quinta-feira, 8 de junho de 2017

O Livro das historias, lendas e contos do sertão

*O  Elo Perdido ..IV
em...
     “ O  livro das          
Histórias, Lendas, e          Contos do sertão”
E o... 
     
       ...Negro Valentim*     
                             



Autor: Wolfgang Dankmar Gunther




Introdução.

                  Todos os livros da serie os “Pioneiros” são baseados em fatos reais, históricos e lendas regionais os quais são frutos da natureza humana que se deleita em amalgamar e os moldar intrinsecamente transformando-os em uma relíquia literária ao alcance de todos.  Estas lendas e contos indígenas foram repassados ao autor pelo indigenista Valentim Gomes ou o Negro Valentim que era o encarregado do Posto Indígena Heloisa Torres na aldeia Carajás na Barra do Rio Tapirapés com o Rio Araguaia entre os anos de 1954 a 1968. Os contos folclóricos foram colhidos com o velho vaqueiro Camilo que residia na Ilha do Bananal, Na sua posse denominada Caracol, junto ao rio Caracol nos idos de 1950 a 1965 e com o pescador Felix que residia em Santa Leopoldina do Araguaia hoje Aruanã.
                 Nunca mais tive noticias destes e a estes eu dedico este livro.
Porto Alegre do Norte MT.  25 de fevereiro de 2005.

WDG.




             “O negro Valentim”.

Lendas indígenas,
                Tudo começou em Janeiro de 1926.


                   Ali, no Estado de Mato Grosso, na barra do rio Tapirapés com o rio Araguaia, entre dois morros ficavam as aldeias dos índios Carajás na margem do Araguaia e a aldeia dos índios Tapirapés a beira do lago Tapirapés, distante uma da outra não mais do que dois quilômetros.
                   Em agosto de 1926 chegaram à barra do rio Tapirapés com o rio Araguaia,  Estado de Mato Grosso na divisa com a Ilha do Bananal no Estado de Goiás (hoje Tocantins), o pioneiro Pio José Pinheiro e sua esposa dona Inês, com eles vieram Sebastião Pereira e outros, no inicio se instalaram junto ao morro da barra, mas a grande enchente do ano de um mil novecentos e vinte e seis fizeram com que na junção dos rios Tapirapés e Araguaia a água corresse entre os morros vazando por dentro e os obrigaram a se mudar e, então habitaram ás margens do lago Tapirapés onde se formou um grande mangueiral que mais tarde ficou sendo a aldeia dos Índios Tapirapés.              
                   Entre as duas aldeia morava a já comentada velha e antiga moradora que ali havia chegado com sua família em 1926 a Dona Inês Pinheiro e seus filhos e filhas.
                  O nome da aldeia Carajás era Posto Indígena Heloisa Torres e o negro Valentin e sua esposa Joaninha eram os encarregados.
                  Quase todas as tribos antigamente em especial as mais arredias tinham e ainda hoje tem o costume de sacrificarem as fêmeas que nascessem de dois partos seguidos, o primeiro filho tinha que ser macho para se tornar um guerreiro. Assim as segundas recém-nascidas eram colocadas em uma cova no chão com uma cobertura de galhos e folhas para que ficassem agasalhadas e depois a cobriam de terra, julgavam que assim não as estariam sacrificando, não só sacrificavam as fêmeas como todo filho ou filha que nascesse com qualquer defeito físico e este costume, nas maiorias das tribos brasileiras permanece até os dias de hoje.                                        
                  Eram também seus costumes quando o índio alcançava uma idade bem madura e já não podia fazer mais nada na aldeia eles o muniam com alimentos e águas para vários dias e, ele próprio, consciente de seu destino embrenhava mata adentro para não mais voltar. E a estes atribuíam o nome de “Curupira” por ter se tornado um bicho que tinha os pés ao contrario virados para traz e que castigava quem agredia as arvores ou colocando fogo na floresta e assustava os curumins (crianças) e adultos. Era comum dizerem “O índio velho virou Curupira” e todos os temiam, mas o respeitavam e esta lenda se espalhou pelo Brasil.
                  Esta postura de sacrificar as fêmeas provocou a escassez de mulheres nas tribos e por esta razão guerreavam continuadamente em busca de presas e os Tapirapés, que por índole não tinham a agressividade brutal de seus inimigos, fugiam sempre para não se extinguirem a exemplo dos “Tatuiaras” que eram índios que viviam em buracos, ou cavernas nos paredões da Serra do Roncador ou o Grande Paredão onde existia uma Igreja de Pedra encravada na rocha.                            
                 Um dia perguntei ao velho índio Tapirapés Cantariô:
                 --Porque o nome Igreja de Pedra?                       
                 --Porque lá na Serra do Roncador, escavadas no paredão tem varias janelas e portas e em cima tem coisa escrita que parece escrita de padre.
--E os índios Tatuiaras?
                --Não confundir os Tatuiaras com os Tapirapés que há muitas luas atrás nos éramos conhecidos como a Tribo do Pitã-Anton ou "beiço de pedra", os nossos antepassados eram artesões especializados em esculturas de pequenos adornos em pedra mole conhecida hoje como alabastro ou da pedra sabão e moldavam os "Panhetás" espécie parecida com um pequeno remo que era incrustado no "beiço" e muitos outros artefatos como pequenos pilões, e outras pequenas peças para uso individual,
                  --E os Caiapós?
                 --Os Caiapós botaram fogo fazendo muita fumaça, forçando os índios Tatuiaras a abandonarem suas tocas no paredão e assim aconteceu obrigando-os debandarem e os mataram a quase todos, só alguns escaparam! Assim também aconteceu conosco Tapirapés.
                   Desanimados pelas constantes lutas, os índios Tapirapés abandonaram as matas ao terem noticias de que o Coronel Lúcio Pereira Luz estava morando na barreira de São Pedro, no rio Tapirapés perto da Serra do Urubu Branco, assim vieram para os campos passando alguns anos naquela Serra e mesmo assim ainda perseguidos pelos Caiapós foram buscar a proteção do pioneiro Lúcio Pereira Luz porque sabiam que aqueles o respeitavam e, então, os Tapirapés foram morar ás margens de um lago que ainda hoje tem o nome de Lago das  Tartarugas,  depois mudaram sua aldeia para a barra do rio Tapirapés com o rio Araguaia e se fixaram e ainda hoje tem seu nome e ali foram tratados e medicados pelos sertanejos e pelas irmanzinhas. Corriam noticia de alguns remanescentes deste grupo nas altas cabeceiras do rio ali já conhecido como Tapirapés pelas bandas do rio Sabino e assim que Valentim soube organizou uma expedição para resgatá-los antes que os Caiapós o fizessem. A Viagem de resgate dos índios Tapirapés foi por volta de 1950. Foi organizada utilizando-se duas canoas maiores e as tralhas de pronto socorro, Joaninha era a enfermeira, o índio Savarú, um Carajá novo, conduziria uma canoa e Valentim a outra. O rio estava muito cheio, era à época certa. Partiram rio acima, a mansidão das águas do rio Tapirapés facilitava a subida das canoas, os mosquitos os acompanhavam e a chuva também, mas tínham que fazer aquele resgate porque enquanto o rio estivesse cheio os índios agressores não os atacariam, foram vários dias de viajem, não se conseguia dormir sem mosquiteiro, após alguns dias de procura os encontram isolados em um torrão alto, era o único lugar enxuto por aquela redondeza. O contato inicial não fora difícil os índios estavam cansados e com fome, eram sete ao todo, um velho bem doente, dois jovens, duas mulheres uma menina, e um menino.
                Após os alimentarem e tratarem de pequenas contusões  os embarcaram nas canoas que foram atreladas uma a outra para dar mais segurança à viagem visto aqueles índios não terem costumes com lidas em águas profundas.
                 Iniciaram a descida rio abaixo rumo ao posto.
                 O índio velho e doente e uma das mulheres e uma menina iam com a Joaninha e com Valentim em uma canoa na outra iam Savarú e os outros quatros índios.
                 No primeiro dia de retorno remaram até escurecer, estávam todos cansados e com sono foi quando Savarú optou para viajarem mais um pouco durante a noite de lua clara.
     --Uarrá (pai), você dorme um pouco e eu fico no piloto vamos viajar mais umas horas para chegarmos logo, qualquer coisa eu te chamo.
                Duas horas depois todos dormiam e Savarú vigiava atento o rumo da embarcação que descia ao sabor das águas. Uma das canoas tinha uma rachadura em sentido horizontal junto ao beiço (borda) da canoa que até então não tinha entrado água, mas com o peso e tendo um dos índios se virado dentro da canoa esta pendeu um pouco para um lado e a água começou a entrar pela fresta e cada vez mais aumentava o volume. Savarú sentiu seus pés molharem e deu o alarme, mas já era tarde.
--Uarrá a canoa esta alagando.
                 A canoa esquerda alagava levando a outra que estava atrelado junto. Havia desespero no ar e gritos:
--Savarú cadê Joaninha?  Procure-a.
                  O Carajá tinha mergulhado e voltava trazendo algo envolto em seus braços era a minha mulher que afundara enrolada no mosquiteiro em que dormia.
                --Aqui Valentim, Joaninha taqui - Gritou rasgando o mosquiteiro e soltando a mulher.
   --Vou pegar o   índio doente, leve Joaninha para o barranco e volte para procurarmos o outro.
                 Mas estes já haviam saído e ajudaram a puxar Joaninha para cima do barranco, depois, pularam na água para puxarem as canoas e pegarem o índio velho que aboiava.
               O rio era estreito e tiveram a sorte de encontrarem um barranco enxuto, os outros índios, quando a embarcação alagou saíram agarrados na canoa que flutuava e estavam bem, o índio velho não resistiu e morreu.
                 Passaram uma noite triste e difícil em meio a tanta praga e uma chuva fina que começava a cair, Joaninha abraçou a pequena menina índia e choraram.          
                 Os outros se calaram. Quando os primeiros clarões do dia surgiram á chuva passou e logo o sol voltou a esquentar, arrumaram as embarcações e tamparam a rachadura,  havíam perdido tudo só sobrando um remo, tiraram uma vara que serviria a guisa de remo e retomaram a viajem levando o velho índio morto. Chegaram á aldeia ao escurecer do segundo dia.
                 Houve choro e alegria entre os índios Tapirapés que compreenderam a aventura, afinal eles amavam aquela família de negros.  
                 Tempos depois uma das filhas de Valentim, uma negrinha bonita, se perde com um índio Carajá e engravida e para que a família não descobrisse e bastante envergonhada e com medo colocou veneno na comida. Valentim e todos de sua família quase morreram não fosse à intervenção da Dona Inês que avisada pelos Carajás os socorreu dando-lhes muito leite para beber. A filha culpada foge e tempo depois morre muito longe deixando uma netinha para o velho negro que lhe deu o nome Voile, um bonito nome para uma história tão triste, e isto era apenas um pedaço da vida do velho negro.
                   Como ajuda, certamente de Deus, haviam se instalado junto aldeia Tapirapés um pequeno grupo de religiosos, era por volta de 1954, um padre francês, novo, vibrante e inquieto como um gurizinho, de nome Padre François Jaques Jentel que ficou conhecido como “Padre Chico” e três freiras irmãzinhas de Jesus, foi uma benção para os já moradores, de quando em vez aparecia outro padre de nome Focault e uma francesinha estas tipo agente pastoral de nome Denise, briosa e muito bonita. Era uma tentação viva, mas...                                                                    
                   Muitos anos depois, naquela madrugada fria do mês de julho, o negro Valentim com sua barba rala e cabelos pixains mais brancos do que algodão, carregado pelos anos, seu rosto revelava uma eterna expressão de tristeza, podia se notar um leve sorriso dançando em seus lábios enquanto olhava as jovens Índias que as vira nascer e crescer, um leve tremor denunciava seus pressentimentos para o que o destino ainda lhe reservava, mas a madrugada chegava num amanhecer calmo enquanto as primeiras cores mágicas dos raios do sol se mesclavam às nuvens e o ambiente se enfeitava por lindas cantigas, ali, na aldeia dos índios Tapirapés, furtivamente entre os pés de mangas e laranjais que deixavam escapar um pedaço do azul do manto onde milhões de diamantes tremulavam dando adeus à noite que ia passando, aquele grupo de jovens adolescentes, índias Tapirapés, entre elas uma jovem índia Carajá, cantavam sentadas no chão limpo do terreiro junto a uma fogueira que esquentava a brisa gelada.                          
                Era uma melodia suave e maviosa.                 
                Não se incomodaram com a minha chegada, ali também estavam sentados ao lado da fogueira o negro Valentim, o Padre Chico, Denise e nosso amigo João Pinheiro, o Oleriano, a Natividade e a Luciana. A lua brilhava numa claridade pálida, mas tonificante, as estrelas piscavam e de vez em quando uma riscava o céu para cair na terra, foi quando a jovem índia Carajá chamada Iarranaru se chegando para junto do velho negro encostou-se a ele e se aconchegando suavemente, tal uma gata selvagem, lhe perguntou:
--Uarra - (pai) Porque as estrelas caem?
--É uma história muito longa, e é preciso contá-la desde o começo e vem de muito tempo antes de seus antepassados haverem nascidos, e é passada de geração em geração.
--Conte-nos – pediram as índias como a querer aviventar a narrativa chegante.
--Querem mesmo ouvir? 
--Sim – foi o coro geral.
--Muito bem, escutem com atenção - e numa voz firme e penetrante o velho negro começou a contar:...
 
                                                     *
 (Lenda indígena.)
          “Primeiramente”
                 Primeiramente era tudo um vazio muito grande, Deus a quem chamam de Kananchue, que era e ainda é o grande mestre dos Pajés, vagava pelo céu  azul em sua carruagem de Luz, brilhante como mil vezes o sol, mas suave e confortante como a luz da lua, e, então Ele, passando por aqui, gostou deste lugar e resolveu criar este mundo em que nos vivemos, e num passe de mágica ajuntou milhares de pedaços de pedras que flutuavam pelo espaço dizendo: “Juntem-se” em forma de uma esfera azul, aonde haja de tudo e crie-se à primeira parte que se chamará TERRA e terá a sua parte seca em forma de um disco que ocupará um terço do planeta onde irão habitar seres viventes em abundância e tenham eles cada um conforme a sua espécie os seus meios de sobrevivência e multiplicação. Crie-se a segunda parte que se chamará ÁGUA e abrangera dois terços das profundezas da terra, e serão chamados de mares e rios Criem-se também todos os seres viventes deste mundo que serão gerados em teu seio e daí habitarão a terra e os ares e sobreviverão conforme a sua espécie e se multiplicarão, emprestarei a minha imagem a um ser vivente que dela nascera e recebera alma e espírito e dominara sobre todas as outras criaturas, e se chamara homem e a sua companheira de espécie será chamada de mulher, Crie-se à terceira parte que se chamarão de ARES e dominarão sobre a terra e as águas e terão seus seres viventes que nas alturas testemunharão e glorificarão o meu trabalho e viverão da primeira e segunda parte conforme as suas espécies, mas a todos os seres viventes das águas, terra e ares ordenei que vivessem em harmonia e se aperfeiçoem continuamente evoluindo as espécies em acordo com o desenvolvimento de suas naturezas e das águas e dos ares passarão a viver na terra, Crie-se a Quarta parte que será a LUZ e o CALOR para todos os seres e criaturas vivente e se chamarão de Sol, Lua e Fogo, e esta ultima também habitará as entranhas da terra Crie-se à quinta parte que habitarão as águas e a terra e chamar-se-ão PLANTAS, Que irão servir de alimento e remédio para todos os seres viventes e darão frutos e sementes para a perpetuação de suas espécies, e finalmente ordeno que se Crie a Sexta e ultima parte que se chamarão de NUVENS e RELÂMPAGOS que habitarão os ares e se transformarão em chuva trazendo verdadeiro mana sobre a terra que terão por ela, seu ciclo reprodutivo e os relâmpagos será a minha advertência para que não se esqueçam Dele , mas...Aqueles que não seguirem seus ensinamentos e se tornarem maus, pois a todos lhes deu o poder de decidirem por seu própria  vontade e assim sendo  compactuei com estes o Live  Arbítrio ao  qual agreguei uma alma que se tornou cúmplice de seu corpo, mas, aos que o obedecerem, Ele virá muito em breve, pois em Meu universo não há espaço de tempo, um piscar de olhos é igual a uma eternidade, e os levará todos numa brilhante carruagem de luz e receberão o direito da verdadeira vida eterna em paz e  conhecerão a grandeza de MEU universo e ficarão eternamente ocupados ante tanta beleza  mas os que não lhe  obedecerem ao final serão retornarão ao estagio primário, e começarão tudo de novo, assim  ELE falou:  “Finalmente descansarei na sétima parte, mas estarei eternamente vigilante e ordenarei aos meus anjos que protejam a aqueles que me pedirem ajuda, pois são todos, sem distinção, filhos meus, mas torno a falar que verdadeiramente minha morada esta no coração de cada homem bom, ali Eu habito com ele e ele Comigo por todos os dias de sua vida, portanto não busquem consolo nas coisas materiais, EU sou o seu consolo, ore e peça, EU estou bem perto e te atenderei". *
                 Mas com o passar dos tempos os seres viventes começaram a desobedecer aos ensinamentos e se tornaram violentos e maus e passaram a se destruir, então Kananchue ficou muito aborrecido e lançou uma grande pedra de fogo sobre a ilha em que viviam todos os seres e o disco se quebrou em muitos pedaços igual a um prato que cai e se afastaram um dos outros levando consigo os viventes que sobreviveram, era o segundo Grande Castigo, ainda hoje essas partes se movem muito devagar, as águas dos mares ferveram e subiram ao céu e desceram em forma de um grande dilúvio que inundou a terra e fez desaparecer muitas espécies de seres grandes e pequenos. Assim tiveram que viver em separados e muitas outras nações foram criados e cada uma teve seus próprios costumes e línguas diferentes, mas nem assim deixaram de se agredir. Começaram então as grandes conquistas, os homens viajavam a pé, de canoa, ou a cavalo para invadirem as outras aldeias e roubarem suas esposas e seus bens. Existem milhões de semelhantes viventes criados por Kananchue, os índios, os não índios e toda espécie de animais e plantas, mas todos nos viemos das grandes águas salgadas e até hoje estamos em busca de nossas terras perdidas, mas um dia a encontraremos e a conheceremos porque em seus riachos correm leite e mel e o maná floresce nos campos junto com as flores, ali há muita paz e amor, não haverá violência e nem ódio, ai então descansaremos, isto depois de cumprido o segundo Grande Castigo...
                                                                 *
                Os pajés das tribos liam nas cinzas o futuro e quando faziam pajelança, ele pagé, ficava sentado à beira de uma fogueira desde o escurecer até altas horas fumando um tipo de cigarro feito de uma folha do mato a que chamam de cafezinho bravo, a aldeia toda permanecia acordada vigiando o curandeiro que de repente se levantava e corria para mata.  Ouviam-se seus gritos muito dentro da floresta, depois rumo rio abaixo e assim se repetia seus gritos longes e em lugares muito distantes e diferentes, horas depois, subitamente ele aparecia na praça da aldeia, estava muito cansado, caia no chão junto à fogueira e então ele era amparado e mantido sentado por outro índio que o ajudava. Eu estava lá, foi no começo de 1954, o velho pajé Sariroa um índio Kamaiurá estava ofegante e relatava as estranhas viagens que fizera e num destes relatos contou que Kananchue falara com ele dizendo que estava muito triste com seu povo que continuava a lhe desobedecer e a praticar maldade e violência e que o exemplo do Primeiro e Segundo Grande Castigo, mandará para muito breve, antes que um índio nascesse e morresse (uma vida) muitas luas se passassem o Terceiro Grande Castigo que seria outra estrela de fogo vinte vezes maior do que a primeira, e a terra será atingida e ira girar mais lentamente, os dias ficarão mais compridos aonde existir a seca as águas irão invadir e aonde se fizer frio o calor irá queimar e nos lugares quentes todos irão se congelar e a terra regrediria mais de um milhão de anos, poucos restarão, serão chamados os “Anos da Preparação para o dia do Juízo Final, só ai então os mansos e humildes de coração herdarão a terra.”.  
                 --Puxa vai ser terrível. -  interrompeu a índia - Mas... Se isto acontecer ainda vai demorar a chegar, agora continue a nossa história, você se esqueceu de contar sobre as estrelas e os ventos?  - você não viu uma estrela caindo?
--Vi sim, mas não estava caindo, as estrelas e os ventos foram criados muito tempo depois, escute bem, eu vou continuar a história contando também a respeito de como o mal e o bem vieram a este mundo, uma história muito bonita, mas sem fim, pelo menos por agora, mas não se esqueçam de manterem seus corações limpos e puros, pois certamente vocês jovens ainda estarão aqui e testemunharão o dia da preparação, mas... Vamos em frente...   
                                                     
                                                    *

(Lenda indígena...)
“As estrelas, a águia e o vento”.
      
                 “Há muitos anos” em uma grande aldeia dos Carajás quando ainda moravam junto às grandes águas salgadas, existia uma jovem índia muito bonita que se chamava Tarranarú, era filha de um poderoso pajé, o grande Maluté, que a dedicara ao seu novo pai, o Sol e a sua mãe, a Lua. Na outra grande aldeia vivia um índio de nome Rorrori, e era filho do Cacique Maluá, e se apaixonou perdidamente por ela. Seu pai pelo poder que tinha, exigiu que a índia se casasse com seu filho, mas Tarranarú gostava de outro índio chamado Teluira e como Cacique marcara a data do casamento a moça apavorada pediu ao seu pai, o pajé, que a escondesse, e ele usando de mágica a transformou em uma pequena luz e a colocou lá no céu escuro da noite, junto da mãe lua assim ele saberia sempre onde ela estaria, e assim foi feito, a índia passou a ser uma estrela solitária lá no azul do céu, de dia seu pai Sol a escondia e de noite sua mãe lua a guardava. O jovem Teluira sentindo a falta de sua amada ficou desesperado, tanto implorou junto ao Pajé de sua tribo, que este o transformou em uma grande águia e logo ele voou para a montanha mais alta da terra e de lá ficou a olhar para o céu vigiando a sua amada.
O índio Rorrori veio até a aldeia buscá-la para o casamento e não a encontrando voltou trespassado de dor e raiva para a sua tribo e ali chegando consultou o seu pajé e este lhe mostrou a luz lá no céu que era onde a índia estava escondida, e ele pediu desesperadamente:
  --Eu preciso ir busca-la.
                 Atendendo ao pedido do jovem, o grande feiticeiro levantando as mãos para o céu e depois abaixando sobre o corpo do índio começou o rodopiar rapidamente até que este num embalo vertiginoso se transformou em um redemoinho e assim transformado em vento o jovem impetuoso saiu em desabalada carreira dando imprudentes cambalhotas no ar, e, ao olhar para baixo viu os reflexos da estrela nos rios e lagos e então voando sobre estes tentava agarrá-la, mas era apenas ilusões, o pajé, pai da moça, vendo o que acontecia entoou-o um canto de louvor e movimentado os braços de baixo para cima fez com que todos os reflexos da estrela refletidos nos rios e lagos subissem ao céu e se misturasse a índia estrela, então o céu ficou cheio de milhões de diamantes a piscar confundindo-se com a verdadeira joia.
“Até hoje ele ainda está á procura de sua amada, por isso quando você vê uma estrela caindo é ele que apanhou, mas ainda não é ela, e o impetuoso índio zangado anda por sobre a terra arrancando arvores, derrubando casas e destruindo plantações, mas, se um dia ele a encontrar a trouxer de volta para a terra terá que enfrentar a grande ave, o mundo vai tremer ante esta batalha entre o bem e o mal, se o mal vencer então se acabarão todas as estrelas do céu, e não haverá mais ventos e nem vida, só os dois viverão eternamente isolados e juntos aqui na terra vazia, mas se a águia vencer, o amor continuará a florir e os campos se enfeitarão de flores, as estrelas tornarão brilhar e o sol voltará a sorrir“.
                                               
                 --Bonita história, muito bonita mesmo, um dia vamos saber do resultado, mas tomara que a águia venha a vencer e os dois serão felizes eternamente.
--E todos nós seremos felizes – concluiu matreiramente o velho e saudoso negro Valentim
--Conte-nos outras histórias Valentim – pediu a jovem
--São muitas, posso contá-las todas, mas teremos que nos reunir aqui todas manhãs seguintes.
--Tudo bem comece então hoje, amanhã, depois, depois...
--Vamos lá. Começaremos por uma história do velho índio Juruna que aconteceu no Estado do Para e acabou virando uma lenda, mas amanhã continuaremos.
--Nada disto nos conte tudo hoje a estrela da manhã agora que vem nascendo o dia vai custar a clarear.
--Sim, insistiram todas as jovens índias, continue nos conte esta história.
--Está bem, vamos lá...

                                                            *

(Lenda indígena...)

“O velho índio Juruna”.

     Contou-me um índio Juruna que um dia três garimpeiros invadiram a sua pequena aldeia e raptaram uma mulher e um índio velho, ela serviria para seus propósitos e ele para pequenos serviços. Da aldeia ao acampamento dos garimpeiros distavam cinco dias de viagens pela mata, à noite eles amarravam o índio velho a uma arvore e todos se aproveitavam da jovem, foi assim no primeiro, segundo e terceiro dia, mas o índio velho que parecia acomodado e não ligava mais para o que estava acontecendo foi deixado solto na Quarta noite que seria o último dia, pois no outro chegariam ao garimpo, nesta noite cautelosamente quando todos dormiam o índio velho se muniu de um pedaço de pau e sorrateiramente se aproximou da rede onde um dos homens do mal dormia abraçado à índia, esta viu o velho se aproximar e lentamente se afastou da cabeça do adormecido que recebeu uma pancada mortal e nem se mexeu e antes que o segundo acordasse também já morria da mesma forma, mas o terceiro homem acordou e se apavorou vendo seus amigos ensanguentados e caiu de joelho e o velho índio não teve piedade acertou uma paulada certeira e a seguir cortou um pedaço da orelha direita de cada um, enrolou a rede e levou a jovem de volta a sua aldeia. Até hoje os garimpeiros comentam a valentia do velho índio e nunca mais voltaram lá.
O negro Valentim por muitos outros dias continuou a contar suas histórias.
                                                            *
“In-memoriam”.

O negro Valentim e sua esposa Joaninha foram aposentados pelo então SPI hoje FUNAI, eu os vi na cidade de Goiânia em uma pequena tapera, ela muito doente e muito pobre e paralitica estava deitada em um leito tosco a guisa de cama com rotos cobertores curtia os últimos dias de sua vida estava muito magra e abatida quase não falava mais e ele, ali ao seu lado a olhava e simplesmente chorava, chorava como uma criança, eu também chorei. Era a paga dos homens a dois heróis que dedicaram suas vidas aos índios.
Mas...Que  Kananchue (Deus) os tenha.

                                                    *

“Memórias de um mariscador”...( do Livro “Terras Bravias”).
Idos de 1955 a1958
                   Partindo para caçada de jacaré e onça no interior da Ilha do Bananal.

                   Era o mês de maio, naquela manhã de sol em que o leve vento de verão açoitava o meu rosto eu estava atravessando o rio Araguaia em uma pequena canoa, saíra de Mato Verde, na divisa de Mato Grosso, buscando uma pequena enseada no porto no outro lado do rio na ilha do Bananal, onde havia deixado um animal, melhor dizendo uma burra que ali ficara a minha espera para seguir viagem onde meu companheiro Mariano Paciente e Rafael me esperavam ás margens do Lago do Mamão, no interior da ilha, eu deveria levar suprimentos para nossa estadia de caçadas, e isto eu ia levando.                                                           
                   Durante a travessia fiquei a pensar como aquilo tudo começara...
                   Aquela casinha junto ao porto da cidade de Mato Verde morava a então minha sogra, hoje falecida, Joaninha Paciente da Silva. O café que tomávamos com bolo “mane pelado“ vinha a calhar enquanto eu conversava com seu filho e meu cunhado Mariano Paciente as ideias iam surgindo...
                   --Nos devíamos ir caçar jacaré, em vez de só      pensar em matar onça - sugeriu Mariano.
                   --É uma boa ideia –concordei – mas de entremeio matamos algumas também.
                   --É... Isto vai acontecer, mas precisamos decidir aonde e quando e ainda prepararmos a viagem.
                   --Vamos para a Ilha do Bananal – interrompi – estive sabendo pelo Manoel Basílio, aquele que é vaqueiro do Manoel Firmino, que no lago do Mamão está cheio de jacare-assú, só dos grandes.
                   --Já falei com ele para nos levar até lá e deixar uma junta de bois conosco ou pelo menos levar a canoa e a nossa tralha - interveio meu companheiro.
                   --Nossa tralha e mais o sal.
                   --Precisamos levar três arpões, dez cargas de pilhas, duas lanternas de dois elementos, foquitos (lâmpadas das lanternas) três sacos de sal de 30 quilos, 15 quilos de farinha de puba, dois quilos de açúcar, um quilo de café, as redes de dormir, mosquiteiros, corda de arpão, facas e pedra de amolar e um lima, uns comprimidos de quinino e melhoral.
                   --Não podemos esquecer-nos de levar umas cinco latas vazias de vinte litros para guardarmos o óleo da gordura do jacaré, do toicinho de porco salgado, e duas lamparinas, dois litros de querosene e umas rapaduras.
                   --É uma boa mistura, querosene, sal, farinha e rapadura e tudo isto deve ir dentro da canoa que vai de arrasto no pescoço dos bois até na beira do rio Jaburu e nos vamos a pé, eu, você Dankmar e o Rafael “garrafa seca”.
                   Naquele mesmo dia fizemos todas as compras e embalamos tudo em sacos, e como cobertura, em uma capa feita de leite de “mangaba”.·.                                                                                                                          
                  Conversamos  com o Manoel Basílio  que se comprometera de no outro dia cedo estar com a junta de bois no porto do lado da ilha bem em frente a Mato Verde esperando-nos.
                        Quando o dia marcado chegou, madrugamos com a canoa carregada e um companheiro nos ajudou a atravessar o rio, mal clareara o dia já estávamos no curral bebendo leite do gado do Lucio. 
                   Manoel Firmino que era o dono da fazenda Jaburu nos emprestara pelo seu empregado Manoel Basílio uma junta de bois novos e mansos e em seguida amarramos a canoa na canga dos dois bois, colocamos tudo dentro e lá se fomos os quatro, Mariano, Dankmar, Rafael e o. Manoel Basílio que ia montado, pois teria que voltar rumo ao meio da grande ilha para campear gados alongados.
                   Saímos da mata da beira rio e entramos em campo aberto e como o capim era alto tivemos que seguir as trilhas do gado e das antas, o sol começava a esquentar quando avistamos ao longe a mata do lago dos Cavalos, seria a primeira etapa de descanso. A canoa arrastada deixava uma trilha inconfundível, pois estava pesada, mas como era destas feita de um só tronco do cerne de Landi, o fundo era grosso e não sofria nada arrastada sob o capim. Procuramos a sombra de um enorme Jatobá, bem na orla do capão e aliviamos a canga soltando os bois atrelados para pastarem não sem antes lhe oferecermos água na lagoa.
                   Eu havia me casado já fazia dois anos e já tinha um filho de nome Aleixo, como o nome de meu sogro, o pai de Mariano, minha esposa Maria ficara em Mato Verde, e eu vindo de São Paulo para Mato Grosso com a Bandeira Piratininga em junho de 1948, ainda tinha no sangue o espírito de ‘Bandeirante e aventureiro, assimilava tudo muito rapidamente, parecia que havia nascido naquele sertão bravio, mas a curiosidade sempre foi minha companheira, à vontade de aprender, interpretar e registrar, me impulsionavam violentamente navegando no espaço e gravando na memória tudo ao meu derredor.                                            
                 Neste almoço só comi um pedaço de rapadura com farinha e carne seca que já a trouxemos assada era a nossa matula.
                 Seguimos viagem até o pôr do sol e a nossa segunda parada foi á margem do Riozinho, na fazenda do Oleriano, um sertanejo bom, da família do Mundico Sabino. Já havíamos atravessado os ribeirões 23 e 24. No outro dia chegaríamos cedo ao nosso destino o Lago do Mamão.
                   Foi uma das noites bem dormida e com uma comida caseira quente, fomos muito bem recebidos pelo morador e sua família.
                   No dia seguinte antes de clarear já estávamos arrumando para partir margeando rio acima até o lago, fomos encontrando as mais diversas situações possíveis começando pelas centenas de patos selvagens banhando nas águas limpas do pequeno rio que margeávamos, peixes riscavam a superfície como a festejar a liberdade, encontramos dezenas de capivaras que ao nos verem adentravam no rio bem devagar para não suscitarem a sanha devoradora das piranhas, veados campeiros corriam um pedaço depois paravam admirados a nos olhar, logo desviamos um pouco da rota e entravamos nas imediações do lago e o vaqueiro Manoel nos levou uma clareira bem a beira de onde podia se vir à imensidão das selvagens águas infestadas de jacarés. Contei quinze enormes cabeças, até a altura dos olhos, fora da água a nos espreitar. Já era meio dia. Começamos a nos instalar, peamos os bois atrelados, armamos as redes com os mosquiteiros, empurramos a canoa para dentro do lago e fomos preparar as arpoeiras.
                   --Mariano – perguntei – eu vou tirar as varas para as arpoeiras enquanto você junta uma lenha e faz um café. Certo?
                   --Tudo bem, mas cuidado não se afaste muito – recomendou.
                   Não foi fácil arranjar umas varas com um mínimo de três metros de comprimento, bem firmes e retas e de bom peso para arremesso. Depois de descascadas escolhi duas delas e as levei ao fogo para “assar” (um método que torna a madeira mais rígida e inquebrantável). Escolhi dois arpões cujos cônicos que serviam de base para a vara eram mais profundo, modelei com uma faca amolada a ponta de cada vara em forma também cônica até se encaixassem perfeitamente, cortei cinquenta metros de corda quase da grossura de um lápis e com um nó “pé de porco” enrolei a ponta do cordel e demos dois nós para não abrir, lacei a base externa do cônico do arpão e encaixei a vara e puxando a corda dei outros dois nós na ponta extrema e mais fina da arpoeira esticando a corda o que prendeu duramente o arpão na mesma, enrolei a corda e na outra extremidade amarrei uma boia feita de madeira de buriti, estava pronta. Fiz o mesmo com a outra arpoeira e fui preparar as lanternas.
                   Uma ferramenta indispensável na caçada ao jacaré é o machado, e este nós tínhamos, era um machado para abrir buracos nos moirões de cerca e por esta razão não tem o “gavião” grande, é quase reto e assim sendo não engancha no couro do pescoço quando desferimos um golpe mortal para desencaixar separando a espinha dorsal da cabeça. Cortei um pedaço do cabo para ficar mais maleável.
                   Começava a escurecer e os jacarés a ficarem mais atrevidos, pois estavam se aproximando de nosso acampamento, quando um deles chegou mais perto ao alcance de um lance de arpoada tive vontade de fisgá-lo, mas sabia que as consequências seriam graves, pois lutar com jacaré em terra seria bem mais perigoso, na água a vantagem era dos dois, resolvi aguardar a noite chegar, mas não sem antes sussurrar:
                   -- Aguarde-me, breve teremos um encontro.
                   E tivemos mesmo.
                   --Vamos á luta Mariano, já esta tudo pronto ai dentro da canoa, e não vamos precisar ir longe, temos alguns deles bem grandes a menos de trinta metros.
                   --Quem vai arpoar primeiro? – perguntou.
       --Eu vou, mato dois e você outros dois.
                   --Combinado.
                   Quatro jacarés grandes para uma noite era muito trabalho.
                   Entrei na canoa que balançava mais porque minhas pernas tremiam muito, não tinha jeito por mais que estivesse acostumado a aquela luta o nervosismo sempre estava presente no começo da caçada, depois que o sangue esquentava a coragem aparecia. Peguei a arpoeira, testei o balanço da mesma e vi que estava bem rígida, conferi a situação da corda de arpão, lanterna pendurada no pescoço, o rifle 22 em cima do banco com a bala na agulha, o machado no fundo da canoa junto com um facão, não faltava mais nada. Mariano já havia se ajeitado na popa da “ubá” e eu empurrei lentamente a canoa para o meio do lago e de lanterna acesa na altura dos olhos buscava focalizar os jacarés, fiz um mapeamento de todos que se somaram onze todos adultos e bem perto de nós estavam três nos olhando de frente o que me dificultava arpoá-lo e usando o sistema de indicação de rumo virei à ponta da vara para a esquerda e há abaixei um pouco o que valia dizer para virar a canoa e ir mais ligeiro, senti o piloteiro afundar o remo e a canoa avançou tentando contornar o animal, mas ele velhacamente acompanhava a lanterna e nunca deixava o flanco à disposição, pois só poderia acertá-lo no pescoço lateralmente, mas não adiantava. Dei sinal para frear a canoa e fiquei a focá-lo diretamente nos olhos sabia que só haveria um meio que era espantá-lo, pois, ao tentar afundar rapidamente teria que virar para um lado e eu não poderia perder a oportunidade e assim o fiz, tomei um fôlego e bati com o pé na canoa, o animal se assustou e pinoteando virou-se para fugir e eu o acertei bem no lugar ideal que é atrás da cabeça no couro mole do pescoço. Foi um sopapo enorme que jogou água em nós, e a fera afundou e foi puxando a corda que eu lentamente soltava até que parou e a canoa continuou a avançar e eu recolhendo a corda até encontrar a vara da arpoeira e desfiz o nó da ponta livrando a vara a coloquei dentro da canoa e com a lanterna acesa na boca peguei o rifle calibre 22 a manobrei colocando uma bala na agulha e comecei a puxar o jacaré que estava se segurando no fundo do lago, misturado à lama, fiz muita força, mas não conseguia desprendê-lo a ponto da canoa se abaixar tanto que quase entra água pela borda, eu tinha certeza que ele não aguentaria tanto tempo no fundo sem respirar e resolvi esperar um pouco. Minutos depois tornei a puxar a corda e o jacaré começou a subir para a tona era a hora do perigo fui puxando devagar e a corda vinha raspando a canoa e logo a cabeça do jacaré apareceu e eu continuava focando seu olho com a lanterna segura ainda na boca e com uma mão controlava a corda e com a outra peguei a 22 e esperei a cabeça aparecer toda bem raspando a canoa foi quando quase me apavorei, pois a cabeça estava mais alta que a borda da canoa não esperei mais e desfechei um tiro certeiro à queima roupa bem na nuca, o animal se entregou e ai colocando a espingarda dentro da canoa peguei a machadinha e com um golpe certeiro desencaixei a espinha dorsal junto à cabeça, agora eu sabia que estava morto, mas eu esta bem nervoso, mas fui me acalmando e a seguir com a faca furei o couro na altura da nuca e passando um grosso arame de ferro e o arrastamos até a margem e o amarrei em um galho grosso de uma arvore, no outro dia cedo viríamos buscá-lo para tirar o couro, saímos atrás de outro jacaré. A fase mais difícil é quando o jacaré vem à tona e quando os dois se juntam canoa com animal não se pode esperar muito tempo é preciso agir rápido e acertar o tiro na nuca, é uma única chance, caso em contrario se debate e vira a canoa e ai as piranhas estão esperando as centenas. O tempo todos estes pequenos e vorazes peixes acompanham a canoa mordendo no fundo e no remo, onde eles encostam a boca (beiço) o dente a ataca morde por contato seja o que for aquele barulhinho das mordidas não deixam a gente esquecer que elas estão bem ali juntinhas.           
                   Nesta noite matamos dois grandes jacarés. Era muito atrevimento lutarmos contra tamanhas feras não sei onde achávamos tanta coragem, pois se caíssemos na água seriamos devorados pelas piranhas ou atacados por outros jacarés que normalmente eram uma vez e meio maior do que a canoa em tamanho, e éramos apenas dois contra dezenas deles. Agora teríamos também que nos cuidarmos da presença das onças, elas certamente viriam para banquetear os jacarés, por tal motivo sempre arrastávamos as carniças para longe do acampamento e amarrávamos os bois bem junto da fogueira.
Rafael havia feito um café bem cheiroso e nos serviu, fomos dormir cansados e molhados.
                   No outro dia cedo fomos à busca dos dois jacarés e os trouxemos para o porto do acampamento, mas não conseguíamos arrastá-los para a terra e tivemos que usar a junta de bois para puxá-los para fora da água, tinha aproximadamente uns cinco metros de comprimento e deviam pesar uns duzentos quilos.
                    --Dankmar? Você conhece a historia desta Ilha, dizem que é a maior do mundo? – me perguntou Rafael
                   --Rafael, esta ilha esta localizada bem no centro do grande vale do rio Araguaia, a ilha do Bananal é considerada a maior ilha fluvial do mundo perfazendo uma área 1.957.312 hectares, divididos entre o Parque Nacional do Araguaia com 562.312 hectares e o parque indígena com 1.395,000 hectares.
       --E a quem ela pertence? E porque a chamam de Ilha do Bananal?
                   Juridicamente a Ilha esta afeta ao Estado de Goiás e parte ao Estado de Tocantins, sendo que sua extensão territorial atinge os municípios de Cristalândia, Formoso do Araguaia e Pium, sua administração interna esta a afeta a FUNAI, pertence a Micro Região 332 estando encravado na bacia do grande Vale do Rio Araguaia na região leste Mato-grossense. Limita-se ao leste com o Estado de Goiás e Tocantins e ao oeste com o Estado de Mato Grosso.
                   O nome de Ilha do bananal se origina de um grande bananal nativo que fica situado entre o ribeirão Imoty e o rio Jaburu, cuja área atinge a cinco alqueires goianos de plantação, hoje já bem reduzidos em decorrência da extratividade desordenada do produto. Atribui-se primeiramente aos negros fugitivos dos kilombos a plantação do bananal, é de se notar que até bem pouco tempo estes remanescentes dos africanos se faziam presentes nesta região sendo motivo de incansáveis buscas por parte da Fundação Nacional dos Índios – FUNAI, eram conhecidos como os “canoeiros”, pelas suas habilidades no manejo de canoas “ubás”, eram negros, pequenos, de barbicha rala e cabelo enrolado. Usava pontas de facas e de ossos afiados em suas flechas, tendo certa feita ferido nas costa um mariscador (pescador) de nome Avelino quando subia o rio pelo braço pequeno o Javaé no piloto de um barco a motor. Ainda se comenta que existem alguns destes negros dispersos na ilha ou já integrados a outros ribeirinhos junto ao rio Formoso.
                   --Tomara que já não existam mais estes “canoeiros” terminou Rafael
                   --Amanhã conversamos mais sobre esta Ilha, vamos ao trabalho ainda temos que salgar estes couros. – encerrei.
                   Quase todas as noites já eram altas horas quando escutávamos os dois cachorros se alertarem e os fazíamos calar, não era boa coisa ir atrás de onça naquela hora da noite, deixaríamos isto para o dia.
                   Quando comecei a tirar o couro encontrei uma dezena de piranhas mortas dentro do corpo do jacaré elas haviam entrado pelo corte no pescoço comendo a carne e depois não puderam voltar. Salgamos as duas pele e derretemos a gordura que fica entremeada no rabo escondida dentro da carne e renderam quase quarenta litros de óleo que guardamos em lata.
               Rafael tinha umas centenas de berrugas nas duas pernas, do joelho até o pé, o que lhe dava muito trabalho, pois constantemente sangravam, as berrugas secam a pele e, as vendo assim, resolvi dar um palpite para o nosso ajudante:
                   --Rafael passe gordura de jacaré nas berrugas se ele é usado para amaciar couro vai te ajudar.
                   --Vou experimentar– e dizendo isto rebocou as pernas com óleo do jacaré.
                   Quinze dias depois não tinha mais nenhuma berruga o que nos alegrou. Estava completamente curado.
                   Durante estes quinze dias matamos mais trinta e dois jacarés, mas nosso abastecimento estava no fim e decidimos que eu iria a Mato Verde buscar suprimentos, açúcar, café, farinha e toicinho.
                   Passaria pela fazenda do Oleriano e pegaria uma mula do Mariano que estava lá com sela e tudo e assim o fiz, neste dia fui dormir na casa do fazendeiro, no outro dia cedo parti para Mato Verde, cheguei ainda cedo da tarde nas margens do rio Araguaia, deixei a mula com o vaqueiro do Coronel Lucio, meu amigo João Vaqueiro, que iria zelar dela enquanto eu não voltasse, peguei uma canoa dele e atravessei o rio, fui até a minha casa ver a minha família.
                   Minha esposa não estava em casa, havia saído para visitar uns amigos, mas me acomodei e como já tinha banhado no rio, eu só mudei a roupa e me deitei numa rede de labirinto destas que se pode dormir de atravessado, acordei pela chamado da patroa.
       --Olha quem esta aqui? Perguntou ao menino que trazia no colo, Aleixinho já tinha um ano de vida.
       --Oi... Vocês estão bem?
                   --Graças a Deus estamos bem, mas foi bom você chegar para ajeitar as coisas.
                   --Devo voltar para a Ilha em dois dias, mas até lá temos muito tempo para conversar.
                   Os dois maravilhosos dias se passarão e agora eu teria que iniciar a minha volta, comprara os suprimentos e os embalara em dois embornais para carregar na burra comecei a atravessar o rio naquela manhã de sol e vento de verão, não sem antes deixar minha casa suprida de mantimentos e a patroa com alguns troquinhos na bolsa.                                                      
                            

Á volta ao Lago do Mamão...

                   Atravessei o rio e aportei à canoa no lugar de costume e a amarrei em uma raiz, subi o barranco e fui até a pequena casa do João Vaqueiro.
                   --O de casa? Chamei.
                   --O de fora... Vamos entrando.
                   --Cadê a burra?  João.
                   --Esta peada, mas cuidado com ela é muito velhaca para ficar no pasto tive que peia-la os três pés, toma café enquanto vou buscá-la.
--Obrigado.
                   Quando o vaqueiro chegou com o animal fui logo arriando e joguei os sacos com o suprimento na garupa, amarrei na cela, me despedi e montei, vi que era um animal perigoso, mas deduzi que logo o cansaço da caminhada abateria o seu animo, pois deveria ir direto ao lago do Mamão sem passar pela fazenda do Oleriano, mas a tarde chegou e eu ainda estava cerca de meio dia longe, o desvio não encurtara caminho e sim o tornara mais difícil andar entre o alto capinzal, teria que dormir na orla de um capão de mata que avistava ao longe.
                   Já escurecia quando cheguei à beira da mata, escolhi um lugar para atar a minha rede e desarreei a burra, pendurei o arreio e os sacos com os suprimentos, peie o animal de três pés e em cruz, e a deixei sair para pastar, mas o capim estava muito alto e logo ela sumia de vista, fui umas quatro vezes atrás dela e já a encontrei longe e com dificuldade, pois tinha que usar a lanterna para encontrá-la, resolvi deixá-la dormir amarrada pelo cabresto.
                   Não dormi direito sempre prevenido escutando se a burra espirra-se seria sinal de algum perigo, deixe o meu revolver calibre 38 bem a mão e cochilava de vez em quando, logo o dia amanhecera e resolvi seguir viagem. Joguei o arreio no lombo da burra, amarrei os sacos de suprimentos na garupa e ia montar seguro no cabresto e na rédea quando me lembrei das peias que estavam no chão, estendi a mão para apanhá-las, mas não alcançava, puxava o animal, mas ele endurecia e não vinha para frente, por uma fração de segundo coloquei o cabresto no chão lentamente e apanhei as peias, neste instante de milésimos de segundos a burra pulou para trás e disparou capim adentro correndo com o arreio e a carga de suprimentos e logo sumiu de vista, disparei atrás dela e zangado eu ia atirar nela, mas não a vi mais só fui achando pelo caminho os suprimentos caídos, mas ela se foi com arreio e tudo mais. Tive vontade de chorar e gritar, mas o jeito foi jogar os pesados sacos à costa e seguir viagem. Enfrentei o sol quente, o capim alto, os mosquitos e os mutucas, mas eu tinha que ir em frente. Cheguei ao começo da tarde, cansado e estropiado com os pés em brasa.
                 Quando me enxergou Rafael se espantou e gritou para Mariano que cochilava na rede:
                --Mariano o Dankmar chegou.
                --Cheguei mesmo? Brinquei ironicamente.
                --Uai... O que foi que aconteceu? Você veio a pé?
                --Não a maldita burra me pregou uma peça – contei toda história para ele.
                --Está tudo bem só vamos ter prejuízo do arreio, a burra esta acostumada na fazenda do Oleriano que é aqui perto e ela ficarão lá depois nos os pegaremos, como está todo mundo lá em casa? Perguntou.
                  Batemos um papo prolongado sempre respondendo as perguntas do Rafael isto até à hora da caçada.
                  --Dankmar, você conhece bem esta ilha que tipo de clima é este? E que tipo de terrenos estamos pisando em cima? É todo alagadiço?
                  --Não Rafael - respondi - A ilha esta classificada a dois tipos de clima, o tropical Monçoico e o tropical de Savanas com predominância do último e sua temperatura atinge a 38ºC no Maximo e a 18ºC no mínimo.
                   O tipo de vegetação predominante é o campo limpo e o campo com murundu, sendo o primeiro formado por graminoides e o segundo com comunidades hidrófilas expressadas por um mosaico de campos e várzeas inundadas e salpicadas de montículos (cupins e manchões) onde se desenvolvem arbustos e arvores tais como Murici, Lixeira, Oiti e outras, nesta unidade foram englobados indiscriminadamente vegetação campestre arbóreas de várzeas alagadas, periodicamente ou não representa cerca de 40% da Região. As matas alagadiças ou florestas pluviais Perenifólias Hidrófilas correspondem a 20% da Ilha. Seguidamente a primeira predomina o Cerrado “Sensu strictu” ou Cerrado denso definido com extrato dominante arbóreo de 4-8m, com cobertura de copa em torno de 40%, extrato arbustivo de 1-2m, e extrato herbáceo composto principalmente de gramíneas. O Cerrado é um tipo ralo e degradado de menor densidade e altura correspondem a 31% da região. Finalmente as Matas Altas e o babaçual (Orbignya-ssp) ás margens do ribeirão Jaburu (Mata de côco) representam 9% da região se misturam na identificação das Florestas Estacionais Semidecidua Mista, neste caso, o extrato dominante é composto por arvores cujas copas esgalhadas são nitidamente mais espaçadas, dominando o extrato arbustivo - arbóreo denso e baixo recoberto parcialmente de cipós e tiririca.
                   Em grande parte da Ilha se encontram areias vermelhas, amarelas quartzares e areias marinhas, as manchas de solo hidromifricos se fundem ao sistema argiloso sedimentar. As areias marinhas conhecidas como areia manteiga predomina em meio aos barros pretos argilosos e aos tremedais que procuram acomodação secular.
                     A Ilha é composta por dois braços do rio Araguaia, o menor tem o nome de Javaé e o segundo o próprio Araguaia, sua extensão atinge a 600 Klms. De comprimento por uma largura média de 80 Klms. O seu interior é composto por uma bacia em que predomina o Riozinho ou Jaburu, seus afluentes principais são o ribeirão 23, 24, Imoty, e o ribeirão Itabelai, Suas dezenas de lagos e lagoas que se destacam com seus esgotos são: a Lagoa da Mercê, o Lago dos Cavalos, o Lago do Mamão, a Lagoa da Pataca, o Lago de Canuanã, a Lagoa das Três Bocas, o Lago do Pé de Coco junto ao Lago dos 47.  A Ilha se apresenta como uma planície verde tal uma mesa de sinuca e apenas dois morros se destacavam o do Imoty e o de Santa Izabel do Morro que foi totalmente derrubado no aproveitamento de brita para construção do campo de pouso em Santa Izabel
                   A Ilha do bananal não apresenta tradições locais ou importadas, nem em costumes sociais, nem em cultos religiosos, nada é antigo ou sólido. Não se tem noticias de sítios arqueológicos ou mesmo de trabalhos rupestres – terminei.
--Já chega! Estou com a cabeça quente é muito difícil entender o que você esta falando – interrompeu Rafael.
--Deixa pra lá Rafael, depois te explico melhor.
                   Já estávamos com 20 dias no lago do Mamão e havíamos matado apenas 35 jacarés grandes o maior mediu 28 palmos de ponta a ponta, com os seis palmos de rabo (não se aproveitava o couro do rabo todo só a parte mais macia), era muito grande.
                   Durante o dia fazíamos explorações para descobrimos novos lagos, encontramos um lago bem grande, longe do Riozinho em cerca de seis quilômetros, mas nossos compromissos nos obrigavam a voltar e assim o fizemos.
                   Cinco dias depois estávamos em casa na nossa bela cidade de Mato Verde, mas eu já tramava voltar ainda estávamos em junho e tínhamos quatro meses pela frente para mariscar jacarés.
                   Vendemos os nossos couros ao Telesforo Moreira que era o comprador que pagava melhor, dali ele levava para Belém do Pará e de lá não sei para aonde iam.    
                   Descontei o preço do arreio, pois Mariano achou a burra limpa igual o dia em que nascera.
                   Foram dias de descanso e paz.

Regressando a Ilha do Bananal.

Fim de julho

                       
Explorando os Lagos:
Lago das Três Bocas – Riozinho com rio Imoty e rio Jaburu.
Lago do Coqueiro Solitário – afastado das três Bocas
Lago dos 47 –Afastado do Riozinho em três mil metros.
                 Dankmar, Osvaldo Paulista, Rafael e Manoel Basílio...

                   Mariano não poderia voltar, assim, chamei o “Paulista” Osvaldo Guimarães para companheiro e o Rafael, como sempre para cozinheiro e braçal, só que esta viagem seria bem mais dura e difícil, pois teríamos que seguir até a margem do Riozinho com um ou dois animais de carga e lá arranjaríamos uma canoa para nossa caçada, já sabíamos que o Mundico Sabino nos emprestaria uma canoa, mas era pequena, mas esperávamos arranjar outra canoa maior com os índios Javaés que estavam perambulando pelo interior da ilha. Assim aconteceu.
                   Preparamos a nossa viagem cautelosamente para não faltar nada, inclusive um bom pedaço de lona plástica, pois setembro e outubro já eram meses de chuvas, marcamos o dia da saída, seria no mês de agosto de 1955, a única diferença é que eu iria passar o aniversário de minha esposa dia 27 de agosto no mato, mas a vida era assim e ela compreendia bem.
                   No dia 11 de agosto atravessamos o rio aonde Mundico Sabino mandará um peão de sua fazenda com duas mulas de carga para nos levar até as margens do rio Jaburu. Nos fomos a pé. Neste dia posamos de novo na fazenda do Oleriano á margem do ribeirão 23 naquele dia acordamos cedo, pois teríamos que atravessar o ribeirão 24 e a macega estava muito alta o que dificultaria o nosso avanço.
                   Chegamos no dia 12 antes do anoitecer ás margens do lendário rio, nos arranchamos, no porto uma canoa estava a nossa espera com dois remos dentro. Quatro cachorros nos acompanhavam, o menor se chamava “Batom” era o cachorro de vigiar a casa, ele não quis ficar, tive que levá-lo, o segundo chamava-se “Pretinho”, era um pra nada, o terceiro se chamava “Javali”, era bom caçador e acuador de onça, o quarto era uma cachorra mestiça metida mais a policial e se chamava “Veneza”, muito obediente e valente. Estavam todos cansados e dormiam a solta pelo novo acampamento.
             Neste dia apenas descansamos.
                   No dia seguinte, o peão voltou com os animais e nos fomos até a “cachoeirinha’ ·onde possivelmente, arranjaríamos uma canoa maior com os índios Javaés”.
                   A cachoeirinha ficava apenas algumas horas no remo e logo escutamos o barulho das águas, quando fomos aproximando ouvimos também vozes de índios, eram apenas quatro deles, aproximei-me calmamente e encostei a canoa junto das outras.
--Taterianbo (Bom dia).
--Tateri – foi á resposta curta.
--Mombani caí? – (Como se chama?) perguntei ao índio mais velho.
--Raul, nome de tori – respondeu rindo – e vocês vêm de onde?  (num belo e bonito português).
--Nos estamos aqui para mariscar jacaré.
--Hum... Nos só mariscar peixe e ariranha.
--Eu queria era alugar uma canoa sua destas maiores, a nossa, aquela ali, é muito pequena e perigosa.
--Tá bom, empresta canoa àquela grande - mostrou a ubá – quando ocê volta deixa canoa na casa de Oleriano.
--Quanto vai custar?
--Nada meu amigo, ocê Dequimá?
--Sim, eu sou Dankmar.
--Todo Javaé conhece ocê e Carajás também, fala muito bom do amigo.
--Vou precisar de pelo menos um remo.
--Esta bem, eu arranjo remo, mas ocê demora mais e um dia vão lá no “Canoanon” visitem nossa aldeia, eu arranja mué bonita para ocê.
--Muito obrigado Raul, mas eu tenho que voltar.
                     Ficamos mais umas duas horas parados enquanto lanchávamos uns peixes assados e voltamos nas canoas, eu vinha na grande e vi como era pesada, mas não tínhamos alternativas, o fundo da canoa era muito grosso, mas não tinha nenhuma rachadura.
                     Pousamos pela segunda noite no mesmo lugar.
                     No dia seguinte, ajeitamos as coisas dentro das canoas e seguimos viagem rio acima rumo às três bocas na canoa grande ia o Rafael no piloto e eu ia à frente usando a zinga ou o remo levando dois cachorros e parte maior da tralha, na canoa pequena ia o Paulista, dois cachorros e alguma tralha. Sentado no piloto remava e alternava com a zinga nos lugares mais rasos, íamos ganhando espaço.
                   Já havíamos passado da cachoeirinha e não víamos os índios, deviam estar fora caçando, enfrentamos um longo trecho raso, tivemos que descer das canoas e empurrá-las, num certo momento eu senti qualquer coisa roçando o calcanhar de meu pé dentro da água rasa, eram umas dez piranhas vermelhas ou “chipitas” ainda pequenas que nadando quase de lado pela   falta de
água tentavam morder meu pé, me virei e com a vara da zinga as espantei com varias pancadas fortes em delas que fugiram prosseguimos a viagem arrastando a canoa por mais uns cem metros logo a água foi ficando mais funda, eu entrei para na canoa e fui para a proa impulsionar com a zinga. Havíamos andado quase uns trezentos metros quando eu vi uma cobra Sucuri emparelhada com a canoa nadando no mesmo sentido, a vara do arpão que esta sempre encastoada e pronta estava bem à mão e a apanhando joguei contra a cobra, mas o arpão não entrava, tentei umas poucas vezes, mas não adiantava e teimosamente a cobra acompanhava a canoa naquela água transparente, algumas vezes ela punha a cabeça para fora da água e ameaçava atacar a canoa, ela estava enraivecida e eu comecei a me assustar foi ai que me veio à ideia, atirar nela com o rifle 22 e assim eu o fiz, agachei e apanhei o rifle o manobrei colocando a bala na agulha e esperei, quando ela subiu atirei na cabeça, fora um tiro mortal. Paramos a canoa, pulamos na água que devia ter não mais do que meio metro de fundura e a arrastamos para a praia. Ela tinha aproximadamente uns quatro a cinco metros, não era grande, mas estava gorda. Tentamos tirar o couro, mas não conseguíamos mesmo morta ela se encolhia e não deixava racharmos o bucho com a faca. Finalmente depois de a estaquearmos na ponta do rabo e no pescoço com as duas varas enfiadas na areia consegui cortar o couro da barriga e para minha surpresa contamos exatamente cento e cinquenta filhotes de um palmo de tamanho, vivos a se contorcerem na areia quente, antes que eu mandasse Paulista depois que os contou e os jogou dentro da água do rio e eles sumiram, era esta a razão de sua agressão.
                   Chegamos ás quatro horas da tarde na boca de lago solto e dali havia um esgoto que leva ao lago dos quarenta e sete, e nos arranchamos em uma bela praia.                            
                  Estávamos enfadados, pois já era o terceiro dia de penúria. Usando o arco a flecha logo eu fisguei dois belíssimos Tucunarés, jantamos bem e dormimos cedo. Algo me fazia desconfiar, estava tudo muito quieto para o meu gosto, seria a presença dos cachorros?
                   Acordamos com o cantar de dois Jacurutus, se fosse Mato Grosso eu iria suspeitar da presença de índios Xavantes, o sol já havia saído, era por ai seis horas da manhã. Fizemos café, eu havia levado um vidro com 500 pílulas de adoçante dietético, e assim carregávamos menos coisas, apagamos o fogo e rumamos para as três bocas.  Chegamos cinco horas depois.
                   Ali se encontravam o Rio Imoty com o Riozinho e a terceira embocadura era o lago chamado Três Bocas, era uma beleza de lugar, o silêncio, somente o cantar dos pássaros, o riscarem dos peixes e o barulho dos remos na água, lá fora, escondida entre as arvores, tenho certeza, alguma onça, pintada, preta, vermelha ou canguçu nos espreitavam intrigadas, talvez pensando “O que eles querem aqui? O que vieram fazer?". Encostamos a canoa em uma clareira limpa na mata bem a beira rio e com muita sombra.
-- Aqui parece um bom lugar - comentei.
--Vamos arranchar aqui mesmo é melhor ficarmos mais afastados das bocas - advertiu Paulista.
                   Poucas horas depois estávamos com um belíssimo acampamento montado. Esperávamos ter que passar ali pelo menos 30 dias. A tarde chegara com o barulho dos pássaros e o bater forte das asas dos patos selvagens que pousavam por todos os lados. Repetimos as operações iniciais como preparar as arpoeiras, lanternas, linhas armas, machado, facão etc.
                   A noite caíra escuro feito breu, de barulho somente as rabanadas de um ou outro jacaré ou peixe, e o grumexe dos cachorros que estavam meio escabreados com o ambiente hostil, de quando em vez uns rosnavam, mas não latia.
--Rafael te cuida e fica perto da fogueira – recomendei.
                   O Paulista era um grande piloto e grande arpoador, mas eu teria que ir á frente, pois tinha mais pratica naquela luta entre homem e animal.
--Paulista, tudo pronto.
--Tudo
--Você pilota a canoa e eu arpoo.
--Como queira.
                   Empurramos a canoa para dentro da água e fui para a proa e me coloquei em pé e com uma lanterna de dois elementos (Rayovac), segurei a arpoeira na altura dos ombros, dei sinal com um leve balançar do corpo que era um sinal para avançarmos e foquei a lanterna, quase me assombro mais parecia uma arvore de Natal de tantos reflexos que eu via, mas pela altura dos olhos da água e da distância entre os dois olhos percebi que tinha muito jacaré de segunda e terceira, isto queria dizer que os jacarés grandes seriam poucos uma vez que a miuçalha estava solta, teriam que achar primeiro os grandes e assim que localizei um dei sinal com a arpoeira, porque o piloto não tem a menor noção do que esta acontecendo, e lá se fomos bem devagar, o remo entrava e saia da água sutilmente sem fazer um menor ruído fomos passando entre vários jacarés de segunda até que me aproximei do grandalhão, tomamos uma cautelosa chegada e ele nem se deu conta, mas quando o arpão se encravou no couro e carne do pescoço ai sim foi um Deus nos acuda, o primeirão deu uma rabanada que nos encharcou dos pés a cabeça e balançou a canoa, mas aquela embarcação era segura muito grande firme e pesada, mas mesmo assim minhas pernas ainda estavam tremendo, foi um barulho lago afora que mais parecia uma revolução e que todo mundo estava contra nos, o jacaré correra um pouco e entrou numa moita de mururé (planta que dá na superfície das águas) até se enganchar, eu corri a lanterna ao nosso redor e pude contar mais de vinte jacarés de todos os tamanhos bem perto nos olhando agressivamente e de rebate as piranhas estavam de plantão junto a nossa canoa.  Deixe a coisa acalmar um pouco, foi quando o Paulista muito calmamente falou:
--Vamos encostar a um pé de Saram e vamos puxar este porcaria para fora e matá-lo logo e depois vamos continuar sem escolher vamos pegar os que estiverem na frente.
--Certo.
                 Eu fui soltando a corda da arpoeira e nos agarramos em Saram (arvore de beira de lago), puxamos o jacaré, mas não deu resultado e assim comecei a recolher a corda e lá se fomos para junto da moita de mururé, eu começava a me esquentar e já estava zangado, passei a mão no facão fui cortando as plantas junto da corda e puxando a canoa até entrar bem dentro, foi ai que eu senti o encastoo da corda (parte de amarrar que fica junto do arpão), e esfriei ao sentir o couro do animal logo nas pontas dos dedos. Mas eu não sabia para que lado estivesse à cabeça então tive que cutucar a fera com o facão para ela se mexer do lugar, num movimento tremendo que chegou a levantar a canoa o jacaré passou por debaixo dela e volto para o espelho do lago e nos fomos juntos, claro que eu havia dado corda.
                   Agora estávamos em igualdade de condições, recolhendo a corda aguardava com o rifle ao lado quando a cabeça me apareceu segurei lentamente a lanterna na boca e com a mão esquerda mantinha a corda esticada e com a direita encostei o rifle na nuca e disparei. Nem me lembrava mais dos outros jacarés. Depois que desencaixei a espinha dorsal junto à cabeça o amarramos com arame num forte pé de Saram e eu pedi para voltarmos para o acampamento.
--Paulista... Vamos voltar um pouco para o acampamento.
--É bom e eu quero tomar um café.
                   Encostamos a canoa e saímos um pouco aliviados.
--Agora é a sua vez Paulista eu vou pilotar.
--É bom mesmo, esta canoa é muito pesada, mas eu vou arpoar o primeiro que aparecer.
--Tudo bem vai lá
                   Neste resto de noite correu tudo bem, caçamos mais quatro jacarés médios.
                   Fui dormir de madrugada, passei boa parte da noite pensando em minha família e nos riscos que corríamos com milhares de piranhas prontas para nos devorar ao menor descuido, onças na espreita pronta para atacar, sucuris, cobras venenosas, será que valia a pena correr aquele risco todo, logo no começo da vida?
                   Nos não tínhamos uma junta de bois para arrastar os jacarés para fora da água a fim de facilitar a tirada do couro, assim, o jeito era tirar o couro bem na beira d’água quase junto com as piranhas, depois tirávamos o rabo para tirar a gordura e arrastávamos o resto para mais longe possível do acampamento.                           
                   Assim se passarão os dias, os couros iam se amontoando e a gente se acostumando ao perigo, mas o nosso estoque de alimentação estava no fim, trinta dias haviam se passado desde que saíra de casa, e tínhamos que mudar acampamento para o lago do “Coqueiro Só", mas isto só quando regressasse da viagem, assim, decidi puxar aqueles enormes animais para fora d’água.
                   --Paulista e Rafael, eu vou a Mato Verde buscar suprimentos, não saiam do acampamento e nem inventem de caçarem sozinhos, dentro de dez dias estarei de volta, vou descer na canoa pequena até o Oleriano de lá eu pego um animal e vou a Mato Verde, assim volto mais depressa e continuaremos a nossa caçada, vou levar todos os couros que puder e já deixo guardado com o velho, vou levar só meu revolver a carabina 44 e a 22 ficam aqui no acampamento.
--Quando você vai?  - perguntou Rafael
--Amanhã cedo, hoje eu vou explorar o outro lado rumo leste eu já vi ao longe uma mata fechada e pode ser um lago grande, vou lá verificar.
--Leve os cachorros contigo, tem muita onça rondando por aqui por causa das carniças dos jacarés, todas as noites elas rondam o acampamento, já ouvimos muito barulho delas e parece que estão se acostumando com a gente e isto pode ser perigoso – comentou sabiamente o Paulista.
--É eu já reparei que elas estão pegando as carniças bem aqui perto e arrastando para dentro do capão, vou levar os cachorros e a minha carabina 22.
--Tome cuidado.
                   Entrei na canoa grande, chamei os cachorros que logo estavam todos dentro, não deixei o Baton entrar, ele era muito pequeno e muito gordo além de cabeludo, logo cansaria embora fosse muito cedo do dia, vagarosamente rumei para o outro lado quando escutei:
--Volte Baton – gritava Rafael.
                   O cachorrinho entrou na água e vinha nadando atrás da canoa que se encostava ao barranco do outro lado do rio, fiquei de pé e pude ver centenas de piranhas todas no espelho da água quietinhas com o rabo para baixo e a cabeça para cima, como se tivessem querendo tomar sol da manhã e o cachorrinho nadando entre elas que se abriam á sua passagem, nunca mais verei algo assim novamente, a natureza é realmente sábia, até as piranhas tem suas horas de paz. O Baton saiu ileso do outro lado eu quase agradeci as piranhas. Segui rumo ao rio Javaé, com o sol nascente em meu rosto. Não havia andado mil metros quando os cachorros que sempre andam na frente encontraram um veado Cervo e correram atrás dele até sumir o latido, não adiantou eu gritar para eles largarem, fiquei sozinho por um bom pedaço, mas quando eu estava atravessando um capinzal alto, seguindo por uma trilha batida deixada por gado ou anta, escutei pisados bem atrás de mim, pensei “os cachorros estão chegando” e continuei a caminhar, mas logo desconfiei, pois o cachorro quando chega vão logo atropelando e passando a frente e este não queria passar, desconfiado me virei com o rifle pronto e dei de cara com uma enorme onça Suçuarana (Vermelha) a menos de dez metros atrás de mim me seguindo no trilheiro, quando a fitei nos olhos e ela firmou a vista em mim levantei o rifle para atirar e em menos de dois segundos ela deu um pulo para o lado direito e sumiu dentro do capinzal, não cheguei a atirar e nem fui atrás. Esperei mais um pouco calado e atento, ouvi-os acuando alguma coisa, mas muito longe quase no rumo do acampamento, mas nem os cachorros e nem mais a onça davam sinal de vida, fui em frente rumo ao capão que se aproximava, logo que entrei num varjão de capim baixo e limpo foi quando ouvi um tiro longe, pouco depois os cachorros chegaram Tomei uma decisão, queimar o capim para ficar mais fácil de andar e assim o fiz, segui rumo a mata do lago e aguardei o fogo avançar rumo oeste para onde o vento de verão o empurrava, quando fui chegando no capão rodeando uma moita topei de cara com outra onça que estava sentada e se levantando de um pulo e correu para dentro da mata quando dois cachorros chegaram e correram atrás dela, entraram no capão e sumiram latindo ao longe, resolvi contornar o capão pelo outro lado, mas quando ia passando junto de uma grande moita de tucum, o cachorro “Pretinho” acuava violentamente alguma coisa escondida na moita, me abaixei lentamente e vi uma onça Canguçu deita sobre as mãos abanando o pedaço de rabo (era rabicó) e olhando fixamente para mim a menos de três metros, se enfrentar a morte for assim eu estou preparado, pois, não senti o menor receio e nem tremor calmamente sem deixar de fixar os olhos dela levantei o rifle e mirei bem na testa e apertei o gatilho, morreu sem se mexer do lugar,  deixou a cabeça cair entre as mãos, não senti nem prazer e nem remorso, eu estava frio e parecia que não tinha feito nada de mais, quando vi que estava morta a arrastei para fora da moita de espinhos. Pensei em dar mais um tiro, mas não havia necessidade, descansei um pouco e joguei o bicho nas costas e voltei ao acampamento, quase não aguento o peso. Quando cheguei ao acampamento o Paulista foi falando:
                   --O que aconteceu, eu escutei os cachorros acuando lá do outro lado e fui ver o que estava acontecendo e não é que eles haviam acuado uma Suçuarana e ela subiu num pé de murici baixinho e eu larguei fogo nela, já tirei o couro, e você onde estava?
--Matando esta aqui – respondi tirando a Canguçu de dentro da canoa - é... Eu vi a essa onça vermelha, ela andava atrás de mim botando tocaia para me pegar, mas como eu só dou um tiro e é bem na testa, não houve tempo, ela fugiu.
--É hoje parece que foi o dia das onças, seu Dankmar, eu só atiro dentro do olho que é para não estragar o couro-remendou Paulista.
--Já faz tempo que elas vêm perturbando a gente.
--E o lago, tem jacaré?
--É pequeno o espelho e é muito sujo, pode ser bom, mas é difícil e perigoso, não tem lugar firme para encostar a canoa, só muito lama.
--Deixa para lá já temos muito lugar para mariscar, vou tirar o couro desta canguçu e esticar.
                   Dei uma boa merendada e fui descansar um pouco. Dormi até a boca da noite. Nesta noite eu não trabalhei, pois teria que viajar cedo no outro dia.
                   Acordei com o barulho da passarada, a noite foi calma, não houve aquela apreensão com o barulho e briga das onças disputando as carniças acredito que elas sentiram os cheiros das duas onças mortas. Tomei um cafezinho, tornei a recomendar que não fossem caçar especialmente sozinhos e tudo mais necessário.
--Quero que você compre remédio para dor de cabeça. – pediu Rafael.
--Para mim eu quero uma garrafa de pinga, uma lata de leite moça e dois pacotes de fumo. – pediu Paulista
--Já estão na lista, você quer fazer “Um leite de onça”, Paulista?
--Adivinhou.
--Pode ir tranquilo, ninguém vai mexer com nada até você chegar.
                   Arrumei os couros e quando surgiu o primeiro clarão do dia acordei o pessoal e embarcamos quase todos os couros, tomei um café e acenei partindo.
                   Rio abaixo era bem mais rápida a viagem, mas mesmo assim eu ia bastante pesado e teria que descarregar a canoa para poder passar a cachoeirinha, cheguei ao Oleriano já quase escuro da noite, dormi entre aquela boa família, contamos casos e ao amanhecer do dia já estava com o animal arreado e pronto para partir, não sem antes agasalhar a courama no paiol.
                   Pouco depois das quatro horas da tarde eu já estava atravessando o Araguaia e pensando como estariam todos, mas a patroa e o menino estavam bem.  .
                   Fiquei cinco dias visitando os amigos, e dando uma força para minha sogra Joaninha, pois meu sogro viajava muito e assim as mulheres sempre ficavam sozinhas, comecei a me preocupar com meu estilo de vida, seria a minha ultima caçada prolongada que eu faria, e foi mesmo.
                   Quando inteirava os doze dias eu estava chegando de volta no acampamento com um suprimento para mais trinta dias, fui logo notando algo muito estranho, Paulista estava muito calado e o Rafael também, mas logo descobri o motivo, um couro de onça preta estava esticado de novo bem no fundo do acampamento fui até perto para examiná-las e contei seis buracos de bala, logo gritei:
--Isto aqui é um couro de onça ou uma peneira?
--Calma Dankmar eu vou te contar tudo.
--Pois conte logo – sentei-me junto ao fogo e peguei uma caneca para tomar café esperando a explicação do Paulista.
--Há três dias esta onça amanheceu o dia esturrando em volta do acampamento e os cachorros a pressentiram e correram para o mato a acuaram ai não tive jeito tive que ir lá matá-la senão ela mataria os cachorros.
--E foi preciso dar tanto tiro assim, vamos lá rapaz conte esta historia direito, venha cá Rafael me conte você?
--Patrão foi quase assim só que foi o Paulista que resolveu ir caçar e ele saiu sozinho, não levou nenhum cachorro, não sei por que carga d’água ele resolveu subir numa arvore e com a cabaça começou a esturrar chamando onça e não é que veio uma onça preta e parou bem embaixo do pau que ele estava, ai não teve jeito ou ele atirava ou a onça subia lá e o pegava, ele estava muito baixo, ai atirou e o tiro não pegou bem a onça que correu, ele atirou de novo, não sei se pegou com o barulho dos tiros os cachorros correram e foram para lá e ai o pau quebrou a onça ferida corria traz dos cachorros os cachorros corriam atrás da onça, ai não teve jeito o Paulista desceu da arvore e foi até onde estava à briga, era melhor enfrentar a onça do que enfrentar o senhor quando voltasse, foi chegando perto deu outros dois tiros na onça que correu para cima dele ai ele correu, virou um corisco, mas se enganchou em um cipó e a carabina caiu da mão dele e se agarrou no cipoal e subiu bem para o alto, e ai os cachorros fecharam em cima da onça bem embaixo do Paulista, que me gritou, mas eu não escutei, era muito barulho junto, só sei que a onça tornou a correr e os cachorros depois de um tempo voltaram e ai o Paulista teve coragem desceu do cipoal e foi procurar a carabina que demorou a encontrar, pois ela foi cair muito longe, foi muita coragem ele descer da arvore só de facão na mão ai ele veio aqui pro rancho e depois de umas quatro horas resolvemos os dois voltar lá para ver o que aconteceu, mas logo os cachorros a encontraram ela esta morta ai nos a amarramos numa vara e a trouxemos para cá, o resto é aquilo ali – terminou mostrando o couro.
--Viu no que dá não escutar meus conselhos?
--É, passei um bocado apertado, mas o bicho morreu.
--Paulista, com uma carabina 44 tem que atirar seguro, é preciso ter muita calma.
--Você já está acostumado a matar onça, mas eu não, esta é foi a segunda.
--Ainda bem que teve um final feliz, e os jacarés? Ainda há algum por aqui?
--Só, jacaré pequeno e o jacaretinga começaram a aparecer.
--Não é bom sinal, vamos mudar para o lago do Pé de Coco Só e de lá vamos para o lago dos quarenta e sete (Quando estávamos explorando lagos da ilha do Bananal contamos 47 jacarés grandes naquele bonito e comprido lago, que recebeu o valido nome de “Lago dos quarenta e sete”).
--Já estamos em fim de setembro, bem perto de outubro, logo teremos muita chuva ai às coisas vão ficar difíceis para-nos - vaticinou o Paulista.
--Rafael ajude a arrumar as tralhas começaremos a nos mudar amanhã cedo.
--Vamos caçar jacarés hoje?
--Não, hoje dormiremos em paz.
                   No outro dia fizemos um jirau alto dentro do mato e escondemos os couros de jacarés e das onças e juntamos o resto da tralha embarcamos na canoa e começamos a parte mais difícil da odisseia, arrastar uma canoa grande pelo campo por mais de dois mil metros, levamos quase seis horas para colocar a canoa no outro lago, mesmo vazia era bastante pesada, fizemos um cabresto de corda e amarramos uma vara forte de atravessado no bico de proa e dois homens, um de cada lado, a arrastavam um pedaço, depois voltávamos atrás das tralhas e assim por diante ate chegarmos ao novo lago, fizemos um acampamento provisório. Passamos oito dias caçando jacarés e só matamos onze, levamos os couros para o jirau da mata e começamos a nos mudar para a o nosso ultimo lago que pusemos o nome de Quarenta e Sete, e jamais o esqueceremos, foram os trinta dias mais difíceis da minha vida. Arrastamos penosamente a canoa por mais de três mil metros com alguns desvios e voltas, agora estávamos aproximadamente a dois mil metros da margem do Riozinho.
                          

“Lago dos 47”.

 Ali morava o perigo,
                      o sofrimento,
                                  a dor e a solidão...
Eu tive um mau pressentimento...                   

                   Era o dia oito de outubro, já estávamos com 56 dias de caçadas e nosso resultado eram 19 couros de jacarés de primeira 01 couro de onça preta, 01 couro de onça vermelha e 01 couro de onça canguçu, também, passamos a maior parte do tempo em explorações e o pior era que as chuvas estavam para chegar, assim que chegamos no lago, alias, no único lugar limpo em que poderia encostar uma canoa e montar um bom acampamento, fomos recebidos pelos esturros de um jacaré muito grande que fez a terra tremer embaixo de nossos pés.
--São as boas vindas comentei.
--Aqui não vão ser mole não – concordou Rafael.
--Vamos ver. – monologou o Osvaldo (Paulista).
                   Passamos o resto do dia arrumando o acampamento e eu aproveitei para tocar fogo no capim entre o lago e o rio, pois estava muito alto e seria muito perigoso, e embora já tivesse dado umas duas chuvas ralas o fogo queimou até raspar o chão mostrando uma visão bem diferente. Na parte da tarde fui dar uma volta de reconhecimento pelo lago, era muito comprido e fazia uma curva em sua ponta norte onde o varjão praticamente encostava-se ao e uma montoeira de paus altos e era ali o ninho de milhares de pássaros, fiquei horas a observá-los, os Jaburus, as dezenas em seus voos rasantes posavam sobre a parte pantanosa do lago, os colhereiros cor rosa e seu bico achatado mais parecendo uma colher alimentavam seus filhotes nos ninhos numa barulheira infernal, os mergulhões em seus voos acrobáticos subiam e desciam dando piruetas e cambalhotas no ar e mergulhavam nas águas para aparecerem mais longe com um peixe no bico, as garças enfeitavam de um branco sem macula tal um modelo na passarela, as gaivotas escandalosas voavam riscando as águas com o bico e sempre pegavam um peixinho menor, tudo cheirava a peixe, e a mosca de ferrão abundava, era capaz de furar um cobertor para atingir a pele dentro da rede, acredito que dali veio à mosca de chifre que hoje atormenta o gado eu as vi aos milhares nos lugares em que os pássaros se povoavam, voltei entre admirado e pasmado, admirado ante tanta beleza da espécie viva, pasmado pelo comportamento social ao verem que também os pássaros viviam em comunidades para melhor se protegerem, era uma lição de vida, amor e dedicação. Voltei para o acampamento cumprimentando os crocodilos que vinham à tona para me estudar. 
                   Ao escurecer fizemos uma reunião para traçarmos nossos trabalhos, obrigações e cuidados que teríamos que tomar.
--Vamos arrastar as carniças o mais longe que pudermos depois que chegamos aqui já vi muitos rastos de onça, não vamos facilitar, especialmente você Rafael, a noite fique sempre acordado enquanto estivermos no lago, mantenha os cachorros juntos da fogueira e arma na mão, qualquer sinal de perigo de dois tiros para cima, lembre-se só dois tiros, entendido?
--Entendido.
--Paulista hoje nós vamos matar apenas dois jacarés para tomarmos conhecimento do lago.
--Por mim está bem, estou um pouco cansado acho que podíamos descansar hoje e caçar amanhã.
--Pode ser então vamos jantar e conversar um pouco e dormir.
--Uma coisa esta me incomodando – censurou o Paulista.
--O que é?
--Quando você se dispõe a falar com reservas de certo lugar eu começo a ficar com medo.
--Afinal, o que lhe aflige?
--Você quando tem uma predição de coisa que podem ou vão acontecer, saiam da frente, acontece mesmo e eu gostaria de saber o que esta te perturbando agora.
-- Por enquanto nada, mas vamos tomar cuidados, quando a minha natureza fica perturbada algo esta por acontecer.
                   --É eu me lembro de alguns casos teus, lembra – Perguntou-me?
--Sim, quando o meu sogro foi assassinado na Barreira de Pedra eu estava em casa deitado na cama ao lado de minha esposa Maria, quando uma voz que eu conheci como a dele me falou “Dankmar fale para a Joaninha que eu vendi o motor Penta novo para o Alfredo Alemão, na Piedade para ele pagar para ela, e diga que estou bem”. Meio atordoado acordei minha esposa Maria e lhe contei sobre a voz que eu ouvira.
--Deixa isto para amanhã cedo, vamos à casa de minha mãe e você conta para ela.
                   Dormimos e ao clarear do dia deixei Maria ainda deitada e fui à casa de minha sogra e contei o fato para ela, e enquanto eu contava ouvimos o roncar de um barco a motor chegando, olhamos para o rio e vimos o barco do marido dela se aproximando para atracar e não sei por que eu falei a ela:
--Dona Joaninha aquela é o barco do seu Aleixo, acredito que o mataram, vá ao porto. Minha sogra saiu correndo e pouco depois voltava com alguns homens trazendo o corpo do marido morto dentro de uma rede. Muitos outros casos eu tenho premunido parece que tenho o dom de ver as coisas antes de acontecer.
--E aqui o que esta vendo?
--Um pouco de sofrimento, mas no fim virá alguém nos ajudar, eu vi um homem chegar cantando quando chegar a hora eu sei direitinho podes ficar tranquilo.
                   No outro dia dei uma volta pelo lago e achei outros dois lugares com a margem limpa, mas era lama pura. Os jacarés não se assombravam, com a gente, alias, nem ligavam.
                  Chegada à noite nós partimos para a caçada, às pernas tremiam mais do que antes, as piranhas roçavam o fundo da canoa com os dentes e o remo ficava agredido de tanta mordida. Pegamos o que estava mais perto, não havia como escolher era uma verdadeira cidade quando se passava a lanterna pelos olhos dos animais. Os jacarés naquele lago eram mais violentos, de vez em quando um batia com o casco no fundo da canoa e se aproximavam perigosamente. Arrastamos para a margem e o amarramos com corda da própria arpoeira numa moita em uma pequena ilhota. Voltamos ao lago arpoamos um segundo jacaré e o matamos desencaixando a espinha junto à cabeça, e o puxamos para o porto e o amarramos com arame em um toco grosso, era o começo da nossa Via Crucies, pois neste exato instante o Paulista quase que profetizando falou:
--Dankmar... Devemos regressar ao nosso acampamento, estou sentindo um vento frio e vejo relâmpagos ao longe é chuva na certa e precisamos agasalhar as nossas tralhas, afinal já estamos em outubro.
--É a voz da profecia, quando Paulista fala é melhor escutar, sempre acerta, vamos voltar – concordei.
                   Quando aportamos a canoa Rafael já veio ao meu encontro dizendo:
--Parece que vamos ter chuva, mas não se preocupem, já agasalhei quase tudo, fiz um jirau e coloquei a tralha de comida e o sal, só não fico jeito de armar as redes, a lona é pequena.
--É só quatro por oito metros, mas dá para a gente se esconder embaixo com os cachorros e as muriçocas que agora empestaram o lugar, vamos ver como estão às coisas e dar uma melhorada, amanhã tiraremos umas palhas para fazer uma cobertura e umas frutas do cerrado também – emendou Paulista.
                   Mas, Rafael continuava curioso e não parou de perguntou a nos dois:
                  --Dankmar e Paulista, já que vocês sabem quase tudo a respeito deste lugar me contem alguma coisa sobre a fauna e a flora,
  --Eu só sei pescar – murmurejou Paulista.
  --Está bem eu falo, mas preste atenção: Começaremos pela abundancia dos Pequizeiros, do Murici pequeno e do Murici grande, dos Oitis, das Atas silvestres e das Atas de Quaresma que chegam a pesar 1 quilo e são muito saborosas, as Frutas do Conde, da Mangaba, o Pussa, o Pussa Frade, Seriguela, o Cajá, o Cajá Manga, a vagem cheirosa da Baunilha, o Oiti, a Graviola, a Cagaita, a Pitomba, a Carambola, a Tamarindo, a Pitanga, o Bacupari, Ingá e a Ingarana e muitas outras. 
                   Quanto aos bichos ou animais silvestres nos podemos começar.
                   Sem duvida alguma a Ilha do bananal era e ainda é a maior reserva natural da flora e da fauna brasileira.
                   Às margens de seus rios, ribeirões, lagos e lagoas centenas de espécies proliferam em seu habitat natural, não vamos usar termos científicos para catalogar as espécies que conhecemos, vamos usar simplesmente os seus nomes regionais e suas características.
                   Os patos selvagens são encontrados por toda a ilha aos milhares, ao anoitecer posam nas arvores altas em meio à mata e os capões, ao alvorecer do dia passam os bandos a voar rumo aos lagos, lagoas e rios comumente se encontram centenas deles banhando juntos, e mais ao meio dia voam para as praias das margens dos rios tanto Araguaia como outro qualquer e se misturam aos Marrecões. Suas penas pretas misturadas às pontas branca das asas que batem com vigor causando um forte barulho isto devido a seu peso, pois um pato macho adulto pode pesar ate 4 quilos e sua carne de cor amarronzada dão um toque das aves selvagens e são de um sabor privilegiado. Foram por muitos anos perseguidos e os mataram a centenas, mas chegada o dia do retorno eles se juntam em bandos e fazem seus voos de volta em uma perfeita formação em V. As patas que estiverem chocando em seus ninhos nos ocos da arvores sempre põe dez ovos e tem que ficar quarenta dias no choco para tirar suas crias e depois os conduzi-los a pequenas lagoas para protegê-los dos predadores especialmente do gavião Caracará com os quais trava lutas furiosas na defesa de suas crias, mas os patinhos já sabidos mergulham para dentro da água seguidamente escapando de seu perseguidor, aprendem desde cedo a se defenderem.
                   Marrecões selvagens é uma espécie em extinção, grande muito bonito de corres amarronzada misturada ao amarelo chegam a pesa até 2 quilos cada ave, como os patos selvagens quando criados em casa com seus ovos em postura com uma galinha, se tornam dóceis e afáveis, mas chega um dia em que a saudade da espécie bate dentro, tanto ele como o pato ou o paturi que é o menor da espécie fica de alcateia e ao ouvirem o trinar ou aparecer um bando de seus familiares ele decola se juntam aos migrantes e volta a sua origem. O mais interessante é o Paturi que embora não sendo uma ave noturna gosta de voar por sobre as casas com seus tinidos como a chamá-los.
                   O Jaburu moleque ou o Jaburu cabeça seca, ou o Tuiuiú, o Mergulhão, a Garça, o Colhereiro, são aves ribeirinhas que se multiplicam as centenas no interior da Ilha do Bananal, podemos incluir o Martim Pescador e o Jacu Cigano;
                   Outras aves como os pequenos pássaros como o Xexéu e o João Congo que constroem seus ninhos em forma de cestos pendurados nas pontas das galhas nos mais altos lugares e que imitam todos os cantos de outros pássaros, o Bicudo famoso pelo seu mavioso cantar, o Curió, o Pintassilgo, o Canarinho amarelo ou Canarinho da Terra, o Tico, a Coleirinha, a Patativa, o Sabia, a Pomba Rola, a Pomba do Bando, o Tucano, Hambu, a Perdiz, a Jaó, o Jacu verdadeiro, o Jacutinga, o Jacu Pemba, o gavião Caracará, o Gavião Pinhé, a Coruja, o Mutum, o Anu, o Pássaro Preto, o Tisio, o João de Barro, a Ema, a Seriema, o Periquito Estrela, o Periquito verde, a Arara Amarela, a Arara Azul e a Arara Vermelha, o papagaio Cabeça amarela e azas dourada, a Curicaca, e muitas outras têm ali na ilha o seu habitat perfeito.
                   Os animais silvestres vivem abertamente na planície, matas e cerrados, lagos e lagoas assim como a Anta, os porcos Queixadas, o porco Caititu, os veados Mateiros, os veados Campeiros, o Cervo, a onça Preta, a onça Vermelha ou a Suçuarana, a onça Pintada e a onça Canguçu da mão torta e o gato Jaguatirica disputam suas presas tentando assim manter o equilíbrio biológico, o Guará, o Guaxinim, o tatu Galinha, o tatu Peba, o tatu China, o tatu Bola e o tatu Canastra se cruzam em suas peregrinações, a Raposa silvestre, o Furão ou papa mel, o tamanduá Bandeira e o Tamanduá Mirim ou Meleta, o Ouriço, a Preguiça, a Paca, a Cotia, a Capivara, a Lontra, a Ariranha, o jacaré-açu com seus seis metros de comprimento, os jacarés Tinga do Papo Amarelo, pequenos, mas agressivos, as vorazes Piranhas vermelhas as Piranhas pretas as Piranhas chipitas, o Tucunaré, o Pintado, o Surubim, o Piau bola, o Piau cabeça gorda, a Matrinchã, o Bagre, a Trairá, a Sardinha, a Jaraquis, a Arraia chita, a Arraia amarela, o Pacu folha, o Pacu Branco, o Pacu Manteiga, o Cuiú-Cuiú, o Cascudo, a Piaba, o Lambari, a Cachorra, a Bicuda, o peixe Voador, e uma infinidade de outras espécies, esta gostando da explicação ou quer mais?
--Não por hoje já chega, ufa, é muita manteiga para o meu pão – exclamou Rafael.
--Vamos lá - mãos a obra e vamos arrumar nosso barraco, pois parece que pode vir muita chuva a qualquer momento.
                   Trabalhamos umas duas horas, mas improvisamos melhor, parecia que daria tudo certo, mas não foi o que aconteceu.
                   Já devia ser por ai oito horas da noite quando nos sentamos em redor da fogueira para comer um peixe assado com farinha de puba e tomarmos um café, nem bem tínhamos terminado quando um forte vento foi chegando e aumentando cada vez mais jogando cinza e brasa para todos os lados, as redes flutuavam no ar, galhos das arvores próximas começaram a estalar e cair e relâmpagos iluminavam a noite e as lamparinas foram para as “pupuias” ou simplesmente sumiram somente as lanternas funcionavam, nos agarramos ás beirado da lona que começava a rasgar, pois eram destas lonas de plásticos pretas que não aguentam nada, e este inferno durou uns vinte minutos até que caiu água para valer, os cachorros estavam escondidos embaixo do jirau, nossas mochilas e sacos de rede se molharam todos e veio água para dar com pau, choveu forte durante uns quarenta minutos, depois foi diminuindo, mas só veio parar ali pelas duas horas da manhã quando então deitamos nas redes molhadas, com muriçoca e tudo e dormimos.
                   Quando o dia amanheceu, pudemos ver o estrago da chuva, mas mãos a obra logo estávamos com o acampamento limpo e a roupa esticada para secar, e do jacaré que amarramos só achamos os pedaços de cordas que o amarravam e o chão todo revirado por outros jacarés ao puxá-lo para dentro da lagoa, mas ele se fora com um bom pedaço de corda amarrado no pescoço e tinha na ponta um pedaço de “buriti” que servia como “bóia”, fomos procurá-lo e logo o achamos. Ele ainda estava lá com a corda e no fundo do lago, morto, cheio de piranhas por dentro que entraram pelo corte grande feito pelo machado atrás da cabeça, bem na nuca. O arrastamos até o porto e tiramos o couro, era muito grande mediu 24 palmos até passar um palmo do anu, com rabo e tudo daria 28 palmos.
                   Naquele dia tivemos vários problemas, Rafael foi tirar uma abelha e meteu o machado entre os dedos dos pés foi um corte profundo, mas tínhamos levado uma pequena farmácia de emergência e logo lhe fiz um curativo, e lhe dei uns comprimidos e enfaixei o pé.
                   Uma das lanternas não queria funcionar e tivemos sérios problemas para arrumá-la e ainda por cima o açúcar havia se molhado e estava secando, diminuiu muito, teríamos que apelar para as pílulas de sacarina que ainda tínhamos cerca de trezentas delas.
                   Nas cinco primeiras noites matamos aproximadamente dezesseis jacarés grandes, mas cada dia que passava ficava mais difícil, decidi que teria que ir à beira do Riozinho, onde havíamos deixado a canoa pequena bem amarrada, minha intenção era ver se encontrava alguns mariscadores que por ali passavam, mas o caminho era apenas um pequeno trilheiro, e com tanta chuva a minha botina já havia se estragado e eu ia descalço, mas quando eu pisava fora do trilheiro, os talos de capim entravam nas frieiras de meus dedos dos pés e furavam a carne, era um sofrimento terrível, tinha muita dificuldade para caminhar. Até que improvisei umas alpercatas que não se seguravam bem dentro dos pés. Quando cheguei à beira do rio, tirei a água da chuva que havia alagado a canoa e atravessei para o outro lado, num barranco alto e fui dar uma volta mais por curiosidade do que por necessidade e para minha surpresa encontrei uma velha roça de mandioca, ainda existiam muitos pés, certamente seriam dos índios Javaés, mas estava abandonada, arranquei um bocado de raízes e fui carregando para a canoa, os veados campeiros se levantavam bem junto de mim, caminhavam para meu encontro e quando sentiam meu cheiro pulavam de lado e corriam um pouco depois voltavam, ao que parece nunca tinham visto gente antes, poderia ter matado um bocado deles, mas de nada serviria, pois não os poderia carregar e assim me limitei às mandiocas.
                   Voltei para o nosso lado do rio e tirando a camisa a guisa de sacola carreguei um bocado de raízes, dividi-as em duas partes a primeira eu levaria para o acampamento as outras raízes colocaria dentro da canoa com bastante água para elas pubarem e assim eu poderia voltar e fazer um “grolado” ou uns “beijus”, e colocando a carabina 22 no ombro e a sacola de mandioca nas costas me dispus a voltar para o acampamento no lago. Não havia ainda andado dois quilômetros naquela campina limpa quando voltei o rosto para o lado esquerdo e vi duas onças, a menos de cem metros, brincando em uma poça de água que restara da chuva em meio ao varjão, sutilmente joguei a camisa no chão e lançando mão da carabina 22, a manobrei, apontei, foi uma temeridade enfrentar aquelas feras em campo aberto, elas pararam de brincar e ficaram a me fitar foi quando, mirando uma das duas bem na cabeça atirei, o animal deu um urro e pulou por cima da outra e correu rumo a mata de beira do esgoto que ia do rio para o lago, não tornei a atirar, estavam longe, antes, decidi ir ao rancho buscar os cachorros para caçá-las e assim o fiz, acelerei o passo e logo chegava ao rancho gritei os cachorros fui na minha sacola peguei uma caixa de balas Winchester 22 e falei:
--Espera Paulista vou atrás de duas onças já baleei uma e vou ver se a acho.
--Cuidado duas onça é perigoso, te cuida.
                   Voltei correndo até o pequeno poço onde estavam banhando as duas e os cachorros que haviam chegado à frente pegaram o rasto e saíram a balroando, entrando na mata, fui atrás, a mata de beira do esgoto era muito fechada, mas o barulho dos cachorros não estava longe eles haviam acuado as feras, fui em frente e quando comecei a enxergar os cachorros vi que acuavam com a cara para cima olhando o cipoal do esgoto, cheguei perto e vi uma delas trepada numa galha e olhando para mim e para os cachorros, a cabeça da onça estava bem visível, mas meia de lado, atirar assim seria uma estupidez porque pegaria no osso a que chamam de “torpedo” um osso forte e grosso da temporal do cérebro e bala não entraria precisava pegá-la bem de frente, bem no meio da testa aonde o osso é fraco e fino, aguardei alguns segundo e logo me dispus a apelar, gritei para ela que olhou direto para mim atirei sem pestanejar, a onça despencou de cima do cipoal no meu rumo, eu estava quase embaixo dela, ela na queda me levou junto para o chão e os cachorros por cima de mim, gritei afastando-os e me afastei um metro da fera que deitada ainda tomava um fôlego profundo resfolegando, tirei a bala CBC, da 22 coloquei uma amarelinha e encostei o cano no buraco da primeira bala bem no meio da testa e atirei, ai foi um Deus nos acuda, a onça estrebuchando na ânsia da morte jogava o corpo de um lado para o outro, mas rapidamente se aquietou, vi que tinha morrido.
                   Eu estava quase sem fôlego, cansado mesmo, tentei mover a fera de lugar, mas não consegui, era um corpo muito pesado e mole, deixei do jeito que estava e ai me lembre que eram duas. Mas não vi a outra nem seus rastos, já era tardezinha, voltei para o acampamento.
                 No outro dia cedo, eu e o Paulista fomos até lá e o companheiro tirou o couro com a cabeça inteira. Voltamos ao rancho e fomos retirar a ossada da cabeça de dentro do couro para a colocarmos dentro do lago para os peixes fazerem a limpeza da ossada, mas, o que me chamou a atenção era que havia apenas um buraco de bala no couro e na ossada da cabeça e eu dera dois tiros, ficamos intrigados, mas não descobrimos o que realmente aconteceu. Amarrei a ossada da cabeça e joguei a beira da água.
                  Quando a retiramos ao entardecer já estava limpa e brilhando, os peixes fizeram um bonito trabalho e o chumbo da bala, uma só, balançava dentro da ossada do crânio a retirei e a guardei como lembrança. E a outra onça? Será que foi realmente baleada?
                  Naquela noite foi diferente das outras todas e marcou o meu fim como caçador de jacarés.
                   No lago havia muitos jacarés, mas pequenos, havíamos matado quarenta e seis grandes, mas também as nossas pilhas estavam exaustas, chovia muito e estava na hora de irmos embora, mas antes teria que acertar minhas contas com um enorme jacaré-açu que ainda restava, e ele nos desafiava, quando o imitávamos ele respondia esturrando tal um marruá que fazia a terra tremer, e dificilmente deixava nos aproximarmos dele. Como as pilhas estavam fracas, cortei uma lanterna Rayovac (de metal) e emendei no fundo de outra e com o foquitos (lâmpada) de três elementos coloquei cinco pilhas fracas o que resultou em uma ótima luz. Parti para o lago a procura do animal, de longe o avistei junto a uma moita de Mururé, fomos nos aproximando bem lentos e sem fazer barulho com a lanterna focada em seus dois olhos que nos encaravam frente a frente, tentamos dar a volta para pegá-lo de lado, mas ele sempre nos acompanhava, quando estávamos a menos de vinte metros, ele afundou e foi aparecer a mais de quinhentos metros em meio do lago, fomos para lá, mas a fera era muito arisca e tornou a afundar e apareceu junto à margem do lago, contornamos o meio e fomos para a margem em que ele estava acima de nos uns cem metros, de repente ele sumiu e eu em pé na proa da canoa o procurava com a lanterna quando o animal passou por baixo da canoa bem no meio dela e a levantou com as costas me jogando dentro da água com lanterna e o rifle na mão que foram parar no fundo do lago, mas ali a margem não era muito funda tinha apenas uns dois metros e a lanterna acesa ficou iluminando no fundo bem junto da carabina e eu já estava dentro da canoa, o medo que eu tinha de piranhas não me deixaram quase molhar, em fração de segundos eu já estava dentro da canoa.
--E agora Paulista – falei desapontado com a situação.
-- Agora é pegar a lanterna e a carabina.
--Com estas piranhas por ai?
--Ora deixe que eu vá - e dizendo isto o Paulista escorregou pelo beiço da canoa, mergulhou e voltou com tudo nas mãos - cuidado, não deixe cair de novo, agora vamos acabar com este intrometido, jogue o arpão de qualquer distância aonde pegar nele que se dane. – terminou Osvaldo meio zangado.
 --Vamos lá.
                   Foquei a lanterna desta vez com o cordão passado no pescoço, e o enxerguei a menos de quinze metros, tomei um fôlego e apontando a arpoeira bati com o pé na canoa, com o barulho o animal deu uma rabanada e virando de dorso começou a sumir no espelho do lago quando o arpão o encontrou bem por traz da mão esquerda, era um péssimo lugar para se puxar um animal daquele tamanho, mas ele não correu muito, logo senti a corda da arpoeira afrouxar eu fiquei desconfiado e gritei:
--Paulista ele vem para cima de nós.
--Então sente na canoa e prepare o machado - mal acabara de fechar a boca o animal tentava abocanhar o beiço da canoa e ato seguido, empurrava-a para a margem do lago, quando estávamos bem perto do barranco tornei a gritar.
--Vamos para terra, pule.
                   Pulamos bem na beira da terra, mas era só lama e entramos nela até quase a cintura, com dificuldade nos arrastamos para fora do lago deixando a canoa solta com o jacaré agarrado no beiço dela, mas lá dentro só ficou o remo. Pouco tempo depois à canoa estava bem perto de nos e o jacaré sumira, embarcamos novamente e voltamos para o porto do acampamento, por aquela noite já chegava. No outro dia cedo resolveríamos a parada, pois o arpão estava amarrado em uma bóia de buriti e seria fácil o acharmos.
                   Conversamos muito naquela noite e decidimos voltar para casa, mas não sem antes ver o que aconteceu.
                   No outro dia cedo voltamos ao lago, de dia era bem melhor e logo achamos a bóia, quando comecei a recolher a linha e vi que o jacaré ainda estava preso ao arpão e fui puxando devagar com o rifle preparado logo vi aparecer o lombo do incrível animal, vinha quieto e sem se mexer, mas eu não tinha jeito de atirar porque a cabeça estava mergulhada dentro da água e eu mal a enxergava, pedi para o piloto remar a frente e talvez assim a cabeça aparecesse e apareceu mesmo, mas bem junto do Paulista lá na proa do barco que quase correu para frente, passei a ele a 22 e ele audaciósamente encostou o cano na nuca e disparou o tiro fora mortal, passamos uma laçada no focinho, levantamos a cabeça fora da água e com o machado a desencaixamos da espinha, agora sim já não ofereceria mais perigo.
                   O arrastamos para o porto e com muito sacrifício o rolamos a ponto de poder tirar o couro o que o paulista e Rafael fez com muito trabalho. O jacaré estava magro de fazer dó, pois a sua papada em baixo da língua estava comida e uma crosta amarela a circundava, não sei se foi doença ou piranha, mas aquele jacaré não tinha mais como comer qualquer coisa, pois o que pusesse na boca vazaria para baixo, talvez isto fosse à razão de sua impetuosidade e valentia. Medi o couro, tinha seis metros e dez centímetros de comprimento, da ponta do queixo a ponta do rabo.
                                                           *
 Iniciando a volta para casa.  

                  As chuvas se acentuavam e o varjão amoleceu depois de amarramos os quarenta e sete couros em fardos com cinco ou seis peles cada um e tentamos voltar à canoa para o Riozinho, mas Paulista havia estourado os ouvidos que purgavam e tinha febre, o Rafael tinha o pé inchado do corte e eu cheio de frieiras, estávamos fracos e desanimados. Seria muito difícil tirarmos a canoa arrastada em mais de dois mil metros por sobre um varjão mole e atolador que colava a canoa na lama. Inventamos de cortar uns roletes, mas só a conseguimos arrastar por uns cem metros, a canoa que antes deveria pesar uns oitenta quilos agora pesava duzentos, não iríamos conseguir.
                   Dormimos aquela noite debaixo de uma chuva fina e milhões de pernilongos, no outro dia bem cedo resolvi que iríamos todos até a beira do Riozinho ver se de alguma forma conseguiríamos ajuda. Levamos as nossas tralhas de dormidas e o rancho que restava.
                   Chegamos cedo e fomos desaguar a pequena canoa que havíamos deixado lá, enquanto tirava água da canoa ouvi o som de um remo batendo no beiço da canoa e alguém vinha cantando, vinha descendo o rio, todos ficamos atentos quando um homem sozinho em uma pequena ubá apareceu na volta do rio e vinha bem alegre. Era um rapaz novo e desconhecido, chegou até o porto, amarrou a canoa junto a nossa e cumprimentou todo mundo:
--Olá, o que fazem aqui com estas caras de derrotados? E riu.
--Falou bem meu amigo – remendei e contei toda a nossa odisseia para ele.
--Ora, ora, vamos dar um jeito nisto agora mesmo, vamos voltar ao lago, ajudo vocês a trazerem tudo para cá, vamos – e seguiu na frente sempre cantando alguma modinha muito alegre.         
                   A alegria do chegante nos contagiou, assim que chegamos ao acampamento ele foi logo desamarrando os fardos de pele, juntando algumas mais e quando completou quatro deles colocando um em cada costa e disse:
--Vá à frente, eu vou atrás, quando cansarem jogue o fardo no chão que eu chego e os coloco de novo em seus ombros.
                   Fizemos três viagens e já tínhamos carregado tudo só faltava á canoa, voltamos pela última vez ao lago e enfrentamos a grande canoa:
--Vamos tirar três paus, amarramos um de atravessado no bico da canoa, e os outros dois enfiamos por dentro e por traz na popa embaixo desta corda que eu estou amarrando e eu e o Dankmar Pegamos na frente e levantamos a proa e vocês dois enfiem o ombro embaixo destes dois paus e empurrem para frente assim ele vai para cima e para frente, certo?
--Certo - respondemos e nos agarramos aos paus e como que por encanto a canoa ficou leve, desgrudou-se do chão e na primeira arrancada andamos mais de seiscentos metros, logo chegávamos à beira do Riozinho, estávamos cansados, mas satisfeitos e ainda era cedo do dia, mas resolvemos partir só no outro dia bem cedo.
--Meu amigo muito obrigado pela a sua ajuda e pela a sua animação, fique conosco por aqui hoje.
--Não eu tenho que ir em frente, adeus e boa sorte para vocês.
--Vá com Deus - eu agradeci quase chorando de alegria.              
                    Logo cantando o nosso salvador sumia na curva do rio e nem sequer havíamos lhe perguntado quem era ou como se chamava, eu sei que fora um milagre, pois a nossa situação estava muito difícil, nunca mais o vi ou ouvi falar dele, mas também nunca me esqueci. Quando deixávamos o porto, lá em cima no barranco uma onça esturrou forte. Ela estava me desafiando ou despedindo, mas eu disse comigo mesmo “fique por ai e se cuide eu mesmo não voltarei mais”.
                    Voltamos são e salvos para nossas casas, mas eu nunca mais, desde idos de 1958, me dediquei a caçar jacarés ou onças eu havia aprendido a minha lição.
                                                FIM
Resumindo:


                   Esperamos que alguém acorde e venha socorrer a maior maravilha do mundo que ainda é a Ilha do Bananal onde a natureza luta para se manter intacta e na sua originalidade como quando a conheci e a deixei em 1958.  Tal qual Deus a criou.
                  De 1970 para cá Ela tenta amargamente sobreviver a seus depredadores que não lhes dão trégua.
                 “A MENINA MOÇA PEDE SOCORRO”.
                                                        *

Contos e lendas do nosso folclore
                                   (histórias dali e daqui...)
              
                  Das quatro histórias narradas neste capitulo somente primeira foi premiada no concurso Literário Nacional de Folclore com a 4ª Menção Honrosa pela Academia de Letras Municipal do Brasil em 06 de agosto de 1985 – São Paulo.
                  É uma historia do sertão inspirada nos contos do de Joaninha Paciente Leite da Silva, no sertão da Ilha do Bananal, mais precisamente na Fazenda São Pedro ás margens do rio Araguaia nos idos de 1950/1953...
                 A esta nobre mulher dedicamos este trabalho.
                                                             *
O sonho de Joaninha
"O mundo encantado de Fiz”
Introdução...

                 Esta história foi premiada no concurso Literário Nacional de Folclore com a 4ª Menção Honrosa pela Academia de Letras Municipal do Brasil em 06 de agosto de 1985 – São Paulo.
                 É uma historia do sertão inspirada nos contos de Joaninha Paciente da Silva, no sertão de Mato Grosso, mais precisamente na Fazenda São Pedro ás margens do rio Tapirapés, nos idos de 1950.
                 A esta nobre mulher dedicamos este trabalho.
                 Na fazenda São Pedro, ali às margens do alto rio Tapirapé, no interior do Estado de Mato Grosso, o velho Coronel Lúcio Pereira Luz, um sertanejo talhado mais duro que o aço, era um fundador de cidades, perscrutava o horizonte sombrio que se aproximava em forma de um temporal que vinha do rumo norte aonde uma grande mancha azulada, quase roxa, cobria a metade do céu, era mês de dezembro de 1958.
                 --Pessoal... Ai vem um forte temporal, seria bom darmos dois tiros para cima para acalmar os ventos.
--É pra já Coronel - falou João Pinheiro que tirou o revolver da cintura e disparou a carga toda para cima, seis tiros seguidos ecoaram.
--Mas... Para que isto João, agora é que a coisa vai feder, eram sós dois tiros – reclamou o pioneiro.
               Um forte vento chegava ao terreiro levantando poeira e agitando as arvores.
--Todos para dentro – gritou.
                 Lá fora começava a tormenta, o vento assobiava por entre as telhas de barro fazendo-as balançar e correr do lugar abrindo um buraco no teto da casa, logo em cima onde era o deposito de mercadorias e começou a molhar tudo.
--Dona Joaninha traga uma capa que está na cozinha.
--Já vai seu Lúcio.
                Logo a chuva passou, todos se molharam um pouco e a “tralha” nada sofreu, mas havia feito um bom estrago.
--Vamos tomar um cafezinho com umas petinhas – convidou Joaninha.
                Ali estavam reunidos, o Coronel Lúcio Pereira Luz, o velho Camilo (o maior mentiroso daquele sertão), o Domingos Medeiros (Domingão Caolho), João Pinheiro o cantador, o índio Carajás Savarú e nossa heroína Joana Paciente da Silva (a Joaninha).
                Já eram quase quatro horas da tarde, o sol que aparecera no poente e secava a lama.
--Vou dar uma olhada em meu cavalo – falou Domingão preocupado,
--E eu na minha canoa - emendou Camilo.
--Coronel... O senhor acredita em sonho? – indagou Joaninha,
--Claro, o sonho é o outro lado da vida.
--É que eu tive um sonho igual a uma história que a minha mãe contava, pareceu-me tão real tão encantado como a lenda.
--Nos conte – pediram todos que se assentaram do jeito que puderam e se quedaram a ouvir a narração.
                 --Sonhei que uma nuvem de fumaça me envolvia me transportando para o mundo dos sonhos, mas assim que ela se dissipou me achei em uma linda campina cheia de flores e muita montanha ao longe, estava sozinha, pude ver uma cabana de tronco de madeira que soltava fumaça pela chaminé, fui me aproximando da casa pisando na relva macia, quando uma voz me surpreendeu:
--Currripaco... Esconde Joaninha que o malvado vem chegando.
--Oi papagaio bonito você me assustou, como é seu nome?
--Fulustreco... Fulustreco... Crer...
--Quem vem chegando? Amigo Fulustreco, é o malvado da montanha?
--Sim, ele mora na montanha e desce de lá para roubar, rouba tudo inclusive moças para o seu palácio, lá já tem muita gente que ele raptou.
--Ora, ora vejamos se este malvado é também valente.
                 Ao longe o tropel ressoava, mas logo chegaria à cabana, Joaninha se colocou em pé pelo lado de fora da cabana e aguardou valentemente enquanto o cavaleiro solitário se aproximava.
--Vejamos... Parece que temos uma estranha aqui Vociferou o chegante.
--Meu nome é Joaninha e não se atreva a me tocar - gritou a jovem que reconheceu por baixo da espessa barba a figura do Coronel Lúcio – mas... O senhor é o Coronel Lúcio?
--Meu nome é Arquejante, sou o Duque de Arquejante o único rei deste mundo.
--E porque rouba? Inclusive gente?
--Estou construindo o meu império lá nas montanhas e preciso de súditos para a minha corte.
--Mas agindo assim só vai ter problemas.
--Você vem por bem ou por mal?
--Eu só vou se deixar levar o meu papagaio.
--Então suba logo.
                Joaninha colocou o Fulustreco no ombro e montou na garupa do cavalo e lá se foram eles em disparada rumo as montanha que aparecia por entre vales e riachos e depois de uma longa cavalgada chegaram ao topo de um barranco e puderam avistar lá em baixo no vale, um lindo castelo sendo construído por muita gente que trabalhavam parecendo formigas desceu pelo trilheiro abaixo até chegaram às ruas da pequena cidade que surgia, foram andando até a porta de um pequeno palácio ao lado do grande que construíam.
--Capitão da Guarda – gritou o Duque.
--Ás suas ordens Excelência – respondeu um homem magro e alto que era cego de um olho.
--Domingão! - Exclamou Joaninha.
--Quem? Interpelou o Capitão.
--Você é meu amigo Domingos Medeiros, não é?
--Amigo seu eu posso ser senhorita, mas meu nome é Ananias o Capitão da Guarda do Palácio.
                 Joaninha ficou surpresa com os acontecimentos ela conhecia a todos, mas eles não a conheciam, o que estava se passando?  Ali estavam o Coronel Lúcio Pereira da Luz e o Domingão, faltava João Pinheiro, Camilo e Savarú. Joaninha desceu do cavalo e admirada seguiu os dois homens castelo adentro.
--Mas isto aqui é muito lindo! – exclamou.
--Quando terminarmos ai então verá o esplendor deste castelo – afirmou Arquejante.
--Cuidado Joaninha, vem rolo por ai – sussurrou Fulustreco.
--Calado.
                O Palácio estava cheio de jovens, as mais velhas perambulavam pelos corredores.
--Mas este povo foi todo trazido para cá a força? Perguntou a jovem.
--Sim minha jovem eu os trouxe aqui pela força.
--E porque eles não fogem?
--Aqui não há como fugir, só existe um caminho para sair e é vigiado dia e noite.
--Espera construir uma nação com opressão? Indignou-se a jovem.
--Por ventura a outro meio? E de mais a mais eles são bem tratados.
--Mas são escravos.
--Só a austeridade constrói - respondeu zangado Arquejante.
--Devemos ser austeros, porem sem jamais perder a ternura - completou a chegante.
--Muito cientifico porem inócuo – atalhou – mas aqui esta o seu quarto, Miriam irá lhe fazer companhia.
--Mas eu não quero ficar aqui!
--Depois trataremos disto - terminou o Duque deixando as duas moças sozinhas.
--Miriam! Você é minha neta, não é filha da Maria Paciente?
--Sim eu sou Miriam e você deve ser Joaninha? – perguntou.
--Você sabe o meu nome, eu sou sua avó!.
--Que assim seja, mas há muito tempo você é esperada aqui.
--Como assim?
--Bem... Diz à lenda que uma jovem morena viria de outro tempo para o bem do povo de Fiz.
--Mas... O que posso mudar?
--O tempo dirá minha amiga, agora entre em seu quarto e eu lhe trarei roupas novas mais adequadas aos nossos costumes.
                 Joaninha colocou Fulustreco sobre uma cadeira e sentou-se na cama acetinada. Era muito macia.
--Joaninha Paciente você veio do futuro para salvar este povo oprimido – falou claramente o papagaio.
--Então você fala tudo? – admirou-se a jovem - Só para você e quando não tem ninguém por perto.
--Então...  Você é uma ave encantada?
--Mais ou menos isto, agora vá dormir que eu a vigio. Muitos parentes teus estão aqui mas eles não se lembram de você, porque no nosso mundo muitos deles ainda não nasceram.
                 A alienígena deu um sorriso e afagou a cabeça da pequena ave dizendo:
Que coisa encrencada, mas logo descobriremos tudo, obrigada – foi dormir.
                 Miriam entrou calada no quarto, colocou as roupas sobre um sofá e saiu sem fazer o menor barulho para não acordar sua nova amiga. 
--Acorde Joaninha, o Duque esta mandando te buscar, cuidado com a resposta que der a ele – instruiu Fulustreco.
--Cuidado com o que?
--Ele vai te fazer muita pergunta, mas você deve responder só ás que souber quanto ás outras responda só assim “eu vim do futuro”.
                Mãos fortes bateram na porta.
--Já vou – gritou à jovem e levantando-se experimentou as roupas que Miriam lhes trouxera, pareciam terem sido feitas sob medida e para ela. Olhou-se no espelho estava linda.
                Tornaram a bater, e gritaram:
--O Duque esta esperando.
                Joaninha abriu a porta e deu de cara com seu velho amigo João Pinheiro.
--João, meu amigo poeta e cantador! Admirou-se.
--Poeta e cantador sim minha jovem porem meu nome é Arcanjo e sou o artista animador da corte.
--Mas tudo isto é incrível!  Onde estão o Camilo e o Savarú?
--Não os conheço quem são eles?
--São meus amigos, igual a você o Domingão e o Coronel.
--Não sei do que esta falando, mas é melhor se apressar o Duque se zanga atoa. Vamos... Siga-me.
                 E lá se foram os dois pelos enormes corredores, Joaninha ia atrás. Chegou a um grande salão, ela viu dezenas de homens idosos sentado em uma ala lateral, todos vestidos de branco que se levantavam a sua passagem e inclinava a cabeça, ela apenas meneava a cabeça e seguia rumo ao trono em que o Duque se encontrava sentado ladeado por outras duas cadeiras vazias. Ao pé do trono varias jovens sentadas ao chão abriram um amável sorriso para a chegante.
--Você se chama Joaninha Paciente da Silva – perguntou o Duque.
--Sim este é meu nome.
--Você veio do futuro?
--Depende do ano em que estamos – foi à resposta.
                Todos riram baixinho.
--Silêncio – falou o Duque e continuou – estamos no ano 658 d.C.
--Eu vim do ano 1985, mais precisamente do dia 23 de agosto de minha cidade natal de nome Miracema no Estado de Goiás, e meu país se chama Brasil, mas eu estava trabalhando na sua Fazenda São Pedro.
--Minha? - Estranhou o Rei - eu nunca tive fazenda e ainda mais com este nome, o que veio fazer aqui?
--Eu vim do futuro, mas, me diga como soube que eu viria para cá e porque qual o motivo – interpelou a jovem.
--Chamem o velho Horácio – ordenou o rei aos soldados.
                Um velho negro entrou na sala e dirigiu-se para junto de Joaninha e sorrindo abraçou-a dizendo:
--É bom vê-la de novo Joaninha.
--Camilo você se lembra de mim?
--Claro minha doce criatura, mas neste mundo eu me chamo Horácio e sou sacerdote maior.
--Mas nos estávamos todos naquela casa da fazenda São Pedro do Coronel Lúcio.
--Depois te explicarei tudo.
--Horácio é nosso sacerdote e profeta, ele pode prever o futuro. Dele se originou a lenda de sua vinda que agora quero esclarecer – afirmou Arquejante.
--Não há nada que esclarecer meu líder – interrompeu Horácio – assim está escrito que ela viria para trazer o bem á nação e ao próprio rei.
--Mas eu tenho tudo o que preciso – asseverou o rei
--Não tem não – interveio a jovem - ainda lhe faltam muitas coisas. Um homem para Ter tudo o que precisa em primeiro lugar deve ser humilde e fervoroso a Deus.
--Mas... Eu faço as minhas orações.
--Ora e escraviza, pede perdão e peca de novo, ninguém pode ser feliz pisoteando o seu semelhante, liberte-os, deixe-os decidirem se querem ir ou ficarem, os que permanecerem lhe serão fieis.
--Como se atreve a falar assim comigo?
--Falo assim porque no meu mundo a liberdade é o maior dom de todos, lá não existe mais escravidão.
--Você veio para sublevar meu povo?  Incitá-los contra mim?
--Não majestade - interveio Horácio - ela veio para mudar seu coração, só os mais humildes tem este poder.
--Basta... Se retirem todos, amanhã continuaremos - Finalizou o rei.
                 Horácio tomando Joaninha pelo braço levou-a de volta aos seus aposentos, uma vez lá dentro Horácio lhe falou:
--Agora te explicarei tudo. No século XX, de onde você veio, e eu também vim existem o Camilo, o Coronel, Savarú, você, João Pinheiro e eu também, mas nos voltamos no tempo para ajudar a este rei. Eu que tenho poderes de viajar no tempo fui até lá te buscar e a levarei de volta quando chegar à hora eu precisava de uma jovem bondosa e humilde, corajosa e decidida e tudo isto foi encontrado em você, assim... Digamos... Eu a tomei emprestada porque sendo minha amiga do futuro poderia confiar em mim.
--Mas isto é um sonho.
--Bem real por sinal.
--Mas o que devo fazer?
--Quando chegar a hora seu coração lhe ordenara.
--Só falta-me ver o Savarú, ele também esta por aqui?
--Sim ele é o líder do povo, brevemente o verá.
--Mas eu preciso voltar para o meu tempo, não posso ficar muito tempo fora de casa.
--Seu tempo aqui será grande, mas no futuro não passará de um lapso de alguns segundos, tome use este bracelete para ser identificada pelo nosso povo.
--É muito lindo, mas eu corro perigo?
--Não, nada lhe acontecerá, você é apenas uma imagem real que ao sinal do menor perigo se torna irreal.
                 Lá fora o Duque nervoso conversava com seus ministros:
--Ela é muito perigosa e bonita. O povo já tem conhecimento de sua chegada e há um zum zum danado por ai.
--O que vamos fazer com ela?
--Mate-a ou a encarcere – sentencio o Ministro Marcas.
--Nunca, - interferiu o primeiro ministro – se ela pudesse morrer se tornaria uma líder ainda maior, mas ela é imortal, portanto se quiserem se livrar dela deixe-a cair em pecado, mande soltá-la em meio aos bárbaros e salteadores que habitam juto a rales.
--Se ela veio trazer a bondade e o amor porque endurecem seus corações? Perguntou o terceiro ministro Azafiz.
--Eu sou o que sou e nada me mudará-sentenciou o rei.
--Então como pode o todo poderoso Duque Arquejante temer uma simples e modesta moça? Eu não a temo.
--Todos nos a tememos Majestade, pois ela tem o poder do amor e da caridade que nossos corações enegrecidos pela ambição e avareza não podem receber, mas, francamente eu a admiro e estou disposto a protegê-la.
--Isto é traição – gritou o segundo ministro
--Não, não é traição é a essência da bondade que começa a nos contagiar.
--Que assim seja soltem-na entre os salteadores -sentenciou Sua Majestade.
--Verás que irá jogar a semente em terra bruta, mas ansiosamente fertilizada e ela dará muitos frutos bons.
                  Ninguém entendeu os dizeres de Azafiz.
                 Já era noite quando Fulustreco acordou sua dona e palrou:
--Acorda Joaninha, ele vem te buscar para te soltar entre as feras, mas não te assuste eu estarei te protegendo.
--Porque agem assim?
--Porque assim deve ser.
--Cale-se, já estão na porta e podem desconfiar.
--Abra a porta em nome do Rei.
                Joaninha calmamente abriu a porta e encarou seus algozes que a seguraram pelos braços e a arrastaram para fora.
--Mate o papagaio – ordenou um soldado
--Não, o deixe comigo pediu a jovem.
--Esta bem afinal que mal pode fazer esta avizinha.
                A enviada foi amarrada teve os olhos vendados e a puseram em uma carroça e depois de varias horas um dos soldados disse:
--Aqui esta bem já esta ficando perigoso vamos voltar.
--Tudo bem - soltaram-na e tiraram a carapuça.
                Joaninha e seu papagaio vagaram pelas ruas tristes e vazias da pequena vila quando um homem maltrapilho e mal encarado a agarrando disse:
--Bela presa, você agora é minha, venha para dentro do bar.
                A jovem foi arrastada pelo bar adentro aonde uma forte algazarra e muita fumaça e o cheiro forte do álcool tomavam conta do ambiente e o bandoleiro foi gritando:
--Vejam o que eu achei – e mostrava a jovem.
                Joaninha estava desesperada e procurava um salvador e na sua busca notou um homem de costa que lhe chamou a atenção e ela gritou:
--Savarú, socorro.
--Cale esta boca - escumou o bandido.
--Quem é esta jovem? - perguntou aquele meio mestiço de índio.
--Sou Joaninha, não se recorda de mim Savarú?
--Quem é Savarú? Eu sou mestiço, me chamo Rosa-cruz – retornou gentilmente aquele homem, e segurando-a pela mão viu o bracelete e espantado falou:
                --Você é a enviada?
--Sou sua amiga Joaninha e vim do futuro porque o velho Camilo foi me buscar.
--Não estou entendendo nada do que estas dizendo, mas se esta pulseira for verdadeira uma vez colocada não poderá mais ser tirada, se você for à prometida só depois da paz voltar a FIZ ela poderá ser removida, deixe-me vê-la?
--Pode olhar a vontade – insinuou Joaninha estendendo o braço.
                 O mestiço examinou cuidadosamente e depois tirando uma faca tentou abri-la, mas a jovem o interrompeu:
--Cuidado.
--Não tenha medo quer ver uma coisa? Põe a tua mão em cima deste balcão.
--Para que?
--Para isto – e a seguir enterrou a faca no meio da mão da jovem que estática deu um grito, mas viu que a faca não a ferira e retirou a mão ficando a arma espetada em cima do balcão.
--Ohhhh... Ela é mesmo uma deusa – clamarão muitos ali presentes.
--Mas o que aconteceu – admirava-se a moça olhando a mão sem um arranhão – eu não sou uma deusa, sou uma pessoa igual a vocês sei que embora aparentem serem cruéis são apenas seres humanos humildes e bondosos.
                 Todos respeitosamente se afastaram e o mestiço tomando a donzela pela mão conduziu-a até uma mesa a colocou em cima dizendo:
--Viste?...Não foste ferida pela faca, mas eu posso te segurar pela mão.
--Como se explica isto?
--O perigo a transforma em uma miragem, nesta éra, você do futuro nada pode atingi-la, pois na realidade ainda não existe, Horácio já havia me avisado.
--E eu? Ninguém fala comigo? Estrondeou o papagaio.
--Ora veja um animal falante?
--Animal é você mal cheiroso – ofendeu Fulustreco.
                Todos riram do mestiço, que com uma faca ameaçava o papagaio.
--Acalme-se moreno – continuou.
--Vai virar farofa.
--Deixe o meu companheiro em paz – aventou Joaninha – ele é de muita serventia – e ordenou – Vai Fulustreco vai até o Palácio e veja o que estão tramando.
--Agora de noite?
--Esta bem amanhã cedo.
--O Horácio é um grande sábio, mas não me falou nada deste papagaio falante.
--O que querem que eu faça? – perguntou Joaninha abrindo o braço para todos do salão.
--Queremos liberdade para que todos sejam igualmente livres e sem opressão, queremos paz para nossas famílias e para poder viver felizes. Queremos andar sem camisa, beber nosso vinho rindo e dançando, enfim queremos a vida de volta.
--Mas... O que eu posso fazer para tornar isto realidade?
--O tempo dirá... Aguardemos.
--Mas não posso espera tanto tempo assim se tiver que fazer alguma coisa vai começar agora. Entusiasmou-se a enviada.
--Viva – gritou todos – vamos á luta.
                 Um silêncio profundo encheu o salão, Joaninha perscrutou a todos e depois levantando as mãos falou suavemente:
--O meu Deus é o mesmo Deus de vocês, ele é o meu Pai e é também o Pai de vocês disto vos sabeis pelo livro das leis e pelo vosso coração. Mas para vos ajudar eu preciso que todos me ajudem, primeiro, acabeis com a violência, não assalteis e nem matais, protejam-se mutuamente e amem uns aos outros, reconcilia com teus inimigos, pagais os impostos, trabalhem arduamente e sereis livres, e eu os acompanharei e obrigarei o Rei a vos libertar.
--Cuidado com aquele magricela barbudo ali no canto, ele trama contra ti o nome de é Jafar – Sussurrou ao ouvido a ave que estava no ombro.
--É Você Jafar? - continuou Joaninha apontando o dedo para o espantado homem - Porque não acredita em mim e trama me ferir? Pois o faça agora perante todos?
                Todos os olhos se voltaram para Jafar e todos viram culpa nele.
--É verdade Jafar – perguntou o líder.
--Sim... Eu pensava nisto... Mas como ela soube até meu nome? É realmente uma Deusa, me curvo a ela – assim clamando o homem se ajoelhou e postou a cabeça arrependida no chão.
--Levante-se meu amigo, sei que é corajoso porque admitiu o erro, fique conosco – perdoou a jovem. – Acalmem as vossas íras, Jafar já foi perdoado e se unira a mim, e como já falei abrandai os vossos corações e estarão me ajudando transmitam a todos esta minha mensagem de paz e brevemente estareis libertos.
                 Grandes aclamações se fizeram ouvir.
--Eu a seguirei fielmente – assegurou Jafar a que Rosa--cruz completou:
--As coisas já estão mudando, o tempo já esta falando. Agora vamos sair daqui – ordenou o mestiço.
                Jafar, o mestiço e Joaninha saíram da taverna para a rua, ao longe alguém cantava era Arcanjo o animador e poeta da corte que andava em suas aventuras boêmias.
--Salve poeta e cantador do povo – saudou Rosa-cruz.
--Mas. O que faz aqui a bela jovem salvadora de nosso povo?
--E da corte também – ironizou Jafar.
--Ela, tal Daniel foi jogado no covil dos leões, mas estes não lhes fizeram mal algum e sim lhes lamberam as mãos,
--Bem pelos menos aqui entre o nosso povo estará salva da tirania, mas para uma deusa uma canção de amor:
“Em seus lindos cabelos, uma rosa prendeu,
Em seus braços divinos, o cativo sou eu,
Em teus lábios viçosos, mil promessas de amor,
Hoje eu vivo cantando esperando o frescor,
Desta rosa de amor,
O perfume da rosa, em meu peito ficou,
É a triste lembrança, foi ela quem deixou,
Esta rosa formosa é quem me faz penar,
Porque sei que cantando, alguém fica esperando vendo a rosa murchar,
Se eu contar meu sofrimento, por este mundo sem fim,
Se eu contar minha vida, você tem dó de mim,
Vivo no mundo isolado, num martírio sem fim,
E é por causa de um amor, que até meus próprios irmãos, também são contra mim,
Até meu violão que não sabe falar, 
E por ser de madeira aguenta paixão e  fica em meu lugar,
Até meu coração tambem sente paixão por viver assim tão triste patativa canção..
Se eu contar meu sofr........
--Muito bonita meu amigo João Pinheiro – agradeceu Joaninha.
--João Pinheiro ou Arcanjo, o que importa é agradá-la.
--Agora vamos todos para a casa da Ruth, ela nos recebera.
                 Após andarem por becos e ruas escuras chegaram a uma casa que em pouco se diferenciava das outras. Arcanjo bateu na porta que não se demorou a abrir.
                 Ruth os recebeu a todos lhes beijando a face com ternura e olhando para Joaninha perguntou:
--É a enviada?
--Sim. É ela mesma. Veio do futuro para resgatar a nossa liberdade.
--Mas, você também é minha neta, como veio parar aqui/
--Sentem-se todos – convidou a dona da casa. – gostaria de arrumar uma melhor hospedagem para a nossa jovem, mas o pouco que tenho é seu e quanto a ser sua neta você é muito jovem para ser minha avó.
--Mas, eu sou...
--Obrigada assim mesmo.
--Ora, ora vejam quem estão aqui – falaram em uníssonas duas mulheres que chegavam, eram irmãs de Ruth.
--São minhas irmãs Miriam e Enilda – apresentou Ruth.
--Sim já conheci Míriam, é a minha neta e amiga lá do palácio, e agora conheço outra neta a Enilda – e dizendo assim abraçou a nova amiga.
--Agora, conte-nos um pouco do mundo de que vieste, ou melhor, do seu tempo já que o mundo é o mesmo – pediu o Mestiço. – estamos ansiosos para conhecê-lo.
--Será difícil você acreditarem, mas eu vim do ano 1985 depois de Cristo, isto é, ainda vou levar 1.327 anos para nascer, já tivemos duas grandes guerras onde milhões de pessoas morreram na explosão de duas bombas atômicas, muitos milhares de judeus foram mortos na Segunda grande guerra, nos não mais usamos flechas ou lanças agora se usa fuzis, canhões, granadas, revolveres e pistolas automáticas de muitos tiros e que matam muita gente a longa distância, existem cidades com mais de oito milhões de habitantes que moram a maioria em arranha-céus que são casas construída uma em cima da outra até sessenta ou mais andares e se sobe por meio de elevadores que são caixas que a gente entra dentro dela e ela é puxada para cima até no andar ou casa que você morar, todos tem que trabalhar para ganhar dinheiro, e os horários são muito rígidos de oito horas de trabalho todos os dias, mas nos campos se vivem em paz, acorda-se cedo e se dorme cedo, mas não há sábado ou Domingo, todos os dias da semana são iguais, mas nas cidades os trabalhadores só tem folga aos sábados, domingos e feriados, nos na roça plantamos muitos hectares de legumes como arroz soja, feijão, milho, cana de açúcar, criamos centenas de vacas, carneiros, cabras porco e muita galinha. Temos muita fartura de alimentos, vive-se em harmonia com os vizinhos, ainda há muito peixe e carne, mas para o transporte pessoal não se usam mais os cavalos ou carroças e sim bicicletas, automóveis, caminhões e aviões que voam acima das nuvens e levam duzentas pessoas de cada vez, os automóveis ou carros que existem aos milhares são puxados por motores de ferro e aço que consomem gasolina e rodam até duzentos quilômetros por hora, eu mesmo moro em uma fazenda chamada São Pedro do Coronel Lúcio Pereira Luz que neste mundo de vocês aqui ele é o Duque, lá na mesma fazenda, também moram o Camilo, João Pinheiro, Domingão, e o Savarú que são vocês, o Horácio de hoje no meu tempo se chama Camilo, você Arcanjo se chama João Pinheiro, o Ananias Capitão da Guarda se chama Domingos Medeiros ou Domingão, você Rosa-cruz se chama Savarú e é um índio Carajás e até antes de eu vir para cá estávamos reunidos lá na fazenda.
--Estes automóveis que correm até duzentos quilômetros por hora o que usam para correr ou andar? Perguntou Arcanjo.
--Eles usam rodas como as carroças, mas em lugar de um cavalo tem noventa cavalos força dentro de uma só maquina, são difíceis explicar.
--Não, esta tudo bem, um dia eu os vou conhecer mesmo, afinal eu já estou lá – brincou o poeta.
--Mas que espécie de liberdade e esta que não se pode sair ou entrar a hora que se quer e ter que trabalhar todos os dias por oito horas?
--Para se Ter liberdade tem que se Ter responsabilidade, tudo lá tem dono se quiser alguma coisa tem que comprar ou produzir assim se vive da troca de mercadoria por dinheiro e dinheiro por mercadoria ou serviços, uma troca muito justa.
--Lá se cobram impostos exorbitantes e forçados como aqui?
--Sim, o Estado ou os seus dirigentes para oferecem serviços tem que Ter dinheiro que é cobrado na forma de imposto e depois volta para o povo em forma de atendimento médico, remédios, escolas, luz, água, proteção policial, aposentadorias, pois quando e fica-se velho todos ganham um ordenado do Estado pelo resto dos dias de vida sem trabalhar. Os nossos dirigentes são escolhidos pelo povo em eleições gerais e fiscalizados pelo próprio povo, já temos organizações que protegem nossos direitos, o povo elege o povo derruba o governo se não andar direito.
--Mas assim é muito bom o mesmo deveria acontecer aqui – murmurou Míriam.
--E vamos fazer isto acontecer e muitas outras coisas deverão mudar.
--Quando começaremos estas mudanças? – perguntou Horácio.
--Já começamos – respondeu energicamente Joaninha – na Quarta feira de amanhã iremos ao palácio falar com o Rei.
--Assim será, mas vamos todos, vamos reunir a massa e faremos uma passeata até a porta do Palácio enquanto você Joaninha entra e luta por nós.
--É incrível, mas no fundo sinto que tudo isto é verdade – afirmou o mestiço.
--E este pais seu como se chama?- perguntou Ruth.
--Brasil este é seu nome, mas só foi encontrado ou descoberto em 1.500, ele existe ao longo de lindas praias das grandes águas salgadas tem muita mata virgem e muita caça, ou melhor, muito animal silvestre em meu tempo já não era permitido caçar animais, acredite, nos já fomos à lua.
--Não acredito – espantou o poeta – a minha tão cantada lua já foi maculada?
--Maculada não, apenas visitada, é um mundo morto, sem vida, nossos astronautas que são pilotos de aeronaves andam pelo espaço junto às estrelas, vão e voltam para casa, e voltam ao espaço à procura de outros planetas aonde haja vida, para um dia habitarmos novos mundos.
--É um mundo muito complicado, prefiro este aqui – testemunhou Enilda.
                --Voltemos ao nosso assunto principal, lembre-se que para conquistarmos espaço precisamos primeiramente nos conscientizar que estamos no caminho certo, isto é, com o coração aberto e puro desejando o bem de nosso próximo sem jamais agredi-los.
--Tudo certo – interrompeu Jafar – hoje é Domingo na Quarta de amanhã será o grande dia, avisaremos Ananias ele estará conosco.
                Depois de uma longa conversa e acertarem os pormenores foram todos dormir.
                Joaninha custou a pegar no sono pensando em como tudo aquilo acontecera.
                Os dias se passaram e a cidade estava calma e cada vez mais pacifica, os assaltos acabaram não havia violência.
                No Palácio Azafis comentava com o Duque:
--Alguma coisa estranha esta acontecendo, á dois dias não se registra nenhuma violência e todos estão recolhendo amigavelmente seus impostos.
--Só pode ser coisa daquela... Enviada – balbuciou o Duque.
--Informaram-me que o mestiço Rosa-cruz a protege, mas não nos iludamos algo vai acontecer em breve, fala-se numa rebelião em massa.
--Rebelião contra mim – gritou o Rei assustado.
--Sim, falam em uma rebelião pacifica, mas quem sabe o que vai acontecer?
--Sim, mas quando?
--Seria mais interessante que mandasse buscar a enviada para que ela esclareça pessoalmente.
--Sim – concordou o Duque – mande o Capitão da guarda prendê-la e trazê-la aqui amanhã Quarta feira de manhã.
--Seria melhor convidá-la Majestade – interrompeu Azafiz – prendê-la poderia agravar ainda mais a situação, foi um erro de Vossa Majestade jogá-la entre os salteadores, agora ela os conquistou e se voltam contra Vós, mande sequestrá-la, mas paci- ficamente.
--Providencie então, faça o que achar melhor, mas quero falar com ela amanhã cedo - determinou o Rei.
--Ela estará aqui – afirmou Azafis.
                 Na Quarta feira de madruga Ananias mais dois soldado partiram em busca de Joaninha, para sequestrá-la, mas quando foram chegando perto da zona proibida Ananias avisou.
--Vamos, com calma, eu não tenho nada contra ela só a vou levar porque Horácio me pediu para fazê-lo, não vou sequestrá-la e sim convidá-la para ir e nos a guardaremos com a nossa vida.
--Eu, e meu colega aqui estamos dispostos a ajudá-la – disse alegremente o soldado – estamos com ela, alias toda a guarda do palácio esta do lado dela.
--É porque chegou à hora – afirmou o capitão.
                Chegando a casa de Míriam era ainda escuro da madrugada e Ananias batendo a porta chamou:
--Mirian é Ananias eu vim em paz, abra à porta e deixe- nos entrar.
                 Abrindo a porta os três homens entraram
Rapidamente, lá dentro estavam somente as três mulheres.
--O Duque mandou raptá-la não viemos para isto.
--Então? A que viera?
--Viemos porque Horácio nos ordenou que a levássemos, pois é chegada a hora.
--Então eu irei com vocês.
--Sozinha – questionou Míriam.
--Não vamos todos nos – respondeu Mestiço que acabava de chegar acompanhado de Jafar e do poeta.
--Não, eu irei á frente, reúna todo o povo e vão para lá, mas desarmados e sem violência ou rancor – ordenou a jovem.
--A guarda nos impedira.
--Não impediram ninguém já está tudo acertado, podem entrar pacificamente porta adentro. Não haverá reação.
--Então vamos. – disse Jafar e se voltando para Joaninha olhou-a suavemente em seu rosto e completou – Tome cuidado contigo
--Deixa que eu cuide – defendeu Fulustreco.
--Seu periquito assanhado, o que pode fazer?
--Espere e verá.
                 Os três homens partiram levando Joaninha e seu papagaio falante e a conduziram a presença do Rei que já a esperava aborrecido com o atraso.
--Com que e por que anda incitando o povo contra mim?
--Não, tenho pregado a paz e a harmonia, vede que as violências se acabaram e o povo esta alegre.
--Mas, falam de rebelião?
--Falam é de liberdade.
--Liberdade? O que mais querem do que a que já os dei?- gritou o Rei
--Querem ser livres e querem ter o direito de irem e virem a vontade.
--Mas aqui dentro eles são livres.
--Liberdade não conhece fronteira Majestade – enfatizou a enviada.
--Pretendem que eu abra o caminho?
--Só assim serão livres.
                 De repente as portas do Palácio se abriram de chofre e um tumulto enorme se fez ouvir. O povo invadia o Palácio ante a atitude pacifica da guarda do Rei que nada fez para impedir e se juntaram a massa.
--Mas o que é isto – gritou o Rei encolerizado – guardas detenham este povo.
--Ninguém os impedira Majestade, por favor, escute o que a enviada veio lhe dizer- suplicou Ananias.
--Traição - blasfemava o Rei.
                 O castelo estava todo tomado de gente humilde que se mantinham calados pacificamente a espera do desenrolar dos fatos.
--Escute-me Majestade, olhe, seu povo está calmo e eles lhes amam, eles querem apenas a liberdade e viver felizes e sem opressão.
--Se eu abrir o caminho irão todos embora e meu reinado estará terminado.
--Engano seu, pode ser que alguns se vão, mas a maioria ficará e lhe serão fieis.
--Não acredite nela – gritou o maldoso Azafiz _ e tomando a lança de um soldado jogou-a contra a jovem, mas, para o espanto de todos a lança a atravessou e se espetou no chão mais adiante e nada aconteceu à enviada.
--Guardas prendam este homem – ordenou o Rei.
                 Azafiz foi imediatamente preso e encarcerado, terminava ai os dias de um perverso ministro que tumultuou a vida de um povo humilde.
--Ele será deportado, será banido de nossas terras.
--Viva o Rei –Viva o Rei – gritava a multidão e o Rei gostou.
--Venha convidou Joaninha, vamos até a janela da sacada e de lá poderá melhor falar com seus súditos e verá o quanto o amam.
                 Ao chegarem à janela depararam com o pátio do Palácio repleto de milhares de pessoas e todos davam vivas ao Rei – que emocionado levantando os braços a pedir silêncio, falou:
--Meus amados súditos andaram pela senda do pecado e da ignorância, pequei contra vocês e sou humilde para reconhecê-lo, eu vos devolvo a liberdade total de agora em diante, quem quiser ficar que fique quem quiser partir que assim seja, e se me quiserem como seu Rei e Líder eu desde já nomeio meus novos Ministros, Horácio, Rosa-cruz, Jafar, Ananias será o Comandante Geral da Guarda e meu amigo Arcanjo nosso poeta e cantador para seus dias se tornarem mais felizes – interrompeu Arcanjo.
--Bem, meu querido povo me responda agora: ainda me querem como seu Rei?
--Viva o Rei – Viva o Rei.
--Querem ser meus súditos livres como as aves?
--Sim Viva o Rei – respondiam seguidamente.
--Bem ao que parece chegou à hora de me ir embora, “mas não se esqueça Majestade que o verdadeiro Rei é Jesus Cristo o Filho de Deus, não o largue um só minuto de sua vida, ele lhe dará conselhos e ordenará aos seus anjos que os proteja pelos restos de seus dias, portanto, sede humilde como as pombas, e ame ao seu próximo com sabedoria e será um rei eternamente feliz e seu povo o amará”               
                 Joaninha acenando com a mão lá da sacada quando uma nuvem branca a envolveu e ela desapareceu daquele mundo encantado de Fiz, para acordar na sua caminha fofa, lá na fazenda do Coronel Lúcio.
                 Este foi meu sonho Coronel, me pareceu uma realidade.                                    
                 Outros que estavam ali ouvindo eram os velhos Camilo, João Pinheiro, e Savarú, Joaninha olhou para eles e um frio entrou na sua alma.
--Nossa mãe o que lhe aconteceu menina?  Esta pálida. Parece que viu uns fantasmas? Só porque sonhou conosco?
--E vi mesmo – Será que eles acreditaram? Monologou.
--Chiii... Você ta diferente – alertou Savarú – arranjou até uma pulseira, será que é a do sonho?
--Então foi tudo real – pensou a jovem apalpando a pulseira.
--O que foi agora? Perguntaram todos.
--Nada, nada demais, depois eu explico.

                                                *                                  
02) - “Raimundinho e o Rábula”.

                Raimundo Pereira da Silva era um jovem piauiense que não tinha mais do que 18 anos, já trabalhava há quase dois anos na Fazenda do Coronel Antero no interior de Mato Grosso, bem lá no fundão, longe da civilização.
                 O Coronel era muito severo e famoso por sua violência, qualquer desaforo ele ou mandava para ser chicoteada no tronco a guisa dos escravos, ou mandava matar.
                 Raimundinho era do tipo pequeno e ligeiro como a maioria do nordestino e bem mandado, fazia de tudo inclusive namorar a filha do patrão às escondidas.
                 O tempo passava e os encontros fortuitos se amiudavam e um dia a menina Rosinha chegou-se a ele e lhe disse:
--Raimundinho não dá mais para segurar estou grávida, você tem que falar com meu pai.
--Virgem Maria! Se ele souber sei que vou morrer!
--Se você não falar ele descobre de qualquer jeito, pois a barriga já está aparecendo e quando ele desconfiar ai que ele vai te mandar matar dum jeito ainda pior, mas eu vou ficar do teu lado, crie coragem e enfrente a fera.
--É... Eu acho que é o jeito, vamos deixar isto para amanhã?
--Crie coragem home! Vou torcer por você – incentivou Rosinha.
                 Naquela mesma manhã Raimundinho se encheu de coragem e foi procurar o Coronel:
--Preciso falar com o senhor, é um causo meio serio - mal falou o jovem.
--Fale logo, não tenho tempo a perder com peão – resmungou a fera,
--Coronel – começou o rapazinho que tremia mais que uma vara verde - É... Que eu e a Rosinha estamos namorando...
--O que? - vomitou o Coronel.
--É... Isto que o senhor ouviu, estamos namorando e nos queremos nos casar...
--Você vai se casar é com uma boa surra lá no tronco peãozinho safado - vociferou o Coronel e continuou – quem te deu liberdade de ao menos falar com minha filha e ainda mais namorar?
--Mas coronel! O senhor vai ser avô.
--Vocês dois estavam me enganando ás escondidas?
--Papai... - tentou intervir a jovem.
--Cala tua boca, não quero escutar mais nada e você vai para dentro de casa e fique junto a tua mãe depois vamos conversar seriamente! Quanto a você seu peão desaforado vai para o tronco e vou mandar lhe dar trinta chicotadas e depois eu vou decidir se te mato ou não!
                 Lá se foi Raimundinho, dois outros peões o amarraram com os braços para cima que ficaram presos em uma argola no topo do tronco.
--Não arranquem a camisa dele quero ver o sangue nela.
                 Foi uma surra de arrancar o couro, mas o piauiense não deu um pio e nem se lamentou o que fez o Coronel assumir internamente um pouco de respeito pelo valente jovem.
                 Lá dentro da casa a mãe tentava consolar a filha que se derretia toda em lagrimas:
--Mãe, não deixe o papai mandar matar o Raimundinho eu amo ele de verdade e é muito bom para mim se ele morrer eu também morro, eu vou lá levar água para ele.
--Não faça isto teu pai não vai gostar nada!
--Pouco me importa e ele pode até mandar me chicotear também, mas eu vou.         
                 Rosinha encheu uma pequena cabaça de água fria e foi até o tronco, mandou os peões soltá-lo, mas o Coronel estava vigiando e eles ficaram com medo e não quiseram o desamarrar o que irritou a jovem.
--Soltem-no estou mandando! Gritou quase histérica a mocinha. 
                 Mas os dois peões olharam para o Coronel como a perguntar o que deveriam fazer.
--Podem soltá-lo – autorizou o fazendeiro.
                 Raimundinho muito abatido sentou-se no chão junto ao tronco.
--Beba meu amor, não se incomode com meu pai não vou deixar ele te fazer algum mal.
                O peão bebeu quase o conteúdo todo da pequena cabaça e olhando para sua namorada agradeceu:
            -- Mais ainda? Obrigado peça para me levarem para a minha cama lá no barracão eu não vou aguentar andar.     
                 Rosinha ordenou aos dois empregados que levassem Raimundinho pra seu barraco, mas o levassem com jeito e assim fizeram, eles o levantarão e o conduziram até o barraco e Rosinha sempre os acompanhando, depois de deitado na cama à jovem sentou-se ao seu lado e quando ia lhe tirar a camisa ouviu a voz de seu pai;
--Largue este homem ai, não me desobedeça!
--Primeiro eu vou curar as feridas dele.
--Não vai não!
                --Deixe minha filha que eu cuido dele vá para casa interveio sua mãe que acabava de entrar.
--Mas mãe?
--Nem mais e nem menos faça o que sua mãe lhe disse.
--E você mulher? O que está acontecendo contigo?
--Ele é pai de nosso neto, você quer matá-lo? E depois como vai se sentir quando o menino nascer? E quando ele crescer vai dizer que matou o pai dele?  
--Tudo bem, mas assim que ele melhorar ele vai para o retiro e terá que ficar lá um ano. 
                 Naquela noite o Coronel e os dois peões após todos estarem dormindo foi até o barraco do Raimundinho e de arma em riste e acordando o ameaçaram:
--Vou te dar uma chance para não ter que matá-lo, antes do dia amanhecer, ainda escuro, pegue a sua trouxa e vá para o retiro sem falar com ninguém, se alguém souber, eu mando te matar escutou? Ai fora tem uma burra com tudo que você vai precisar depois te mando mais.
--Está bem, eu vou-me embora e agora mesmo para o retiro e antes do meio dia eu estarei lá.
--Faça isto arrume a sua trouxa e vá para o retiro da água amarela vai ficar lá por dois anos e se fugir eu mando te matar.
                 E assim foi feito e Raimundinho com a roupa toda estraçalhada do chicote seguiu rumo o longínquo e solitário retiro puxando a mula pelo caminho, como ia de cabeça baixa não havia notado aquele homem bem vestido que vinha montado a cavalo e parando ao seu lado lhe falou surpreso.
--Que foi que aconteceu contigo meu jovem parece que veio de uma guerra?
--Que nada doutor foi o Coronel Antero que mandou me chicotear.
                 Descendo do animal o forasteiro sentou-se a uma sombra e chamando Raimundinho lhe ofereceu um pouco de água e prosseguiu:
--Conte-me tudo, quero ouvir...
--Bem... Eu estava namorando a filha do Coronel, mas escondido e ela acabou se engravidando e é este o rolo que esta dando pau na minha moleira.
--Muito interessante, então a menina está buchuda e você está desterrado, me diga uma coisa o Coronel é rico?
--Muito.
                --Então me fale sobre você de onde você vem quem é seu pai e quem são os seus familiares e quando chegou por aqui?
                 --Bem eu vim de Campo Maior no Piauí, faz  dois   anos
que eu cheguei à fazenda do Coronel e me chamo Raimundo Pereira da Silva.
                --Muito bem, já anotei tudo, você quer mesmo se casar.
Com esta menina?
                --Claro que eu quero.
                --Então vá para o retiro e espere as notícias minhas, mas, quando estiver casado eu quero receber vinte por cento da tua herança de acordo?
                --Mas eu não tenho nenhum dote.
                 --Só quero que aceite o trato e não fale nada com mais
ninguém, Feito?
--Feito - respondeu Raimundinho intrigado.
                 Raimundinho seguiu viagem para o retiro e o forasteiro foi para a vila.
                 No dia seguinte isto é, dois dias depois da saída de Raimundinho o Coronel Antero viu um automóvel Ford Modelo 29 chegar à porta de sua fazenda. Dele desceu um homem bem visto que cumprimentando o dono da casa e foi se apresentando:
--Sou o Doutor Advogado Valdir Rabelo.
--Muito prazer, sou o Coronel Antero Vieira Lima, em que posso servi-lo.
--Vim à procura do Senhor Raimundinho Pereira da Silva, mais conhecido por Raimundinho, me informaram que ele trabalha para o Coronel?
--O que foi que este indivíduo fez desta vez?
--Espera ai Coronel o Raimundinho é um velho amigo lá de Campo Maior no Piauí, e faz uns dois anos que sumiu aqui para o Mato Grosso e só tive noticias dele agora, pois já faz mais de ano que eu o ando procurando.
--Mas afinal procurando-o para que?
--Para entregar a herança dele os pais dele morreram há de um ano e meio atrás e deixaram uma bruta herança que são dois Frigoríficos e duas Usinas de Cana de Açúcar e muito dinheiro, hoje ele e um dos homens mais ricos do Piauí.
--É...  De fato faz quase dois anos que ele anda por aqui e veio mesmo de Campo Maior e o nome dele é Raimundo Pereira da Silva.
--Pois bem vá chamá-lo quero dar um abraço no meu velho amigo a quem faz tempo que procuro.
--Espera ai, não é assim não, o Raimundinho é meu genro, ele vai se casar com minha filha depois de amanha, no sábado e ele foi lá para o retiro pegar uns garrotes gordos para matar na festa.
--Então eu devo ir ate lá – ameaçou o Rábula.
--De jeito algum, o Doutor vem aqui no Domingo, que vai ser só festa e então fala com ele.
--Então esta bem, eu estou mesmo bem, eu vou descansar hoje e amanhã e no Domingo cedo estarei aqui, me faça o favor de avisar que o seu amigo Dr. Waldir o está procurando.
--Tudo bem assim será feito.
--Então... Até Domingo – se despediu o rábula-
--Até Domingo - sorriu o canastrão-afinal um genro muito rico era outra coisa.
                 Antero mandou buscar o Raimundinho e para a surpresa de todos se desculpou:
--Raimundo, eu estive pensando, se você e Rosinha se gostam não vai ser eu que vou botar gosto ruim, mas tem uma coisa vou trazer o padre aqui amanhã e vocês se casam e eu vou lhe dar um dote muito bom um bocado de terra e 300 vacas de cria.
--É serio Coronel?
--Pode me chamar de sogro e você minha filha está satisfeita?
                       Rosinha não sabia o que falar.
                       --Eu não acredito, é preciso acordar primeiro, devo estar sonhando - balbuciou a jovem. E a mãe que estava escutando quase desmaiou, não acreditava no que estava acontecendo, tinha alguma coisa por traz disto tudo.
                 E assim foi feito, daí para frente foram sós abraços e o Coronel ficava cada vez mais gentil o que surpreendeu todos da fazenda. O casamento foi realizado na sexta feira e a seguir o fazendeiro entregou a moça ao rapaz e passou a chamá-lo de “meu filho”.
                 No sábado foi só festa que amanheceu o Domingo com o pé de bode tocando, churrasco e pinga a vontade e todo mundo dançando na sala da casa e na cobertura improvisada. Era foguete explodindo por todos os lados.
                 O fazendeiro lá da porta, vigiava a estrada esperando o doutor rábula, quando viu a poeira levantando lá ao longe se alegrou vem chegando o homem que não tardou a encostar o novíssimo Ford 1929 no terreiro da fazenda e apeando dirigiu a porta da casa aonde o coronel o esperava e foi cumprimentando:
--Bom dia Coronel
                --Bom dia Doutor.
--Bem vamos ao que interessa quero rever meu velho amigo Raimundinho para lhe dar a grande noticia, onde esta ele?      
--Olhe... Bem ali no meio dançando com minha filha – mostrou satisfeito o coronel.
--Mas... Aquele ali não e o Raimundinho que eu estou procurando, é muito diferente do meu amigo, me desculpe coronel, tenho que ir para continuar a procurar o meu amigo – e colocando o chapéu na cabeça o advogado sem mais nem menos se afastou e entrando no carro partiu deixando o Coronel de boca aberta sem saber o que falar.
                 E o Raimundinho, meio chumbado agarrado na cintura da mulherzinha suada enfrentava animadamente a rela bucho.
                 Não havia mais nada a fazer, mas o Coronel aprendeu a lição e finalmente acabou gostando do resultado e muito mais dos netinhos. Raimundinho se tornou á segunda pessoa do Coronel e todos viveram felizes por muitos anos.  
                                                           *
   
 03)- “O valente que custava esquentar”.              

               Numa pequena vila no interior do Estado de Goiás, hoje Estado de Tocantins conta-se que há muitos anos atrás havia um homem muito mau, ele já tinha matado a varias pessoas que moravam naquela vila e todos tinham muito medo dele, o seu nome era simplesmente “João Cascavel”.
                 Magro, alto, andava sempre de botas, cinturão largo com revolver Colt cavalinho calibre 38 e um punhal atravessado na guaiaca arredonda de bala e, em sua mão, sempre trazia uma pinhola feita de couro de veado mateiro com argolas de metal reluzente junto ao cabo de madeira polida que servia de empunhadura.
                 Quando ficava zangado a fazia estalar com um tinido mais parecido com um tiro de carabina sempre cada chicotada que dava no ar espantava todos que estivessem por perto, e o pior é que ele tinha por mania escolher aleatoriamente qualquer indivíduo, quando saia de casa bem cedinho sempre elegia sua próxima vitima o primeiro que aparecesse em sua frente para ser castigado.
                A futura vitima sempre deveria ir para praça da matriz, ali bem em frente à igreja e esperar no pátio do jardim ao meio dia, bem na vista do velho Padre, que só fazia orar e levantar as mãos para o Céu, pois até ele já tinha apanhado duas vezes e as cicatrizes ainda não haviam sarado e o pároco quando lembrava, passava as mãos nas costa, gemia e invocava todos os Santos e as Santas:
                 --Valha-nos Nossa Senhora do Bom Parto, nos ajuda minha Santa Luzia da Fumaça - e nenhuma delas aparecia, mas o Clérigo insistia miudamente - nos socorra Nossa Senhora do Perpetuo Socorro, mas ela também não vinha e Pároco ficava lá de longe implorando e acenando os braços.
                 Aquele fim de semana até então havia sido tranquilo, mas os moradores nem se atreviam a sair cedo com medo de encontrar a fera.
                 Quando o valentão escolhia seu vitima, seja lá quem fosse homem, velho, mulheres todos teriam que se sujeitar a sua sanha facínora.  
                 E se não fosse para receber o castigo, ele o perseguiria até encontrá-lo e matá-lo.
                 A Vila vivia apavorada.         
                 Nicomedes, ou mais conhecido por Nico, um viúvo de meia idade, muito pacato, já havia sido espancado duas vezes e as ferida ainda não tinham sarado, naquele dia infortunado por azar saíra mais cedo de casa tentando as escondidas fugir da vila, ele sabia que o dia de Domingo estava chegando e alguém iria pagar o pato, pois era o dia preferido do valentão, mas ao dobrar a esquina deu de cara com o dito cujo que foi logo lhe esfregando o dedo na cara dizendo:
                 --Você de novo? Amanhã ao meio dia e não vá fugir heim?
                 --Não faça isto comigo seu Cascavel – chorou o homem.
                 --Se não aparecer morre – foi á sentença.
                 Nico quase desmaiou e desistiu de fugir e voltou para casa e se sentou na varanda com a mão na cabeça quando alguém falou cumprimentando-o:
                 --Bom dia moço pode me dar um copo de água?
                 --Entre e beba a vontade, pode até beber tudo.
Murmurejou o coitado.
                 --Mas... O que o senhor tem? Parece muito aborrecido?
                 --É que amanhã é meu dia.
                 --Dia de que meu amigo? Insistiu o magricela que pedira água.
                 --Dia de apanhar até morrer – auto se sentenciou.
                 --Explique-me, talvez eu possa lhe ajudar.
                --O senhor não é daqui desta cidade?
                --Não, acabei de chegar de trem.
                --Então você não sabe dos acontecimentos daqui?
                --Não.
                --Está bem – começou Nico – Aqui nesta cidade mora um valentão chamado Cascavel que já matou vários moradores espancou e aleijou a muitos outros. - E contou toda história inclusive que já tinha apanhado duas vezes e mostrou as marcas nas costas.
                 --Puxa?...O homem é terrível, mas... Vou ver o que eu posso fazer para te ajudar se eu me esquentar sou perigoso, amanhã eu vou até a praça.
                 No outro dia,  ao meio dia lá estavam todos as espera do homem mau, Nico já tinha tirado a camisa e o magricela que se propôs a ajudá-lo estava encostado em uma arvore fumando calmamente um cigarro de palha, nisto o João Cascavel chegou estalando a pinhola.
                 O povão correu para mais longe e ele sem contar conversa mandou Nico se virar de costa e ajoelhar e o começou a chicotear o pobre Nico que agarrado a um poste apanhava e gemia feito um bode sangrando, mas sempre olhando para seu companheiro e pretenso salvador que nem se mexia do lugar.
                 Depois de apanhar muito o tal de Cascavel começou a enrolar a pinhola e disse:
                 Pode ir para casa covarde, mas vendo o magricela encostado ali juntinho perguntou:
                 --O que faz ai?
                 --Vim ver meu amigo apanhar – respondeu o chegante.
                 --A é? Pois você vai apanhar um pouco também – dizendo isto soltou a pinhola no ar e a estalou.
                 --Olha é melhor não fazer isto, eu posso me esquentar e ai que mora o perigo.
            --Então vamos te esquentar para ver este perigo – e dizendo isto João Cascavel lançou a pinhola contra o outro que recebeu e a chicotada dizendo:
            --Agora já me esquentei.
            --Então esquente mais – e tornou a chicotear o seu desafiante que num gesto rápido agarrou a pinhola pela ponta e puxando-a violentamente jogou o valentão no chão, seguidamente tomou o cabo da mão do bandido, que tendo tudo ocorrido tão rápido nem conseguiu se mover e continuou caído no chão, violentamente e com o mesmo cabo argolado golpeou varias vezes a cabeça do valentão até ele ficar quieto sem se mexer, a seguir enfiou o dedo no olho do brabão e disse:
            --Pronto este já morreu.
                 Todos foram chegando para examinar o defunto, pois não acreditavam que tinham se livrado do bandido foi quando Nico se abaixou e triscou varias vezes o dedo no olho do finado e quando viu que a peste estava mesmo morta olhou para o chegante e disse com uma voz lamuriosa:
                        --Companheiro você até que é bonzinho, mas custa demais para esquentar.            

                                        *
 04)-“A mulata Efigênia”.

                  Era uma manhã bonita de sol claro, céu sem nuvens, apenas uma brisa suave, mas já trazendo o calor do sol, enfeitavam aquelas vielas quase despidas que contavam apenas com umas poucas e pequenas arvores, eu sempre acordei cedo e naquele dia, eu procurava um amigo para conversarmos como habitualmente fazia e não tinha me decidido ainda se ia a casa deles ou... Quando andava pelas ruas desta pequena cidade Mato-grossense a invejável vila de Luciara encontrei dois velhos amigos o Coronel Lucio e o Manduca ambos arrastavam seus sessenta anos, mas mantinham um espírito viril.
             --Compadre bom dia - e emendei a conversa - olha só o que vai passando ali – falei baixinho para mexer com eles mostrando uma morena escura, porque não dizer a mulata Efigênia uma conhecida nossa, de saia curtinha, peitinho empinado e uma bunda de fazer inveja, ela ia se requebrando ao atravessar a rua.
                   --Nossa... Veja só, foi o que minha mãe recomendou para tomar conta de mim – emendou Manduca.
                    A conversa girou entre os dois, eu bem mais novo fiquei só a escutar.
                   --Ali tem carne á vontade, olha só que perna bem feita e cheia, que bunda, que corpo...
                   --Tudo é bonito, é do jeito que eu gosto.
                   --Eu também gosto de mulher assim tipa cabocla, cheia e bem morena!
                   --Mulher assim ainda é a minha paixão!
                   --Qual a razão compadre?
                   --Sei lá, mas me inspira confiança.
                   --Como assim?
                   --Bem, eu se quiser ter uma mulher para parir um filho meu tem que ter estes atributos, corpo forte, pernas cheias e roliças, seios empinados, cintura delgada, pele lisa e escurinha e com uma popa de fazer inveja.
                   --Porque desta exigência toda – insisti tentando inspirá-lo.
                   --Ora, veja só, uma mulher como esta aguenta segurar um filho na barriga por nove meses e depois parir tranquilamente e criar, ela tem estrutura para isto, as mulheres morenas têm a carne mais dura do que as brancas e são mais quentes e são boas de leite.
                   --É... Faz sentido, se tivermos que imaginar uma mulher magrinha e buchuda é mesma coisa que colocarmos um peso na ponta de uma vara fina, ela acaba se envergando e quebrando.
                   --Meu amigo – interveio o baixinho arretado – mesmo sem querer, e sem notar, por instinto, nos, os machos, procuramos por selecionar as fêmeas mais fortes, mais novas e mais cheias para garantir a nossa produção, isto vem de dentro, nasce com a gente, é a lei da natureza, não há como modificar esta situação.                                                                                                                                       A conversa estava tomando o rumo que eu gostava por tal razão insisti com o compadre para nos sentarmos em um banco embaixo da sombra de uma pequena arvore, eram uns banquinhos duros, mas ajeitados, já eram quase dez horas da manhã e o sol começava a esquentar e eu também, afinal os dois amigos estavam na casa dos sessenta, tinham direito a esta conversa.
                   --Diga-me – perguntei – será por esta razão que a gente repara primeira é na bunda das mulheres?
                   --Não só na bunda, mas no quadril todo, é como a cabine de um carro aonde se entra e se sai toda hora, é o molejo que mantém a maciez da estrutura, ali mora a responsabilidade já pensou um carro sem cabine?
                   --Você gosta de menina nova?
                   --Eu?...Quem é que não gosta!
                   --É porque menina nova não gosta de velho?
                   --Porque ela também quer garantir a produção e o abastecimento pela vida o fora, já imaginou mesmo se for velho e rico a gente tem mais chance, mas não é a mesma coisa, pode se ter maneira de suprir umas coisas, mas outras não.
                   --É verdade – confirmei – mas o nosso carinho é maior.
                   --O carinho até pode ser, mas a mulher não vive só disto, elas gostam de gente mais nova porque estão sempre com abateria carregada.
                   --E as mulatas, como a Efigênia?
                   --Aquela que passou aqui?
                   --Sim.
                   --Vejamos, as mulatas são para mim iguais a um pneu sobressalente, que a gente vê com carinho e reserva, mas não pode deixar de tê-lo, e o gostoso é passar a mão toda hora para ver se está cheio.
                   --Pois para mim é igual ao vinho que a gente guarda para a hora do frio, aquece e faz a gente feliz, não é exigente, mas de boa qualidade, são simples como as pombas, mas vigorosas tais um tufão e são de um paladar a toda prova.
                   --E o amor? O que você pensa dele?
                   --Amor?...Isto aí é um bicho complicado de se entender e de explicar, eu acho que se nós temos cinco sentidos o amor é o sexto, se dizem que somos feitos de água e minerais, o amor não passa de uma reação química que desperta o desejo de dependência e instrui ao cérebro o nosso comportamento, não é apenas o desejo carnal e nem é a adoração eterna, é uma nuvem passageira que flutua na alma e nos enche de vontade de viver, amamos a tudo desde as coisas mais simples ás que não vemos, o amor nunca chega e fica ao topo esta sempre oscilando subindo e descendo, só assim a esperança de um verdadeiro e grande amor nunca morrerá, pode estar sempre na próxima nuvem que passar, nós amamos um pedaço de pão porque desprezamos a fome, amamos o impossível porque ele nos põe a prova, amamos o abstrato porque não podemos tocá-lo, amamos a DEUS porque ELE é o nosso Criador, amamos nossos inimigos porque os odiamos, amamos as crianças porque temos dó delas por serem tão vulneráveis, amamos a paz porque detestamos a violência, amamos a compaixão porque cria dependência, mas o verdadeiro jeito de amar é como a equação matemática, não se diminui, não se soma e nem se tira só se divide, é aceitar as pessoas como elas são compartilhando tudo, mas como já afirmei o amor é muito difícil de se descrever, eu pergunto: até quando e aonde vai a tolerância? A dedicação? O respeito e a abnegação de um para com o outro? A realidade meu amigo é que este nosso mundo não é de ninguém e não existe o compromisso carnal do amor eterno. O amor é a presença, saudade é a ausência, o desprezo é o lado escuro da alma. Vivemos muito sozinho rodeado de gente sozinha, temos a solidão por companheira e vemos o mundo na alegria dos rostos jovens, mas o verdadeiro amor é a paz interna, para tanto precisamos jogar fora à vasilha onde guardamos as coisas ruins e os momentos de amargura que estão dentro de nossos corações e deixarmos apenas a vasilha onde estão depositados os bons momentos de alegria, felicidade, se o amor fosse um bolo os ingredientes seriam: “Uma pitada de tristeza, uma colher de chá de solidão, uma colher de sopa de cumplicidade, uma xícara de afeição e saudades à vontade”, porque recordar as coisas boas é viver duas vezes, assim estaremos sempre ansiando pelo momento feliz de nos encontrarmos com nossa alma gêmea, aí então o coração explodira e uma vida inteira será reduzida em apenas uma fração de segundos, passa-se pelo túnel do tempo para o eterno, assim quando estas almas se fundirem terão chegado ao apogeu tão sonhado para nunca mais acordar. Será viver sonhando, ai então não haverá mais escuridão ou trevas, tudo serão luz e paz para sempre.
                   --Puxa, você é quase um filosofo – completei o que você falou de alma gêmea?
                   --Sim... A nossa alma gêmea? Elas estão por ai, é o nosso outro pedaço bom, é o nosso todo, é quando o amor verdadeiro se completa, um dia todos as encontrarão, mas a minha eu já encontrei e ela se foi, um dia um amigo, querendo me consolar da morte de minha esposa me falou: ”Todas as criaturas são de Deus Ele as empresta e as toma de volta, você é que é ruim para devolver o que toma emprestado” não gostei, pois é na velhice que mais precisamos um do outro, mas... fazer o que?
                   Ai eu entrei na conversa.
                   --Por falar em alma gêmea me lembro que quando jovem, ali pelos meus dezessete anos, eu estava sentado dentro de um ônibus esperando-o partir, bem ali ao lado da fabrica de macarrão do Del Bonno quando uma jovem passou pela calçada do meu lado bem embaixo de minha janela, senti que minha alma era invadida, fiquei paralisado como se tivesse levado um choque, ela também parou se virou e olhou bem nos meus olhos, vi que ela queria falar alguma coisa, por um instante me senti no paraíso, não conseguia saber o que estava acontecendo, após uns minutos ela seguiu em frente, senti que estava perdendo alguma coisa muito importante, o ônibus saiu e ainda passou por ela que me olhava insistentemente, logo a perdi de vista, me arrependo até hoje de não ter descido do ônibus.
                   --Perdeu? Dançou paulista, agora é só esperar pelo que te aparecer.
                   --Compadre há um ditado que diz que quem ama perdoa.
                   --Perdoa tudo?
                   --Bem... A bíblia diz que tem que perdoar não só sete vezes, mas, setenta vezes sete, mas eu acho que quem erra merece castigo porque se a perdoarmos estaremos redimindo o seu erro e ele deve ser corrigido para que não venha a reincidir, a gente pode até perdoar um erro infantil, mas não sem uma advertência.
                   --Mas... Se a bíblia diz que devemos amar o próximo como a nos mesmo?
                   --Mas diz também que “infeliz do homem que confia no outro” e que “toda arvore ruim deve ser cortada e lançada no fogo”, como é que se faz em uma situação desta?
                   --Nada compadre, nada mesmo, é melhor esquecermos estas coisas, já sofremos demais por causa dos outros, os filhos já não amam mais os pais, poucas mulheres ainda respeitam os maridos, os homens estão virando xibungos, a violência campeia solto e o sofrimento já não sensibiliza mais ninguém, é... Está difícil... Muito difícil mesmo.
                   --Na nossa idade já tivemos muitos momentos bons e muitos momentos ruins, mas o que nos restou?
                   --Só o peso da idade e nos chamarem de “velho”.
                   --Vamos ver até aonde vamos chegar, bem... Chegamos a uma simples conclusão que: O verdadeiro amor está no dividir e no compartilhar em tudo com os nossos semelhantes como a mãe que amamenta o seu filho”
                   --É isto ai compadre Cirso, mas eu vou para casa, esta chegando o dia de Natal e pode ser que alguém venha a me convidar para participar em família.
                   --É. Eu também estou nesta – amarguei meu sussurro.
                   --Uai cadê a Dona Maria, e os dois meninos?
                   --Maria esta tratando da saúde muito longe daqui e meus filhos estão com ela e estão muito pequenos ainda, será que vão se lembrar de mim?
                   --Ah... Largue isto de mão e vamos passar ali no “Pedro Rico” para tomar uma saideira.
                   --Vamos lá compadre, vamos Dankmar, afinal uma “Chora Rita” não faz mal para ninguém.
                   E lá se fomos nós rumo ao boteco e depois de tomarmos um pequeno gole da danada fomos cada um para casa, levando em nossos corações os minutos que passamos junto compartilhando tudo, afinal estávamos todos nos preparando para a nossa “Grande Caminhada e sabíamos que iríamos sozinhos”.             

                                                      *                        
Capitulo 08

Curtas do folclore brasileiro “CAMILO” 
        O velho vaqueiro e algumas de suas lorotas.
                       Era por ai entre 1949 a 1955
                            
                      Camilo era um velho vaqueiro e também amigo do peito do negro Valentin que conhecia todas as lorotas do velho que por sinal era o rei dos mentirosos, suas historias eram famosas, e quando reunido e ás contava era preciso segurar o riso, pois ele certamente os tomaria como uma desfeita e o perigo poderiam morar ali, era também um velho morador da Ilha do Bananal, sua posse, conhecida como o “Caracol”, na beira de um ribeirão do mesmo nome, ficava não muito longe da Barreira de São Pedro onde o Aleixo Paciente era vaqueiro e gerente da fazenda de Ubaldino Rios que residia na cidade de Goiás Velho antiga Capital do Estado de Goiás, nos reununimos muitas vezes com ele naquela casa alegre enfeitada de moças bonitas, a Noemy, Mundica, Maria e Jerônima, a dona da casa espirituosa e jovem igual ás filhas se chamava simplesmente Joaninha, vejamos algumas destas lorotas que ele Camilo me contou:                                

                                                                  *
01) -“O piquenique”.

                 Pelo rio Araguaia abaixo, podia se avistar lá do alto da barreira de São Pedro, na volta do rio, quase sumindo na curva, uma belíssima ilha que tinha na sua ponta de cima uma pequena e branca praia de areia resguardada por arvore frondosa que se lhes emprestavam o frescor das sombras que se envolviam com as brisas suaves vinda das águas que marulhavam baixinho num murmúrio constante, e, foi nesta ponta de praia que ele escolheu para fazer o seu piquenique, só ele e sua namorada Felismina, jovem, faceira, morena escura, da perna grossa e um frondoso traseiro era a paixão do velho que a bandidinha o enrolava com meiguices e carinhos, tudo teria que dar certo naquele dia, senão...
--Felismina... Vamos fazer um piquenique na ponta da praia da ilha do boi?
--Porque não xodozinho.
--Olha, não fale assim perto dos outros, o que vão pensar de mim?
--Vão pensar que este coquinho bravo amoleceu até a casca.
--Deixe de brincadeira, vamos ou não vamos?
--Vamos uai, só farta arrumar os come-se e bebe-se.
--Já ajeitei tudo até a minha Lazarina do dente de ouro vou levar, porque se arguem quizé bagunçá o nosso coreto vai ter até defunto fresco.
                 “Lazarina era uma espingarda de um só cano comprido de quase um metro e meio, de carregar pela boca e espoleta colocada no ouvido pelo lado de fora (dente de ouro)”.
                 Lá se foram os dois e a traia da festinha em uma canoa, foram chegando e aportando. Camilo tirou os pertences, puxou a canoa bem para o seco e começou a arrumar o pano no chão já varrido pela baixinha da bunda grande, foi quando ele ouviu uma voz:
--“Quem é você?”
--Uai quem diabo está ai? Vai morrer...
--“Você quem é?” - Repetia seguidamente a voz – “Quem é você?” E depois, “Você quem é?”
                 Camilo zangado e de espingarda na mão avançou, passo a passo no rumo da moita e enfiou a “por fora” já ia atirar quando...
--E ai Camilo? Porque não atirou? Quem era? - Perguntou à namorada.
--Ninguém não sô, num é nada não sô, é só um pedaço de disco velho quebrado que quando o vento balança mexe com um raminho de espinho que passa por cima dele, daí saí à voz “Quem é você” e quando o raminho vorta a voz fala: ”Você quem é...”.
                                         
                                                            *
02)-A cobra e a pinga...

                 Com a cara mais lerda do mundo ele contava uma mentira ou uma piada atrás da outra e foi nesta tonalidade que saiu a historia da cobra e da pinga
                 Eu, e o negro Horácio marido da Geronima ressorvemos i pescar lá no ribeirão 23, na ilha do Bananal, mas sô, nois nos esquecemos de muita coisa só não da cachaça Chora Rita, levemos duas garrafa da danada e já cheguemos bêbado na beira do Corgão, mas na hora de pesca, cadê a isca?
                 --Diga-me meu amigo, aqui é bom para pescá?
                 --Bom demais compadre, como diz aqui o seu velho Camilo: tem peixe até pra da cum pau.
--Compadre Horácio por falar em isca, não é que nos esquecemos de trazer as minhocas.
--Vigeee, agora quebrou dentro, vamos da um jeito de ter que matar alguns peixinhos com o facão.
                 Já estávamos procurando a facão quando ouvimos um sapo piando que nem pintinho, uma marvada cascavel havia abocanhado o bichinho que esperneava, ai veio à ideia.
 --Cumpadre ali ta nossa isca, vamos tomá o sapo da cobra.
--Vamos lá.
                 Horácio cortou uma forquilha e prendeu o pescoço da cobra no chão, e com outra varinha arranquei o sapo da boca da empesteada, que zangada escancarou a goela, nisto o cumpanheiro que estava com a garrafa na mão se apressou em falar:
--Segura a bicha cumpadre que eu vou pagar o trabaio dela - e dito isto despejou uma boa golada da cachaça na goela da cobra que saiu doida avoando por cima.
--Eta, cobra doida – comentei e estraçaiando o sapo fumo pesca.
                 Já havia passado uma meia hora quando ouvimos de novo o grito de um sapo, olhamos para traz e lá estava ela, a cobra com outro sapo na boca e quando nos viu jogou o sapo no chão e escancarou a goela.
--Diacho cumpadre marvada ta querendo é mais pinga.   
                                                           *
03) -“A Anta”.

                 Um dia eu mais a minha mué resorvemo i mata um pirosca (pirarucu m, peixe de escama que chega a pesar 120 quilos) de arpão, e lá se fumos nois para o lago da empuca, eu tinha deixado uma canoa naquela lagoa de água limpa que só, e quando chegamos embarquei na canoa, fui para a proa, ajeitei o arpão na vara, desenrolei a linha da arpoeira, quase da grossura de um lápis, o muié sentou na popa, no lugar do piloteiro e lá se fumo nois lago adentro, vi muito peixe, mas com a água limpa estavam veiacos e não conseguia chegar perto, nisto para minha surpresa, uma anta ia passando andando no fundo do lago bem por baixo da minha canoa ai eu gritei:
--Muié... Ai vai uma anta - e mostrei com o arpão.
--Arpoa marido!
               Não contei outra história, larguei o ferro na taba do pescoço da bitela que saiu doida correndo rumo à beira do lago, e eu, como não sou bobo, passei uma vorta da corda na proa da canoa e anta saindo da água começou a nos arrastar mata adentro então eu gritei para minha muié que estava agarrada no remo lá no piloto:
--Segura firme ai no piloto muié, vai livrando dos paus mais grossos que os mais finos eu vou levando no peito.
                 Lá se fomos nois, arrastado pela anta quase dois quilômetros mata adentro, ai ela cansou e eu a matei de paulada, mas a estrada ficou feita.
                                                                 *
04) -“A burra bonita”.

               Quando eu morava em Mato Verde (Luciara), eu tinha uma burra de seis anos que era a coisa mais linda deste mundo, mas a danada era veiaca que só crente extraviado, não dava arreio, mordia, dava coice, empacava, e se tivesse sorta tinha que chamar o exército nacional para pegá-la, eu, mais a muié resorvemo a vender e assim nois encabrestemos a compadecida e coloquemos na rua, na nossa carçada, para comer milho em um caixinha, eu já tava ficando pobre, a mula comia mais que eu e a véia junto, mas era o jeito um dia arguem ia aparece e compra a batuta. E não deu outra.
                 O sor já tava esquentando quando um estranho parou e ficou olhando a burra.
--Bonito animar, é pra vende?
--A muié é quem sabe.
--Quanto ocê da nela? - Perguntou a destabelada.
--Eu dou quinhentos reais.
--É besta não? Imagine só esta micharia?
--Está bem eu dou setecentos reais.
--Eu acho que tá bom muié.
--Qui bom nada seu véio froxo.
--Esta vendo à burra é dela, mas eu vendo se ocê chega mais dinheiro.
--Vou fazer mais esta oferta seu moço, novecentos reais.
--Você não vai vende a minha menina de estimação – gritou a muié chorando.
--Ta vendo moço ainda num dá,
--Olha! Só dou mil reais e nada mais.
--Se ocê vende minha burra eu te mato bandido miserave – esperneou a dona que derramava água mais do que bica sem torneira.
--O moço vai ter que me descurpa mais veja o estado da minha dona - falou mostrando a muié sentada no chão e chorando.
--Eu já vou embora e se quiserem mil e duzentos reais?
--Tá feito seu moço – respondeu o marido enquanto a mulher rolava no chão.
                  O tar pagou e carregou a burra rua acima.
                  No outro dia, pela manhã eu e a muié estávamos sentado na porta quando lá vem o moço puxando a burra.
--Num ti falei, que ele vinha desmanchar o negocio.
--Bom dia seu Camilo, dona Julia - cumprimentou o chegante.
--Bom dia moço, pur acaso ocê veio devorve a burra?
--O que é isto meu cumpanheiro, eu so home e quando faço um negócio ele está feito, mas eu vim lhe pedir um favor.
--Diga seu moço – perguntei mais alegre.
--Eu quero que vossa mice me empreste a muié pra chora pra mim ali em baixo enquanto eu vendo a burra pra outro.  
                                                 *
05) -“A História da geladeira”. 

                 Foi no mês de junho de 1962 quando aconteceu esta história no interior da ilha do Bananal, junto ao rio Jaburu na continuidade do Riozinho com o rio 24, bem na casa de um velho morador Senhor Oleriano que me contou como se passaram os fatos.
                 “Já era por volta das oito horas da manhã quando Oleriano e sua família estavam reunidas e conversando, derrepente uma caixa luminosa muito grande desceu no pátio da sua pequena propriedade, sem fazer barulho, mais se parecia com uma muito grande geladeira, ela ficou parada a menos de meio metro do chão e saíram de dentro dela três pequenos e magros homenzinhos, que caminharam até o velho patriarca e sem abrir a boca conversava com todos, eles explicaram a que vieram”:
--”Nos moramos muito longe daqui, no nosso mundo o nosso povo esta morrendo muito, nos estamos à procura de novos tipos de sangue para que possamos sobreviver, já andamos por muitos outros lugares habitados e constatamos que é somente aqui neste planeta que o povo tem vida mais longa e gostaríamos que nos dessem uma amostra de seu sangue para que quando chegássemos lá em nossas moradas o possamos fabricá-los”.
                 Todos nos ficamos com medo e não sabíamos como conversar com eles, mas...
--Sei que estão receosos, mas não precisam temer nos não lhes faremos nem um mal.
                 Assim falando o viajante chegou bem perto do velho e lhe segurando o braço apontou uma espécie de lanterna e a ligou sem encostar-se à pele, e, em poucos segundos o braço do velho foi ficando branco, como se o sangue estivesse fugindo, o visitante, agradeceu e fez o mesmo com duas pessoas depois disse:
--Já temos o que precisamos e agora tenho que voltar ao meu mundo – fez um tipo de agradecimento, entrou na geladeira nave e sumiram céu acima.
                 Devo lembrar que naquela época, especialmente naquele interior da Ilha do Bananal, nem rádio e nem televisão existia, esta história seria muito difícil de ser inventada por um povo humilde e simples.           
                                                                    *
06) -“O pão e os malandros”.
                
                 Contava Camilo que quando era criança ele morava na cidade velha de Goiás, sua mãe era crente evangélica e todos muito pobre, um dia ela colocou todos seus filhos, cinco ao todos, de joelho rezando pedindo a Deus pão para comer, e oravam em voz alta. “OH Deus querido manda pão para nos que estamos com fome...” e assim sucessivamente, acontece que um grupo de jovens malandros ia passando e ouviram os clamores das crianças e resolveram.
--Vamos enganar estes bestas?
--Como?
--Vamos comprar um saco de pão e jogar pela janela e quando eles forem agradecer a gente aparece e vamos rir na cara deles.
                 Compraram cinquenta pães e jogaram pela janela e a molecada caiu em cima agradecendo.
--Obrigado Senhor – Obrigado.
--Que Deus nada molecada nos compramos os pães e jogamos ai para lhes enganar – e riam a vontade.
--É... Que assim seja, mas de qualquer maneira foi Deus que usou vocês para fazerem isto e eu recebi a benção dos pães, obrigada – respondeu satisfeita a mãe dos meninos.       

                                                               *
“O rio bom de peixe”.

                Um dia, eu Camilo, estava conversando com um turista quando este lhe perguntou:
--O rio aonde você mora é bom de peixe?
--Tem peixe de mais.
--Mas é bom mesmo?
--Olha... É tão bom de pegar peixe que a gente para colocar a minhoca no anzol tem que virar de costa para o rio.
--Arre... É bom de mais -  respondeu o turista arrepiado.



                                                               *
                                                            
                                          
Histórias da colonização...
O índio questiona... “Para que cortar tanta madeira”.

  De acordo ao relato de Jean de Lery  em seu livro “Viagem a terra do Brasil” (1558) Um índio Tupinambá certa vez lhe perguntou: Por que os brancos precisam tirar tanta madeira das florestas? “Seria para leva-la a algum Deus? E Lery lhe explicou que a madeira seria levada para um homem do outro lado do oceano; Esse homem ia fazer tinta com ela para tingir  muitos tecido e depois vende-los – O índio não entendeu porque vender tantos tecidos  e acumular tantos bens e tornou  a perguntar: “Esse homem não morre”?. O branco respondeu que sim, morria, mas que acumulava bens para deixa-los  aos seus descendentes  quando morresse . O índio então concluiu  perplexo: “Sois grandes loucos...trabalhais tanto para amontoar  riquezas  para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimenta-los? “Temos pais e mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos que, depois de nossa morte, a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados”.  
  
                                                                    *

    
Autor: Wolfgang Dankmar Gunther
Cel. 66 84 07 11 93. Avenida Piraguassú 1415-
Porto Alegre do Norte MT., em 07/05/2017
CEP 78655-000                                                     

                                                                 FIM







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