”.
*
Contos e lendas do nosso folclore
(histórias dali e daqui...)
Das quatro histórias
narradas neste capitulo somente primeira foi premiada no concurso Literário
Nacional de Folclore com a 4ª Menção Honrosa pela Academia de Letras Municipal
do Brasil em 06 de agosto de 1985 – São Paulo.
É uma historia do sertão inspirada nos contos do de Joaninha Paciente
Leite da Silva, no sertão da Ilha do Bananal, mais precisamente na Fazenda São
Pedro ás margens do rio Araguaia nos idos de 1950/1953...
A esta nobre mulher dedicamos
este trabalho.
*
O sonho de Joaninha
"O
mundo encantado de Fiz”
Introdução...
Esta história foi premiada no
concurso Literário Nacional de Folclore com a 4ª Menção Honrosa pela Academia
de Letras Municipal do Brasil em 06 de agosto de 1985 – São Paulo.
É uma historia do sertão
inspirada nos contos de Joaninha Paciente da Silva, no sertão de Mato Grosso,
mais precisamente na Fazenda São Pedro ás margens do rio Tapirapés, nos idos de
1950.
A esta nobre mulher dedicamos este trabalho.
Na fazenda São Pedro, ali às
margens do alto rio Tapirapé, no interior do Estado de Mato Grosso, o velho
Coronel Lúcio Pereira Luz, um sertanejo talhado mais duro que o aço, era um
fundador de cidades, perscrutava o horizonte sombrio que se aproximava em forma
de um temporal que vinha do rumo norte aonde uma grande mancha azulada, quase
roxa, cobria a metade do céu, era mês de dezembro de 1958.
--Pessoal...
Ai vem um forte temporal, seria bom darmos dois tiros para cima para acalmar os
ventos.
--É pra já Coronel - falou João
Pinheiro que tirou o revolver da cintura e disparou a carga toda para cima,
seis tiros seguidos ecoaram.
--Mas... Para que isto João, agora
é que a coisa vai feder, eram sós dois tiros – reclamou o pioneiro.
Um forte vento chegava ao
terreiro levantando poeira e agitando as arvores.
--Todos para dentro – gritou.
Lá fora começava a tormenta, o
vento assobiava por entre as telhas de barro fazendo-as balançar e correr do
lugar abrindo um buraco no teto da casa, logo em cima onde era o deposito de
mercadorias e começou a molhar tudo.
--Dona Joaninha traga uma capa que
está na cozinha.
--Já vai seu Lúcio.
Logo a chuva passou, todos se
molharam um pouco e a “tralha” nada sofreu, mas havia feito um bom estrago.
--Vamos tomar um cafezinho com umas
petinhas – convidou Joaninha.
Ali estavam reunidos, o Coronel
Lúcio Pereira Luz, o velho Camilo (o maior mentiroso daquele sertão), o
Domingos Medeiros (Domingão Caolho), João Pinheiro o cantador, o índio Carajás
Savarú e nossa heroína Joana Paciente da Silva (a Joaninha).
Já eram quase quatro horas da
tarde, o sol que aparecera no poente e secava a lama.
--Vou dar uma olhada em meu cavalo
– falou Domingão preocupado,
--E eu na minha canoa - emendou
Camilo.
--Coronel... O senhor acredita em
sonho? – indagou Joaninha,
--Claro, o sonho é o outro lado da
vida.
--É que eu tive um sonho igual a
uma história que a minha mãe contava, pareceu-me tão real tão encantado como a
lenda.
--Nos conte – pediram todos que se
assentaram do jeito que puderam e se quedaram a ouvir a narração.
--Sonhei
que uma nuvem de fumaça me envolvia me transportando para o mundo dos sonhos,
mas assim que ela se dissipou me achei em uma linda campina cheia de flores e
muita montanha ao longe, estava sozinha, pude ver uma cabana de tronco de
madeira que soltava fumaça pela chaminé, fui me aproximando da casa pisando na
relva macia, quando uma voz me surpreendeu:
--Currripaco... Esconde Joaninha
que o malvado vem chegando.
--Oi papagaio bonito você me
assustou, como é seu nome?
--Fulustreco... Fulustreco...
Crer...
--Quem vem chegando? Amigo Fulustreco, é o malvado da montanha?
--Sim, ele mora na montanha e desce
de lá para roubar, rouba tudo inclusive moças para o seu palácio, lá já tem
muita gente que ele raptou.
--Ora, ora vejamos se este malvado
é também valente.
Ao longe o tropel ressoava,
mas logo chegaria à cabana, Joaninha se colocou em pé pelo lado de fora da
cabana e aguardou valentemente enquanto o cavaleiro solitário se aproximava.
--Vejamos... Parece que temos uma
estranha aqui – Vociferou o chegante.
--Meu nome é Joaninha e não se
atreva a me tocar - gritou a jovem que reconheceu por baixo da espessa barba a
figura do Coronel Lúcio – mas... O senhor é o Coronel Lúcio?
--Meu nome é Arquejante, sou o
Duque de Arquejante o único rei deste mundo.
--E porque rouba? Inclusive gente?
--Estou construindo o meu império
lá nas montanhas e preciso de súditos para a minha corte.
--Mas agindo assim só vai ter
problemas.
--Você vem por bem ou por mal?
--Eu só vou se deixar levar o meu
papagaio.
--Então suba logo.
Joaninha colocou o Fulustreco
no ombro e montou na garupa do cavalo e lá se foram eles em disparada rumo as
montanha que aparecia por entre vales e riachos e depois de uma longa cavalgada
chegaram ao topo de um barranco e puderam avistar lá em baixo no vale, um lindo
castelo sendo construído por muita gente que trabalhavam parecendo formigas
desceu pelo trilheiro abaixo até chegaram às ruas da pequena cidade que surgia,
foram andando até a porta de um pequeno palácio ao lado do grande que
construíam.
--Capitão da Guarda – gritou o
Duque.
--Ás suas ordens Excelência –
respondeu um homem magro e alto que era cego de um olho.
--Domingão! - Exclamou Joaninha.
--Quem? Interpelou o Capitão.
--Você é meu amigo Domingos
Medeiros, não é?
--Amigo seu eu posso ser senhorita,
mas meu nome é Ananias o Capitão da Guarda do Palácio.
Joaninha ficou surpresa com os
acontecimentos ela conhecia a todos, mas eles não a conheciam, o que estava se
passando? Ali estavam o Coronel Lúcio
Pereira da Luz e o Domingão, faltava João Pinheiro, Camilo e Savarú. Joaninha
desceu do cavalo e admirada seguiu os dois homens castelo adentro.
--Mas isto aqui é muito lindo! –
exclamou.
--Quando terminarmos ai então verá
o esplendor deste castelo – afirmou Arquejante.
--Cuidado Joaninha, vem rolo por ai
– sussurrou Fulustreco.
--Calado.
O Palácio estava cheio de
jovens, as mais velhas perambulavam pelos corredores.
--Mas este povo foi todo trazido
para cá a força? Perguntou a jovem.
--Sim minha jovem eu os trouxe aqui
pela força.
--E porque eles não fogem?
--Aqui não há como fugir, só existe
um caminho para sair e é vigiado dia e noite.
--Espera construir uma nação com
opressão? Indignou-se a jovem.
--Por ventura a outro meio? E de
mais a mais eles são bem tratados.
--Mas são escravos.
--Só a austeridade constrói -
respondeu zangado Arquejante.
--Devemos ser austeros, porem sem
jamais perder a ternura - completou a chegante.
--Muito cientifico porem inócuo –
atalhou – mas aqui esta o seu quarto, Miriam irá lhe fazer companhia.
--Mas eu não quero ficar aqui!
--Depois trataremos disto -
terminou o Duque deixando as duas moças sozinhas.
--Miriam! Você é minha neta, não é
filha da Maria Paciente?
--Sim eu sou Miriam e você deve ser
Joaninha? – perguntou.
--Você sabe o meu nome, eu sou sua
avó!.
--Que assim seja, mas há muito
tempo você é esperada aqui.
--Como assim?
--Bem... Diz à lenda que uma jovem
morena viria de outro tempo para o bem do povo de Fiz.
--Mas... O que posso mudar?
--O tempo dirá minha amiga, agora
entre em seu quarto e eu lhe trarei roupas novas mais adequadas aos nossos
costumes.
Joaninha colocou Fulustreco
sobre uma cadeira e sentou-se na cama acetinada. Era muito macia.
--Joaninha Paciente você veio do
futuro para salvar este povo oprimido – falou claramente o papagaio.
--Então você fala tudo? –
admirou-se a jovem - Só para você e quando não tem ninguém por perto.
--Então... Você é uma ave encantada?
--Mais ou menos isto, agora vá
dormir que eu a vigio. Muitos parentes teus estão aqui mas eles não se lembram
de você, porque no nosso mundo muitos deles ainda não nasceram.
A alienígena deu um sorriso e
afagou a cabeça da pequena ave dizendo:
–Que coisa encrencada, mas logo
descobriremos tudo, obrigada – foi dormir.
Miriam entrou calada no quarto, colocou
as roupas sobre um sofá e saiu sem fazer o menor barulho para não acordar sua
nova amiga.
--Acorde Joaninha, o Duque esta
mandando te buscar, cuidado com a resposta que der a ele – instruiu Fulustreco.
--Cuidado com o que?
--Ele vai te fazer muita pergunta,
mas você deve responder só ás que souber quanto ás outras responda só assim “eu
vim do futuro”.
Mãos fortes bateram na porta.
--Já vou – gritou à jovem e
levantando-se experimentou as roupas que Miriam lhes trouxera, pareciam terem
sido feitas sob medida e para ela. Olhou-se no espelho estava linda.
Tornaram a bater, e gritaram:
--O Duque esta esperando.
Joaninha abriu a porta e deu de
cara com seu velho amigo João Pinheiro.
--João, meu amigo poeta e cantador!
Admirou-se.
--Poeta e cantador sim minha jovem
porem meu nome é Arcanjo e sou o artista animador da corte.
--Mas tudo isto é incrível! Onde estão o Camilo e o Savarú?
--Não os conheço quem são eles?
--São meus amigos, igual a você o
Domingão e o Coronel.
--Não sei do que esta falando, mas
é melhor se apressar o Duque se zanga atoa. Vamos... Siga-me.
E lá se foram os dois pelos
enormes corredores, Joaninha ia atrás. Chegou a um grande salão, ela viu
dezenas de homens idosos sentado em uma ala lateral, todos vestidos de branco
que se levantavam a sua passagem e inclinava a cabeça, ela apenas meneava a
cabeça e seguia rumo ao trono em que o Duque se encontrava sentado ladeado por
outras duas cadeiras vazias. Ao pé do trono varias jovens sentadas ao chão
abriram um amável sorriso para a chegante.
--Você se chama Joaninha Paciente
da Silva – perguntou o Duque.
--Sim este é meu nome.
--Você veio do futuro?
--Depende do ano em que estamos –
foi à resposta.
Todos riram baixinho.
--Silêncio – falou o Duque e
continuou – estamos no ano 658 d.C.
--Eu vim do ano 1985, mais
precisamente do dia 23 de agosto de minha cidade natal de nome Miracema no
Estado de Goiás, e meu país se chama Brasil, mas eu estava trabalhando na sua
Fazenda São Pedro.
--Minha? - Estranhou o Rei - eu
nunca tive fazenda e ainda mais com este nome, o que veio fazer aqui?
--Eu vim do futuro, mas, me diga
como soube que eu viria para cá e porque qual o motivo – interpelou a jovem.
--Chamem o velho Horácio – ordenou
o rei aos soldados.
Um velho negro entrou na sala e
dirigiu-se para junto de Joaninha e sorrindo abraçou-a dizendo:
--É bom vê-la de novo Joaninha.
--Camilo você se lembra de mim?
--Claro minha doce criatura, mas
neste mundo eu me chamo Horácio e sou sacerdote maior.
--Mas nos estávamos todos naquela
casa da fazenda São Pedro do Coronel Lúcio.
--Depois te explicarei tudo.
--Horácio é nosso sacerdote e
profeta, ele pode prever o futuro. Dele se originou a lenda de sua vinda que
agora quero esclarecer – afirmou Arquejante.
--Não há nada que esclarecer meu
líder – interrompeu Horácio – assim está escrito que ela viria para trazer o
bem á nação e ao próprio rei.
--Mas eu tenho tudo o que preciso –
asseverou o rei
--Não tem não – interveio a jovem -
ainda lhe faltam muitas coisas. Um homem para Ter tudo o que precisa em
primeiro lugar deve ser humilde e fervoroso a Deus.
--Mas... Eu faço as minhas orações.
--Ora e escraviza, pede perdão e
peca de novo, ninguém pode ser feliz pisoteando o seu semelhante, liberte-os,
deixe-os decidirem se querem ir ou ficarem, os que permanecerem lhe serão
fieis.
--Como se atreve a falar assim
comigo?
--Falo assim porque no meu mundo a
liberdade é o maior dom de todos, lá não existe mais escravidão.
--Você veio para sublevar meu
povo? Incitá-los contra mim?
--Não majestade - interveio Horácio
- ela veio para mudar seu coração, só os mais humildes tem este poder.
--Basta... Se retirem todos, amanhã
continuaremos - Finalizou o rei.
Horácio tomando Joaninha pelo
braço levou-a de volta aos seus aposentos, uma vez lá dentro Horácio lhe falou:
--Agora te explicarei tudo. No
século XX, de onde você veio, e eu também vim existem o Camilo, o Coronel,
Savarú, você, João Pinheiro e eu também, mas nos voltamos no tempo para ajudar
a este rei. Eu que tenho poderes de viajar no tempo fui até lá te buscar e a
levarei de volta quando chegar à hora eu precisava de uma jovem bondosa e
humilde, corajosa e decidida e tudo isto foi encontrado em você, assim...
Digamos... Eu a tomei emprestada porque sendo minha amiga do futuro poderia
confiar em mim.
--Mas isto é um sonho.
--Bem real por sinal.
--Mas o que devo fazer?
--Quando chegar a hora seu coração
lhe ordenara.
--Só falta-me ver o Savarú, ele
também esta por aqui?
--Sim ele é o líder do povo,
brevemente o verá.
--Mas eu preciso voltar para o meu
tempo, não posso ficar muito tempo fora de casa.
--Seu tempo aqui será grande, mas
no futuro não passará de um lapso de alguns segundos, tome use este bracelete
para ser identificada pelo nosso povo.
--É muito lindo, mas eu corro
perigo?
--Não, nada lhe acontecerá, você é
apenas uma imagem real que ao sinal do menor perigo se torna irreal.
Lá fora o Duque nervoso conversava
com seus ministros:
--Ela é muito perigosa e bonita. O
povo já tem conhecimento de sua chegada e há um zum zum danado por ai.
--O que vamos fazer com ela?
--Mate-a ou a encarcere – sentencio
o Ministro Marcas.
--Nunca, - interferiu o primeiro
ministro – se ela pudesse morrer se tornaria uma líder ainda maior, mas ela é
imortal, portanto se quiserem se livrar dela deixe-a cair em pecado, mande
soltá-la em meio aos bárbaros e salteadores que habitam juto a rales.
--Se ela veio trazer a bondade e o
amor porque endurecem seus corações? Perguntou o terceiro ministro Azafiz.
--Eu sou o que sou e nada me
mudará-sentenciou o rei.
--Então como pode o todo poderoso
Duque Arquejante temer uma simples e modesta moça? Eu não a temo.
--Todos nos a tememos Majestade,
pois ela tem o poder do amor e da caridade que nossos corações enegrecidos pela
ambição e avareza não podem receber, mas, francamente eu a admiro e estou
disposto a protegê-la.
--Isto é traição – gritou o segundo
ministro
--Não, não é traição é a essência
da bondade que começa a nos contagiar.
--Que assim seja soltem-na entre os
salteadores -sentenciou Sua Majestade.
--Verás que irá jogar a semente em
terra bruta, mas ansiosamente fertilizada e ela dará muitos frutos bons.
Ninguém entendeu os dizeres de
Azafiz.
Já era noite quando Fulustreco
acordou sua dona e palrou:
--Acorda Joaninha, ele vem te
buscar para te soltar entre as feras, mas não te assuste eu estarei te
protegendo.
--Porque agem assim?
--Porque assim deve ser.
--Cale-se, já estão na porta e
podem desconfiar.
--Abra a porta em nome do Rei.
Joaninha calmamente abriu a
porta e encarou seus algozes que a seguraram pelos braços e a arrastaram para
fora.
--Mate o papagaio – ordenou um
soldado
--Não, o deixe comigo pediu a
jovem.
--Esta bem afinal que mal pode
fazer esta avizinha.
A enviada foi amarrada teve os
olhos vendados e a puseram em uma carroça e depois de varias horas um dos
soldados disse:
--Aqui esta bem já esta ficando
perigoso vamos voltar.
--Tudo bem - soltaram-na e tiraram
a carapuça.
Joaninha e seu papagaio vagaram
pelas ruas tristes e vazias da pequena vila quando um homem maltrapilho e mal
encarado a agarrando disse:
--Bela presa, você agora é minha,
venha para dentro do bar.
A jovem foi arrastada pelo bar
adentro aonde uma forte algazarra e muita fumaça e o cheiro forte do álcool
tomavam conta do ambiente e o bandoleiro foi gritando:
--Vejam o que eu achei – e mostrava
a jovem.
Joaninha estava desesperada e procurava um
salvador e na sua busca notou um homem de costa que lhe chamou a atenção e ela
gritou:
--Savarú, socorro.
--Cale esta boca - escumou o
bandido.
--Quem é esta jovem? - perguntou
aquele meio mestiço de índio.
--Sou Joaninha, não se recorda de
mim Savarú?
--Quem é Savarú? Eu sou mestiço, me
chamo Rosa-cruz – retornou gentilmente aquele homem, e segurando-a pela mão viu
o bracelete e espantado falou:
--Você
é a enviada?
--Sou sua amiga Joaninha e vim do
futuro porque o velho Camilo foi me buscar.
--Não estou entendendo nada do que
estas dizendo, mas se esta pulseira for verdadeira uma vez colocada não poderá
mais ser tirada, se você for à prometida só depois da paz voltar a FIZ ela
poderá ser removida, deixe-me vê-la?
--Pode olhar a vontade – insinuou
Joaninha estendendo o braço.
O mestiço examinou
cuidadosamente e depois tirando uma faca tentou abri-la, mas a jovem o
interrompeu:
--Cuidado.
--Não tenha medo quer ver uma
coisa? Põe a tua mão em cima deste balcão.
--Para que?
--Para isto – e a seguir enterrou
a faca no meio da mão da jovem que estática deu um grito, mas viu que a faca
não a ferira e retirou a mão ficando a arma espetada em cima do balcão.
--Ohhhh... Ela é mesmo uma deusa –
clamarão muitos ali presentes.
--Mas o que aconteceu – admirava-se
a moça olhando a mão sem um arranhão – eu não sou uma deusa, sou uma pessoa
igual a vocês sei que embora aparentem serem cruéis são apenas seres humanos
humildes e bondosos.
Todos respeitosamente se
afastaram e o mestiço tomando a donzela pela mão conduziu-a até uma mesa a
colocou em cima dizendo:
--Viste?...Não foste ferida pela
faca, mas eu posso te segurar
pela mão.
--Como se explica isto?
--O perigo a transforma em uma
miragem, nesta éra, você do futuro nada pode atingi-la, pois na realidade ainda
não existe, Horácio já havia me avisado.
--E eu? Ninguém fala comigo?
Estrondeou o papagaio.
--Ora veja um animal falante?
--Animal é você mal cheiroso –
ofendeu Fulustreco.
Todos riram do mestiço, que com uma faca
ameaçava o papagaio.
--Acalme-se moreno – continuou.
--Vai virar farofa.
--Deixe o meu companheiro em paz –
aventou Joaninha – ele é de muita serventia – e ordenou – Vai Fulustreco vai
até o Palácio e veja o que estão tramando.
--Agora de noite?
--Esta bem amanhã cedo.
--O Horácio é um grande sábio, mas
não me falou nada deste papagaio falante.
--O que querem que eu faça? –
perguntou Joaninha abrindo o braço para todos do salão.
--Queremos liberdade para que todos
sejam igualmente livres e sem opressão, queremos paz para nossas famílias e
para poder viver felizes. Queremos andar sem camisa, beber nosso vinho rindo e
dançando, enfim queremos a vida de volta.
--Mas... O que eu posso fazer para
tornar isto realidade?
--O tempo dirá... Aguardemos.
--Mas não posso espera tanto tempo
assim se tiver que fazer alguma coisa vai começar agora. Entusiasmou-se a
enviada.
--Viva – gritou todos – vamos á
luta.
Um silêncio profundo encheu o
salão, Joaninha perscrutou a todos e depois levantando as mãos falou
suavemente:
--O meu Deus é o mesmo Deus de
vocês, ele é o meu Pai e é também o Pai de vocês disto vos sabeis pelo livro
das leis e pelo vosso coração. Mas para vos ajudar eu preciso que todos me
ajudem, primeiro, acabeis com a violência, não assalteis e nem matais,
protejam-se mutuamente e amem uns aos outros, reconcilia com teus inimigos,
pagais os impostos, trabalhem arduamente e sereis livres, e eu os acompanharei
e obrigarei o Rei a vos libertar.
--Cuidado com aquele magricela
barbudo ali no canto, ele trama contra ti o nome de é Jafar – Sussurrou ao
ouvido a ave que estava no ombro.
--É Você Jafar? - continuou
Joaninha apontando o dedo para o espantado homem - Porque não acredita em mim e
trama me ferir? Pois o faça agora perante todos?
Todos os olhos se voltaram para
Jafar e todos viram culpa nele.
--É verdade Jafar – perguntou o
líder.
--Sim... Eu pensava nisto... Mas
como ela soube até meu nome? É realmente uma Deusa, me curvo a ela – assim
clamando o homem se ajoelhou e postou a cabeça arrependida no chão.
--Levante-se meu amigo, sei que é
corajoso porque admitiu o erro, fique conosco – perdoou a jovem. – Acalmem as
vossas íras, Jafar já foi perdoado e se unira a mim, e como já falei abrandai
os vossos corações e estarão me ajudando transmitam a todos esta minha mensagem
de paz e brevemente estareis libertos.
Grandes aclamações se fizeram
ouvir.
--Eu a seguirei fielmente –
assegurou Jafar a que Rosa--cruz completou:
--As coisas já estão mudando, o
tempo já esta falando. Agora vamos sair daqui – ordenou o mestiço.
Jafar, o mestiço e Joaninha
saíram da taverna para a rua, ao longe alguém cantava era Arcanjo o animador e
poeta da corte que andava em suas aventuras boêmias.
--Salve poeta e cantador do povo –
saudou Rosa-cruz.
--Mas. O que faz aqui a bela jovem
salvadora de nosso povo?
--E da corte também – ironizou
Jafar.
--Ela, tal Daniel foi jogado no
covil dos leões, mas estes não lhes fizeram mal algum e sim lhes lamberam as
mãos,
--Bem pelos menos aqui entre o
nosso povo estará salva da tirania, mas para uma deusa uma canção de amor:
“Em
seus lindos cabelos, uma rosa prendeu,
Em
seus braços divinos, o cativo sou eu,
Em
teus lábios viçosos, mil promessas de amor,
Hoje
eu vivo cantando esperando o frescor,
Desta
rosa de amor,
O
perfume da rosa, em meu peito ficou,
É
a triste lembrança, foi ela quem deixou,
Esta
rosa formosa é quem me faz penar,
Porque
sei que cantando, alguém fica esperando vendo a rosa murchar,
Se
eu contar meu sofrimento, por este mundo sem fim,
Se
eu contar minha vida, você tem dó de mim,
Vivo
no mundo isolado, num martírio sem fim,
E
é por causa de um amor, que até meus próprios irmãos, também são contra mim,
Até meu violão que não sabe falar,
E por ser de madeira aguenta paixão e fica em meu lugar,
Até meu coração tambem sente paixão por viver assim tão triste patativa canção..
Se eu contar meu sofr........
--Muito bonita meu amigo João
Pinheiro – agradeceu Joaninha.
--João Pinheiro ou Arcanjo, o que
importa é agradá-la.
--Agora vamos todos para a casa da
Ruth, ela nos recebera.
Após andarem por becos e ruas
escuras chegaram a uma casa que em pouco se diferenciava das outras. Arcanjo
bateu na porta que não se demorou a abrir.
Ruth os recebeu a todos lhes
beijando a face com ternura e olhando para Joaninha perguntou:
--É a enviada?
--Sim. É ela mesma. Veio do futuro
para resgatar a nossa liberdade.
--Mas, você também é minha neta,
como veio parar aqui/
--Sentem-se todos – convidou a dona
da casa. – gostaria de arrumar uma melhor hospedagem para a nossa jovem, mas o
pouco que tenho é seu e quanto a ser sua neta você é muito jovem para ser minha
avó.
--Mas, eu sou...
--Obrigada assim mesmo.
--Ora, ora vejam quem estão aqui –
falaram em uníssonas duas mulheres que chegavam, eram irmãs de Ruth.
--São minhas irmãs Miriam e Enilda
– apresentou Ruth.
--Sim já conheci Míriam, é a minha
neta e amiga lá do palácio, e agora conheço outra neta a Enilda – e dizendo
assim abraçou a nova amiga.
--Agora, conte-nos um pouco do
mundo de que vieste, ou melhor, do seu tempo já que o mundo é o mesmo – pediu o
Mestiço. – estamos ansiosos para conhecê-lo.
--Será difícil você acreditarem,
mas eu vim do ano 1985 depois de Cristo, isto é, ainda vou levar 1.327 anos
para nascer, já tivemos duas grandes guerras onde milhões de pessoas morreram
na explosão de duas bombas atômicas, muitos milhares de judeus foram mortos na
Segunda grande guerra, nos não mais usamos flechas ou lanças agora se usa
fuzis, canhões, granadas, revolveres e pistolas automáticas de muitos tiros e
que matam muita gente a longa distância, existem cidades com mais de oito
milhões de habitantes que moram a maioria em arranha-céus que são casas
construída uma em cima da outra até sessenta ou mais andares e se sobe por meio
de elevadores que são caixas que a gente entra dentro dela e ela é puxada para
cima até no andar ou casa que você morar, todos tem que trabalhar para ganhar
dinheiro, e os horários são muito rígidos de oito horas de trabalho todos os
dias, mas nos campos se vivem em paz, acorda-se cedo e se dorme cedo, mas não
há sábado ou Domingo, todos os dias da semana são iguais, mas nas cidades os
trabalhadores só tem folga aos sábados, domingos e feriados, nos na roça
plantamos muitos hectares de legumes como arroz soja, feijão, milho, cana de
açúcar, criamos centenas de vacas, carneiros, cabras porco e muita galinha.
Temos muita fartura de alimentos, vive-se em harmonia com os vizinhos, ainda há
muito peixe e carne, mas para o transporte pessoal não se usam mais os cavalos
ou carroças e sim bicicletas, automóveis, caminhões e aviões que voam acima das
nuvens e levam duzentas pessoas de cada vez, os automóveis ou carros que
existem aos milhares são puxados por motores de ferro e aço que consomem
gasolina e rodam até duzentos quilômetros por hora, eu mesmo moro em uma
fazenda chamada São Pedro do Coronel Lúcio Pereira Luz que neste mundo de vocês
aqui ele é o Duque, lá na mesma fazenda, também moram o Camilo, João Pinheiro,
Domingão, e o Savarú que são vocês, o Horácio de hoje no meu tempo se chama
Camilo, você Arcanjo se chama João Pinheiro, o Ananias Capitão da Guarda se
chama Domingos Medeiros ou Domingão, você Rosa-cruz se chama Savarú e é um
índio Carajás e até antes de eu vir para cá estávamos reunidos lá na fazenda.
--Estes automóveis que correm até
duzentos quilômetros por hora o que usam para correr ou andar? Perguntou
Arcanjo.
--Eles usam rodas como as carroças,
mas em lugar de um cavalo tem noventa cavalos força dentro de uma só maquina,
são difíceis explicar.
--Não, esta tudo bem, um dia eu os
vou conhecer mesmo, afinal eu já estou lá – brincou o poeta.
--Mas que espécie de liberdade e
esta que não se pode sair ou entrar a hora que se quer e ter que trabalhar
todos os dias por oito horas?
--Para se Ter liberdade tem que se
Ter responsabilidade, tudo lá tem dono se quiser alguma coisa tem que comprar
ou produzir assim se vive da troca de mercadoria por dinheiro e dinheiro por
mercadoria ou serviços, uma troca muito justa.
--Lá se cobram impostos
exorbitantes e forçados como aqui?
--Sim, o Estado ou os seus
dirigentes para oferecem serviços tem que Ter dinheiro que é cobrado na forma
de imposto e depois volta para o povo em forma de atendimento médico, remédios,
escolas, luz, água, proteção policial, aposentadorias, pois quando e fica-se
velho todos ganham um ordenado do Estado pelo resto dos dias de vida sem
trabalhar. Os nossos dirigentes são escolhidos pelo povo em eleições gerais e
fiscalizados pelo próprio povo, já temos organizações que protegem nossos
direitos, o povo elege o povo derruba o governo se não andar direito.
--Mas assim é muito bom o mesmo
deveria acontecer aqui – murmurou Míriam.
--E vamos fazer isto acontecer e
muitas outras coisas deverão mudar.
--Quando começaremos estas
mudanças? – perguntou Horácio.
--Já começamos – respondeu
energicamente Joaninha – na Quarta feira de amanhã iremos ao palácio falar com
o Rei.
--Assim será, mas vamos todos,
vamos reunir a massa e faremos uma passeata até a porta do Palácio enquanto
você Joaninha entra e luta por nós.
--É incrível, mas no fundo sinto
que tudo isto é verdade – afirmou o mestiço.
--E este pais seu como se chama?-
perguntou Ruth.
--Brasil este é seu nome, mas só
foi encontrado ou descoberto em 1.500, ele existe ao longo de lindas praias das
grandes águas salgadas tem muita mata virgem e muita caça, ou melhor, muito
animal silvestre em meu tempo já não era permitido caçar animais, acredite, nos
já fomos à lua.
--Não acredito – espantou o poeta –
a minha tão cantada lua já foi maculada?
--Maculada não, apenas visitada, é
um mundo morto, sem vida, nossos astronautas que são pilotos de aeronaves andam
pelo espaço junto às estrelas, vão e voltam para casa, e voltam ao espaço à
procura de outros planetas aonde haja vida, para um dia habitarmos novos
mundos.
--É um mundo muito complicado,
prefiro este aqui – testemunhou Enilda.
--Voltemos ao nosso assunto principal,
lembre-se que para conquistarmos espaço precisamos primeiramente nos
conscientizar que estamos no caminho certo, isto é, com o coração aberto e puro
desejando o bem de nosso próximo sem jamais agredi-los.
--Tudo certo – interrompeu Jafar –
hoje é Domingo na Quarta de amanhã será o grande dia, avisaremos Ananias ele
estará conosco.
Depois de uma longa conversa e
acertarem os pormenores foram todos dormir.
Joaninha custou a pegar no sono
pensando em como tudo aquilo acontecera.
Os dias se passaram e a cidade
estava calma e cada vez mais pacifica, os assaltos acabaram não havia
violência.
No Palácio Azafis comentava com
o Duque:
--Alguma coisa estranha esta
acontecendo, á dois dias não se registra nenhuma violência e todos estão
recolhendo amigavelmente seus impostos.
--Só pode ser coisa daquela...
Enviada – balbuciou o Duque.
--Informaram-me que o mestiço
Rosa-cruz a protege, mas não nos iludamos algo vai acontecer em breve, fala-se
numa rebelião em massa.
--Rebelião contra mim – gritou o
Rei assustado.
--Sim, falam em uma rebelião
pacifica, mas quem sabe o que vai acontecer?
--Sim, mas quando?
--Seria mais interessante que
mandasse buscar a enviada para que ela esclareça pessoalmente.
--Sim – concordou o Duque – mande o
Capitão da guarda prendê-la e trazê-la aqui amanhã Quarta feira de manhã.
--Seria melhor convidá-la Majestade
– interrompeu Azafiz – prendê-la poderia agravar ainda mais a situação, foi um
erro de Vossa Majestade jogá-la entre os salteadores, agora ela os conquistou e
se voltam contra Vós, mande sequestrá-la, mas paci- ficamente.
--Providencie então, faça o que
achar melhor, mas quero falar com ela amanhã cedo - determinou o Rei.
--Ela estará aqui – afirmou Azafis.
Na Quarta feira de madruga Ananias
mais dois soldado partiram em busca de Joaninha, para sequestrá-la, mas quando
foram chegando perto da zona proibida Ananias avisou.
--Vamos, com calma, eu não tenho
nada contra ela só a vou levar porque Horácio me pediu para fazê-lo, não vou
sequestrá-la e sim convidá-la para ir e nos a guardaremos com a nossa vida.
--Eu, e meu colega aqui estamos
dispostos a ajudá-la – disse alegremente o soldado – estamos com ela, alias
toda a guarda do palácio esta do lado dela.
--É porque chegou à hora – afirmou o
capitão.
Chegando a casa de Míriam era
ainda escuro da madrugada e Ananias batendo a porta chamou:
--Mirian é Ananias eu vim em paz,
abra à porta e deixe- nos entrar.
Abrindo a porta os três homens entraram
Rapidamente, lá dentro estavam
somente as três mulheres.
--O Duque mandou raptá-la não
viemos para isto.
--Então? A que viera?
--Viemos porque Horácio nos ordenou
que a levássemos, pois é chegada a hora.
--Então eu irei com vocês.
--Sozinha – questionou Míriam.
--Não vamos todos nos – respondeu
Mestiço que acabava de chegar acompanhado de Jafar e do poeta.
--Não, eu irei á frente, reúna todo
o povo e vão para lá, mas desarmados e sem violência ou rancor – ordenou a
jovem.
--A guarda nos impedira.
--Não impediram ninguém já está
tudo acertado, podem entrar pacificamente porta adentro. Não haverá reação.
--Então vamos. – disse Jafar e se
voltando para Joaninha olhou-a suavemente em seu rosto e completou – Tome
cuidado contigo
--Deixa que eu cuide – defendeu
Fulustreco.
--Seu periquito assanhado, o que
pode fazer?
--Espere e verá.
Os três homens partiram
levando Joaninha e seu papagaio falante e a conduziram a presença do Rei que já
a esperava aborrecido com o atraso.
--Com que e por que anda incitando
o povo contra mim?
--Não, tenho pregado a paz e a
harmonia, vede que as violências se acabaram e o povo esta alegre.
--Mas, falam de rebelião?
--Falam é de liberdade.
--Liberdade? O que mais querem do
que a que já os dei?- gritou o Rei
--Querem ser livres e querem ter o
direito de irem e virem a vontade.
--Mas aqui dentro eles são livres.
--Liberdade não conhece fronteira
Majestade – enfatizou a enviada.
--Pretendem que eu abra o caminho?
--Só assim serão livres.
De repente as portas do
Palácio se abriram de chofre e um tumulto enorme se fez ouvir. O povo invadia o
Palácio ante a atitude pacifica da guarda do Rei que nada fez para impedir e se
juntaram a massa.
--Mas o que é isto – gritou o Rei
encolerizado – guardas detenham este povo.
--Ninguém os impedira Majestade,
por favor, escute o que a enviada veio lhe dizer- suplicou Ananias.
--Traição - blasfemava o Rei.
O castelo estava todo tomado
de gente humilde que se mantinham calados pacificamente a espera do desenrolar
dos fatos.
--Escute-me Majestade, olhe, seu
povo está calmo e eles lhes amam, eles querem apenas a liberdade e viver
felizes e sem opressão.
--Se eu abrir o caminho irão todos
embora e meu reinado estará terminado.
--Engano seu, pode ser que alguns
se vão, mas a maioria ficará e lhe serão fieis.
--Não acredite nela – gritou o
maldoso Azafiz _ e tomando a lança de um soldado jogou-a contra a jovem, mas,
para o espanto de todos a lança a atravessou e se espetou no chão mais adiante
e nada aconteceu à enviada.
--Guardas prendam este homem –
ordenou o Rei.
Azafiz foi imediatamente preso
e encarcerado, terminava ai os dias de um perverso ministro que tumultuou a
vida de um povo humilde.
--Ele será deportado, será banido
de nossas terras.
--Viva o Rei –Viva o Rei – gritava
a multidão e o Rei gostou.
--Venha convidou Joaninha, vamos
até a janela da sacada e de lá poderá melhor falar com seus súditos e verá o
quanto o amam.
Ao chegarem à janela depararam
com o pátio do Palácio repleto de milhares de pessoas e todos davam vivas ao
Rei – que emocionado levantando os braços a pedir silêncio, falou:
--Meus amados súditos andaram pela
senda do pecado e da ignorância, pequei contra vocês e sou humilde para
reconhecê-lo, eu vos devolvo a liberdade total de agora em diante, quem quiser
ficar que fique quem quiser partir que assim seja, e se me quiserem como seu
Rei e Líder eu desde já nomeio meus novos Ministros, Horácio, Rosa-cruz, Jafar,
Ananias será o Comandante Geral da Guarda e meu amigo Arcanjo nosso poeta e
cantador para seus dias se tornarem mais felizes – interrompeu Arcanjo.
--Bem, meu querido povo me responda
agora: ainda me querem como seu Rei?
--Viva o Rei – Viva o Rei.
--Querem ser meus súditos livres
como as aves?
--Sim Viva o Rei – respondiam seguidamente.
--Bem ao que parece chegou à hora
de me ir embora, “mas não se esqueça
Majestade que o verdadeiro Rei é Jesus Cristo o Filho de Deus, não o largue um
só minuto de sua vida, ele lhe dará conselhos e ordenará aos seus anjos que os
proteja pelos restos de seus dias, portanto, sede humilde como as pombas, e ame
ao seu próximo com sabedoria e será um rei eternamente feliz e seu povo o
amará”
Joaninha acenando com a mão lá
da sacada quando uma nuvem branca a envolveu e ela desapareceu daquele mundo
encantado de Fiz, para acordar na sua caminha fofa, lá na fazenda do Coronel
Lúcio.
Este foi meu sonho Coronel, me
pareceu uma realidade.
Outros que estavam ali ouvindo
eram os velhos Camilo, João Pinheiro, e Savarú, Joaninha olhou para eles e um
frio entrou na sua alma.
--Nossa mãe o que lhe aconteceu
menina? Esta pálida. Parece que viu uns
fantasmas? Só porque sonhou conosco?
--E vi mesmo – Será que eles
acreditaram? Monologou.
--Chiii... Você ta diferente –
alertou Savarú – arranjou até uma pulseira, será que é a do sonho?
--Então foi tudo real – pensou a
jovem apalpando a pulseira.
--O que foi agora? Perguntaram
todos.
--Nada, nada demais, depois eu explico.
02) - “Raimundinho e o Rábula”.
Raimundo Pereira da Silva era um
jovem piauiense que não tinha mais do que 18 anos, já trabalhava há quase dois anos
na Fazenda do Coronel Antero no interior de Mato Grosso, bem lá no fundão,
longe da civilização.
O Coronel era muito severo e
famoso por sua violência, qualquer desaforo ele ou mandava para ser chicoteada
no tronco a guisa dos escravos, ou mandava matar.
Raimundinho era do tipo
pequeno e ligeiro como a maioria do nordestino e bem mandado, fazia de tudo
inclusive namorar a filha do patrão às escondidas.
O tempo passava e os encontros
fortuitos se amiudavam e um dia a menina Rosinha chegou-se a ele e lhe disse:
--Raimundinho não dá mais para
segurar estou grávida, você tem que falar com meu pai.
--Virgem Maria! Se ele souber sei
que vou morrer!
--Se você não falar ele descobre
de qualquer jeito, pois a barriga já está aparecendo e quando ele desconfiar ai
que ele vai te mandar matar dum jeito ainda pior, mas eu vou ficar do teu lado,
crie coragem e enfrente a fera.
--É... Eu acho que é o jeito,
vamos deixar isto para amanhã?
--Crie coragem home! Vou torcer
por você – incentivou Rosinha.
Naquela mesma manhã
Raimundinho se encheu de coragem e foi procurar o Coronel:
--Preciso falar com o senhor, é
um causo meio serio - mal falou o jovem.
--Fale logo, não tenho tempo a
perder com peão – resmungou a fera,
--Coronel – começou o rapazinho
que tremia mais que uma vara verde - É... Que eu e a Rosinha estamos
namorando...
--O que? - vomitou o Coronel.
--É... Isto que o senhor ouviu,
estamos namorando e nos queremos nos casar...
--Você vai se casar é com uma boa
surra lá no tronco peãozinho safado - vociferou o Coronel e continuou – quem te
deu liberdade de ao menos falar com minha filha e ainda mais namorar?
--Mas coronel! O senhor vai ser
avô.
--Vocês dois estavam me enganando
ás escondidas?
--Papai... - tentou intervir a
jovem.
--Cala tua boca, não quero
escutar mais nada e você vai para dentro de casa e fique junto a tua mãe depois
vamos conversar seriamente! Quanto a você seu peão desaforado vai para o tronco
e vou mandar lhe dar trinta chicotadas e depois eu vou decidir se te mato ou
não!
Lá se foi Raimundinho, dois
outros peões o amarraram com os braços para cima que ficaram presos em uma
argola no topo do tronco.
--Não arranquem a camisa dele
quero ver o sangue nela.
Foi uma surra de arrancar o couro, mas
o piauiense não deu um pio e nem se lamentou o que fez o Coronel assumir
internamente um pouco de respeito pelo valente jovem.
Lá dentro da casa a mãe
tentava consolar a filha que se derretia toda em lagrimas:
--Mãe, não deixe o papai mandar
matar o Raimundinho eu amo ele de verdade e é muito bom para mim se ele morrer
eu também morro, eu vou lá levar água para ele.
--Não faça isto teu pai não vai
gostar nada!
--Pouco me importa e ele pode até
mandar me chicotear também, mas eu vou.
Rosinha encheu uma pequena
cabaça de água fria e foi até o tronco, mandou os peões soltá-lo, mas o Coronel
estava vigiando e eles ficaram com medo e não quiseram o desamarrar o que
irritou a jovem.
--Soltem-no estou mandando!
Gritou quase histérica a mocinha.
Mas os dois peões olharam para
o Coronel como a perguntar o que deveriam fazer.
--Podem soltá-lo – autorizou o
fazendeiro.
Raimundinho muito abatido sentou-se
no chão junto ao tronco.
--Beba meu amor, não se incomode
com meu pai não vou deixar ele te fazer algum mal.
O peão bebeu quase o conteúdo
todo da pequena cabaça e olhando para sua namorada agradeceu:
--
Mais ainda? Obrigado peça para me levarem para a minha cama lá no barracão eu
não vou aguentar andar.
Rosinha ordenou aos dois
empregados que levassem Raimundinho pra seu barraco, mas o levassem com jeito e
assim fizeram, eles o levantarão e o conduziram até o barraco e Rosinha sempre
os acompanhando, depois de deitado na cama à jovem sentou-se ao seu lado e
quando ia lhe tirar a camisa ouviu a voz de seu pai;
--Largue este homem ai, não me
desobedeça!
--Primeiro eu vou curar as
feridas dele.
--Não vai não!
--Deixe minha filha que eu cuido
dele vá para casa interveio sua mãe que acabava de entrar.
--Mas mãe?
--Nem mais e nem menos faça o que
sua mãe lhe disse.
--E você mulher? O que está
acontecendo contigo?
--Ele é pai de nosso neto, você
quer matá-lo? E depois como vai se sentir quando o menino nascer? E quando ele
crescer vai dizer que matou o pai dele?
--Tudo bem, mas assim que ele
melhorar ele vai para o retiro e terá que ficar lá um ano.
Naquela noite o Coronel e os
dois peões após todos estarem dormindo foi até o barraco do Raimundinho e de
arma em riste e acordando o ameaçaram:
--Vou te dar uma chance para não
ter que matá-lo, antes do dia amanhecer, ainda escuro, pegue a sua trouxa e vá
para o retiro sem falar com ninguém, se alguém souber, eu mando te matar
escutou? Ai fora tem uma burra com tudo que você vai precisar depois te mando
mais.
--Está bem, eu vou-me embora e
agora mesmo para o retiro e antes do meio dia eu estarei lá.
--Faça isto arrume a sua trouxa e
vá para o retiro da água amarela vai ficar lá por dois anos e se fugir eu mando
te matar.
E assim foi feito e
Raimundinho com a roupa toda estraçalhada do chicote seguiu rumo o longínquo e
solitário retiro puxando a mula pelo caminho, como ia de cabeça baixa não havia
notado aquele homem bem vestido que vinha montado a cavalo e parando ao seu
lado lhe falou surpreso.
--Que foi que aconteceu contigo
meu jovem parece que veio de uma guerra?
--Que nada doutor foi o Coronel
Antero que mandou me chicotear.
Descendo do animal o forasteiro
sentou-se a uma sombra e chamando Raimundinho lhe ofereceu um pouco de água e
prosseguiu:
--Conte-me tudo, quero ouvir...
--Bem... Eu estava namorando a
filha do Coronel, mas escondido e ela acabou se engravidando e é este o rolo
que esta dando pau na minha moleira.
--Muito interessante, então a
menina está buchuda e você está desterrado, me diga uma coisa o Coronel é rico?
--Muito.
--Então
me fale sobre você de onde você vem quem é seu pai e quem são os seus familiares
e quando chegou por aqui?
--Bem
eu vim de Campo Maior no Piauí, faz
dois anos
que eu cheguei à fazenda do
Coronel e me chamo Raimundo Pereira da Silva.
--Muito
bem, já anotei tudo, você quer mesmo se casar.
Com esta menina?
--Claro
que eu quero.
--Então
vá para o retiro e espere as notícias minhas, mas, quando estiver casado eu
quero receber vinte por cento da tua herança de acordo?
--Mas
eu não tenho nenhum dote.
--Só
quero que aceite o trato e não fale nada com mais
ninguém, Feito?
--Feito - respondeu Raimundinho
intrigado.
Raimundinho seguiu viagem para
o retiro e o forasteiro foi para a vila.
No dia seguinte isto é, dois
dias depois da saída de Raimundinho o Coronel Antero viu um automóvel Ford
Modelo 29 chegar à porta de sua fazenda. Dele desceu um homem bem visto que
cumprimentando o dono da casa e foi se apresentando:
--Sou o Doutor Advogado Valdir
Rabelo.
--Muito prazer, sou o Coronel
Antero Vieira Lima, em que posso servi-lo.
--Vim à procura do Senhor
Raimundinho Pereira da Silva, mais conhecido por Raimundinho, me informaram que
ele trabalha para o Coronel?
--O que foi que este indivíduo
fez desta vez?
--Espera ai Coronel o Raimundinho
é um velho amigo lá de Campo Maior no Piauí, e faz uns dois anos que sumiu aqui
para o Mato Grosso e só tive noticias dele agora, pois já faz mais de ano que
eu o ando procurando.
--Mas afinal procurando-o para
que?
--Para entregar a herança dele os
pais dele morreram há de um ano e meio atrás e deixaram uma bruta herança que
são dois Frigoríficos e duas Usinas de Cana de Açúcar e muito dinheiro, hoje
ele e um dos homens mais ricos do Piauí.
--É... De fato faz quase dois anos que ele anda por
aqui e veio mesmo de Campo Maior e o nome dele é Raimundo Pereira da Silva.
--Pois bem vá chamá-lo quero dar
um abraço no meu velho amigo a quem faz tempo que procuro.
--Espera ai, não é assim não, o
Raimundinho é meu genro, ele vai se casar com minha filha depois de amanha, no
sábado e ele foi lá para o retiro pegar uns garrotes gordos para matar na
festa.
--Então eu devo ir ate lá –
ameaçou o Rábula.
--De jeito algum, o Doutor vem
aqui no Domingo, que vai ser só festa e então fala com ele.
--Então esta bem, eu estou mesmo
bem, eu vou descansar hoje e amanhã e no Domingo cedo estarei aqui, me faça o
favor de avisar que o seu amigo Dr. Waldir o está procurando.
--Tudo bem assim será feito.
--Então... Até Domingo – se
despediu o rábula-
--Até Domingo - sorriu o
canastrão-afinal um genro muito rico era outra coisa.
Antero mandou buscar o
Raimundinho e para a surpresa de todos se desculpou:
--Raimundo, eu estive pensando,
se você e Rosinha se gostam não vai ser eu que vou botar gosto ruim, mas tem
uma coisa vou trazer o padre aqui amanhã e vocês se casam e eu vou lhe dar um
dote muito bom um bocado de terra e 300 vacas de cria.
--É serio Coronel?
--Pode me chamar de sogro e você
minha filha está satisfeita?
Rosinha não sabia o que
falar.
--Eu
não acredito, é preciso acordar primeiro, devo estar sonhando - balbuciou a
jovem. E a mãe que estava escutando quase desmaiou, não acreditava no que
estava acontecendo, tinha alguma coisa por traz disto tudo.
E assim foi feito, daí para
frente foram sós abraços e o Coronel ficava cada vez mais gentil o que
surpreendeu todos da fazenda. O casamento foi realizado na sexta feira e a
seguir o fazendeiro entregou a moça ao rapaz e passou a chamá-lo de “meu
filho”.
No sábado foi só festa que
amanheceu o Domingo com o pé de bode tocando, churrasco e pinga a vontade e
todo mundo dançando na sala da casa e na cobertura improvisada. Era foguete
explodindo por todos os lados.
O fazendeiro lá da porta,
vigiava a estrada esperando o doutor rábula, quando viu a poeira levantando lá
ao longe se alegrou vem chegando o homem que não tardou a encostar o novíssimo
Ford 1929 no terreiro da fazenda e apeando dirigiu a porta da casa aonde o
coronel o esperava e foi cumprimentando:
--Bom dia Coronel
--Bom
dia Doutor.
--Bem vamos ao que interessa
quero rever meu velho amigo Raimundinho para lhe dar a grande noticia, onde
esta ele?
--Olhe... Bem ali no meio
dançando com minha filha – mostrou satisfeito o coronel.
--Mas... Aquele ali não e o
Raimundinho que eu estou procurando, é muito diferente do meu amigo, me
desculpe coronel, tenho que ir para continuar a procurar o meu amigo – e
colocando o chapéu na cabeça o advogado sem mais nem menos se afastou e
entrando no carro partiu deixando o Coronel de boca aberta sem saber o que
falar.
E o Raimundinho, meio chumbado
agarrado na cintura da mulherzinha suada enfrentava animadamente a rela bucho.
Não havia mais nada a fazer,
mas o Coronel aprendeu a lição e finalmente acabou gostando do resultado e
muito mais dos netinhos. Raimundinho se tornou á segunda pessoa do Coronel e
todos viveram felizes por muitos anos.
*
03)- “O valente que custava esquentar”.
Numa pequena vila no interior do Estado de
Goiás, hoje Estado de Tocantins conta-se que há muitos anos atrás havia um
homem muito mau, ele já tinha matado a varias pessoas que moravam naquela vila
e todos tinham muito medo dele, o seu nome era simplesmente “João Cascavel”.
Magro, alto, andava sempre de
botas, cinturão largo com revolver Colt cavalinho calibre 38 e um punhal
atravessado na guaiaca arredonda de bala e, em sua mão, sempre trazia uma
pinhola feita de couro de veado mateiro com argolas de metal reluzente junto ao
cabo de madeira polida que servia de empunhadura.
Quando ficava zangado a fazia
estalar com um tinido mais parecido com um tiro de carabina sempre cada
chicotada que dava no ar espantava todos que estivessem por perto, e o pior é
que ele tinha por mania escolher aleatoriamente qualquer indivíduo, quando saia
de casa bem cedinho sempre elegia sua próxima vitima o primeiro que aparecesse
em sua frente para ser castigado.
A futura vitima sempre deveria
ir para praça da matriz, ali bem em frente à igreja e esperar no pátio do
jardim ao meio dia, bem na vista do velho Padre, que só fazia orar e levantar
as mãos para o Céu, pois até ele já tinha apanhado duas vezes e as cicatrizes
ainda não haviam sarado e o pároco quando lembrava, passava as mãos nas costa,
gemia e invocava todos os Santos e as Santas:
--Valha-nos
Nossa Senhora do Bom Parto, nos ajuda minha Santa Luzia da Fumaça - e nenhuma
delas aparecia, mas o Clérigo insistia miudamente - nos socorra Nossa Senhora
do Perpetuo Socorro, mas ela também não vinha e Pároco ficava lá de longe
implorando e acenando os braços.
Aquele fim de semana até então
havia sido tranquilo, mas os moradores nem se atreviam a sair cedo com medo de
encontrar a fera.
Quando o valentão escolhia seu
vitima, seja lá quem fosse homem, velho, mulheres todos teriam que se sujeitar
a sua sanha facínora.
E se não fosse para receber o
castigo, ele o perseguiria até encontrá-lo e matá-lo.
A Vila vivia apavorada.
Nicomedes, ou mais conhecido
por Nico, um viúvo de meia idade, muito pacato, já havia sido espancado duas
vezes e as ferida ainda não tinham sarado, naquele dia infortunado por azar
saíra mais cedo de casa tentando as escondidas fugir da vila, ele sabia que o
dia de Domingo estava chegando e alguém iria pagar o pato, pois era o dia
preferido do valentão, mas ao dobrar a esquina deu de cara com o dito cujo que
foi logo lhe esfregando o dedo na cara dizendo:
--Você de novo? Amanhã ao meio dia e não vá fugir
heim?
--Não
faça isto comigo seu Cascavel – chorou o homem.
--Se
não aparecer morre – foi á sentença.
Nico quase desmaiou e desistiu
de fugir e voltou para casa e se sentou na varanda com a mão na cabeça quando
alguém falou cumprimentando-o:
--Bom
dia moço pode me dar um copo de água?
--Entre
e beba a vontade, pode até beber tudo.
Murmurejou o coitado.
--Mas...
O que o senhor tem? Parece muito aborrecido?
--É
que amanhã é meu dia.
--Dia
de que meu amigo? Insistiu o magricela que pedira água.
--Dia
de apanhar até morrer – auto se sentenciou.
--Explique-me,
talvez eu possa lhe ajudar.
--O
senhor não é daqui desta cidade?
--Não,
acabei de chegar de trem.
--Então
você não sabe dos acontecimentos daqui?
--Não.
--Está
bem – começou Nico – Aqui nesta cidade mora um valentão chamado Cascavel que já
matou vários moradores espancou e aleijou a muitos outros. - E contou toda
história inclusive que já tinha apanhado duas vezes e mostrou as marcas nas
costas.
--Puxa?...O homem é terrível, mas... Vou ver o que
eu posso fazer para te ajudar se eu me esquentar sou perigoso, amanhã eu vou
até a praça.
No outro dia, ao meio dia lá estavam todos as espera do
homem mau, Nico já tinha tirado a camisa e o magricela que se propôs a ajudá-lo
estava encostado em uma arvore fumando calmamente um cigarro de palha, nisto o
João Cascavel chegou estalando a pinhola.
O povão correu para mais longe
e ele sem contar conversa mandou Nico se virar de costa e ajoelhar e o começou
a chicotear o pobre Nico que agarrado a um poste apanhava e gemia feito um bode
sangrando, mas sempre olhando para seu companheiro e pretenso salvador que nem
se mexia do lugar.
Depois de apanhar muito o tal
de Cascavel começou a enrolar a pinhola e disse:
Pode ir para casa covarde, mas
vendo o magricela encostado ali juntinho perguntou:
--O
que faz ai?
--Vim
ver meu amigo apanhar – respondeu o chegante.
--A
é? Pois você vai apanhar um pouco também – dizendo isto soltou a pinhola no ar
e a estalou.
--Olha é melhor não fazer isto, eu posso me
esquentar e ai que mora o perigo.
--Então
vamos te esquentar para ver este perigo – e dizendo isto João Cascavel lançou a
pinhola contra o outro que recebeu e a chicotada dizendo:
--Agora
já me esquentei.
--Então
esquente mais – e tornou a chicotear o seu desafiante que num gesto rápido
agarrou a pinhola pela ponta e puxando-a violentamente jogou o valentão no
chão, seguidamente tomou o cabo da mão do bandido, que tendo tudo ocorrido tão
rápido nem conseguiu se mover e continuou caído no chão, violentamente e com o
mesmo cabo argolado golpeou varias vezes a cabeça do valentão até ele ficar
quieto sem se mexer, a seguir enfiou o dedo no olho do brabão e disse:
--Pronto
este já morreu.
Todos foram chegando para
examinar o defunto, pois não acreditavam que tinham se livrado do bandido foi
quando Nico se abaixou e triscou varias vezes o dedo no olho do finado e quando
viu que a peste estava mesmo morta olhou para o chegante e disse com uma voz
lamuriosa:
--Companheiro você
até que é bonzinho, mas custa demais para esquentar.
*
04)-“A mulata Efigênia”.
Era uma manhã bonita de sol
claro, céu sem nuvens, apenas uma brisa suave, mas já trazendo o calor do sol,
enfeitavam aquelas vielas quase despidas que contavam apenas com umas poucas e
pequenas arvores, eu sempre acordei cedo e naquele dia, eu procurava um amigo
para conversarmos como habitualmente fazia e não tinha me decidido ainda se ia
a casa deles ou... Quando andava pelas ruas desta pequena cidade Mato-grossense
a invejável vila de Luciara encontrei dois velhos amigos o Coronel Lucio e o
Manduca ambos arrastavam seus sessenta anos, mas mantinham um espírito viril.
--Compadre
bom dia - e emendei a conversa - olha só o que vai passando ali – falei
baixinho para mexer com eles mostrando uma morena escura, porque não dizer a
mulata Efigênia uma conhecida nossa, de saia curtinha, peitinho empinado e uma
bunda de fazer inveja, ela ia se requebrando ao atravessar a rua.
--Nossa...
Veja só, foi o que minha mãe recomendou para tomar conta de mim – emendou
Manduca.
A conversa girou entre os dois, eu bem mais
novo fiquei só a escutar.
--Ali
tem carne á vontade, olha só que perna bem feita e cheia, que bunda, que
corpo...
--Tudo
é bonito, é do jeito que eu gosto.
--Eu
também gosto de mulher assim tipa cabocla, cheia e bem morena!
--Mulher
assim ainda é a minha paixão!
--Qual
a razão compadre?
--Sei
lá, mas me inspira confiança.
--Como
assim?
--Bem,
eu se quiser ter uma mulher para parir um filho meu tem que ter estes atributos,
corpo forte, pernas cheias e roliças, seios empinados, cintura delgada, pele
lisa e escurinha e com uma popa de fazer inveja.
--Porque
desta exigência toda – insisti tentando inspirá-lo.
--Ora,
veja só, uma mulher como esta aguenta segurar um filho na barriga por nove
meses e depois parir tranquilamente e criar, ela tem estrutura para isto, as
mulheres morenas têm a carne mais dura do que as brancas e são mais quentes e
são boas de leite.
--É...
Faz sentido, se tivermos que imaginar uma mulher magrinha e buchuda é mesma
coisa que colocarmos um peso na ponta de uma vara fina, ela acaba se envergando
e quebrando.
--Meu
amigo – interveio o baixinho arretado – mesmo sem querer, e sem notar, por
instinto, nos, os machos, procuramos por selecionar as fêmeas mais fortes, mais
novas e mais cheias para garantir a nossa produção, isto vem de dentro, nasce
com a gente, é a lei da natureza, não há como modificar esta situação. A
conversa estava tomando o rumo que eu gostava por tal razão insisti com o
compadre para nos sentarmos em um banco embaixo da sombra de uma pequena
arvore, eram uns banquinhos duros, mas ajeitados, já eram quase dez horas da
manhã e o sol começava a esquentar e eu também, afinal os dois amigos estavam
na casa dos sessenta, tinham direito a esta conversa.
--Diga-me
– perguntei – será por esta razão que a gente repara primeira é na bunda das
mulheres?
--Não
só na bunda, mas no quadril todo, é como a cabine de um carro aonde se entra e
se sai toda hora, é o molejo que mantém a maciez da estrutura, ali mora a
responsabilidade já pensou um carro sem cabine?
--Você
gosta de menina nova?
--Eu?...Quem
é que não gosta!
--É
porque menina nova não gosta de velho?
--Porque
ela também quer garantir a produção e o abastecimento pela vida o fora, já
imaginou mesmo se for velho e rico a gente tem mais chance, mas não é a mesma
coisa, pode se ter maneira de suprir umas coisas, mas outras não.
--É
verdade – confirmei – mas o nosso carinho é maior.
--O
carinho até pode ser, mas a mulher não vive só disto, elas gostam de gente mais
nova porque estão sempre com abateria carregada.
--E
as mulatas, como a Efigênia?
--Aquela
que passou aqui?
--Sim.
--Vejamos,
as mulatas são para mim iguais a um pneu sobressalente, que a gente vê com
carinho e reserva, mas não pode deixar de tê-lo, e o gostoso é passar a mão
toda hora para ver se está cheio.
--Pois
para mim é igual ao vinho que a gente guarda para a hora do frio, aquece e faz
a gente feliz, não é exigente, mas de boa qualidade, são simples como as
pombas, mas vigorosas tais um tufão e são de um paladar a toda prova.
--E
o amor? O que você pensa dele?
--Amor?...Isto
aí é um bicho complicado de se entender e de explicar, eu acho que se nós temos
cinco sentidos o amor é o sexto, se dizem que somos feitos de água e minerais,
o amor não passa de uma reação química que desperta o desejo de dependência e
instrui ao cérebro o nosso comportamento, não é apenas o desejo carnal e nem é
a adoração eterna, é uma nuvem passageira que flutua na alma e nos enche de
vontade de viver, amamos a tudo desde as coisas mais simples ás que não vemos,
o amor nunca chega e fica ao topo esta sempre oscilando subindo e descendo, só
assim a esperança de um verdadeiro e grande amor nunca morrerá, pode estar
sempre na próxima nuvem que passar, nós amamos um pedaço de pão porque
desprezamos a fome, amamos o impossível porque ele nos põe a prova, amamos o
abstrato porque não podemos tocá-lo, amamos a DEUS porque ELE é o nosso
Criador, amamos nossos inimigos porque os odiamos, amamos as crianças porque
temos dó delas por serem tão vulneráveis, amamos a paz porque detestamos a
violência, amamos a compaixão porque cria dependência, mas o verdadeiro jeito
de amar é como a equação matemática, não se diminui, não se soma e nem se tira
só se divide, é aceitar as pessoas como elas são compartilhando tudo, mas como
já afirmei o amor é muito difícil de se descrever, eu pergunto: até quando e
aonde vai a tolerância? A dedicação? O respeito e a abnegação de um para com o
outro? A realidade meu amigo é que este nosso mundo não é de ninguém e não
existe o compromisso carnal do amor eterno. O amor é a presença, saudade é a
ausência, o desprezo é o lado escuro da alma. Vivemos muito sozinho rodeado de
gente sozinha, temos a solidão por companheira e vemos o mundo na alegria dos
rostos jovens, mas o verdadeiro amor é a paz interna, para tanto precisamos
jogar fora à vasilha onde guardamos as coisas ruins e os momentos de amargura
que estão dentro de nossos corações e deixarmos apenas a vasilha onde estão
depositados os bons momentos de alegria, felicidade, se o amor fosse um bolo os
ingredientes seriam: “Uma pitada de tristeza, uma colher de chá de solidão, uma
colher de sopa de cumplicidade, uma xícara de afeição e saudades à vontade”,
porque recordar as coisas boas é viver duas vezes, assim estaremos sempre
ansiando pelo momento feliz de nos encontrarmos com nossa alma gêmea, aí então
o coração explodira e uma vida inteira será reduzida em apenas uma fração de
segundos, passa-se pelo túnel do tempo para o eterno, assim quando estas almas
se fundirem terão chegado ao apogeu tão sonhado para nunca mais acordar. Será
viver sonhando, ai então não haverá mais escuridão ou trevas, tudo serão luz e
paz para sempre.
--Puxa,
você é quase um filosofo – completei o que você falou de alma gêmea?
--Sim...
A nossa alma gêmea? Elas estão por ai, é o nosso outro pedaço bom, é o nosso todo,
é quando o amor verdadeiro se completa, um dia todos as encontrarão, mas a
minha eu já encontrei e ela se foi, um dia um amigo, querendo me consolar da
morte de minha esposa me falou: ”Todas as criaturas são de Deus Ele as empresta
e as toma de volta, você é que é ruim para devolver o que toma emprestado” não
gostei, pois é na velhice que mais precisamos um do outro, mas... fazer o que?
Ai eu entrei na conversa.
--Por
falar em alma gêmea me lembro que quando jovem, ali pelos meus dezessete anos,
eu estava sentado dentro de um ônibus esperando-o partir, bem ali ao lado da
fabrica de macarrão do Del Bonno quando uma jovem passou pela calçada do meu
lado bem embaixo de minha janela, senti que minha alma era invadida, fiquei
paralisado como se tivesse levado um choque, ela também parou se virou e olhou
bem nos meus olhos, vi que ela queria falar alguma coisa, por um instante me
senti no paraíso, não conseguia saber o que estava acontecendo, após uns
minutos ela seguiu em frente, senti que estava perdendo alguma coisa muito
importante, o ônibus saiu e ainda passou por ela que me olhava insistentemente,
logo a perdi de vista, me arrependo até hoje de não ter descido do ônibus.
--Perdeu?
Dançou paulista, agora é só esperar pelo que te aparecer.
--Compadre
há um ditado que diz que quem ama perdoa.
--Perdoa
tudo?
--Bem...
A bíblia diz que tem que perdoar não só sete vezes, mas, setenta vezes sete,
mas eu acho que quem erra merece castigo porque se a perdoarmos estaremos
redimindo o seu erro e ele deve ser corrigido para que não venha a reincidir, a
gente pode até perdoar um erro infantil, mas não sem uma advertência.
--Mas...
Se a bíblia diz que devemos amar o próximo como a nos mesmo?
--Mas
diz também que “infeliz do homem que confia no outro” e que “toda arvore ruim
deve ser cortada e lançada no fogo”, como é que se faz em uma situação desta?
--Nada
compadre, nada mesmo, é melhor esquecermos estas coisas, já sofremos demais por
causa dos outros, os filhos já não amam mais os pais, poucas mulheres ainda
respeitam os maridos, os homens estão virando xibungos, a violência campeia
solto e o sofrimento já não sensibiliza mais ninguém, é... Está difícil...
Muito difícil mesmo.
--Na
nossa idade já tivemos muitos momentos bons e muitos momentos ruins, mas o que
nos restou?
--Só
o peso da idade e nos chamarem de “velho”.
--Vamos
ver até aonde vamos chegar, bem... Chegamos a uma simples conclusão que: “O verdadeiro amor está no dividir e no
compartilhar em tudo com os nossos semelhantes como a mãe que amamenta o seu
filho”
--É
isto ai compadre Cirso, mas eu vou para casa, esta chegando o dia de Natal e
pode ser que alguém venha a me convidar para participar em família.
--É.
Eu também estou nesta – amarguei meu sussurro.
--Uai
cadê a Dona Maria, e os dois meninos?
--Maria
esta tratando da saúde muito longe daqui e meus filhos estão com ela e estão
muito pequenos ainda, será que vão se lembrar de mim?
--Ah...
Largue isto de mão e vamos passar ali no “Pedro Rico” para tomar uma saideira.
--Vamos
lá compadre, vamos Dankmar, afinal uma “Chora Rita” não faz mal para ninguém.
E
lá se fomos nós rumo ao boteco e depois de tomarmos um pequeno gole da danada fomos cada um para casa, levando
em nossos corações os minutos que passamos junto compartilhando tudo, afinal
estávamos todos nos preparando para a nossa “Grande Caminhada e sabíamos que iríamos sozinhos”.
*
Capitulo 08
Curtas do folclore brasileiro “CAMILO”
O velho vaqueiro e algumas de suas lorotas.
Era por ai entre 1949 a
1955
Camilo era um velho vaqueiro e também amigo do peito do negro Valentin
que conhecia todas as lorotas do velho que por sinal era o rei dos mentirosos,
suas historias eram famosas, e quando reunido e ás contava era preciso segurar
o riso, pois ele certamente os tomaria como uma desfeita e o perigo poderiam
morar ali, era também um velho morador da Ilha do Bananal, sua posse, conhecida
como o “Caracol”, na beira de um ribeirão do mesmo nome, ficava não muito longe
da Barreira de São Pedro onde o Aleixo Paciente era vaqueiro e gerente da
fazenda de Ubaldino Rios que residia na cidade de Goiás Velho antiga Capital do
Estado de Goiás, nos reununimos muitas vezes com ele naquela casa alegre
enfeitada de moças bonitas, a Noemy, Mundica, Maria e Jerônima, a dona da casa
espirituosa e jovem igual ás filhas se chamava simplesmente Joaninha, vejamos
algumas destas lorotas que ele Camilo me contou:
*
01)
-“O piquenique”.
Pelo rio Araguaia abaixo, podia se avistar lá do alto da barreira de São
Pedro, na volta do rio, quase sumindo na curva, uma belíssima ilha que tinha na
sua ponta de cima uma pequena e branca praia de areia resguardada por arvore
frondosa que se lhes emprestavam o frescor das sombras que se envolviam com as
brisas suaves vinda das águas que marulhavam baixinho num murmúrio constante,
e, foi nesta ponta de praia que ele escolheu para fazer o seu piquenique, só
ele e sua namorada Felismina, jovem, faceira, morena escura, da perna grossa e
um frondoso traseiro era a paixão do velho que a bandidinha o enrolava com
meiguices e carinhos, tudo teria que dar certo naquele dia, senão...
--Felismina... Vamos fazer um
piquenique na ponta da praia da ilha do boi?
--Porque não xodozinho.
--Olha, não fale assim perto
dos outros, o que vão pensar de mim?
--Vão pensar que este coquinho
bravo amoleceu até a casca.
--Deixe de brincadeira, vamos
ou não vamos?
--Vamos uai, só farta arrumar
os come-se e bebe-se.
--Já ajeitei tudo até a minha
Lazarina do dente de ouro vou levar, porque se arguem quizé bagunçá o nosso
coreto vai ter até defunto fresco.
“Lazarina era uma espingarda de um só cano comprido de quase um metro e
meio, de carregar pela boca e espoleta colocada no ouvido pelo lado de fora
(dente de ouro)”.
Lá
se foram os dois e a traia da festinha em uma canoa, foram chegando e aportando.
Camilo tirou os pertences, puxou a canoa bem para o seco e começou a arrumar o
pano no chão já varrido pela baixinha da bunda grande, foi quando ele ouviu uma
voz:
--“Quem é você?”
--Uai quem diabo está ai? Vai
morrer...
--“Você quem é?” -
Repetia seguidamente a voz – “Quem é você?” E depois, “Você
quem é?”
Camilo zangado e de espingarda na mão avançou, passo a passo no rumo da
moita e enfiou a “por fora” já ia atirar quando...
--E ai Camilo? Porque não
atirou? Quem era? - Perguntou à namorada.
--Ninguém não sô, num é nada
não sô, é só um pedaço de disco velho quebrado que quando o vento balança mexe
com um raminho de espinho que passa por cima dele, daí saí à voz “Quem é você” e quando o raminho vorta a
voz fala: ”Você quem é...”.
*
02)-A cobra e a pinga...
Com
a cara mais lerda do mundo ele contava uma mentira ou uma piada atrás da outra
e foi nesta tonalidade que saiu a historia da cobra e da pinga
Eu,
e o negro Horácio marido da Geronima ressorvemos i pescar lá no ribeirão 23, na
ilha do Bananal, mas sô, nois nos esquecemos de muita coisa só não da cachaça
Chora Rita, levemos duas garrafa da danada e já cheguemos bêbado na beira do
Corgão, mas na hora de pesca, cadê a isca?
--Diga-me
meu amigo, aqui é bom para pescá?
--Bom
demais compadre, como diz aqui o seu velho Camilo: tem peixe até pra da cum
pau.
--Compadre Horácio por falar em
isca, não é que nos esquecemos de trazer as minhocas.
--Vigeee, agora quebrou dentro,
vamos da um jeito de ter que matar alguns peixinhos com o facão.
Já
estávamos procurando a facão quando ouvimos um sapo piando que nem pintinho,
uma marvada cascavel havia abocanhado o bichinho que esperneava, ai veio à
ideia.
--Cumpadre ali ta nossa isca, vamos tomá o
sapo da cobra.
--Vamos lá.
Horácio cortou uma forquilha e prendeu o pescoço da cobra no chão, e com
outra varinha arranquei o sapo da boca da empesteada, que zangada escancarou a
goela, nisto o cumpanheiro que estava com a garrafa na mão se apressou em
falar:
--Segura a bicha cumpadre que
eu vou pagar o trabaio dela - e dito isto despejou uma boa golada da cachaça na
goela da cobra que saiu doida avoando por cima.
--Eta, cobra doida – comentei e
estraçaiando o sapo fumo pesca.
Já
havia passado uma meia hora quando ouvimos de novo o grito de um sapo, olhamos
para traz e lá estava ela, a cobra com outro sapo na boca e quando nos viu
jogou o sapo no chão e escancarou a goela.
--Diacho cumpadre marvada ta
querendo é mais pinga.
*
03)
-“A Anta”.
Um
dia eu mais a minha mué resorvemo i mata um pirosca (pirarucu m, peixe de
escama que chega a pesar 120 quilos) de arpão, e lá se fumos nois para o lago
da empuca, eu tinha deixado uma canoa naquela lagoa de água limpa que só, e
quando chegamos embarquei na canoa, fui para a proa, ajeitei o arpão na vara,
desenrolei a linha da arpoeira, quase da grossura de um lápis, o muié sentou na
popa, no lugar do piloteiro e lá se fumo nois lago adentro, vi muito peixe, mas
com a água limpa estavam veiacos e não conseguia chegar perto, nisto para minha
surpresa, uma anta ia passando andando no fundo do lago bem por baixo da minha
canoa ai eu gritei:
--Muié... Ai vai uma anta - e
mostrei com o arpão.
--Arpoa marido!
Não
contei outra história, larguei o ferro na taba do pescoço da bitela que saiu
doida correndo rumo à beira do lago, e eu, como não sou bobo, passei uma vorta
da corda na proa da canoa e anta saindo da água começou a nos arrastar mata
adentro então eu gritei para minha muié que estava agarrada no remo lá no
piloto:
--Segura firme ai no piloto
muié, vai livrando dos paus mais grossos que os mais finos eu vou levando no
peito.
Lá
se fomos nois, arrastado pela anta quase dois quilômetros mata adentro, ai ela
cansou e eu a matei de paulada, mas a estrada ficou feita.
*
04)
-“A burra bonita”.
Quando eu morava em Mato Verde (Luciara), eu tinha uma burra de seis
anos que era a coisa mais linda deste mundo, mas a danada era veiaca que só
crente extraviado, não dava arreio, mordia, dava coice, empacava, e se tivesse
sorta tinha que chamar o exército nacional para pegá-la, eu, mais a muié
resorvemo a vender e assim nois encabrestemos a compadecida e coloquemos na
rua, na nossa carçada, para comer milho em um caixinha, eu já tava ficando
pobre, a mula comia mais que eu e a véia junto, mas era o jeito um dia arguem
ia aparece e compra a batuta. E não deu outra.
O
sor já tava esquentando quando um estranho parou e ficou olhando a burra.
--Bonito animar, é pra vende?
--A muié é quem sabe.
--Quanto ocê da nela? -
Perguntou a destabelada.
--Eu dou quinhentos reais.
--É besta não? Imagine só esta
micharia?
--Está bem eu dou setecentos
reais.
--Eu acho que tá bom muié.
--Qui bom nada seu véio froxo.
--Esta vendo à burra é dela,
mas eu vendo se ocê chega mais dinheiro.
--Vou fazer mais esta oferta
seu moço, novecentos reais.
--Você não vai vende a minha
menina de estimação – gritou a muié chorando.
--Ta vendo moço ainda num dá,
--Olha! Só dou mil reais e nada
mais.
--Se ocê vende minha burra eu
te mato bandido miserave – esperneou a dona que derramava água mais do que bica
sem torneira.
--O moço vai ter que me
descurpa mais veja o estado da minha dona - falou mostrando a muié sentada no
chão e chorando.
--Eu já vou embora e se
quiserem mil e duzentos reais?
--Tá feito seu moço – respondeu
o marido enquanto a mulher rolava no chão.
O
tar pagou e carregou a burra rua acima.
No
outro dia, pela manhã eu e a muié estávamos sentado na porta quando lá vem o
moço puxando a burra.
--Num ti falei, que ele vinha
desmanchar o negocio.
--Bom dia seu Camilo, dona
Julia - cumprimentou o chegante.
--Bom dia moço, pur acaso ocê
veio devorve a burra?
--O que é isto meu cumpanheiro,
eu so home e quando faço um negócio ele está feito, mas eu vim lhe pedir um
favor.
--Diga seu moço – perguntei
mais alegre.
--Eu quero que vossa mice me
empreste a muié pra chora pra mim ali em baixo enquanto eu vendo a burra pra
outro.
*
05) -“A História da geladeira”.
Foi no mês de junho de 1962
quando aconteceu esta história no interior da ilha do Bananal, junto ao rio
Jaburu na continuidade do Riozinho com o rio 24, bem na casa de um velho
morador Senhor Oleriano que me contou como se passaram os fatos.
“Já era por volta das oito
horas da manhã quando Oleriano e sua família estavam reunidas e conversando,
derrepente uma caixa luminosa muito grande desceu no pátio da sua pequena
propriedade, sem fazer barulho, mais se parecia com uma muito grande geladeira,
ela ficou parada a menos de meio metro do chão e saíram de dentro dela três
pequenos e magros homenzinhos, que caminharam até o velho patriarca e sem abrir
a boca conversava com todos, eles explicaram a que vieram”:
--”Nos moramos muito longe daqui,
no nosso mundo o nosso povo esta morrendo muito, nos estamos à procura de novos
tipos de sangue para que possamos sobreviver, já andamos por muitos outros
lugares habitados e constatamos que é somente aqui neste planeta que o povo tem
vida mais longa e gostaríamos que nos dessem uma amostra de seu sangue para que
quando chegássemos lá em nossas moradas o possamos fabricá-los”.
Todos nos ficamos com medo e
não sabíamos como conversar com eles, mas...
--Sei que estão receosos, mas não
precisam temer nos não lhes faremos nem um mal.
Assim falando o viajante
chegou bem perto do velho e lhe segurando o braço apontou uma espécie de
lanterna e a ligou sem encostar-se à pele, e, em poucos segundos o braço do
velho foi ficando branco, como se o sangue estivesse fugindo, o visitante,
agradeceu e fez o mesmo com duas pessoas depois disse:
--Já temos o que precisamos e
agora tenho que voltar ao meu mundo – fez um tipo de agradecimento, entrou na
geladeira nave e sumiram céu acima.
Devo lembrar que naquela
época, especialmente naquele interior da Ilha do Bananal, nem rádio e nem
televisão existia, esta história seria muito difícil de ser inventada por um
povo humilde e simples.
*
06) -“O pão e os malandros”.
Contava Camilo que quando era
criança ele morava na cidade velha de Goiás, sua mãe era crente evangélica e
todos muito pobre, um dia ela colocou todos seus filhos, cinco ao todos, de
joelho rezando pedindo a Deus pão para comer, e oravam em voz alta. “OH Deus
querido manda pão para nos que estamos com fome...” e assim sucessivamente,
acontece que um grupo de jovens malandros ia passando e ouviram os clamores das
crianças e resolveram.
--Vamos enganar estes bestas?
--Como?
--Vamos comprar um saco de pão e
jogar pela janela e quando eles forem agradecer a gente aparece e vamos rir na
cara deles.
Compraram cinquenta pães e
jogaram pela janela e a molecada caiu em cima agradecendo.
--Obrigado Senhor – Obrigado.
--Que Deus nada molecada nos
compramos os pães e jogamos ai para lhes enganar – e riam a vontade.
--É... Que assim seja, mas de
qualquer maneira foi Deus que usou vocês para fazerem isto e eu recebi a benção
dos pães, obrigada – respondeu satisfeita a mãe dos meninos.
*
“O rio bom de peixe”.
Um dia, eu Camilo, estava
conversando com um turista quando este lhe perguntou:
--O rio aonde você mora é bom de
peixe?
--Tem peixe de mais.
--Mas é bom mesmo?
--Olha... É tão bom de pegar
peixe que a gente para colocar a minhoca no anzol tem que virar de costa para o
rio.
--Arre... É bom de mais - respondeu o turista arrepiado.
*
Histórias
da colonização...
O índio questiona... “Para que cortar tanta madeira”.
De acordo ao relato de Jean de Lery em seu livro “Viagem a terra do Brasil”
(1558) Um índio Tupinambá certa vez lhe perguntou: Por que os brancos
precisam tirar tanta madeira das florestas? “Seria para leva-la a algum Deus? E
Lery lhe explicou que a madeira seria levada para um homem do outro lado do
oceano; Esse homem ia fazer tinta com ela para tingir muitos tecido e depois vende-los – O índio
não entendeu porque vender tantos tecidos
e acumular tantos bens e tornou a
perguntar: “Esse homem não morre”?. O branco respondeu que sim, morria, mas que
acumulava bens para deixa-los aos seus
descendentes quando morresse . O índio
então concluiu perplexo: “Sois grandes
loucos...trabalhais tanto para amontoar
riquezas para vossos filhos ou
para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente
para alimenta-los? “Temos pais e mães e filhos a quem amamos; mas estamos
certos que, depois de nossa morte, a terra que nos nutriu também os nutrirá,
por isso descansamos sem maiores cuidados”.
*
Autor:
Wolfgang Dankmar Gunther
Cel.
66 84 07 11 93. Avenida Piraguassú 1415-
Porto Alegre do Norte MT., em 07/05/2017
CEP 78655-000
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